Artigo Destaque dos editores

A actio ex empto em nosso ordenamento jurídico

01/10/1999 às 00:00

Resumo:


  • A palavra "ex empto" tem origem na expressão latina que significa "ação nascida de uma aquisição ou de uma venda".

  • A ação "ex empto" é utilizada para exigir do vendedor a entrega da coisa vendida, de acordo com o compromisso assumido no contrato de compra e venda.

  • O prazo prescricional da ação "ex empto" é de 20 anos, sendo aplicada em casos de venda "ad mensuram" para garantir a entrega do imóvel conforme o acordado.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

I – ETIMOLOGIA. DEFINIÇÃO

A palavra tem origem na expressão latina "actio empti aut vendit", que, nos dizeres de H. Pinagibe Magalhães (1) significa "ação nascida de uma aquisição ou de uma venda".

          De Plácido e Silva (2) define a ação ex empto como aquela "que compete ao comprador para exigir do vendedor a entrega da coisa vendida, de conformidade com o compromisso assumido do contrato de compra-e-venda, desde que lhe entregou o valor do preço ajustado, ou o sinal convencionado (arras)".

Para Affonso Dionysio Gama (3) a ação ex empto é aquela que "tem por fim forçar o vendedor a entregar a coisa vendida, ou a parte que falta".

O Eminente Ministro Costa Leite (4), em voto proferido em sede de Recurso Especial de nº 36.788-3, na Terceira Turma do STJ, citando Lafayette, diz: "Essa ação, isto é, a ação para obrigar o vendedor a entregar a coisa vendida, ou a parte da mesma que deixou de ser entregue é a ação ex empto".

É, portanto, a actio ex empto a ação que tem como escopo garantir ao comprador de determinado bem imóvel a efetiva entrega por parte do vendedor do que se convencionou em contrato no tocante à quantidade ou limitações do imóvel vendido, sob pena de ter o alienante que entregar a parte que falta do ajustado, rescindir o contrato ou ter o abatimento do valor pago ou a se pagar, contando ainda com a possibilidade de pedir, em qualquer destas hipóteses, indenização por perdas e danos.


II – APLICAÇÃO DA ACTIO EX EMPTO. A AÇÃO EMPTI E AS AÇÕES EDILÍCIAS. PRAZO PRESCRICIONAL. VENDA AD CORPUS E AD MENSURAM

A ação, conforme nos ensina Ovídio A. Baptista da Silva e Fábio Luiz Gomes (5), "é o exercício de um direito pré-existente", havendo, destarte, que existir um direito anterior à aplicação da actio perante o Estado-juiz. E que direito seria este condicionante do exercício da ação ex empto? Qual o prazo prescricional a ser aplicado? Em que espécie contratual caberia a aplicação deste tipo de ação? Vejamos a seguir.

O Código Civil, em seu art. 1.136, caput, nos confere a disciplina legal deste tipo de ação, qual seja, in verbis:

          Art. 1.136. Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área , e não sendo isso possível, o de reclamar a rescisão do contrato ou abatimento proporcional do preço. Não lhe cabe, porém, esse direito, se o imóvel foi vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referência às suas dimensões.

Da leitura deste artigo verificamos que resta respondida a primeira questão acima formulada, ou seja, sobre o direito condicionador do exercício da ação empti. Tal direito é o de entrega por parte do vendedor do bem imóvel em sua totalidade, de acordo com o avençado em contrato, sendo uma garantia pela quantidade ou dimensão do bem entregue em contrapartida a um determinado preço pago pelo comprador. Neste tipo de ação, penso ser possível encontrarmos legitimamente também o vendedor no pólo ativo do processo. Neste idêntico sentido, João Luiz Alves (6) declara que tal pretensão é pertinente, quando afirma que "se porém, a declaração envolve a garantia da área vendida, não sendo o vendedor obrigado a entregar mais do que vendeu, isto é, só sendo obrigado pelo que vendeu, parece que pode reclamar a restituição do excesso, se provar erro no entregar a coisa". É uma aplicação analógica e de discussão meramente acadêmica, sem qualquer importância na vida prática, haja vista a raridade de tal hipótese vir a ocorrer.

O direito de entrega da coisa certamente ajustada em contrato, não pode ser confudido com a garantia de vício redibitório, vez que, neste tipo de garantia o que se discute não é quantidade (aí sim objeto da ação empti), e sim a qualidade da coisa vendida, que tanto pode ser móvel como imóvel, diferençando-se, aí também, a ação ex empto, que, conforme o artigo acima transcrito, apenas recai sobre imóveis. No caso de garantia por vícios redibitórios, as ações cabíveis são as edilícias, quais sejam: a) a redibitória, em que se tem a entrega por parte do vendedor do recebido, mais perdas e danos; e b) a estimatória ou quanti minoris, em que se tem o valor do objeto contratual reavaliado a fim de que o valor do bem fique compatível com a qualidade do mesmo perdida, sem culpa do adquirente. Tal diferenciação é de extrema importância, vez que, devido aos efeitos resultantes da ação quanti minoris (edilícia) e da ex empto, pode-se haver confusão, porque, tanto a primeira, quanto a segunda, podem gerar para o vendedor o dever de abater o preço do valor do imóvel, não sendo por isso, contudo, que tornar-se-á a ação empti uma ação edilícia, pois aquela, conforme já dissemos anteriormente e voltamos agora a frisar, recai sobre a quantidade do bem, enquanto que a outra abrange a qualidade. Neste sentido é a melhor jurisprudência:

          A ação ex empto não se torna edilícia só porque o comprador pediu o abatimento proporcional do preço (RT, 481:94, apud M. Helena Diniz, Tratado Teórico e Prático dos Contratos, p. 407)

Ainda em torno da distinção entre as ações edilícias e a ex empto, importante é salientar o posicionamento da jurisprudência acerca do tema, a fim de não restarem dúvidas. Transcrevemos, para tanto, parte do voto do Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira (7), que assim posicionou-se:

          Difere a ação ex empto das ações redibitória e quanti minoris pelo fato de que, nestas, a coisa vendida é entregue na sua integralidade, apresentando, entretanto, vícios, enquanto naquela a coisa é entregue em quantidade menor do que aquilo que fora pretendido (Recurso Especial nº 32.580 – SP)

Como acima já dissemos, de fundamental importância (principalmente prática) é a imposição de traços distintivos entre as ações edilícias e a ex empto. E isto se deve ao fato de descobrirmos que período descrito no Código Civil iremos tomar como base para a contagem do prazo prescricional das mencionadas ações. Existem duas possibilidades previstas no Código Civil: a do art. 179 e a do art. 178, § 5º, IV. O art. 179 nos remete ao art. 177, que diz ser a prescrição vintenária para as ações pessoais, ou seja, aquelas que versem sobre direitos patrimoniais. Já o art. 178, § 5º, IV é mais incisivo e restritivo, impondo o prazo prescricional de seis meses para as ações que visem o abatimento do preço da coisa imóvel, recebida com vício redibitório. Ora, da análise de tal dispositivo verificamos que à ação ex empto caberá o prazo prescicional de 20 (vinte) anos, vez que se trata de uma ação pessoal, e às ações edilícias caberá o prazo de 06 (seis) meses para prescrição, vez que se encaixam perfeitamente na redação do art. 178, § 5º, IV, do Código Civil, principalmente no tocante à característica do vício redibitório, presente na redação deste dispositivo. Assim, nos vemos obrigados a, com a devida venia, discordar do eminente Min. João Luiz Alves, pois que o mesmo, em sua obra Código Civil da República dos Estados Unidos do Brasil (4º vol, 3ª edição, ediotora Borsoi, Rio de Janeiro, 1958) afirma ser o prazo prescricional da ação ex empto de seis meses, por ser a mesma a cabível para se exercitar o direito à garantia por vício redibitório. A melhor doutrina assim não entende, observando Affonso Dionysio Gama, Maria Helena Diniz, Orlando Gomes, Carvalho Santos, entre outros, que o prazo prescricional da ação ex empto é o de 20 (vinte) anos. A jurisrprudência também está consolidada no sentido de aplicação, em sede de ação empti, do prazo de prescrição vintenária, sendo este o posicionamento do Egrégio Supremo Tribunal Federal:

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

          A prescrição da ação assegurada pelo art. 1.136 do Código Civil não se regula pelo preceito do art. 178, § 5º, IV do mesmo Código, e sim pelo art. 177. Ap. Civ. nº 5.248, de 23 de Outubro de 1934. Rel. Min. A. Ribeiro, Jurispr. Supr. Trib. 1937, vol. XX, p. 450. Rec. Extr. Nº 5.444, de 16 de Novembro de 1942, Rel. Min. Ph. Azevedo D. da Just. De 25-5-43, p. 2.225. (Octavia Kelly, "Interpretação do Código Civil do STF", 1/141, cit. em voto do Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – Resp 32.580 – SP).

Assim, não nos resta dúvida quanto ao prazo prescricional a ser imposto à ação ex empto, por tudo quanto já foi exposto.

Resolvidas as questões referentes à aplicação da actio ex empto e seu prazo de prescrição, passemos à análise da espécie contratual a ser objeto desta ação.

Sem dúvida alguma, o contrato nominado de compra-e-venda será o "alvo" da ação ex empto. Assim concluimos da análise da redação do art. 1.136 do Código Civil. O mesmo artigo nos revela não ser possível a garantia da actio ex empto se o imóvel objeto do contrato foi vendido como coisa certa e determinada, sendo meramente enunciativas as dimensões dispostas na avença. Desta forma, teremos caracterizadas duas espécies de contratos na modalidade compra-e-venda: a) a ad corpus; e b) a ad mensuram.

a) compra-e-venda ad corpus: Orlando Gomes (8) nos ensina que a venda ad corpus é "a que se faz sem determinação da área, do imóvel, ou estipulação do preço por medida de extensão. O bem é vendido como corpo certo, individualizado por suas características e confrontações, e, também, por sua denominação, quando rural". Afirma ainda o festejado mestre baiano que "a referência a dimensões não descaracteriza a venda ad corpus, se não tem a função de condicionar o preço".

b) compra-e-venda ad mensuram: Maria Helena Diniz (9) nos leciona que a venda ad mensuram "é aquela em que se determina a área do imóvel vendido, estipulando-se o preço por medida de extensão".

Há ainda no Código Civil, art. 1.136, parágrafo único, a presunção juris tantum de que a venda foi realizada ad corpus (ou seja, com referência à área meramente enunciativa) se a diferença dimensional encontrada não for superior a 1/20 (um vinte avos) da extensão total enunciada, podendo ser alegado o contrário, tendo o denunciante, contudo, que provar o contrário.

Não é considerada venda ad mensuram se o imóvel objeto do contrato é perfeitamente conhecido do comprador, ou se o mesmo não é individualizado em suas dimensões no contrato (que há de ser por escritura pública, haja vista a formalidade do contrato de compra-e-venda de imóveis), ou ainda que o mesmo seja murado, em sua extensão.

De tremenda importância para o julgador é a análise do tipo de contrato celebrado, se ad corpus ou ad mensuram, sendo mister que o juiz verifique com a maior atenção as provas presentes no processo. Neste sentido é a lição do Mestre Caio Mário da Silva Pereira (10):

"O juiz, na determinação se a venda se realizou ad mensuram ou ad corpus, deverá primeiro consultar o título, pois que ninguém melhor do que os próprios contratantes para esclarecer a sua intenção. Na falta de uma declaração expressa, haverá de valer-se de elementos extraídos da descrição do imóvel, de sua finalidade econômica, de provas aliunde inclusive indícios e presunções, que permitam inferir se o objeto da venda foi coisa certa ou foi uma área, e proceder à interpretação da vontade..." (Instituições de Direito Civil, vol. III, Forense, 5ª ed., 1981, nº 221, p. 167)

Desta forma, se a venda realizou-se ad corpus, não terá o comprador legitimidade para propor a actio ex empto, vez que aí não importou, para a formação da vontade em contratar, a quantidade do bem imóvel; já se a venda realizou-se ad mensuram, cabível é o exercício da ação empti, uma vez que o direito pré-existente afetado será o da não-entrega de parte do objeto da avença, qual seja, o imóvel, na quantidade devidamente ajustada.


III – CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, tiramos as seguintes conclusões, acerca da actio ex empto:

1. a finalidade da ação empti é a entrega, seja por parte do vendedor, seja do comprador, da parcela do imóvel entregue, respectivamente, a menos, ou a mais, de acordo com o avençado no contrato;

2. quando se entra com uma ação ex empto se está exercitando um direito de garantia de cumprimento de um contrato de compra-e-venda de um imóvel, e não de garantia por vício redibitório, cabendo para este tipo de garantia, o acionamento das edilícias (redibitória e quanti minoris);

3. a prescrição da ação ex empto é vintenária, conforme o disposto no art. 177, caput, do Código Civil;

4. aplica-se a actio ex empto na venda ad mensuram, vez que aí temos acordo de vontades envolvendo quantidade ou dimensões de determinado imóvel;

5. pode o prejudicado pedir na ação ex empto, a entrega da parte que falta do ajustado, a rescisão contratual ou, o abatimento do valor pago (ou a se pagar), contando ainda com a possibilidade de pleitear, em qualquer destas hipóteses, indenização por perdas e danos.


OBRAS E REFERÊNCIAS CONSULTADAS

  1. MAGALHÃES e MAGALHÃES. Dicionário Jurídico. 8ª ed. Rio de Janeiro, Destaque, 1998.
  2. DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. 15ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1998.
  3. CALDAS, Gilberto. O Latim no Direito. 2ª ed. São Paulo, Brasiliense, 1985.
  4. GAMA, Affonso Dionysio. Teoria e Prática dos Contratos por Instrumento Particular no Direito Brasileiro. 11ª ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1955.
  5. http://www.stj.gov.br
  6. Código Civil Brasileiro. 2ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997.
  7. SILVA, Ovídio A Batista da., e GOMES, Fábio Luiz. Teoria Geral do Processo Civil. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997.
  8. ALVES, João Luiz. Código Civil da República dos Estados Unidos do Brasil, 4º vol. 3ª ed. Rio de Janeiro, Borsoi, 1958.
  9. GOMES, Orlando. Contratos. 14ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1994.
  10. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 3º vol. 9ª ed. São Paulo, Saraiva, 1994.
  11. DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos, vol. 1. 2ª ed. São Paulo, Saraiva, 1996.
  12. MENDONÇA, Manuel Inácio Carvalho de. Contratos no Direito Civil Brasileiro, Tomo I. 3ª ed. Rio de Janeiro, Revista Forense, 1953.
  13. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. III. 5ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1981.
Assuntos relacionados
Sobre o autor
Felipe Luiz Machado Barros

assessor jurídico do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Felipe Luiz Machado. A actio ex empto em nosso ordenamento jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 35, 1 out. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/568. Acesso em: 18 dez. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos