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O direito de acesso do corretor de imóveis em unidades autônomas no condomínio edilício

11/04/2017 às 14:00
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O condomínio deve adotar regras claras para o ingresso de corretores e interessados no imóvel anunciado, mediante a identificação das partes e apresentação pelo corretor de autorização do proprietário. Atendidas essas exigências, não é permitido ao condomínio impedir o ingresso, sob pena do responder por eventual reparação de perdas e danos.

I - Do Corretor de Imóveis

O corretor de imóveis é a pessoa física ou jurídica[1], devidamente registrada no Conselho Regional de Corretores de Imóveis (CRECI), que atua na aproximação de uma ou mais pessoas que desejam contratar, recebendo pelo êxito no negócio mediado uma contraprestação denominada de comissão ou taxa de corretagem[2].

Na qualidade de profissional liberal[3], o corretor exerce sua atividade com liberdade e autonomia, mediante conhecimento técnico especializado obtido por Diploma de Técnico de Transações Imobiliárias (TTI)[4], sendo sua profissão regulamentada por Lei Federal[5] e sujeita a fiscalização pelo CRECI[6].

II - Da Atividade Mediadora

Dentre as atividades do corretor está aquela relacionada a divulgação de imóveis, por meio de anúncios em jornais, revistas, planfletos, sites, portais imobiliários, mídias sociais, e-mail marketing, whatts app e outros, cuja a venda, locação ou permuta deve ser expressamente autorizada pelo proprietário[7]

Como resultado, o corretor capta interessados e, após os primeiros contatos e troca de informações, motiva o pretendente a realizar uma visita para conhecer o imóvel anunciado, tendo como objetivo despertar o desejo à aquisição, locação ou permuta, conforme o caso, negociando assim uma proposta para o fechamento do negócio.

É neste no momento, quando o corretor tem que proceder a visita no imóvel que se inicia sua via crucis em relação ao ingresso no Condomínio Edilício onde, na maioria das vezes, tem sua atividade profissional obstada por porteiros e zeladores temerosos e receosos em permitir a entrada de pessoas desconhecidas, ante a onda de assaltos e arrastões.

III – Do Direito do Condomínio Edilício em Exigir Identificação Para Acesso na Unidade

É incontroverso que, por ordem e determinação do síndico[8],  o porteiro ou zelador tem o dever de cumprir e fazer cumprir a Convenção Condominial e o Regimento Interno que estabelecem as regras de segurança e proteção interna dos condôminos, seus locatários e usuários.

Portanto, para que o corretor ingresse na unidade autônoma, mostra-se legítima a exigência pelo porteiro ou zelador da autorização escrita do proprietário e a exibição do registro profissional do corretor perante CRECI, isto é, mediante a apresentação de sua Carteira de Identidade Profissional ou Cédula de Identidade Profissional onde consta sua foto e seus dados[9].

Lado outro, se não houver autorização expressa do proprietário para o acesso do corretor a unidade autônoma, o porteiro ou zelador não estará obrigado a liberar a entrada, mesmo que o corretor detenha as chaves do imóvel e apresente sua Carteira ou Cédula de Identidade Profissional, por tratar-se de propriedade privada sujeita a regras próprias.

IV - Das Medidas Protetivas Adotadas Pelo CRECI

De realçar, que o CRECI preocupado com a segurança e tranqüilidade de moradores e corretores, disponibiliza gratuitamente um livro de registro de visitas, que permite ao Condomínio solicitar do corretor de imóveis informações sobre documentos que comprovam a veracidade de sua inscrição profissional[10].

Por meio deste livro, os Condôminos têm a certeza de que estão recebendo corretores de imóveis devidamente credenciados perante o CRECI, dificultando assim o acesso de pessoas mal intencionadas ou mesmo de pseudocorretores, em benefício de todos quanto residem e permanecem no edifício.

V – Da Violação ao Direito de Propriedade pelo Condomínio

Viola o direito de propriedade o Condomínio que proíbe o ingresso de corretor mesmo autorizado pelo proprietário. Eventual limitação constante de Norma Convencional que restrinja o acesso do corretor e interessado em dias e horários pré-determinados, fere o Princípio da Livre Disposição da Coisa, em nítida afronta ao inciso I, do art. 1.335 do Código Civil, que assim preceitua:

Art. 1.335. São direitos do condômino:

I - usar, fruir e livremente dispor das suas unidades (g.n.).

Em comentário ao citado dispositivo legal Francisco Eduardo Loureiro[11], ensina que:

“Nota-se que o preceito apenas usa a qualificação ‘livremente’ para o direito de dispor, uma vez que os direitos de usar e fruir estão conformados pelas restrições ao direito de vizinhança, sempre mais severas no regime do condomínio edilício e previstas no inciso IV do artigo antecedende. O direito de dispor envolve o de onerar a unidade autônoma e, com ela, a fração ideal que lhe é inerente e indissociável”.

Por isso, não é permitido a Norma Convencional subordinar e restringir o direito do proprietário de dispor livremente de seu imóvel através da restrição de acesso a unidade autônoma de pessoas devidamente autorizadas.

Se o corretor não pode levar um interessado a conhecer o imóvel que está à venda sob sua responsabilidade, segundo instruções recebidas, tem o proprietário tolhido o seu direito de livre disposição da coisa, já que a atividade da corretagem visa obter o encontro de vontades entre aquele que quer comprar e aquele que quer vender, quando só então se perfaz a transação imobiliária.

Muitas vezes, para justificar o impedimento de ingresso na unidade autônoma o corretor é qualificado genericamente e impropriamente pelo porteiro ou zelador como um prestador de serviços à semelhança de pedreiros, pintores, eletricistas, encanadores, jardineiros, marceneiros, vidreiros, gesseiros e similares.

Não se nega aqui que tais atividades por sua própria natureza podem produzir ruídos e barulhos incômodos que resultam em perturbação da tranquilidade e sossego dos condôminos, as quais devem ser limitadas a dias e horários pré-determinados, em nome da harmonia e da boa convivência social, evitando-se com isso conflitos desnecessários em prejuízo a coletividade dos moradores.

No entanto, a atividade de corretagem mostra-se distinta.

O ingresso do corretor acompanhado do interessado, devidamente indentificado e autorizado pelo proprietário, visa apenas e tão somente a demonstração da unidade autônoma e das áreas comuns com vistas a realização de uma transação imobiliária, sem que isso represente transtornos ao sossego, saúde e segurança dos moradores.

Notadamente, restrições a visitas em horários e dias pré determinados, como de segunda à sexta, das 8h00 às 18h00, com vedação aos dias de sábado, domingos e feriados atingem diretamente a atividade profissional corretor de imóveis, pois é justamente fora desses horários e em finais de semana, que a maioria das pessoas interessadas em adquirir ou locar um imóvel tem disponibilidade para realizar visitas.

Soma-se a isso o fato de alguns porteiros e zeladores exercerem ilegalmente a atividade de corretagem, na maioria das vezes fora do alcance e conhecimento do Condomínio. Outros, estabelecem parcerias escusas com profissionais do mercado, que os remunera com parte de sua comissão, criando assim obstáculos e dificuldades para a visita de corretores nas unidades autônomas disponibilizadas à venda ou locação.

Seja como for, a obstrução a atividade profissional do corretor impedindo-o de ingresso no Condomínio, ou mesmo, impondo-lhe a obrigatoriedade de observar dias e horários determinados em Convenções Condominiais e Regimentos Internos, mesmo que devidamente autorizados pelos proprietários, gera grande prejuízo a atividade imobiliária e, por via colateral, ao proprietário da unidade habitacional que pretende aliena-la ou aluga-la.

Daí afirmar, com segurança, que tais disposições se mostram ilegais e abusivas, pois violam, repita-se, o exercício do direito de propriedade do condômino em livremente dispor de sua unidade autônoma, a medida em que se vê impedido e, consequentemente, proibido pelo Condomínio de apresentar seu imóvel a eventuais interessados por meio de corretor ou empresa imobiliária que contratou.

Realmente não se discute a liberdade dos condôminos em estabelecerem regras que visem a segurança de entrada no Condomínio, implementando medidas de controle de acesso, como a exigência de autorização escrita e identificação profissional do corretor, nem mesmo quando ao acesso vigiado do corretor e interessado, com determinação para que permaneçam juntos enquanto estiverem na área comum, impedindo-os de terem acesso às áreas restritas.

De direito, a Norma Convencional não pode ser colocada em posição superior a própria a Lei, em face do Princípio da Supremacia da Ordem Pública sobre as deliberações privadas. É dever do condômino utilizar sua unidade de modo não prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos moradores, ou aos bons costumes[12], mas não há como impedi-lo de dispor de sua propriedade.

Em arrimo, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já decidiu que:

Exercício do direito de propriedade não deve ser obstado por convenção ou regulamento interno, salvo se causar risco ou incômodo aos demais moradores.” (TJSP. Apelação 9105791-97.2003.8.26.0000,  5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça Rel: Des. James Siano. J. 17.08.2011).

Bem por isso, que o Poder Judiciário tem anulado dispositivos constantes de Convenções e Regulamentos Internos que venham a violar a legislação civil com o fim de assegurar o direito de propriedade e seu pleno exercício quando não causa prejuízo a terceiros. 

VI - Da Responsabilidade Civil do Condomínio

Com efeito, se o porteiro ou zelador vier a retardar, dificultar ou impedir a entrada de corretor devidamente autorizado pelo proprietário e regularmente identificado, poderá o Condomínio ser responsabilizado civilmente pelo corretor por perdas e danos se vier a ser demonstrado que se perdeu um negócio pelo fato do corretor ter sido impedido de ingressar e demonstrar a unidade autônoma a um potencial comprador.

Para tanto, deverá solicitar ao proprietário registrar o impedimento de acesso no Livro de Ocorrências do Condomínio, na presença de testemunhas, para ciência do síndico, com vista a futura produção de provas, caso o pretendente venha adquirir ou locar outra unidade no mesmo edifício ou similar, resguardando assim seu direito, sem prejuízo de outras providências que possa adotar.

Nesse caminhar, a responsabilidade civil do Condomínio poderá ser arguida pelo corretor frente ao ato ilegal nos temos do arts. 186 e 927 do Código Civil, que assim preceituam:

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

Trata-se aqui do que a doutrina tem comumente denominado de “perda de uma chance” (perte d’une chance), ou seja, de uma oportunidade de um negócio vantajoso decorrente de um ato ilícito. O festejado doutrinador Sérgio Cavalieri Filho preleciona, de modo esclarecedor:

“Caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um beneficio futura para a vítima [...] Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda[13]” (g.n.).

Realmente, a teoria de perda de uma chance dá suporte à responsabilização do agente causador, não de dano emergente ou lucros cessantes, mas de algo que intermedeia um e outro. Por outras palavras, a perda assegura ao ofendido buscar posição jurídica mais vantajosa que provavelmente obteria se não fosse o ato ilícito praticado.

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Colha-se, por oportuno, a advertência da jurisprudência interativa do Superior Tribunal de Justiça:

“A teoria da perda de uma chance (perte d’une chance) visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. Nesse passo, a perda de uma chance – desde que essa seja razoável, séria e real, e não somente fluida ou hipotética - é considerada uma lesão às justas expectativas frustradas do indivíduo, que, ao perseguir uma posição jurídica mais vantajosa, teve o curso normal dos acontecimentos interrompido por ato ilícito de terceiro”. (STJ. Resp no. 1.190.180/RS, Min. Luis Felipe Salomão. DJe 22/11/2010) – (g.n.).

Volvendo essa visão para o campo prático é possível a postulação pelo corretor de indenização pela perda de uma chance, equivalente a taxa de corretagem, se provar que foi injustamente privado pelo Condomínio da oportunidade de livremente mostrar o imóvel (cuja venda ou locação tenha sido expressamente autorizada pelo proprietário) e o interessado concluir a transação em outra unidade autônoma do mesmo edifício por meio de outro corretor ou terceira pessoa.

Neste contexto, o Condomínio deverá adotar regras claras e objetivas para o ingresso de corretores e interessados no imóvel anunciado, mediante a identificação das partes e apresentação pelo corretor de autorização do proprietário. Atendidas essas exigências, não é permitido ao Condomínio impedir o ingresso, sob pena do responder por eventual reparação de perdas e danos.


[1]    Lei n°. 6.530/78. Art 6º As pessoas jurídicas inscritas no Conselho Regional de Corretores de Imóveis sujeitam-se aos mesmos deveres e têm os mesmos direitos das pessoas físicas nele inscritas.

[2]    Código Civil. Art. 725. A remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes.

[3]    Maria Celina Bodin de Moraes e Gisela Sampaio da Cruz Guedes ensinam que “para qualificação de um profissional como liberal, costuma invocar o conhecimento técnico sobre certa atividade, o diploma conferido por escola capacitada, a existência de órgão  regulamentador e representativo da atividade e a relação intuitu personae que liga o profissional ao seu cliente”. MORAES, Maria Celina Bodin de. GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz.  Responsabilidade Civil dos Profissionais Liberais. Rio de Janeiro. Forense. 2016, p. 3.

[4]    Decreto n°. 81.871/78. Art. 1o. Art 1º. O exercício da profissão de Corretor de Imóveis, em todo o território nacional somente será permitido: I - ao possuidor do título de Técnico em Transações Imobiliárias, inscrito no Conselho Regional de Corretores de Imóveis da jurisdição.

[5]    Lei no. 6.530/1978. Dá nova regulamentação à profissão de Corretor de Imóveis, disciplina o funcionamento de seus órgãos de fiscalização e dá outras providências.

[6]    Lei no. 6.530/1978. Art 5º O Conselho Federal e os Conselhos Regionais são órgãos de disciplina e fiscalização do exercício da profissão de Corretor de Imóveis, constituídos em autarquia, dotada de personalidade jurídica de direito público, vinculada ao Ministério do Trabalho, com autonomia administrativa, operacional e financeira.

[7]   Lei no. 6.530/78. Art 20. Ao Corretor de Imóveis e à pessoa jurídica inscritos nos órgãos de que trata a presente lei é vedado: [...] III - anunciar publicamente proposta de transação a que não esteja autorizado através de documento escrito.

[8]    Código Civil. Art. 1.348. Compete ao síndico: [...] IV - cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as determinações da assembléia;

[9]    Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Estado de São Paulo.  Disponível em:  http://www.crecisp.gov.br/legislacao/resolucoes/1978/resolucao17_1978.pdf  Acesso em 23/03/17

[10]   Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Estado de São Paulo.  Disponível em: http://www.crecisp.gov.br/busca/condominios/index.asp Acesso em 23/03/17    

[11] LOUREIRO. Francisco Eduardo. Código Civil Comentado. Doutrina e Jurisprudência. 5a.  Ed. Barueri: Manole, 2013, p. 1349.

[12]   Código Civil. Art. 1.336. São deveres do condômino: IV - dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.

[13]   CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 75.

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Sobre o autor
Éder Bolsonário

Graduado pela Faculdade de Direito de Bauru (SP). Especialista em Direito Imobiliário pela Fundação Getulio Vargas. Presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico do Instituto dos Advogados do Interior Paulista. Especialização em Direito Imobiliário Empresarial pela Universidade SECOVI (Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis e dos Condomínios Residenciais e Comerciais de São Paulo).Técnico em Transações Imobiliárias pelo Sindicado dos Corretores de Imóveis do Estado de São Paulo. Corretor de Imóveis. Advogado militante na área imobiliária há mais de 20 (vinte) anos, foi assessor da Presidência do X Tribunal de Ética de Disciplina da OAB/SP e integrante do projeto “OAB Vai a Escola”. Tem experiência em parcelamento do solo, incorporação imobiliária, condomínio edilício e conflitos fundiários.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOLSONÁRIO, Éder. O direito de acesso do corretor de imóveis em unidades autônomas no condomínio edilício. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5032, 11 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56897. Acesso em: 20 abr. 2024.

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