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O preâmbulo e a Constituição

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18/07/2017 às 17:10
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6 A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ACERCA DO PREÂMBULO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Em 2002, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2076, que teve como Relator o Ministro Carlos Velloso[56], e também em 2003, ao julgar a Medida Cautelar em Mandado de Segurança nº 24.645, de relatoria do Ministro Celso de Mello[57], entendeu o Supremo Tribunal Federal que o preâmbulo da Constituição de 1988 não é parâmetro para Controle de Constitucionalidade das normas, não tem força normativa, não limita o Poder Reformador outorgado ao Congresso Nacional e não se situa no âmbito do Direito e sim no da Política. Possível se perceber, assim, que nestes dois julgados adotou o Supremo a tese da irrelevância jurídica.

Em 2008, entretanto, verifica-se uma mudança de postura, ainda que de forma tímida, do Supremo Tribunal Federal no que tange à relevância do preâmbulo para a Constituição de 1988. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.649, do Distrito Federal, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, afirmou o STF que “na esteira desses valores supremos explicitados no Preâmbulo da Constituição brasileira de 1988 é que se afirma, nas normas constitucionais vigentes, o princípio jurídico da solidariedade”[58].

Em julgados mais recentes, como observa Humberto Lima de Lucena Filho, o Supremo Tribunal Federal tem abrandado significativamente o entendimento de que o preâmbulo é destituído de força normativa[59]. Tem-se, por exemplo, o HC 94.163-RS, relatado pelo Ministro Carlos Ayres de Britto, em que se afirmou ser o Preâmbulo Constitucional argumento de interpretação da Lei de Execução Penal à luz da Constituição[60]; o Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 26.071-DF, que, tendo como objeto a reserva de vagas em concurso público, afirma que o Preâmbulo deveria ser o marco inicial na busca de uma sociedade fraterna[61]; e, ainda, a ADI 3510, que tratou a respeito de dispositivos da Lei de Biossegurança, situação em que o STF refere-se ao Preâmbulo como vetor valorativo de interpretação capaz de tornar concretos direitos fundamentais.[62] Parece-nos que, pelos julgados da última década, não é absurdo afirmar que tende o Supremo Tribunal Federal a adotar a tese da relevância jurídica indireta ou específica do preâmbulo.


CONCLUSÃO

Verifica-se que o interesse pela consolidação do preâmbulo como elemento a ser levado em conta quando da análise e interpretação da Constituição vem ganhando relevo. O Supremo Tribunal Federal aos poucos se manifesta cada vez mais favorável ao preâmbulo como instrumento axiológico instrutor da hermenêutica constitucional.

A preocupação de juristas de vários países em entender a magnitude do preâmbulo para o ordenamento jurídico colabora para o fomento da discussão e do entendimento sobre o âmbito em que ele se insere: se apenas no político, apontando intenções descarregadas de poder capaz de vincular as ações de governantes e sociedade, ou se verdadeiramente como elemento jurídico, que deve ser levado em conta tanto na elaboração das normas quanto no cumprimento destas.


Notas

[1] LUCENA FILHO, Humberto Lima de. O Preâmbulo e as Sociedades Constitucionais: por uma revisão conceitual das funções e da representatividade jurídica do prólogo constitucional. Juris Rationis - ISSN 2237-4469, v. 6, n. 2, 2013, p. 13.

[2] Dicionário de português online Michaelis. Significado de “preâmbulo”. Disponível em: < http://michaelis.uol. com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=pre%E2mbulo>. Acesso em: 27 abr. 2014.

[3] LUCENA FILHO, Humberto Lima de. Opus citatum, p. 13.

[4] CARVALHO, Kildare Gonçalves apud THOMAZINI, Fabio de Castro. A força normativa do preâmbulo da Constituição Federal de 1988: tese da plena eficácia. Brasília, 2010. 59f. -Monografia (Especialização). Instituto Brasiliense de Direito Público, p. 38.

[5] MIRANDA JORGE apud PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 3ª edição. São Paulo: Impetus, 2005, p. 32.

[6] DALLARI, Dalmo de Abreu. Preâmbulos das Constituições do Brasil. Revista da Faculdade de Direito, v. 96, Universidade de São Paulo, 2001, p. 244.

[7] LUCENA FILHO, Humberto Lima de. Opus citatum, p. 13.

[8] MIRANDA, Jorge apud THOMAZINI, Fabio de Castro. Op. cit., p. 43.

[9] CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 11. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 352.

[10] SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 175.

[11] BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 3. ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002, p. 149.

[12] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 201-202.

[13] MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas 2008, p. 20-21.

[14] SILVA NETO, Manoel Jorge e. Op. cit., p. 175.

[15] THOMAZINI, Fabio de Castro. A força normativa do preâmbulo da Constituição Federal de 1988: tese da plena eficácia. Brasília, 2010. 59f. -Monografia (Especialização). Instituto Brasiliense de Direito Público, p. 45.

[16] CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 11. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 353.

[17] BITAR, Orlando apud MENDES, Ferreira Gilmar; COELHO, I. M; BRANCO, P. G. G. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. Ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 33-34.

[18] SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 175.

[19] FERREIRA, Luiz Pinto apud ZIMMERMANN, Augusto. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 185.

[20] MIRANDA, Jorge apud MENDES, Ferreira Gilmar; COELHO, I. M; BRANCO, P. G. G. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. Ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 32.

[21] MENDES, Ferreira Gilmar; COELHO, I. M; BRANCO, P. G. G. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. Ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 29-30.

[22] Op. cit., p. 34.

[23] GARCIA, Maria. A Constituição como Substrato Político e Ético da Comunidade. Revista Brasileira de Direito Constitucional–RBDC n, v. 9, 2007, p. 59.

[24] LUCENA FILHO, Humberto Lima de. Opus citatum, p. 14.

[25] Op. cit., p. 14.

[26] Op. cit., p. 15.

[27] MENDES, Ferreira Gilmar; COELHO, I. M; BRANCO, P. G. G. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. Ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 31.

[28] Op. cit., p. 31.

[29] LUCENA FILHO, Humberto Lima de. Opus citatum, p. 15.

[30] DALLARI, Dalmo de Abreu. Preâmbulos das Constituições do Brasil. Revista da Faculdade de Direito, v. 96, Universidade de São Paulo, 2001, p. 244.

[31] Op. cit., loc. cit.

[32] BRASIL. Constituição (1824). Constituição Política do Império do Brazil de 25 de março de 1824. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm>. Acesso em: 28 abr. 2014.

[33] MENDES, Ferreira Gilmar; COELHO, I. M; BRANCO, P. G. G. Op. cit., p. 37-38.

[34] LUCENA FILHO, Humberto Lima de. Op. cit., p. 15.

[35] Dalmo de Abreu Dallari sintetiza a razão da manifestação concordante de algumas das Câmaras Municipais com o projeto do Imperador Dom Pedro I: “Na realidade, não havia outra possibilidade para a limitação do poder absoluto do imperador e a conversão do Brasil em Monarquia Constitucional, o que, naquela circunstância, era uma aspiração política generalizada entre as lideranças políticas brasileiras” (DALLARI, Dalmo de Abreu. Preâmbulos das Constituições do Brasil. Revista da Faculdade de Direito, v. 96, Universidade de São Paulo, 2001, p. 247).

[36] BRASIL. Constituição (1891). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 24 de fevereiro de 1891. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm>. Acesso em: 28 abr. 2014.

[37] DALLARI, Dalmo de Abreu. Preâmbulos das Constituições do Brasil. Revista da Faculdade de Direito, v. 96, Universidade de São Paulo, 2001, p. 250.

[38] BRASIL. Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm>. Acesso em: 28 abr. 2014.

[39] DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. cit., p. 254.

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[40] BRASIL. Constituição (1937). Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 10 de novembro de 1937. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao37.htm>. Acesso em: 28 abr. 2014.

[41] ZIMMERMANN, Augusto. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 187.

[42] DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. cit., p. 257.

[43] LUCENA FILHO, Humberto Lima de. Op. cit., p. 15.

[44] BRASIL. Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de setembro de 1946. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao46.htm>. Acesso em: 29 abr. 2014.

[45] DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. cit., p. 260.

[46] BRASIL. Constituição (1967). Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao67.htm>. Acesso em: 29 abr. 2014.

[47] ZIMMERMANN, Augusto. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 187.

[48] CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 11. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 350.

[49] DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. cit., p. 261.

[50] BRASIL. Constituição (1969). Emenda Consitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm>. Acesso em: 29 abr. 2014.

[51] DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. cit., p. 266.

[52] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 29 abr. 2014.

[53] LUCENA FILHO, Humberto Lima de. Op. cit., p. 15.

[54] DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. cit., p. 267-268.

[55] MENDES, Ferreira Gilmar; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. Ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 38.

[56] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.076. Requerente: Partido Social Liberal. Requerida: Assembléia Legislativa do Estado do Acre. Relator: Ministro Carlos Velloso. Brasília, 2002. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=2076&classe =ADI>. Acesso em: 29 abr. 2014.

[57] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Mandado de Segurança nº 24.645. Impetrante: Luiz Carlos Jorge Hauly. Impetrado: Mesa da Câmara dos Deputados. Relator: Celso de Mello. Brasília, 2003. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/diarioJustica/verDiarioProcesso.asp?numDj=177&dataPublicacao Dj=15/09/2003&incidente=3742640&codCapitulo=6&numMateria=130&codMateria=2>. Acesso em: 29 abr. 2014.

[58] Brasil. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.649/DF. Requerente: ABRATI - Associação Brasileira das Empresas de Transporte Interestadual, Intermunicipal e Internacional de Passageiros. Requerido: Presidente da República. Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Brasília, 2008. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=555517>. Acesso em: 29 abr. 2014.

[59] LUCENA FILHO, Humberto Lima de. Op. cit., p. 19.

[60] Brasil. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 94.163-RS. Paciente: Rudinei Fernandes Machado. Coator: Relatora do Recurso Especial nº 916190 do Superior Tribunal de Justiça. Relator: Ministro Carlos Ayres de Britto. Brasília, 2008. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID =604586>. Acesso em: 29 abr. 2014.

[61] Brasil. Supremo Tribunal Federal. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 26.071-DF. Recorrente: José Francisco de Araújo. Recorrido: Tribunal Superior do Trabalho. Relator: Ministro Carlos Ayres de Britto. Brasília, 2007. Disponível em: <http://www.visaomonocular.org/Banco_de_Arquivos/Jurisprudencias/ Jurisprudencia_STF_RMS_260711.pdf>. Acesso em: 29 abr. 2014.

[62] Brasil. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.510/DF. Requerente: Prourador-Geral da República. Requerido: Presidente da República. Relator: Ministro Carlos Ayres de Britto. Brasília, 2008. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=611723>. Acesso em: 29 abr. 2014.

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Sobre o autor
Antônio Rogério Lourencini

Possui Graduação em Direito pela UNESP - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (2017); Discente do Programa de Pós-Graduação em Direito, Curso de Mestrado, da UNESP; Estudante do Núcleo de Pesquisas Avançadas em Direito Processual Civil Brasileiro e Comparado, da UNESP; Oficial de Promotoria do Ministério Público do Estado de São Paulo. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8921531226046140

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOURENCINI, Antônio Rogério. O preâmbulo e a Constituição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5130, 18 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58052. Acesso em: 19 mai. 2024.

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