Capa da publicação A vedação da tributação de supetão ao IPTU
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Majoração do IPTU.

Quando é possível?

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21/06/2017 às 15:00
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É comum a majoração, anual, do valor pago a título de IPTU nos mais diversos municípios brasileiros. Pretende-se demonstrar em quais situações será possível essa majoração, com especial atenção à impossibilidade da tributação de supetão.

Introdução

Existe uma dúvida que surge anualmente nos municípios brasileiros, parece-me que é uma temática fadada a repetição diante das situações de aparente abusividade do ente tributante no que diz respeito ao aumento do valor cobrado pelo Imposto Predial Territorial Urbano ou, simplesmente, IPTU, sem qualquer conhecimento prévio por parte do sujeito passivo da obrigação.

O contribuinte não consegue compreender os motivos que levaram ao aumento do valor pago para com relação ao exercício anterior. Não sendo incomum a veiculação de diversas matérias jornalísticas as quais demonstram a angústia enfrentada pelo sujeito passivo da obrigação tributária que tem seu orçamento afetado por uma inesperada elevação do valor do tributo e a tentativa da municipalidade de demonstrar a legalidade de sua conduta.

Diante do surgimento do impasse, vem à mente dos operadores do direito alguns princípios  tributários que objetivam frear a sede arrecadatória do Estado. Especialmente aqueles que impedem a tributação de supetão e a majoração do imposto sem edição de uma lei em sentido formal, ou seja, os princípios da anterioridade e da legalidade tributária.

Nesse sentido, tentaremos realizar o contraponto entre os envolvidos na celeuma anual que se espalha em nosso país, abordando as situações de legalidade e ilegalidade da majoração do IPTU pelos poderes executivos municipais e sua relação com as limitações do poder de tributar previstas na Constituição Federal as quais, conforme entendimento do Supremo tribunal Federal, devem ser observadas como verdadeiras cláusulas pétreas.


Do Princípio da Legalidade Tributária à luz da Atualização monetária do IPTU

Em 1215, na Inglaterra, os súditos do Rei João Sem Terra, impuseram-no um estatuto. O referido documento objetivava limitar a sede de arrecadação do monarca, determinando que o povo deveria aprovar previamente a cobrança de novos impostos. Surgia o princípio da legalidade tributária que, ainda hoje, é expresso pela mesma necessidade de uma prévia autorização do cidadão em cooperar com a receita derivada do Estado.

Em outras palavras, seria o próprio povo quem autorizaria a criação do tributo, permitindo que o Estado invadisse seu patrimônio para obter receita para consecução de uma finalidade, qual seja: o bem estar social. Nesse sentido, nos ensina TORRES (2005, p. 64), ao afirmar que “a soberania financeira, que é do povo, transfere-se limitadamente ao Estado pelo contrato constitucional, permitindo-lhe tributar e gastar.”.

Nessa toada, o princípio da legalidade tributária está previsto no art. 150, I, da nossa Constituição Cidadã a qual determina ser necessária lei para exigir ou aumentar tributo. Ensina-nos o eminente Professor SABBAG (2017, p. 65): “em outras palavras, o tributo depende de lei para ser instituído e para ser majorado. Se o tributo é veículo de invasão patrimonial, é prudente que isso ocorra segundo a vontade do particular (...)”.

Quando pensamos em tributo, devemos compreender que este é gênero o qual possui, segundo posição doutrinária e jurisprudencial, cinco espécies, são elas: impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais. No caso do IPTU, como o próprio nome sugere, estamos diante de um imposto. 

Disto, podemos afirmar que o IPTU somente poderá sofrer majoração por meio de lei. Não existindo uma lei anterior, o aumento seria ilegal por violação do princípio da legalidade tributária. Igualmente, o Código Tributário Nacional poderá servir de argumento, a luz do art. 97, II, ao determinar que o IPTU necessitará de lei para sua majoração.

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

(...)

II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

(...)

§ 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.

§ 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.

Entretanto, o mesmo art. 97 indicado acima, em seus parágrafos 1º e 2º, tratará da majoração da base de cálculo dos tributos. Desta feita, equipara-se a majoração de tributo à modificação de sua base de cálculo que o torne mais oneroso, contudo, se a majoração corresponder à atualização do valor monetário da mesma base de cálculo estará diante de situação que não se submeterá ao princípio da legalidade.

No caso prático do IPTU, tem-se que o ente municipal poderá, sem editar lei em sentido formal, obedecendo a índices uniformes locais ou nacionais, por Decreto do Prefeito, atualizar a base de cálculo do imposto que é o valor venal do imóvel. Agindo assim, verificar-se-á uma elevação do valor pago pelo contribuinte, mas esta situação estará protegida pela legalidade e a prefeitura terá agido licitamente. Brilhante a lição de ALEXANDRE (2016, p. 88) a qual merece destaque, vejamos:   

O exemplo mais marcante é o IPTU. Tendo por base de cálculo o valor venal do imóvel, o IPTU é calculado tomando por referências tabelas que estipulam ao valor do metro quadrado de área construída do imóvel nas diversas zonas do Município. Os valores estipulados são corroídos pelo fenômeno inflacionário e quando o Município, utilizando-se de índices uniformes, resolve atualizá-los, pode fazê-lo por meio de Decreto do Prefeito, pois não está a aumentar a base de cálculo, mas apenas a se impedir que ela seja artificialmente diminuída.    

Por outro lado, o STJ publicou súmula nº 160, segundo a qual “é defeso, ao Município, atualizar o IPTU mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária.”. Por conta disso, pode-se afirmar que, para o Prefeito poder emitir Decreto atualizando a base de cálculo do IPTU, é necessária a observância dos índices oficiais de correção monetária, do contrário, estaremos diante de verdadeira majoração, e não atualização, da base de cálculo, fato que sempre exigirá presença de lei para ter validade.

Imagine que determinada prefeitura, aplicando índices de correção oficiais, decrete a majoração da base de cálculo do IPTU. Esse fato terá reflexos e elevará o valor pago pelo contribuinte, entretanto, como o índice utilizado é oficial e, ao menos em tese, passou por ampla publicidade, não se pode alegar que o sujeito passivo foi tomado de surpresa com a elevação do montante cobrado a título de IPTU, pois saberia exatamente de quanto seria o novo valor venal de seu imóvel, bastando, tão somente, aplicar o índice oficial sobre valor anterior para encontrá-lo. Ademais, como não houve majoração, mas atualização da base de cálculo, não é ilegal que ocorra por meio de Decreto emitido pelo Executivo municipal.

É verdade que há um sistema a ser seguido pela prefeitura a fim de encontrar o valor de venda do imóvel, isso impede que seja atribuído um montante de forma arbitrária pela municipalidade. Em regra, e simplificando um pouco as coisas para facilitar nosso estudo, haverá uma Planta de Valores Genéricos que indicará quanto vale o metro quadrado das regiões do município, devendo ser multiplicado o valor do metro quadrado do setor pela área construída do imóvel ali inserido para que se encontre o valor venal. Sobre este valor encontrado, será aplicada uma alíquota que tem variado, em regra, entre 1 a 1,5 % no Brasil, para que se encontre o valor do IPTU. O cálculo poderia ser expresso dessa forma: IPTU = (m² de área construída do imóvel x valor do m² do bairro) x alíquota; ou, IPTU= valor venal x alíquota. 

Quando o município aplicar os índices de correção sobre a base de cálculo do IPTU teremos a modificação do valor do metro quadrado de cada região, isso refletirá no valor a ser encontrado após a multiplicação do metro quadrado de área construída pelo valor monetário de cada metro para surgir a base de cálculo de cada imóvel. Essa hipótese não se submente ao princípio da legalidade. Diverso, como ensina SABBAG (2016, p. 74), “se, sob a capa da atualização, forem utilizados índices acima da correção monetária do período em análise, não se terá atualização, mas induvidoso aumento do tributo”.

Situação diferente será aquela em que se apresenta pela alteração da alíquota aplicada sobre a base de cálculo para efetivar o lançamento do IPTU, a qual somente poderá ser majorada mediante publicação de lei em sentido formal, conforme expresso no já mencionado art. 97 do CTN. Por essa razão, a prefeitura somente poderá elevar a alíquota utilizada no IPTU por meio de lei ordinária municipal. Caso o faça por decreto não terá validade.


Da Impossibilidade da Tributação de Supetão no IPTU

Impedir a tributação de supetão é proteger o contribuinte de ser surpreendido com o surgimento ou majoração de um tributo para o qual não havia previsto pagamento em seu orçamento pessoal. É decorrência clara do princípio a anterioridade tributária prevista no art. 150, III, “b” e “c” da Constituição Federal. Nesse sentido, AMARO (2005, p. 121):

A constituição exige, como dizíamos, que a lei que crie ou aumente o tributo seja anterior ao exercício financeiro em que o tributo seja cobrado e, ademais, que se observe a antecedência mínima de noventa dias entre a data de publicação da lei que o instituiu ou aumentou e a data em que passa a aplicar-se.

Logo, é necessária a aplicação cumulativa dos dois requisitos legais para validade do tributo. Assim, é preciso que se observe, como afirma SABBAG (2016, p. 94), “o período anual e o período nonagesimal” quando da edição ou majoração de um tributo em qualquer das esferas federativas.

O objetivo do princípio é, sem dúvida, evitar que o contribuinte seja surpreendido com a necessidade de efetuar um pagamento para o qual não havia se preparado. Nesse sentido, funciona como elemento de proteção do sujeito passivo da obrigação tributária, limitando a sede arrecadadora do Estado.

No caso do IPTU, havendo fixação ou majoração de sua base de cálculo mediante lei em sentido formal, ou seja, não sendo hipótese de simples atualização da mesma base a qual poderia ocorrer por Decreto, não se aplicará o princípio da anterioridade nonagesimal em razão de exceção surgida com a Emenda Constitucional nº 42/2003 (art. 156, I, da CF). No entanto, obedecerá à anterioridade anual, podendo ser cobrado a partir do dia 01 de janeiro do ano seguinte, desde que a Lei tenha sido publicada até o dia 31 de dezembro do ano anterior ao de sua cobrança, por conta da exceção aqui indicada.

Em outras palavras, a Prefeitura poderá cobrar novo valor do IPTU em 2017 caso tenha majorado a base de cálculo do imposto por Lei Ordinária Municipal publicada até o dia 31 de dezembro de 2016. Igualmente, poderá majorar o imposto em razão de expedição de Decreto Municipal que tenha atualizado a base de cálculo por meio de índices de correção oficiais.

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Por outro lado, quando pensamos em majoração da alíquota do IPTU devemos esclarecer que a situação é diferente. Nessa hipótese deverá ser obedecido o duplo critério para aferição da obediência ao princípio da anterioridade tributária, devendo a norma ser publicada no exercício anterior e obedecer à noventena. Também, não será possível que seja majorada por meio de Decreto do chefe do executivo local.

Por último, e não menos importante, é quando o ente tributante, por meio de fiscalização, identifica erro de fato capaz de alterar o valor do lançamento do IPTU. Como vimos, é necessária certa individualização do imóvel a fim de que algumas informações cheguem ao conhecimento da prefeitura para que se encontre o correto valor venal ou base de cálculo do imóvel.

No caso do nosso estudo, optamos por simplificar o cálculo do valor venal utilizando uma única situação fática (tamanho do imóvel em m²) para encontrar a base de cálculo do IPTU. Entretanto, na prática, outros valores deverão ser analisados. Como exemplo, vejamos o art. 13 do Código Tributário do Município de Mossoró/RN o qual delimita os fatos que serão levados em consideração para o encontro da base de cálculo do IPTU no município:

Art. 13 – O valor venal do imóvel, edificado ou não, será obtido por meio da seguinte fórmula: VV = VVt + VVe, onde:

VV – é o valor venal do imóvel;

VVt – é o valor venal do terreno;

VVe – é o valor venal da edificação.

§1º - O VVt é obtida por meio da seguinte fórmula: VVt = Ater x V0 x FPed x FTop x FSit, onde: Ater – é a área proporcional do terreno; V0 – é o valor unitário do m² (metro quadrado) do terreno, descrito no Anexo I deste Código Tributário, definido em razão da classificação do imóvel – também apontada no referido Anexo, conforme dados cadastrais detidos pelo Município de Mossoró; FPed – é o fator de pedologia - conforme definição contida no Anexo II deste Código Tributário; FTop – é o fator de topologia - conforme definição contida no Anexo III deste Código Tributário; FSit – é o fator de situação do terreno - conforme definição contida no Anexo IV deste Código Tributário.

§2º - O VVe é obtida por meio da seguinte fórmula: VVe = ACu x Vu x FEst x FQua x FUti, onde: ACu – é a área construída da unidade imobiliária; Vu – é o valor do metro unitário do tipo do imóvel - conforme definição contida no Anexo V deste Código Tributário; FEst – é o fator de estrutura - conforme definição contida no Anexo VI deste Código Tributário; FQua – é o fator de qualidade da construção - conforme definição contida no Anexo VII deste Código Tributário; FUti - é o fator de utilização do imóvel - conforme definição contida no Anexo VIII deste Código Tributário;

Como percebemos, são diversos fatos que influenciarão no encontro da base de cálculo do IPTU no município de Mossoró. Igualmente, será assim, nos mais diversos munícipios de nosso País.

Logo, como regra geral, haverá uma obrigação acessória de que o contribuinte informe à municipalidade quando ocorrer alguma alteração da situação fática que tenha dado causa. Por exemplo: no nosso caso, estamos utilizando um único fato para encontrar o valor da base de cálculo, qual seja: o tamanho do imóvel. Assim, caso o contribuinte reforme seu prédio deverá comunicar a nova metragem à prefeitura, fato que alterará o resultado final do IPTU.

Entretanto, normalmente, o sujeito passivo não irá até a Secretaria de Tributação de sua cidade para informar que houve um acréscimo de área construída no seu imóvel. Logo, a prefeitura poderá/deverá realizar fiscalização e, caso constante acréscimo da referida área, irá atualizar de ofício os dados. Evidente que a alteração irá significar reflexo no IPTU que será majorado.

Estaremos diante de modificação de fato dos dados objetivos para que se encontre o valor venal do imóvel. Assim, não será necessária edição de lei para que isso ocorra, mas tão somente, ato administrativo da própria Secretaria de Tributação capaz de atualizar os dados no sistema de cobrança do IPTU. Não havendo de alegar ilegalidade da conduta do município ou mesmo que estaríamos diante de majoração do imposto. Será caso típico de atualização.

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Sobre o autor
Roberto Barroso Moura

Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN (2007), Aprovado em Concurso Público Para Ocupação de Cargo Público Federal Junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (2006), Advogado Inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil da Subseccional da OAB em Mossoró/RN (2008), Consultor Jurídico da Associação da Policia Militar de Mossoró e Região (2008); Membro da Comissão de Segurança Pública da OAB/RN (2012); Membro da Fiel Consultoria Empresarial (2012); Coordenador do NAP da Procuradoria Federal Seccional da Advocacia Geral da União em Mossoró/RN (2016); Pós-Graduado do Curso de Especialização em Processo Civil pela rede de ensino LFG/ANHANGUERA (2016). Pós-Graduando do Curso de Especialização em Direito Constitucional e Tributário da Universidade Federal Rural do Semi-Árido - UFERSA (2018).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOURA, Roberto Barroso. Majoração do IPTU.: Quando é possível?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5103, 21 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58131. Acesso em: 23 abr. 2024.

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