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Responsabilidade civil dos estabelecimentos comerciais que disponibilizam estacionamentos a seus clientes

31/05/2017 às 16:20
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A Súmula 130 do STJ veio para acabar com qualquer dúvida em relação à responsabilidade do estabelecimento com estacionamento, já que determinou que “a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorrido em seu estacionamento”.

1 Introdução

O presente trabalho traz como tema a responsabilidade civil dos estabelecimentos comerciais que disponibilizam estacionamentos a seus clientes. Diante da problemática de furtos em veículos localizados nas dependências dos estabelecimentos privados, este tema tem uma grande importância no âmbito jurídico.

Um assunto que já gerou bastante polêmica e ainda desperta muita dúvida é a responsabilidade civil dos estabelecimentos comerciais que disponibilizam estacionamento aos seus clientes. Há diversas situações possíveis, como os casos em que os veículos ficam estacionados na via pública ou nas vagas que estão diretamente no acesso para a rua, sem guia da calçada destacada.

Primeiramente, tratemos dos casos em que há responsabilidade, ou seja, quando o estabelecimento comercial disponibiliza estacionamento particular, ainda que gratuitamente. Mesmo que haja qualquer dos famigerados anúncios de isenção de responsabilidade, as cortes pátrias já pacificaram o entendimento de que há o dever de indenizar por quaisquer danos, inclusive morais. Assim, prevalece a culpa objetiva elencada no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, não existindo a necessidade de comprovação de culpa. O Superior Tribunal de Justiça solidificou a Súmula 130: “a empresa responde, perante o cliente pela reparação de dano ou furto de veículo ocorrido em seu estacionamento”.

Por outro lado, o estabelecimento não terá qualquer responsabilidade por furtos ou danos aos veículos que estiverem estacionados em locais públicos externos, ainda que o consumidor tenha comprado alguma coisa ou contratado algum serviço. A segurança dos ambientes públicos é de responsabilidade do Estado. A não ser por força de lei, os estabelecimentos não são obrigados a fornecer estacionamento, não prevalecendo este argumento já utilizado em algumas aventuras jurídicas.


2 A RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA

Em regra, nos serviços prestados pelos estacionamentos, sobretudo os remunerados, aplica-se o código de defesa do consumidor quanto à chamada responsabilidade objetiva, ou seja, sem culpa, onde o que interessa não é provar a culpa do ofensor, mas sim responsabilizá-lo pela ofensa oriunda do risco decorrente da atividade lucrativa que pratica. Por isso é que, nesse caso, não se perquire acerca da prova da culpa, exigindo-se que o ofendido prove o dano que sofreu e estabeleça o nexo de causalidade entre si e aquele a quem acusa de lhe ter praticado o dano. A desobrigação de provar a culpa é sem dúvida uma vantagem na relação desigual entre consumidor e fornecedor.

Do mesmo modo, os estacionamentos aparentemente gratuitos, por concentrarem um tipo de estratégia focada na captação de clientela, não se exonera da responsabilidade civil decorrente de danos ocorridos a veículos de seus clientes, ainda que tente posteriormente se eximir alegando não possuir seguranças no local, ou ainda que não houve efetivo consumo nos estabelecimentos comerciais que oferecerem a vaga, de nada adianta colocar placas que inutilmente tentam subtrair qualquer responsabilidade do fornecedor.

A responsabilidade objetiva é, portanto, espécie de responsabilização por quem não deveria ser, por ato subjetivo, próprio, responsável pelo dano, o que se tem é imputação puramente objetiva, com o previsto no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil Brasileiro:

Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Vê-se, então, que o parágrafo único do artigo 927 do CC atribui imputabilidade objetiva a quem, por “natureza da atividade”, assume então o risco da responsabilização sem culpa, em contrapartida ao lucro auferido no exercício da referida atividade.

Mas, o artigo 927 do CC não pode ser considerado isoladamente, deve se valer também dos outros dispositivos que tratam do tema e fortalecem a Teoria do Risco, como se vê do disposto no artigo 931 CC. Diz o dispositivo em enfoque: "Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação.".

Neste caso, prevê o Código Civil que o empresário responderá de forma objetiva – isto é, sem que seja necessária a verificação da culpa – pelos danos que forem causados em função do produto ou serviço, bastando tão somente demonstrar a existência do dano, verificando-se assim que o artigo 931 complementa o parágrafo único do artigo 927, todos do Código Civil, ao delimitar que os riscos inerentes à exploração de determinada atividade econômica são os fatos geradores do dever de indenizar.

Nesse sentido, os proprietários de edifícios ou construção no que diz respeito aos danos provenientes da ruína e de objetos que dele forem atirados, conforme disposto nos artigos 936 e 937 do Código Civil, também se sujeitam à responsabilidade objetiva, do mesmo modo que o credor que demanda por dívida já paga assume a responsabilidade objetiva de indenizar o dobro do valor cobrado, e, se ainda não for vencida, aguardar o tempo que faltava, descontando os juros correspondentes (art. 939 e 940), sem se cogitar da necessidade de demonstração de culpa de sua parte.

Segundo Venosa (2012), quem, com sua atividade, cria um risco, deve suportar o prejuízo que sua conduta acarreta, porque essa atividade de risco lhe proporciona um benefício, desvinculando-se, assim, a obrigação de reparação do dano da ideia de culpa, baseando-se o risco, ante a dificuldade de obtenção da sua prova, pelo lesado, para obter a reparação. Portanto, consoante referido posicionamento, vale dizer que, pela Teoria do risco, a parte que explora determinado ramo da economia, auferindo lucros desta atividade, deve, da mesma forma, suportar os riscos de danos a terceiros.

Na lição de Orlando Gomes (2000), a obrigação de indenizar sem culpa, nasce por ministério da lei, para certos casos, por duas razões: a primeira seria a consideração de que certas atividades do homem criam um risco especial para os outros, e a segunda, a consideração de que o exercício de determinados direitos deve implicar a obrigação de ressarcir os danos que origina.

Aplicando-se Responsabilidade objetiva aos estacionamentos, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu:

Não importa que a parada seja gratuita para afastar a responsabilidade da empresa recorrente, que mantém o estacionamento como elemento indispensável ao próprio comércio de sua atividade, daí a sua qualificação como estacionamento interessado.( REsp n. 7.134-SP 3ª T do STJ, Rel. Min. Dias Trindade, 13.03.1991).

Nesse sentido não fica o proprietário do veículo obrigado a consumir para que assim esteja garantido o nexo de causalidade, porém, como o objetivo imediato do potencial cliente não é apenas usufruir o estacionamento, mas, antes, adentrar no estabelecimento que oferta o parqueamento, nos casos daqueles que se aproveitam da oferta gratuita do estacionamento, e se dirigirem a outros locais, haverá uma lesão frontal ao nexo de causalidade que poderá isentar o empresário de qualquer responsabilidade pelo que ocorrer com o veículo, em virtude do citado veículo se achar indevidamente estacionado em vaga que a ele não está destinada.

Nesse sentido também a orientação exarada na Súmula 130 do STJ não condiciona a responsabilidade civil da empresa ao pagamento do estacionamento por parte do consumidor, cuja essência está no fato de que esse contrato não será realmente gratuito, pois, pelo interesse de captação de clientela, o próprio consumidor acaba por pagar o estacionamento, cujo preço está embutido no preço da mercadoria exposta à venda.

O Superior Tribunal de Justiça, em seus julgados sobre a matéria, consagra a responsabilidade do fornecedor em virtude do pagamento indireto embutido no preço dos produtos e da captação de clientela que essa oferta produz. Esta orientação encontra-se no cerne da Súmula 130.


3 A SÚMULA 130 DO STJ

O Superior Tribunal de Justiça produziu a Súmula 130 que dispõe justamente sobre a responsabilidade da empresa por furto de veículos localizados em seu estacionamento. O teor da referida Súmula é o seguinte, literis: “A EMPRESA RESPONDE, PERANTE O CLIENTE, PELA REPARAÇÃO DE DANO OU FURTO DE VEÍCULOS OCORRIDOS EM SEU ESTACIONAMENTO”.

Com efeito, o STJ com a emissão dessa Súmula resolve o debate sobre qualquer dúvida acerca da responsabilidade da empresa perante o cliente diante de dano ou furto de veículos ocorridos no estacionamento ofertado pelo estabelecimento, somando-se a essa interpretação às disposições do art. 14 do CDC que trouxe a responsabilidade objetiva nas relações de consumo, portanto, o estabelecimento que ofertar estacionamento como forma de fomentar a sua atividade tem o dever de guarda e vigilância do bem que lhe foi confiado, pois o servindo como chamariz para o consumidor subentende que o serviço deve ser bem prestado, sendo assim, sempre que ocorrer roubo ou furto dentro do estacionamento a empresa deve responder pelos danos causados (TJDF; Rec 2013.01.1.002213-4; TJSP; APL 9095498-92.2008.8.26.0000; TJSP; APL 0116775-60.2007.8.26.0000; TJSP; APL 0101594-68.2011.8.26.0100; TJSP; APL 0037495-47.2011.8.26.0114).

A relação advinda da Súmula 130 do STJ não é necessariamente uma relação contratual, podendo muito bem enquadrar-se numa “relação contratual de fato”, ou seja, aquela que se manifesta em virtude de um determinado arranjo fático que une partes com interesses comuns. A natureza jurídica da responsabilidade civil que se exara a partir da referida Súmula 130 não é exatamente nem objetiva nem subjetiva, trata-se antes de uma responsabilidade civil presumida fundada na relação de clientela entre o estabelecimento comercial e o usuário do estacionamento.

Aliás, é a partir da relação de clientela que se exprime o nexo de causalidade, e certamente ela não se restringe apenas à relação de consumo realizada de imediato comprovada pela nota fiscal. A caracterização de clientela poderá manifestar-se por uma relação de longa data entre o estabelecimento e o cliente, caracterizada, por exemplo, através do cadastro do cliente na própria empresa, emissão de cartão de crédito próprio do estabelecimento ou de autorização para emissão de cheques pré-datados para pagamento das compras realizadas naquele recinto.

A relação de clientela é apenas um dos pressupostos para a caracterização da responsabilidade da empresa pelos veículos dos clientes acomodados em seu estacionamento. Todavia, o uso do estacionamento pelo cliente apenas se justifica no âmbito de uma relação de clientela imediata ou em potencial. Assim, se o cliente vai ao estabelecimento para apenas estacionar seu veículo, a fim de dirigir-se a outro lugar, certamente não terá direito algum pelos danos sofridos ao seu veículo, por faltar-lhe o nexo causal, ou seja, nesse caso não houve uma relação contratual, mas apenas um ato unilateral sem amparo no CDC.

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Acrescente-se que a súmula, apesar de significar a pacificação de determinada matéria, em virtude de um conjunto de decisões anteriores e reiteradas de certo Tribunal, não obriga, em verdade, seu cumprimento aos juízes de primeiro grau, cujo convencimento, acerca da decisão, é livre desde que corretamente embasado na lei ou em seus elementos subsidiários arrolados no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil.

Portanto, o papel da súmula vai além da mera pacificação da jurisprudência divergente, no que cabe também a ela orientar, servindo de bússola aos operadores do direito, sem, entretanto, conter em si mesma o caráter coercitivo inerente à norma jurídica. Aliás, a produção da norma jurídica cabe, no Brasil, naturalmente ao Poder Legislativo e não ao Poder Judiciário, a este cabe aplicar a norma jurídica advinda daquele e não pretender subtrair-lhe a prerrogativa constitucional.


4 ESTACIONAMENTOS GRATUITOS, APARENTEMENTE GRATUITOS E ONEROSOS

Os estacionamentos gratuitos se caracterizam pela não cobrança nem direta nem indireta por parte do estabelecimento, sendo ofertado sem o mínimo de interesse, e não agrega ao estabelecimento nenhum tipo de benefício. No caso de desinteresse por parte do estabelecimento, a responsabilidade que deverá implicar nessa relação é a subjetiva, que está nas hipóteses dos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil de 2002, tendo a vítima que provar a culpa do ofensor.

Os estacionamentos aparentemente gratuitos são aqueles que o estabelecimento não cobra diretamente do consumidor pelo estacionamento, não há a entrega de ticket e não há vigilância. Neste caso o estacionamento se dá para uma maior comodidade do cliente, e para o estabelecimento se destacar em relação aos concorrentes, ou seja, o estabelecimento fornecedor do serviço de estacionamento irá se beneficiar economicamente de alguma forma deste serviço prestado. Desta forma, o estabelecimento não se exime de qualquer responsabilidade por não cobrar diretamente e não haver vigilância no local, e a responsabilidade que incide neste caso é a objetiva, como já estudado no presente trabalho, não precisando a vítima provar a culpa do ofensor, precisando apenas demonstrar o dano que sofreu e o nexo de causalidade entre este dano e a conduta do ofensor.

Diante do apresentado, o estacionamento gratuito se encaixa na teoria da responsabilidade subjetiva, tendo a vítima que provar a conduta culposa do estabelecimento para que possa ser ressarcido pelo dano sofrido. Já nos casos do estacionamento oneroso e do aparentemente gratuito, que são os casos em estudo, já que os estabelecimentos privados recebem direta ou indiretamente pelo estacionamento cedido, a responsabilidade que recai caso ocorra algum prejuízo ao consumidor é a objetiva, ou como também conhecida como teoria do risco.

A chamada de teoria do risco consiste em que não depende da culpa ou do dolo do agente, ou seja, esse elemento é irrelevante, para que haja a responsabilidade de indenizar, pois basta que exista o nexo de causalidade entre o ato cometido pelo agente e o dano sofrido pela vítima.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluímos que a matéria está bem assentada no mundo jurídico, todavia, é algo que ainda permeia discussões desnecessárias entre consumidores e fornecedores. É imprescindível que haja o aconselhamento correto nos casos concretos e que seja evitada a judicialização desnecessária, que tanto atabalhoa nossos tribunais.

Vê-se que a remuneração não é imprescindível ao vínculo entre usuário e guardião, e que a responsabilidade não pode ser afastada por disposições contratuais, especialmente quando se considera o caráter de proteção que a função social exerce em função do indivíduo quando do exercício da iniciativa privada no plano jurídico pátrio.

Desse modo, a inclusão da responsabilidade objetiva como regra geral, ou mesmo como forma mais ampla de se conceber o instituto da responsabilidade civil, harmoniza-se com o moderno posicionamento do processo civil de se conferir maior efetividade ao provimento jurisdicional, porquanto a análise dos dispositivos em comento denotam a inequívoca intenção do legislador de ampliar os casos de indenização sem culpa, como forma de providenciar o acesso à justa reparação, epara que o processo civil atinja seu escopo precípuo, que é a pacificação social.

A adoção da Teoria do Risco em dias atuais é de suma importância em face do aumento desmesurado dos fatores de risco, que são causados precipuamente pela mudança de valores econômicos, sociais e, também, pelo avanço tecnológico, de modo que, embora a responsabilidade objetiva não seja considerada como regra geral no direito brasileiro, é ferramenta jurídica que se reconhece em favor daquele que se encaixa na previsão legal, pois tanto a responsabilidade objetiva, como a responsabilidade subjetiva se completam para proporcionar ao cidadão a efetividade da justiça na reparação do dano decorrente do uso de estacionamentos.


6 Referências

Castro, Guilherme Couto De. A Responsabilidade Civil Objetiva No Direito Brasileiro.2ª Ed. Rio De Janeiro: Forense, 1997.

Gomes, Orlando. Obrigações, Rio De Janeiro: Forense, 2000.

Silva, Emanoel Maciel Da. A Responsabilidade Civil Por Furto De Veículos Em Estabelecimento Comerciais E Similares No Brasil. Rio De Janeiro: Forense, 2007.

Silva, Wilson Melo Da. Responsabilidade Sem Culpa E Socialização Do Risco. Belo Horizonte: Ed. Bernardo Álvares. 1994.

Venosa, Silvo De Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil, 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2002.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARQUEIRO, Izabella Taveira. Responsabilidade civil dos estabelecimentos comerciais que disponibilizam estacionamentos a seus clientes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5082, 31 mai. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58183. Acesso em: 23 abr. 2024.

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