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Como aplicar as súmulas de jurisprudência segundo o novo CPC?

31/03/2018 às 13:45
Leia nesta página:

No novo CPC, a súmula não pode ser aplicada como se fosse uma norma geral, devendo ser operacionalizada como um guia indicativo de solução para o caso concreto. Mas afinal, quais são as novas regras de aplicação?

Sumário: 1. Exegese dos termos “jurisprudência”, “precedente” e “súmula”. 2. O sistema dos precedentes obrigatórios no novo CPC. 3. O novo CPC e a valorização da fundamentação decisória. 4. As três etapas para aplicação das súmulas no novo CPC.


1. Exegese dos termos “jurisprudência”, “precedente” e “súmula”

Jurisprudência

O vocábulo jurisprudência, em seu sentido etimológico, significa justa prudência (do latim jus “justo” + prudentia “prudência”). Já em acepção técnica, refere-se ao conjunto das decisões judiciais reiteradas em um mesmo sentido, através da interpretação e aplicação do Direito ao caso concreto. Conforme destaca o ilustre Professor Marcel Nast, “a jurisprudência possui, na atualidade, três funções muito nítidas, que se desenvolveram lentamente: uma função um tanto automática de aplicar a lei; uma função de adaptação, consistente em pôr a lei em harmonia com as ideias contemporâneas e as necessidades modernas; e uma função criadora, destinada a preencher as lacunas da lei”.[1]

Precedente

O precedente, conforme explicam Didier, Braga e Oliveira, “é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos”.[2] A diferença principal entre jurisprudência e precedente é quantitativa: chama-se de precedente a decisão isolada de um tribunal, enquanto o termo jurisprudência refere-se a um conjunto de decisões uniformes de um tribunal. Como observou o ilustre jurista José Rogério Cruz, “quando se alude a precedente refere-se, geralmente, a uma decisão relativa a uma situação particular, enquanto (...) a citação da jurisprudência encerra uma pluralidade de decisões relativas a vários e diversos casos concretos”.[3]

Súmula

 As súmulas de jurisprudência consistem em enunciados curtos, redigidos e publicados por um tribunal conforme os pressupostos fixados no regimento interno para registrar sua orientação a respeito de determinada matéria.  Essa regra veio expressa no art. 926, § 1o do novo CPC. Confira:

§ 1o Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.

Vale lembrar que o palavra “Súmula” (do latim: summula), que significa “sumário” ou “resumo”, foi o termo cunhado pelo Ministro Victor Nunes Leal, no ano de 1963, para sistematizar em enunciados curtos o que o Supremo Tribunal Federal vinha decidindo reiteradamente nos seus julgamentos. No ano de 1964, por meio de emenda ao regimento interno do Supremo Tribunal Federal, as súmulas ingressaram em nosso ordenamento com o objetivo de promover a estabilidade da jurisprudência e a celeridade da prestação jurisdicional através da simplificação do trabalho dos advogados e do Tribunal, facilitando o julgamento das questões mais frequentes.[4]

 A publicação das Súmulas trata-se de um procedimento de uniformização de jurisprudência no qual, ao mesmo tempo em que se reforça e segurança jurídica por meio da estabilidade da jurisprudência, simplifica-se o julgamento das questões mais frequentes perante o Judiciário com vistas a promover a celeridade processual.

 Com o tempo, as Súmulas foram ganhando cada vez mais prestígio, e outros tribunais passaram a publicar seus próprios verbetes sumulares buscando promover a otimização da máquina judiciária.  Embora na terminologia original a palavra súmula se refira ao conjunto de enunciados sumulares, a prática forense consagrou o uso da expressão para se referir a cada verbete.  No atual cenário jurídico brasileiro, a utilização dos verbetes sumulares, ao viabilizarem a previsibilidade das decisões judiciais, revela-se como um valioso instrumento de uniformização e estabilidade de jurisprudência. Nesse passo, o Direito Sumular ergue-se como um eficiente mecanismo de combate à morosidade processual, simplificando o julgamento das questões mais frequentes perante o Judiciário. 


2. O sistema dos precedentes obrigatórios no novo CPC

Muito embora já tivéssemos no direito pátrio a utilização dos precedentes judiciais como fonte do direito, até o advento do novo CPC ainda não tínhamos uma disciplina legal de aplicação dos precedentes.  Com vistas a suprir esta lacuna, uma das mudanças mais marcantes trazidas pelo novo CPC foi a sistematização da rede de precedentes judiciais.  

O novo código redimensionou a importância do direito jurisprudencial no Brasil, desenhando regras de aplicação dos precedentes com vistas a promover o aprimoramento da sua aplicação como fonte do direito.  Vejamos:

Em seu artigo 926, o novo CPC deixa claro o papel dos precedentes judiciais no ordenamento jurídico ao estabelecer que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente, devendo publicar súmulas correspondentes a sua jurisprudência dominante. Confira: 

NCPC. Art. 926.  Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. § 1o Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.

Em atenção ao princípio da segurança jurídica, o novo código formulou o princípio de que a jurisprudência, pacificada ou sumulada, deve ser mantida, salvo se houver relevantes razões recomendando sua alteração. Nos termos do § 4 o  do art. 927:

NCPC. Art. 927. § 4o A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.

Em seu art. 927, inc. IV, o novo diploma processual civil afirma expressamente que os enunciados das Súmulas do STF, em matéria constitucional, e do STJ, em matéria infraconstitucional, passam a ser de observância obrigatória pelos juízes e pelos tribunais. Confira:

NCPC. Art. 927.  Os juízes e os tribunais observarão: (...) IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

Na sistemática do novo CPC, portanto, os precedentes judiciais são obrigatórios e vinculam a decisão judicial. Com efeito, como estabelece o artigo 489, § 1º, VI, não se considera fundamentada qualquer decisão judicial que deixar de seguir precedente ou jurisprudência invocada pela parte, sem mostrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. Confira:

NCPC. Art. 489. (...) § 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

A estruturação de um sistema de precedentes judiciais obrigatórios pelo novo código é um dos instrumentos da reforma operada pelo novo CPC para enfrentar os problemas mais preocupantes do Poder Judiciário atualmente: a morosidade processual e a questão da incerteza jurisdicional - isto é, a discrepância de julgamentos sobre matérias idênticas, que conduz à imprevisibilidade das decisões judiciais, agravando a insegurança jurídica no país e a instabilidade das relações sociais.  


 3. O novo CPC e a valorização da fundamentação decisória

Como vimos, as súmulas sempre tiveram o objetivo de simplificar o trabalho dos advogados e dos Tribunais, facilitando o julgamento das questões mais frequentes.  Ocorre que na prática forense as súmulas vinham sendo aplicadas de forma mecanizada, sem que fosse feito um exame de correspondência entre os precedentes que deram origem à sumula e o caso concreto. O novo código veio combater essa aplicação mecânica dos verbetes sumulares, já que não há autorização constitucional para uma aplicação automática dos verbetes, como se fossem normas gerais.  

O novo CPC exige que a aplicação das súmulas seja feita de forma dialética, isto é, baseada no diálogo e na argumentação, de maneira a valorizar a fundamentação decisória. Vejamos. O § 1o do art. 489 do novo CPC determina que, para invocar um precedente ou uma súmula, o julgador deve identificar seus fundamentos determinantes e demonstrar que o caso concreto sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos.   

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Confira:

Art. 489.  (...) § 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: (...) V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

Deste dispositivo, podemos extrair duas regras claras:

  1. Os fundamentos determinantes do precedente ou súmula - isto é, sua ratio decidendi – são de observância obrigatória e precisam constar na fundamentação da decisão judicial.
  2. a aplicação de um precedente ou súmula a um caso concreto só poderá ser feita após a demonstração de que o caso sob julgamento é similar e se ajusta aos fundamentos dos julgados pretéritos.  

Veja, portanto, que segundo o novo código, para se invocar um precedente ou uma súmula, o julgador deverá identificar seus fatos e fundamentos determinantes e demonstrar que o caso concreto sob julgamento é similar e se ajusta àqueles fundamentos.Perceba que essa regra se alinha com o comando do art. 926, §2º do novo CPC, que determina o seguinte: “Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação”.

Afinal, como bem destacou o ilustre Professor Luiz Guilherme Marinoni, “(...) as súmulas são calcadas em precedentes e, portanto, não podem fugir do contexto dos casos que por eles foram solucionados. Bem por isso, para se saber se uma súmula é aplicável a outro caso, é necessário verificar o contexto fático dos casos que lhe deram origem, assim como as proposições sociais que fundamentaram os precedentes que os solucionaram.”[5]


4. As três etapas para aplicação das súmulas no novo CPC

Na sistemática do novo CPC, a súmula não pode ser aplicada como se fosse uma norma geral, devendo ser operacionalizada como um guia indicativo, ou seja, um indício de solução para o caso concreto. Esta é uma regra demanda um trabalho maior para os juízes e exige dos operadores do direito o conhecimento dos precedentes e fundamentos que deram origem aos enunciados sumulares.

A intenção do novo código é promover a qualidade e a segurança do processo decisório, evitando a aplicação das súmulas a casos diferentes daqueles para os quais elas foram criadas.  

A aplicação das súmulas no novo CPC exige do aplicador do direito a verificação de três fatores:

  1. Verificação da conformidade com o ordenamento jurídico vigente → Exige-se a verificação da conformidade da súmula com o ordenamento vigente, pois a súmula não pode jamais se sobrepor ao direito posto. Vale dizer: as súmulas devem ser criadas com base no ordenamento existente e só poderão valer enquanto estiverem compatíveis com o sistema. Assim, o operador do direito precisa estar atento aos casos em que há perda da aplicabilidade da súmula. Isso ocorre, por exemplo, nos casos em que a edição de uma nova lei contraria o verbete sumular em questão, ou quando a súmula baseia-se numa lei que já não está mais em vigor.
  2. Verificação da compatibilidade fática → Exige-se a demonstração de que os fatos do caso concreto a ser julgado são semelhantes aos fatos dos julgados que originaram o verbete sumular.
  3. Verificação da compatibilidade dos fundamentos determinantes → Exige-se os fundamentos determinantes (isto é, as razões de decidir) dos julgados pretéritos que deram origem à súmulas sejam adequados ao caso concreto a ser julgado. Ou seja, o operador do direito precisar trabalhar não apenas com o comando do verbete sumular, mas também com os fundamentos que embasaram os precedentes que deram origem à súmula.


REFERÊNCIAS

[1] Cf. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 146.

[2] Cf. DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Oliveira. Curso de Direito Processual Civil. V. 2, 2009, p. 381.

[3] Cf. TUCCI. José Rogério Cruz. Notas sobre os conceitos de jurisprudência, precedente judicial e súmula. Revista Consultor Jurídico, 7 de julho de 2015.   

[4] Aqui, cumpre registrar o que bem aponta Fernando Dias Menezes de Almeida (in Memória jurisprudencial: Ministro Victor Nunes.Brasília: STF, 2006, p. 32, nota de rodapé nº 3): “Na terminologia original e ainda na terminologia regimental, a expressão “súmula” se referia ao conjunto dos “enunciados”, publicada e atualizada periodicamente; a prática posterior consagrou também o uso de “súmula” significando cada enunciado”.

[5] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 4a edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 309.  

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Sobre a autora
Alice Saldanha Villar

Advogada, colunista e articulistas de diversas revistas jurídicas e periódicos. Autora dos livros “Direito Sumular - STF”, “Direito Sumular - STJ” e "Direito Bancário" - Editora JHMIZUNO, São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VILLAR, Alice Saldanha. Como aplicar as súmulas de jurisprudência segundo o novo CPC?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5386, 31 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58262. Acesso em: 19 abr. 2024.

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