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Recurso adesivo:

a matéria veiculada não está subordinada à do recurso principal

26/10/2004 às 00:00
Leia nesta página:

O artigo 500 do Código de Processo Civil assim dispõe:

"Cada parte interporá o recurso, independentemente, no prazo e observadas as exigências legais. Sendo, porém, vencidos autor e réu, ao recurso interposto por qualquer deles poderá aderir a outra parte. O recurso adesivo fica subordinado ao recurso principal e se rege pelas disposições seguintes..."


1. Breves considerações:

O recurso adesivo é novidade do Código de 1973 no direito brasileiro [1]. Está previsto no art. 500 do CPC.

Aplica-se exclusivamente em caso de sucumbência recíproca, situação em que ambas as partes têm interesse para interpor o recurso independente, porém, por alguma razão qualquer, uma delas não o faz. A princípio, a falta de interposição do recurso principal por uma das partes traz a idéia de preclusão lógica, eis que, expirado o prazo, esta não recorreu. Todavia, ao ser intimada para contra-arrazoar o recurso interposto pela parte contrária, surge, ao recorrido, dentro daquele mesmo prazo, o direito previsto no art. 500, qual seja, de recorrer adesivamente.

O recurso adesivo só será admissível na apelação, nos embargos infringentes, no recurso extraordinário e no recurso especial (art. 500, II, do CPC)

A vida do recurso adesivo depende da existência do recurso principal. Caso haja desistência deste, aquele, inevitavelmente, falecerá [2]. Também, se o recurso principal for julgado inadmissível ou deserto, o adesivo não será conhecido e julgado. Com tais ocorrências também o recurso adesivo será extinto (art. 500, III)

Aplicam-se ao recurso adesivo as mesmas regras do recurso independente, quanto às condições de admissibilidade, preparo e julgamento no tribunal superior (art. 500, parágrafo único).


2. Da interpretação do art. 500 do CPC:

A interpretação desse artigo tem causado controvérsia na doutrina, pois há quem defenda a idéia de que a matéria ventilada no recurso adesivo está subordinada à do recurso principal, sendo vedado ao recorrente dependente discutir matéria que não conste do recurso principal, já que suportou os efeitos da sentença ao deixar transcorrer in albis o prazo para interposição do recurso independente [3].

Tal corrente fundamenta sua posição na proibição da reformatio in pejus, de modo que se assim não fosse, o recorrente principal poderia ter sua situação piorada pela reforma da sentença, uma vez dado provimento ao recurso adesivo que veiculou matéria não relacionada com o recurso interposto pela parte contrária.

Nessa esteira de pensamento Barbosa Moreira assevera "a função do recurso adesivo é justamente a de levar ao conhecimento do tribunal matéria que, só por força do recurso principal, não se devolveria" [4].

Ao nosso ver, essa interpretação não deve prevalecer, pois a lei não exige que a matéria veiculada no recurso adesivo esteja relacionada com a do recurso principal.


3. Da não subordinação ao principal quanto à matéria impugnada:

É cediço que, em diversas situações, os sujeitos da lide, sucumbentes parcialmente, não desejam recorrer, porém, acabam por fazê-lo tão somente por temer resultado de eventual manifestação recursal do adversário.

No entanto, tal regime legal está superado, pois "favorecia o prolongamento do processo, talvez desnecessário e nem sequer verdadeiramente querido pelas partes". [5]

Agora, com a instituição do recurso adesivo, não há mais necessidade de interposição de recurso pelo simples temor de, ao deixar de recorrer, ser surpreendido pela interposição do recurso da parte contrária.

No entender de Tucci [6], "poderá o interessado recorrer desde logo, mas, se não quiser ou se entender que não deva fazê-lo de pronto, poderá, por igual, aguardar despreocupadamente o transcurso do prazo para interposição do recurso, deixando para aforar o seu oportunamente, apenas quando antes tenha recorrido o opositor".

Todavia, Humberto Theodoro Júnior defende opinião diversa, asseverando que "sobre a parte da sentença que não foi objeto de recurso pelo adversário do apelante, e que eventualmente poderia ser alterada em prejuízo deste, incidiu a coisa julgada, diante da inércia daquele a que a reforma da sentença favoreceria" [7].

Discordamos veementemente dessa última posição, pois entendemos que, como bem observou Tucci, o art. 500 permitiu ao interessado que não tenha recorrido imediatamente, que o faça de forma adesiva, sem que isso venha a lhe causar qualquer prejuízo. Note que a intenção do legislador não foi a de privilegiar uma ou outra parte, mas sim, equipará-las, dando-lhes um tratamento igualitário, conferindo-lhes o mesmo direito.

Além do mais, como é possível argüir a coisa julgada se não houve o trânsito em julgado da decisão judicial?

Qual seria a estabilidade trazida pelo art. 500 se agasalhássemos a tese da coisa julgada quanto a matéria não ventilada no recurso principal?

E que utilidade teria o recurso adesivo se a sua matéria ficasse adstrita tão somente àquela do recurso principal interposto pela parte contrária?

Subordinar e limitar a matéria do recurso adesivo à matéria ventilada no recurso independente equivale a negar vigência ao art. 500, uma vez que o dispositivo legal não fez qualquer restrição acerca da matéria objeto do recurso adesivo. Não é demais lembrar que onde a lei não restringiu, não cabe ao intérprete fazê-lo, quanto mais em detrimento da própria natureza do recurso sob exame.

Esse também tem sido o entendimento em nossos tribunais [8]:

"Desde que satisfeito o requisito de que o recurso adesivo seja dirigido contra o recorrente principal,"a lei não exige que a matéria objeto da apelação adesiva esteja relacionada com a formulada na apelação principal" (JTA 94/170, maioria). Ou seja: o objeto da impugnação formulada no recurso adesivo "não deve guardar, necessariamente, relação com a matéria cogitada" na apelação principal (STJ – 3º Turma, Resp 41.398-2- ES, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 194.94, deram provimento, v. u., DJU 23.05.94, p. 12.605). (não há grifos no original)

Ademais, se o recurso adesivo requer, para a sua admissibilidade e prosseguimento, os mesmos requisitos exigidos ao principal, inclusive o preparo, como subtrair-lhe o direito de discutir toda matéria sucumbente, limitando a discussão tão somente àquela aventada no recurso independente interposto pela parte ex adversa?

Nesse sentido, a jurisprudência tem se manifestado [9]:

"Na apelação, o recurso adesivo é amplo, não ficando limitado pelo alcance do recurso principal, embora deva ser obrigatoriamente dirigido contra o apelante principal" (RT 601/118, maioria, 633/101, maioria, RJTJESP 98/237, RP 21/285, com comentário de Armando Roberto Holanda Leite). (grifos nossos)

Em momento algum o legislador restringiu a matéria ventilada no recurso adesivo, ao contrário. O art. 500 conferiu a parte também sucumbente que não interpôs seu recurso independente dentro do prazo legal a oportunidade de fazê-lo adesivamente, subordinando-o, apenas, a existência, admissibilidade e continuidade do recurso principal interposto pela parte contrária. Tal disposição está expressa no texto legal.

Denota-se, claramente que o espírito do legislador ao dispor sobre o tema foi o de conferir uma nova oportunidade à parte de rediscutir toda a matéria em que esta sucumbiu. O que não fere de modo algum a proibição da reformatio in pejus [10], visto que ao dar uma nova oportunidade ao recorrido, o legislador condicionou-a a vontade do recorrente principal, que, se decidir desistir do seu recurso, impedirá o conhecimento do adesivo.

Logo, é uma oportunidade expressamente subordinada apenas a continuidade do principal, o que é muito justo, pois, o recurso adesivo só nasceu porque, antes dele, o recurso independente foi interposto, o que de outra forma não seria possível. Isto basta para o cabimento do recurso adesivo.

Não há, pois, que se confundir tal subordinação.

No entender de José Afonso da Silva [11] "se não se admitisse recurso adesivo, inclusive em relação aos capítulos não impugnados em via principal, o recorrente, nesta via, que rompera com a situação de aquiescência à sentença do lado do outro litigante, ficaria em condições privilegiadas, desde que lhe seria possível demarcar o objeto do recurso adesivo, quando a sentença compreendesse mais de um capítulo com sucumbência recíproca. Imporia ao adversário a possibilidade de só impugnar adesivamente daqueles capítulos que ele, recorrente principal, julgasse de todo inaceitáveis para ele, enquanto exatamente os mais gravosos ao recorrente adesivo (por isso, menos a ele) deixaria irrecorríveis para transitar em julgado em seu favor.

É para evitar essa possível manobra do recorrente principal que o seu recurso investe o recorrido aquiescente no direito de impugnar, em via adesiva, todos os capítulos da sentença que lhe causaram gravame, mesmo que não tenham sido objeto daquele."

A lei não exige que a matéria objeto do recurso adesivo esteja relacionada com a do recurso principal. Assim, através do recurso adesivo, se pode impugnar qualquer capítulo da sentença que seja gravoso, quer tenha sido objeto do recurso principal, quer não o tenha. [12]


4. Do cabimento do recurso adesivo no Processo do Trabalho:

E, tanto isso é verdade que o processo comum serviu como fonte de inspiração ao direito especializado de forma que a Consolidação das Leis do Trabalho, importou o recurso adesivo do CPC para o direito processual do trabalho [13], com fulcro no art. 769 da CLT o qual dispõe: "Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título."

Inicialmente havia dúvida sobre o seu cabimento no processo do trabalho, pois a CLT não trata do tema.Entretanto, mais tarde, o entendimento jurisprudencial se consolidou no sentido da aplicação subsidiária do art. 500 do CPC ao processo do trabalho que através do Enunciado 196 do TST regulamentou o cabimento do recurso adesivo, no prazo de oito dias, relativamente ao recurso ordinário, à revista, aos embargos para seções do Tribunal Superior do Trabalho e ao agravo de petição. [14][15]

Nota-se, portanto, a aplicação subsidiária do processo civil no processo do trabalho e o curioso é que neste último, o tema é pacífico e sequer se admite discussão: Não há subordinação ao recurso principal quanto à matéria ventilada no recurso adesivo!

O Tribunal Superior do Trabalho editou o Enunciado 283, dispondo textualmente que é desnecessário que a matéria veiculada no recurso adesivo esteja relacionada com a do recurso interposto pela parte contrária. [16]

Assim, denota-se que a aplicação subsidiária do art. 500 do CPC ao Direito Processual do Trabalho foi feita de forma coesa, respeitando os limites da lei e a amplitude que o recurso adesivo se reveste.

E, para dirimir qualquer dúvida, o próprio Tribunal Superior do Trabalho cuidou, sabiamente, de sumular a matéria, evitando que, sobre a mesma, pairasse alguma controvérsia.


5. Conclusões:

Assim, podemos concluir que, seja no processo civil, seja no processo do trabalho, o recurso adesivo, previsto no artigo 500 do CPC, em momento algum fez restrição quanto à matéria nele veiculada e jamais a condicionou àquela do recurso principal.

Sem dúvida, não se permitir que o recurso adesivo veicule matéria não impugnada no recurso independente é uma verdadeira injustiça, pois tal condição privilegia o adversário, possibilitando-lhe delimitar o objeto do recurso adesivo com o propósito de ver transitar em julgado em seu favor àquela parte da sentença por ele não impugnada.

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Por derradeiro, é irrefutável que a limitação que o legislador pretendeu impingir ao recurso adesivo, ele a fez expressamente, sendo, portanto, inadmissível a extensão dessa subordinação pelo intérprete.

Entretanto, não podemos esquecer dos ensinamentos deixados por Descartes [17]: "a diversidade de nossas opiniões não resulta de umas serem mais razoáveis do que outras, mas somente de conduzirmos nossos pensamentos por diversas vias, e de não considerarmos as mesmas cousas".

E nem poderia ser diferente.

Ao nosso ver, a interpretação do artigo 500 do CPC é bastante clara. O recurso adesivo é amplo, não ficando, de modo algum, subordinado ao principal quanto à matéria impugnada.


BIBLIOGRAFIA:

BARBOSA MOREIRA, José Carlos, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V;

CARRION, Valentin, Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 28ª ed., 2003;

DESCARTES, René, Discurso do Método, ed. 1986;

GRECCO FILHO, Vicente, Direito Processual Civil Brasileiro, vol. II, 12ª ed., 1997;

MALTA, Christovão Piragibe Tostes, Prática do Processo Trabalhista, 28ª ed., 1999;

MARTINS, Sérgio Pinto, Direito Processual do Trabalho,18ª ed., 2002;

NEGRÃO, Theotonio, Código de Processo Civil, 30ª ed., 1999;

RIBEIRO, Pedro Barbosa, Curso de Direito Processual Civil, ed. 1998;

SILVA, José Afonso da, Do recurso adesivo no Processo Civil, ed. 1.977;

THEODORO JÚNIOR, Humberto, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 36ª ed,. 2001;

TUCCI, Rogério Lauria, Curso de Direito Processual Civil, Vol III, ed. 1976;

VECHIATO JÚNIOR, Walter, Curso de Processo Civil, vol II, ed. 2002;

WAMBIER, Luiz Rodrigues, Curso Avançado de Processo Civil, vol. I, 4ª ed., 2000;


NOTAS

1 Grecco Filho, Vicente, Direito Processual Civil Brasileiro,12ª ed., 1997, vol. II, pág.284

2 Ribeiro, Pedro Barbosa, Curso de Direito Processual Civil, ed. 1998, pág 124

3 Vechiato Júnior, Walter, Curso de Processo Civil, vol II, ed. 2002, p.156

4 Tucci, Rogério Lauria, Curso de Direito Processual, ed. 1976, p. 247

5Barbosa Moreira, José Carlos, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 5, p. 298-9, n. 170

6 Tucci, Rogério Lauria, Curso de Direito Processual Civil, Vol III, p. 376, 1989

7 Theodoro Júnior, Humberto, Curso de Direito Processual Civil, 36ª ed. 2001 Vol I, p. 507;

8 Negrão, Theotonio, Código de Processo Civil, 30ª ed. 1999, p. 501, art. 500, nota 5

9 Negrão, Theotonio, Código de Processo Civil, 30ª ed. 1999, p. 502, art. 500, nota 11

10Wambier, Luiz Rodrigues, Curso avançado de Processo Civil, 4ª ed., 2000, vol. I, p. 762: "No entanto, por causa do princípio já estudado, da proibição da reformatio in pejus, se houver recurso só do autor, não se pode tirar do autor aquilo que ele já conseguiu. Poderá fazê-lo só em face do recurso interposto pelo réu, retirando do autor a vantagem que a sentença lhe concedia".

11 Silva, José Afonso da, op. cit, pág. 126

12 Silva, José Afonso da, Do recurso adesivo no Processo Civil, Ed. 1.977, págs. 129/130

13 Carrion, Valentin, Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 28ª ed., 2003, pág. 765, art. 897-A, nota 4

14 Martins, Sérgio Pinto, Direito Processual do Trabalho,18ª ed., 2002, pág. 425

15 Malta, Christovão Piragibe Tostes, Prática do Processo Trabalhista, 28ª ed., 1999, pág.552

16 Súmula 283 do TST: "O recurso adesivo é compatível com o processo do trabalho, onde cabe, no prazo de oito dias, nas hipóteses de interposição de recurso ordinário, de agravo de petição, de revista e de embargos, sendo desnecessário que a matéria nele veiculada esteja relacionada com a do recurso interposto pela parte contrária (1988)"

17 Descartes, René, Discurso do Método, 1986, p.40,

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Sobre a autora
Simone Batista

Advogada, professora de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho no Curso jurídico preparatório para concursos e exame de ordem - CPJ,especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Brás Cubas, Advogada, professora de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, especialista em Direito Civil e Processo Civil pela UBC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BATISTA, Simone. Recurso adesivo:: a matéria veiculada não está subordinada à do recurso principal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 476, 26 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5852. Acesso em: 24 nov. 2024.

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