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Outros meios processuais de defesa da posse

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Sumário: 1. Introdução. 2 Natureza jurídica da posse. 3. O fundamento da proteção possessória. 4. Ações possessórias "lato sensu" e "stricto sensu". 5. Ação de embargos de terceiro. 6. Ação de nunciação de obra nova. 7. Ação de imissão de posse. 8. Conclusão.


1. Introdução

            Este trabalho tem como objetivo comprovar a existência de ações de natureza possessória no Direito Brasileiro além daquelas tipificadas no Livro II, Título XIII, do Código de Processo Civil (ação de reintegração, ação de manutenção e interdito proibitório), abordar especificamente as ações de nunciação de obra nova, embargos de terceiro e imissão de posse e explicar se elas possuem ou não natureza possessória.

            Fez-se necessário, no entanto, antes de adentrarmos diretamente no tema principal do trabalho, dedicar atenção a tópicos que entendemos serem de demasiada importância para uma compreensão abrangente do tema o que nos levou a realizar breves considerações sobre a natureza jurídica da posse, a proteção possessória e a classificação desenvolvida pela doutrina entre ações possessórias "lato sensu" e "stricto sensu".


2. Natureza jurídica da posse

            A posse é um instituto "suis generis" no campo do direito.

            Desde os primórdios do Direito Romano existem controvérsias a respeito da natureza jurídica da posse, dúvidas que não foram superadas até nossos dias pelas teorias existentes sobre a posse, motivo pelo qual se faz necessário analisar-se as correntes que a explicam e mescla-las em vistas a obter uma classificação jurídica desse instituto tão complexo no campo dos direitos reais(1).

            As teorias sobre a natureza jurídica da posse dividem-se em três grupos originais de pensamentos, existindo estudiosos que entendiam-na como uma simples relação de fato entre a pessoa e a coisa; aqueles que visualizavam natureza jurídica mista da posse sendo tanto direito com relação de fato liderados por Savigny; e, ao final, a corrente de pensamento dominante nos dias de hoje sobre a natureza jurídica da posse formulada por Rudolf von Ihering para o qual a posse tem caráter ontológico de direito uma vez que para este autor deve-se partir do pressuposto de que o direito é um interesse juridicamente protegido.

            Fixada a corrente de pensamento dominante sobre a natureza jurídica da posse, a qual é um direito em face da proteção deferida pelo sistema jurídico brasileiro, deve-se agora classificar que tipo de direito é a posse, ou seja, se está no campo do direito real ou do direito obrigacional.

            Parte-se da lição de Moreira Alves para quem a posse é um direito em decorrência de seu posicionamento no ordenamento jurídico, todavia não é um direito real, pois os direitos reais são "numerus clausus" e estão todos relacionados no art. 674, do Código Civil Brasileiro, afirmando ainda que as ações possessórias não possuem o caráter de ações reais.

            Para Caio Mario da Silva Pereira a posse é um direito real, sendo que o autor evidencia todas as características dos direitos reais no instituto da posse: oponibilidade "erga omnes"; indeterminação do sujeito passivo, incidência em objeto obrigatoriamente determinado etc.

            O mestre Orlando Gomes também compartilha da posição Caio Mario para quem também a posse é um direito real porque a sujeição da coisa à pessoa é direta e imediata, inexistindo sujeito passivo determinado, o exercício do direito do possuidor é "erga omnes", devendo todos os integrantes da sociedade respeita-lo.

            A melhor doutrina tem se posicionado acerca da existência de cinco características essenciais dos direitos reais: a) criação através da técnica do "numerus clausus"; b) formação de tipos rígidos; c) exercício "erga omnes"; d) atribuição de direito de preferência e seqüela; e) sujeição aos princípios da publicidade, do desmembramento e da consolidação.

            Procurando enquadrar-se a posse entre os direitos reais deveremos, forçosamente, tentar atribuir-lhe estes cinco requisitos mencionados no parágrafo anterior, sendo que ausente qualquer umas das características ante citadas ao instituto da posse não estaremos diante de mero direito real.

            Assim, a técnica de criação "numerus clausus" exige a rigidez para criação de um direito real, ou seja, só é direito real o que está positivado pela Lei, sendo então número limitado de institutos previstos no art. 674, do Código Civil Brasileiro, não sendo admitidas outras figuras além das expressamente previstas no dispositivo, não estando a posse entre eles o que desde já revela a inexistência de caráter de direito real à posse.

            A utilização da técnica "numerus clausus" pelo legislador para a criação dos direitos reais originou a formação de tipos rígidos e taxativos (tipicidade), havendo detalhes que devem obrigatoriamente ser seguidos para cada instituto então criado, o que não se depreende com a posse que não fora tratada como direito real no Código Civil, nem tampouco em leis extravagantes.

            Inexiste também a oponibilidade da posse "erga omnes", pois o direito do possuidor encontra-se limitada pela propriedade ou por uma melhor posse de outrem, restando-nos transcrever as palavras da Professor Cláudia Simardi para quem:

            "... a oponibilidade depende da situação fática em que se encontrar o possuidor, pois deve ser analisada comparativamente a outras posses. Isto porque uma posse pode perecer diante de outra melhor ou diante da propriedade. Assim sendo, seu titular pode opor o direito contra "quase todos" (contra aqueles que não tiverem melhor posse, ou que não detiverem o domínio sobre a coisa), o que desfigura a posse como direito absoluto, uma vez que, dependendo da situação concreta, poderá ou não merecer proteção jurídica".(2)

            A posse também não comporta o direito de seqüela, pois o possuidor não tem o poder de perseguir a coisa no poder de quem quer que esteja, resgatando-a das mãos de quem a detiver, pois o direito de seqüela só é deferido aos titulares de direitos reais assim classificados por lei não estando a posse classificada entre estes. Não existe também o direito de preferência, de tal sorte que uma melhor posse pode preterir uma outra, bem como o direito de propriedade pode preferir a posse.

            Quanto ao princípio da publicidade imprescindível para validade dos direitos reais contra terceiros não se configura também no instituto da posse, pois não é exigível registro da posse no Cartório de Registro de Imóveis competente para que a mesma tenha validade, sendo exemplo claro a posse clandestina a qual se configura independente do conhecimento de terceiros.

            Os princípios do desmembramento e da consolidação também não se aplicam à posse, pois são relativos apenas aos direitos reais sendo característica do primeiro a possibilidade de um direito real desmembrar-se em outros direitos reais sendo exemplo a propriedade que pode desmembrar-se e tornar-se usufruto e característica do segundo (princípio da consolidação) a possibilidade daquele direito real desmembrado consolidar-se no direito real originário, o que não ocorre com a posse que não pode se desmembrar em qualquer direito real, nem tampouco consolidar-se.

            Desta forma os argumentos suscitados pelos ilustres Orlando Gomes e Caio Mario são facilmente refutados quando analisamos que sobre a posse não incide nenhum dos requisitos apontados pela melhor doutrina para configuração de um direito real, pois não há o direito de seqüela, a taxatividade, inexiste a criação "numerus clausus" etc., não sendo possível atribuir-lhe o caráter de direito real.

            Não se pode conceber a posse no campo dos direitos reais por todas as ausências antes descritas, entretanto deve-se tê-la como um direito em virtude de nossa legislação, pois se trata de instituto juridicamente protegido. Todavia que tipo de direito é a posse? É direito obrigacional ou não?

            Existem várias classificações didáticas para o Direito: direito público/direito privado, direito subjetivo/objetivo. Todavia, a distinção que nos interessa neste momento é a que o subordina em direito real ("jus in re") e pessoal/obrigacional ("jus ad rem"), aquele é faculdade do homem sobre a coisa, enquanto que este é faculdade do homem sobre outra pessoa para exigi-lhe o cumprimento de uma obrigação de dar, fazer ou não fazer.

            Dentre as teorias que classificam os direitos em reais e pessoais destaca-se a teoria clássica ou tradicional (dualista) que visualiza diferenças entre os dois institutos gerando conceitos distintos para o direito real e o direito pessoal e a teoria unitária personalista/realista que não determina divisão entre o direito real e o obrigacional informando serem uma só espécie.

            A legislação pátria adotou a teoria clássica ou dualista que prega a dicotomia dos dois institutos baseada nas diferenças ontológicas de cada um, pois o direito real é um poder ou relação jurídica entre o homem e a coisa, enquanto que o direito obrigacional é relação jurídica entre pessoas.

            Restou provado em discurso anterior que a posse não é um direito real por ausência de vários requisitos comuns aos mesmos (criação "numerus clausus", oponibilidade "erga omnes", etc.), o que poderia levar o estudioso desatento a pensar que a posse enquadraria-se no campo dos direitos obrigacionais, haja vista que o nosso Código Civil aderiu à teoria dualista que comporta a bipartição em direitos reais e obrigacionais ensejando a idéia de que o que não comporta lugar no conceito de direito real, seria direito obrigacional.

            Contudo, ao analisar-se as características dos direitos obrigacionais e da posse apontadas pelos doutrinadores verifica-se a impossibilidade de classifica-la entre os direitos pessoais, pois os direitos obrigacionais pressupõem a existência de mais de uma pessoa para que se configure a relação jurídica à medida que a posse existe entre uma pessoa e a coisa não sendo necessário participação de terceiro.

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            Os direitos obrigacionais estão sempre interligados a uma prestação a ser cumprida pelo devedor (dar, fazer ou não fazer) e recebida pelo credor ao passo que a posse é exercício de uma situação fática protegida pelo direito com fins à paz social.

            Não pretendemos adentrar nas diferenças entre a posse e os direitos obrigacionais como fora feito com os direitos reais, haja vista que não há tantas acepções ao instituto com esta espécie de direito como no primeiro caso anteriormente explanado.

            Assim, fácil reconhecer-se que a posse não pode ser configurada entre os direitos obrigacionais em decorrência de sua singularidade em no ordenamento jurídico. Então, que espécie de direito seria a posse?

            Em nosso entendimento a singularidade do instituto da posse não permite delimita-lo entre os direitos reais e os direitos obrigacionais, motivo pelo qual ela deve ser colocada (a posse) sob uma categoria própria, pois não se parece com quaisquer dos ramos antes descritos.

            Em síntese tem-se que a posse é tutelada em nosso ordenamento em face de sua importância no contexto da paz social.

            Configurando-se a partir de uma situação fática a qual o legislador emprestou proteção jurídica, a posse é um direito em decorrência de seu posicionamento no sistema jurídico brasileiro e como tal deve ser admitido, entretanto não dentro da divisão clássica entre direitos reais e obrigacionais, mas dentro da realidade adotada pela legislação civil que a tutela e protege como direito subjetivo individual.


3. O fundamento da proteção possessória

            Entendida a posse como um direito não é possível admitir-se sua aquisição sem interferência na esfera jurídica de seu titular. Esta interferência é perceptível quando analisamos os efeitos decorrentes da posse, sendo o principal destes efeitos a proteção possessória.

            Entre os efeitos da posse destacados pelos doutrinadores temos: a proteção possessória através das ações possessórias "stricto sensu" e "lato sensu" (3); o direito à percepção dos frutos; direito a indenização por benfeitorias úteis e necessárias; o direito de retenção pelo valor das benfeitorias úteis e necessárias; direito de usucapir.

            Interessa-nos o estudo da proteção possessória que é o mais importante para cumprimento do tema principal de nosso trabalho.

            Ihering dividiu as teorias que explicam a proteção possessória em dois grandes grupos:

            a ) Teorias absolutas: que explicavam a proteção possessória com base no instituto da posse. O principal representante dessa teoria é Gans, o qual elaborou a teoria absoluta da vontade da posse que fundava a proteção possessória no fato de ser a posse um ato de vontade e por isso deveria ser defendida em si mesma, como todo ato de vontade que não fere o sistema jurídico.

            b) Teorias relativas: que tinham a proteção possessória fundamentada em outros motivos além da própria posse. Os principais representantes dessas teorias foram Savigny e Ihering que criaram, respectivamente, a teoria da interdição da violência e a teoria da proteção complementar da propriedade.

            Savigny partiu do pressuposto de não ser a posse um direito(4), não sendo qualquer ato contra ela então contrário ao direito, pois se tratava apenas de uma situação de fato. Para este autor a posse deveria ser defendida não por si mesma e sim pelo fato de que qualquer ofensa contra a posse significaria um tipo de violência e a violência deve ser afastada pelo ordenamento jurídico.

            Ihering que entedia ser a posse um direito na medida que era tutelada pelo ordenamento jurídico, elaborou a teoria da proteção complementar da propriedade que sintetizava que a posse era tutelada conforme as palavras de Roberto de Ruggiero:

            "... a posse não é tutelada por si mesma, mas em favor da propriedade, e a tutela é, por isso, um complemento da tutela da propriedade, sem que seja causa da proteção da primeira qualquer presunção da segunda. Devendo dar-se a propriedade uma defesa mais fácil e pronta da que é concedida pelo juízo petitório, foi ela tomando em consideração apenas o elemento exterior da propriedade, isto é, a posição de fato que se revela a posse, sem exigir uma prova do direito de propriedade" (5).

            Continuamos então com as palavras da professora Cláudia Simardi que traduz com máxima nitidez as idéias de Ihering:

            "Em sendo a posse defendida em razão da propriedade, para o objetivo de facilitar a produção da prova, os não proprietários também aproveitam a proteção possessória, até mesmo contra o proprietário que não possui, circunstância esta que, para Ihering, é algo de não desejado, mas inevitável para alcançar o objetivo principal pretendido, que é a defesa da propriedade".(6)

            Para fundamentar-se precisamente a proteção possessória é necessária a união de mais de uma das teorias acima descritas, pois não se pode acatar o modelo prescrito por Ihering em sua totalidade, de tal sorte que não se tutela a posse por ser exclusivamente uma extensão da propriedade, mas porque ela constitui uma situação fática em si mesma garantidora de direitos ao possuidor da coisa seja o seu senhor, seja o posseiro ainda que ilegítimo.

            Partindo-se desse ponto de vista de que se deve tutelar a posse em si mesma porque dela decorrem efeitos jurídicos que geram direitos subjetivos ao possuidor ou proprietário independente da existência ou não de direito real, chega-se à conclusão que a posse deve ser tutelada "per si", conforme determinavam as teorias absolutas.

            Somente fundamentando a proteção possessória em mais de uma das teorias existentes é que encontramos argumentos convincentes para sua existência, pois nenhuma das teorias acima descrita esgotou por completo o tema, motivo pelo qual é necessária a criação de uma teoria mista que compartilhe de pontos das duas correntes teóricas (absolutas e relativas) para explicar com exatidão o fundamento da proteção possessória.

            Em síntese e em face de nossa legislação conclui-se que a posse deve ser tutelada isoladamente de representar qualquer direito real, até mesmo porque o direito processual confere meios para que se proteja a posse "per si" (7), os quais são de grande importância para sustentar-se o modelo legal adotado no Brasil, haja vista que para se alcançar o fundamento da proteção possessória mister é descer-se do campo do abstracionismo filosófico e estudar-se o tema dentro do direito positivo onde se tem que o fundamento da proteção da posse é a própria lei e a classificação do instituto dentro do sistema legal que a destaca caráter de direito por gerar efeitos jurídicos e ser protegida pelo ordenamento.


4. Ações possessórias "lato sensu" e "stricto sensu"

            As ações possessórias são divididas pela doutrina em "lato sensu" e "stricto sensu" conforme a "causa petendi" da inicial.

            Assim, se a "causa petendi" da demanda for à própria posse estamos diante de uma ação possessória "stricto sensu" (reintegração de posse, manutenção de posse e interdito proibitório), se a posse for tutelada de forma indireta estamos diante de uma ação possessória "lato sensu" (ação de nunciação de obra nova, embargos de terceiro, ação demolitória, ação vindicatória da posse, ação de imissão de posse, etc).

            É importante a análise das diferenças entre as ações possessórias "lato sensu" e "stricto sensu" para esclarecimento do tema principal do trabalho que são, especificamente, as ações possessórias "lato sensu" de embargos de terceiro, ação de nunciação de obra nova e ação de imissão de posse.

            Um dos principais efeitos da posse como fora debatido é a proteção possessória que pode ser traduzida como o direito à via jurisdicional das ações possessórias típicas(8) (ação de reintegração de posse, ação de manutenção de posse e interdito proibitório), as quais são fundamentadas exclusivamente no "jus possessionis" (direito de possuir) e têm o poder de afastar desde a simples ameaça (manutenção de posse e interdito proibitório) até a perda da total da coisa (reintegração de posse).

            Para Joel Figueira Dias(9) as ações possessórias "stricto sensu" são aquelas que:

            "... apresentam função tipicamente conservativa ou reintegratória, nos moldes tradicionais do direito romano (interdicta retinendae e recuperandae possessionis)(10), tendo por escopo assegurar o pacífico desenvolvimento da atividade de gozo que dá vida à situação tutelada...".

            A tutelada interdital diferenciada da posse é uma necessidade, pois sem ela a posse seria uma simples e frágil relação no mundo fático que estaria sempre a disposição da abstenção geral de terceiros e da situação de ser o possuidor também proprietário, sendo que sem proteção específica através dos interditos que tutelam o "jus possessionis" a simples posse não ultrapassaria a mera detenção.

            As ações possessórias "stricto sensu" são remédios jurídicos exclusivamente possessórios que têm por escopo principal a tutela de uma determinada situação de fato e com fulcro unicamente no "jus possessionis" (direito de possuir), variando de acordo com a finalidade específica perseguida pelo autor da demanda, ou seja, conforme o "petitum" e a "causa petendi".

            Em síntese podemos destacar que as ações possessórias típicas ou "stricto sensu" são aquelas em que o autor pretende ser mantido na situação fática ameaçada em caso de turbação (ação de manutenção de posse), diante de justo receio de ser molestado por atos violentos de turbação ou esbulho requer a tutela inibitória(11) (interdito proibitório) e, por último, restituído no caso de perda total da posse (ação de reintegração de posse).

            Outras diferenças que podem ser facilmente estabelecidas entre as ações possessórias "stricto sensu" e as possessórias "lato sensu" é que aquelas possuem fungibilidade e caráter dúplice, explicaremos.

            As ações possessórias "stricto sensu" conforme norma explícita do art. 920, do Código de Processo Civil, detém a possibilidade de serem conhecidas umas pelas outras (fungibilidade), devendo o juiz adequar o "petitum" do autor da demanda possessória à devida prestação jurisdicional.

            Nelson Nery Júnior acentua sobre a fungibilidade que:

            "O CPC 920 estabelece que a propositura de uma ação possessória em lugar de outra não impede que o juiz conheça do pedido e conceda a proteção que entender adequada, desde que os requisitos para essa concessão estejam provados nos autos (...) É preciso mencionar, entretanto, que o juiz deverá conhecer do pedido na medida exata em que se encontra deduzido pelo autor ou réu, não podendo ser alterada a causa de pedir. Essa fungibilidade é válida para qualquer um dos três interditos".(12)

            O magistrado deve então pautar-se pelos fatos que levaram o autor a invocar a prestação jurisdicional, isto é, deve-se mensurar e entregar o "decisum" dentro da "causa petendi" exposta pelo autor.

            Desta forma, podemos conceituar fungibilidade(13) das ações possessórias como o fenômeno jurídico que permite ao juiz afastar-se do princípio dispositivo e conceder uma tutela jurisdicional diferente daquela pleiteada pelo autor em sua exordial ultrapassando os limites do pedido inicial atuando em julgamento "ultra petita" quando o autor pede manutenção e o caso concreto requer reintegração, bem como julgando "citra petita" quando o pedido é de reintegração e a tutela específica é a manutenção de posse.

            Quanto ao caráter dúplice das ações possessórias "stricto sensu" ele está previsto no art. 922, do Código de Processo Civil, o qual prevê a possibilidade do réu: "... na contestação, alegando que foi o ofendido em sua posse, demandar a proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho cometido pelo autor".

            Como toda exceção à regra, o caráter dúplice(14) atinente às ações possessórias "stricto sensu" está previsto expressamente pela norma jurídica, pois a regra conforme orientam o art. 300, do CPC, é que o réu em sua contestação só pode alegar matéria de defesa não podendo contra-atacar o autor.

            Em sede das possessórias "stricto sensu" está regra geral do art. 300, do CPC, não vigora, haja vista que há dispositivo expresso em contrário delimitando um campo de atuação mais vasto ao réu permitindo inclusive que ele demanda a proteção possessória contra o autor da demanda na própria peça contestatória cumulando também o pedido de perdas e danos.

            Caracteriza o caráter dúplice por ser a possibilidade do réu invocar para si e contra o autor o pedido formulado por este na inicial em face de pedir, alegar e provar seu direito contra o autor, não significando o julgamento improcedente da inicial como deferimento ao pedido formulado pelo réu.

            Estas características por suas singularidades só são aplicáveis às ações possessórias "stricto sensu", pois impossível aplicar-lhes às ações possessórias "lato sensu" de tal sorte que estas compreendem ações de procedimento especial (embargos de terceiro, nunciação de obra nova) e conhecimento (imissão de posse, vindicatória da posse, etc.).

            Em relação às características das ações possessórias "lato sensu" ou atípicas devemos iniciar informando que sua existência não é tão pacífica na doutrina, haja vista que existem autores que não reconhecem qualquer natureza possessória em ações que não sejam os interditos típicos previstos no Código Civil e Código de Processo Civil (ação de reintegração de posse, manutenção de posse e interdito proibitório).

            Para Joel Figueira Dias as ações de natureza possessória são:

            "... o interdito, a manutenção e a reintegração, cujas respectivas tutelas encontram sua verdadeira razão de existência nas relações eminentemente fático-potestativas, tendo sempre em consideração a causa de pedir – os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido (o ius possessionis) (...) Não se pode negar que outros remédios judiciais, tais como o reinvidicatório (art. 524, CCb), a nunciação de obra nova (art. 554, 555, 573, 582, 586, 623, I, e 628, todos os CCb, e art. 934, do CPCb), os embargos de terceiro (art. 1046, do CPCb), a ação de depósito (art. 1.266, 1.267 e 1.275, do CCb, e art. 901, do CPCb), a imissão de posse (art. 524, do CCb), têm por escopo também, mas de forma transversa, a proteção da situação fática possessória [grifo nosso]. Todavia essas ações não se revestem de natureza eminentemente interdital, seja por que o pedido fundamenta-se no direto de propriedade ou no direito obrigacional de devolução da coisa, ou na proteção contra atos judiciais de constrição ...".(15)

            "Data maxima venia", não concordamos com a posição adotada por Joel Dias em sua obra doutrinária(16), haja vista que após abrir um subtítulo mencionado "A inexistência de outras ações de natureza possessória" o próprio autor declara haver ações que não são possessórias (ação de reintegração, manutenção e interdito proibitório), todavia tem o condão de proteger a posse de "forma transversa".(17)

            Ora, se as ações não se fundamentam no "jus possessionis" (direito de possuir), todavia defendem a posse de "forma transversa" baseadas em outros institutos (direito de propriedade, direito obrigacional de devolução da coisa) não há como não classifica-las entre ações possessórias, todavia como dito anteriormente não como ações possessórias típicas, mas como ações possessórias "lato sensu" ou atípicas.

            Para a Professor Cláudia Aparecida Simardi (1997) as ações possessórias "lato sensu" são aquelas que podem ter fulcro no "jus possessionis" e "jus possidendi", todavia não são necessariamente baseadas no direito de possuir.

            Para nós a diferença perceptível entre as ações possessórias "lato sensu" e as ações "stricto sensu" são que estas estão dispostas tanto no Código Civil como no Código de Processo Civil dentro de título específico destinado às ações possessórias, bem como as singularidades referentes à fungibilidade e ao caráter dúplice competente às ações "stricto sensu" que não alcançam as ações "lato sensu".

            Em síntese temos que as ações possessórias "lato sensu" são aquelas em que o autor da demanda busca uma prestação jurisdicional baseada no direito de propriedade, na obrigação de devolução da coisa ou para remediar atos de constrição em seu patrimônio, no entanto por via indireta e transversa consegue a defesa da situação fática tutelada pelo ordenamento jurídico como direito denominada de posse.

            Superadas as divergências doutrinárias suscitadas, entendemos que há uma divisão nítida entre as ações possessórias "stricto sensu" e as ações possessórias "lato sensu", sendo que estas podem ser definidas como ações possessórias que em regra não possuem fundamentação no "jus possessionis", excetuado os embargos de terceiro que podem ser fundado exclusivamente no direito de possuir ("jus possessionis").

            Enquanto Joel Figueira Dias defende posição isolada não aceitando a existência de outras ações de natureza possessória doutrinadores clássicos como Washington de Barros Monteiro e Sílvio Rodrigues defendem pacificamente terem natureza possessória as ações de reintegração de posse, manutenção de posse, interdito proibitório, nunciação de obra nova, imissão de posse e embargos de terceiro(18).

            Concordamos com as palavras de Sílvio Rodrigues e Washington Monteiro, todavia conforme a Professora Cláudia Simardi entendemos ser possível incluir entre as ações possessórias "lato sensu" outras ações que não foram consideradas por estes mestres, como a ação demolitória, ação de dano infecto, ação reivindicatória, ação vindicatória da posse, etc.

            Assim, passamos a analisar especificamente as ações possessórias "lato sensu" que são agraciadas pela maioria dos doutrinadores expondo nosso posicionamento acerca das mesmas no sentido de poder ou não encara-las como ações de natureza possessória, sendo o objeto de nosso estudo as ações de: a) embargos de terceiro; b) ação de nunciação de obra nova; e c) ação de imissão de posse.

            Resta-nos mencionar que a análise destes institutos jurídicos citados no parágrafo anterior e que é tema central de nosso trabalho não tem por escopo esgotar suas particularidades, todavia analisa-los do prisma de serem ou não ações de natureza possessória "lato sensu", ou seja, ações que podem defender a posse de forma indireta, assegurando o direito de possuir do autor através de uma relação de direito material ("causa petendi") diversa do "jus possessionis".

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Sobre o autor
Solon Angelim de Alencar Ferreira

advogado, pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil no Centro Integrado de Ensino da Amazônia (CIESA), mestrando e doutorando pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Solon Angelim Alencar. Outros meios processuais de defesa da posse. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/591. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Este trabalho alcançou nota máxima no Módulo de Direitos Reais ministrado pela Professora Maria Antonieta Zanardo Donato (Mestrado PUC/SP e Doutorando PUC/SP), e em no Curso de Pós-graduação em Direito Civil e Processual Civil desenvolvido no Centro de Ensino Integrado da Amazônia – CIESA no mês de setembro de 2000.

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