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O abono de permanência na aposentadoria especial dos servidores públicos

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14/12/2017 às 15:00
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O artigo examina a viabilidade de se conceder o abono de permanência aos servidores públicos que tenham direito à aposentadoria especial, decorrente da exposição a agentes insalubres ou risco à integridade física.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 APOSENTADORIA ESPECIAL DOS SERVIDORES PÚBLICOS TITULARES DE CARGO EFETIVO; 3 NECESSIDADE DE AFASTAMENTO DA ATIVIDADE INSALUBRE; 3 ABONO DE PERMANÊNCIA; 4 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.

Resumo: O presente trabalho analisará a aposentadoria especial dos servidores titulares de cargo efetivo, de que trata o artigo 40, §4°, III, CF/88, a qual apresenta diversas dificuldades para o reconhecimento, por falta de regulamentação legal da matéria em praticamente todos os regimes próprios, inclusive federal. Será feita uma análise do RE 788.092 sobre o cancelamento automático da aposentadoria especial em caso de retorno voluntário à atividade insalubre ou perigosa. Depois, será estudado o abono de permanência, evolução histórica, objetivos e a categoria de servidores a que ele se destina. Por fim, após a análise dos dois institutos, de seus objetivos, requisitos, chegará à conclusão se é viável ou não a concessão do abono de permanência para os servidores públicos que detêm o direito à aposentadoria especial acima referida.

Palavras-Chaves: Aposentadoria especial dos servidores públicos. Abono de Permanência. Afastamento da atividade insalubre. Possibilidade.


1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho terá por objetivo analisar se a aposentadoria especial dos servidores públicos titulares de cargo efetivo é compatível com a concessão do abono de permanência, considerando que seus objetivos primordiais são diametralmente opostos.

Cabe destacar de início que o objeto de estudo do presente trabalho é a aposentadoria daqueles servidores expostos a atividades insalubres ou perigosas, prevista no artigo 40, §4°, III, da Constituição da República Federativa do Brasil. Desse modo, ficará excluída a análise da aposentadoria dos professores e dos policiais civis, que apresenta especificidades próprias.

No primeiro capítulo será elaborado um panorama da forma como a aposentadoria especial é tratada pelos regimes próprios de previdência de forma geral, pois o reconhecimento da aposentadoria especial, por si só, já é extremamente dificultoso, por falta de regulamentação legal.

No segundo capítulo será abordada a discussão judicial travada no RE 788.092 sobre o cancelamento automático da aposentadoria especial em caso de retorno voluntário à atividade insalubre ou perigosa, frente a liberdade de trabalho ou ofício, garantido constitucionalmente (art. 5º, XIII). Apesar de ainda não se ter o posicionamento final do Supremo Tribunal Federal, há outras decisões que vão contra a proibição legal, fomentando a discussão.

Já no terceiro capítulo, será estudada a evolução do abono de permanência, seus objetivos, a necessidade de requerimento administrativo e a quais categorias de servidor público ele poderá ser concedido.

Ao final, chegará a conclusão se é possível ou não conceder o abono de permanência para servidores detentores do direito à aposentadoria especial, se existe incompatibilidade real ou só aparente, diante os objetivos de cada benefício.


2 A APOSENTADORIA ESPECIAL DOS SERVIDORES PÚBLICOS TITULARES DE CARGO EFETIVO 

Existem dois tipos principais de regimes previdenciários na Constituição Federal de 1988, o Regime Geral de Previdência Social que é destinado aos trabalhadores da iniciativa privada, isto é, regidos pela CLT, ou daqueles servidores públicos que não possuem regime específico, organizado segundo o artigo 201 da CF/88, e o Regime Próprio de Previdência Social, que é aquele destinado aos servidores públicos civis titulares de cargos efetivos e vitalícios da União, Estados e Municípios, previsto no artigo 40 da CF/88[2].

Desde sua promulgação, as regras constitucionais de aposentadoria foram sofrendo alterações objetivando atingir o equilíbrio financeiro e atuarial do regime previdenciário, a fim de que ele se torne sustentável, bem como observa-se uma tendência de aproximação entre o regime geral e próprio com o propósito de garantir isonomia entre servidores e não servidores[3]. Não poderia ocorrer de forma diferente com a aposentadoria especial dos servidores públicos.

A Constituição Federal de 1988 prevê em seu artigo 40, parágrafo 4°, aposentadorias especiais para os servidores públicos titulares de cargos efetivos. Ao ensejo:

§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)

I portadores de deficiência; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)

II que exerçam atividades de risco; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)

III cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005) (grifo próprio).

O foco do presente estudo refere-se ao inciso III do parágrafo acima transcrito. Em que pese tal previsão constitucional estar inserida desde a sua promulgação, até o presente momento não há regulamentação legal federal, bem como na maior parte dos estados e municípios[4].

Quanto à competência de legislar, a Lei 9.717/98 em seu artigo 5°, parágrafo único, incluído pela Medida Provisória 2.187-13/2001, visou proibir a concessão da aposentadoria especial antes de editada a lei complementar federal. Veja:

Art. 5º Os regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal não poderão conceder benefícios distintos dos previstos no Regime Geral de Previdência Social, de que trata a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, salvo disposição em contrário da Constituição Federal.

Parágrafo único.  Fica vedada a concessão de aposentadoria especial, nos termos do § 4º do art. 40 da Constituição Federal, até que lei complementar federal discipline a matéria. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.187-13, de 2001)

De primeiro plano vê-se que o artigo acima está imbuído de possível inconstitucionalidade, ante a violação ao artigo 24, §3° da CF/88[5]. Já Marcelo Barroso é claro em reconhecer a contrariedade aos dispositivos constitucionais, conforme se extrai de sua obra Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores Públicos[6]:

Entendo absolutamente inconstitucional o disposto no art. 5°, parágrafo único, da Li 9.717/98, incluído pela Medida Provisória 2.187-13/01, que veda a concessão de aposentadoria especial, nos termos do §4° do art. 40 da Constituição Federal, até que lei complementar federal discipline a matéria, isto porque é flagrante a ofensa ao art. 24, XII e seus §§ 1° ao 4°, da Constituição de 1988, conforme demonstrado.

Isso ocorre porque o artigo 24, XII da CF/88 diz que compete a União, Estados e Distrito Federal legislar de forma concorrente a respeito da Previdência Social, cabendo a União regulamentar normas gerais (parágrafo 1°, XII, artigo 24, CF/88) e aos estados normas suplementares (parágrafo 2°, XII, artigo 24, CF/88). Na falta de lei federal, os Estados têm competência plena de legislar, conforme parágrafo 3° do mesmo artigo, ficando suspensa sua eficácia nas partes contraditórias, caso seja regulamentada lei federal superveniente[7].

Com relação aos municípios, tendo em vista o princípio da autonomia federativa, poderá se utilizar da competência suplementar, prevista no artigo 30, II, CF/88, tendo competência para legislar sobre assuntos de interesse local (artigo 30, I, CF/88), sendo um desses interesses a regulamentação da aposentadoria especial dos servidores vinculados a seus regimes próprios[8].

A mora legislativa não pode dar ensejo a regras diferenciadas em cada regime, conforme o entendimento de cada RPPS, é preciso garantir uniformidade de regras a fim de manter a igualdade de tratamento dos servidores, para tanto, seria necessária uma regra geral de caráter nacional, de competência da União, cuja legitimidade passiva é do Presidente da República[9].

Atualmente existem alguns projetos de lei tramitando no Congresso Nacional que visam regulamentar o referido inciso, são eles PL 554/10, PL 555/10, PL 472/09 e PL 227/05[10].

Na falta de regulamentação legal, muitos servidores, máxime os da área da saúde, buscaram seus direitos através de mandados de injunção, o Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu através do MI 721, publicado em 30/11/2007, de relatoria do Min. Marco Aurélio Mello, que deveriam ser aplicadas de forma subsidiária as regras previstas no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) aos servidores pertencentes a algum Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), conforme previsto no artigo 40, §12 da CF/88[11].

Dessa forma, o STF, através do remédio constitucional até então timidamente utilizado, deixou de somente declarar a mora do poder competente e tentou solucionar de fato a questão levada ao tribunal, até que haja a regulamentação legal do tema[12].

Posteriormente o tema foi tratado em Súmula Vinculante pelo STF, enunciado número 33, entretanto, o tribunal se limitou a incluir na súmula apenas os servidores a que se referem o inciso III, do parágrafo 4° do artigo 40, CF/88, cuja redação é a seguinte:

Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica[13].

Em que pese a matéria ter sido sumulada, caberá ao órgão administrativo a que o servidor estiver vinculado fazer a análise da efetiva exposição aos agentes agressivos e conceder ou não o benefício. Sendo negada a aposentadoria especial, caberá ao segurado ingressar com ação ordinária e fazer prova de sua atividade especial, tal qual ocorre no regime geral[14].

Foi publicada a Instrução Normativa MPS/SPPS n. 1/2010 com a finalidade de orientar os órgãos administrativos e entidades gestoras no reconhecimento da atividade especial do servidor e fixar os critérios para que os Regimes Próprios de Previdência Social da União, Estados e Municípios concedam a aposentadoria especial aos servidores públicos previstos no §4°, art. 40, CF/88. Após, a IN n. 01/10 foi modificada pela IN MPS/SPPS n. 3/2014, que teve por objetivo regularizar a aplicação da súmula vinculante número 33[15].

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Por outro lado, convém ressaltar que não é permitida a conversão de tempo especial em comum, pois segundo a Constituição Federal, com a EC 47/05, é garantido unicamente o direito a aposentadoria especial e não a conversão do tempo, vedação esta mantida no IN n. 01/2010 e confirmada pelo entendimento do STF[16].

 Apesar de todas as dificuldades encontradas para o reconhecimento do direito à aposentadoria especial dos servidores públicos por ausência de regulamentação, visto que existem critérios estabelecidos constitucionalmente para os servidores públicos, como por exemplo idade mínima, que não existe no RGPS e vice-versa, como exigência de confecção de laudo técnico de condições ambientais de trabalho (LTCAT) pelas empresas, que não é observado pelos órgãos públicos, foi um grande avanço a fim de resguardar o direito dos servidores públicos, ante a mora estatal em legislar[17].

A aposentadoria em comento possui como principal objetivo proteger a saúde do servidor que se submeteu a atividades insalubres ou perigosas, isto é, aquelas que expõe a saúde a agentes nocivos ou colocam a integridade física em risco, conceito este instituído com a Emenda Constitucional 20/98, em decorrência disso, terá o servidor como contrapartida a redução do seu tempo de contribuição para a aposentadoria[18].

É um benefício previdenciário de natureza preventiva, que visa proteger a saúde do trabalhador que se expõe a risco e retirá-lo do ambiente insalubre de forma antecipada[19].

Desse modo, o tratamento diferenciado para servidores públicos titulares de cargo efetivo que exercem atividades que prejudicam a saúde ou causam risco a integridade física, é justificável, não ferindo a regra geral de igualdade de critérios e requisitos em virtude do princípio da impessoalidade da Administração Pública[20].

É possível observar ainda a tendência de aproximação das regras dos regimes geral e próprios ao longo das reformas, visando assegurar a dignidade do segurado, sua qualidade de vida, seja do servidor ou celetista, e a aposentadoria especial é uma dessas medidas[21].

Cumpre ressaltar ainda que a aposentadoria especial é uma modalidade de aposentadoria voluntária, visto que depende do requerimento do servidor, portanto, cabe ao servidor decidir o momento que deixará de estar exposto a condições prejudiciais à sua saúde ou integridade física[22].

Tendo em vista as condições que o serviço é exercido, a aposentadoria especial exige menor tempo de atividade para que o segurado se aposente. No regime geral pode ocorrer com 15, 20 ou 25 anos de serviço, nos termos do artigo 57 da Lei 8.213/91.

Já no serviço público, especificamente o servidor federal, além da IN n. 01/2010, alterada pela IN n. 03/2014 o artigo 2° da Orientação Normativa SRH/MPOG n. 10/10, dispõe o seguinte:

Art. 2º A aposentadoria especial será concedida ao servidor que exerceu atividades no serviço público federal, em condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física, exposto a agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período de 25 anos de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente.

Parágrafo único. Para efeito das disposições do caput deste artigo, considera-se trabalho permanente aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do servidor ao agente nocivo seja indissociável da prestação do serviço público. 

O artigo acima mencionado não faz menção a possibilidade de aposentadoria aos 15 ou 20 anos de serviço, sendo omisso nesse ponto. Por outro lado, tampouco exige idade mínima para concessão do benefício, tal qual ocorre atualmente no RGPS, o que se afigura o mais adequado com o objetivo da aposentadoria especial[23].

Na falta de regulamentação legal, as instruções e orientações normativas acima mencionadas deverão ser aplicadas da forma mais favorável ao servidor, objetivando cumprir a vontade constitucional e seguir a determinação contida na súmula vinculante 33.

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Sobre a autora
Jaqueline Ferreira de Souza

Advogada formada em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora em 2014, pós-graduada em Direito Processual Civil pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus e pós-graduanda em Direito Previdenciário com ênfase em regime próprio dos servidores públicos pelo IEPREV.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Jaqueline Ferreira. O abono de permanência na aposentadoria especial dos servidores públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5279, 14 dez. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59111. Acesso em: 23 abr. 2024.

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