Capa da publicação STF: competências, composição e funções
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Entendendo o STF

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23/11/2017 às 13:10
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O STF tem sua competência, composição e função definidas na Constituição Federal, porém as consequências de sua atuação podem extrapolar os limites constitucionais, atingindo as relações pessoais.

1.    Definição

O Estado no Brasil, em consonância ao disposto pela Constituição Federal de 1988 em seu art. 2º, tem suas funções divididas em três poderes independentes e harmônicos entre si, quais sejam: Legislativo, Executivo e Judiciário.

Ao Poder Judiciário cumpre a garantia do amplo rol de direitos assegurados por nossa legislação, pertence a ele o monopólio do poder de julgar.

O Supremo Tribunal Federal (STF) é o órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro e é a quem cumpre guardar a Constituição.

É, segundo Maria Helena Diniz,“A mais alta corte de justiça do País, composta por onze ministros, com a função precípua de ser a guardiã da Constituição Federal...”[1]

De acordo com Araújo e Nunes Junior[2], como guardião da Constituição, ao Supremo Tribunal Federal foi incumbida a palavra final sobre a constitucionalidade das leis, através de controle difuso ou concentrado de constitucionalidade dos atos normativos.


2.    Organização

2.1 Composição

O Supremo Tribunal Federal é composto, conforme prevê a Constituição nos seus artigos 12 e 101, por onze ministros, sendo eles: brasileiros natos, com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, que possuam notável saber jurídico e reputação ilibada, ou seja, devem estar presentes os requisitos objetivos e subjetivos.

O cargo não possui mandato fixo e tem por característica ser vitalício, sendo, portanto, ocupado até a aposentadoria compulsória, quando completos setenta anos de idade, ou até a renúncia do ocupante.

O cargo não é acessível por concurso, sendo que os ministros são indicados pelo Presidente da República e a indicação deve ser aprovada por voto secreto, após arguição pública, pelo Senado Federal.

Tal forma de escolha dos ministros para o Supremo Tribunal Federal adotada pela Constituição Federal de 1988 teve por base o modelo de Tribunal americano que se funda, principalmente, no sistema de freios e contrapesos[3].

Nos Estados Unidos da América, no processo de escolha dos membros da Suprema Corte, há a indicação feita pelo Presidente que deverá, posteriormente, ser aprovada pelo Senado americano através de votação com quórum simples.

Verifica-se, portanto, que os Poderes Legislativo e Executivo possuem direta influência no processo de escolha dos ministros, garantindo harmonia e equilíbrio entre os poderes.

É possível vislumbrar também a resguarda do legislador constitucional com relação à legitimidade democrática, uma vez que a escolha dos ministros fica a cargo daqueles escolhidos pelo povo para representação de sua vontade.

Doutrinariamente, o processo de indicação dos membros do Supremo Tribunal Federal é um ato administrativo discricionário complexo. Discricionário, pois cabe ao Presidente da República, dentro dos requisitos constitucionais, a livre escolha do candidato e complexo, pois há, ainda, a participação do Senado Federal, ou seja, há dois órgãos envolvidos.

Cumpre lembrar que àqueles que compõem a Corte cabem as garantias e vedações dispostas no art. 95 da Constituição Federal.

2.2 Competência

Sendo o modelo constitucional dos Estados Unidos a inspiração para a criação da Corte Suprema no Brasil, verifica-se semelhanças não apenas na composição da Corte, mas também em sua competência.

A Constituição norte-americana instituiu a Suprema Corte como ápice da estrutura judiciária e com sua principal competência sendo o controle de constitucionalidade.

Apesar do sistema híbrido implantado na corte brasileira, com competência de corte recursal e tribunal constitucional, é possível afirmar que sua principal função é a de guardar a Constituição, tal qual aquela que lhe serviu de base.

A competência do Supremo Tribunal Federal é definida pela Constituição Federal em seu artigo 102. E é possível dividi-la em competências originárias, quando compete ao Supremo Tribunal Federal julgar a causa como instância única, e competências recursais, que poderão se demonstrar em recursos ordinários, como será o caso do habeas corpus, habeas data, mandado de segurança e o mandado de injunção, ou extraordinários, no qual será exercido controle difuso de constitucionalidade.

No que tange à jurisdição constitucional, conforme esclarecem os doutrinadores Sarmento, Barroso, et al.[4], entende-se que há a atuação contramajoritária e a representativa.

A atuação contramajoritária ocorre quando, na análise da constitucionalidade de uma norma emanada pelo legislativo ou pelo chefe do executivo (representantes eleitos pelo povo), o Tribunal invalida o ato, demonstrando, teoricamente, um posicionamento contrário à maioria eleitora. Essa doutrina pressupõe que as decisões dos órgãos eletivos exprimem a vontade da maioria, de maneira que a decisão dos ministros não. Ainda assim, a atuação do tribunal fundamenta-se na proteção dos direitos fundamentais e da democracia.

A representativa considera que, em muitos casos, o judiciário pode ser um melhor intérprete e representante da vontade da maioria que o legislativo ou o executivo. Isso é demonstrado na democratização do judiciário, na medida em que pessoas com vivências diversas podem ingressar na magistratura e nos interesses políticos que podem influenciar os outros poderes. Além disso, vale lembrar a existência das garantias constitucionais, tais como a vitaliciedade, que garantem a imparcialidade do juiz. E, por fim, as decisões judiciais devem ser motivadas, evitando a discricionariedade.


3.    A Influência Política na Escolha dos Ministros do STF

Preliminarmente cumpre elucidar o conceito de política. Segundo Houaiss e Villar[5], política é: “arte de guiar ou influenciar o modo de governo pela organização de um partido, influência da opinião pública, aliciação de eleitores etc.”. Segundo Diniz[6], é aquilo que é “relativo ao Estado e ao governo”.

O Tribunal Constitucional exerce papel não apenas jurisdicional, mas também político, uma vez que tem por competência também, julgar ações de cunho político. Por este motivo, a composição da Corte não pode ser galgada por promoções dentro da carreira da magistratura, mas deve ser apontada pelos órgãos competentes, para que seja garantida a melhor atuação da Corte em todos os âmbitos. Consoante Peixoto[7]:

O processo de escolha dos membros dos Tribunais Constitucionais deve ser diferenciado da investidura dos magistrados da jurisdição ordinária, por se tratar de uma Corte de natureza jurídico-política que decide questões relativas à proteção dos direitos fundamentais; ao controle de constitucionalidade; ao equilíbrio entre os poderes e entes federativos; e à garantia da repartição de competências constitucionais.

Verifica-se, ainda, que a influência da política no processo de composição dos tribunais, seja o Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal Militar, Tribunal Superior do Trabalho ou o Tribunal Superior Eleitoral, tal qual vislumbrada pelo legislador constituinte, não é maléfica, vez que atribui certa legitimidade democrática indireta, através da indicação e aprovação de candidatos por aqueles escolhidos pelo povo para sua representação. E, além disso, no que tange especificamente à jurisdição constitucional, possibilita a proteção das minorias do processo democrático.

Segundo os ensinamentos de Daniel Sarmento, et al.[8], existem algumas teorias que buscam explicar a atuação da jurisdição constitucional no contexto democrático. Uma delas é o constitucionalismo popular, que afirma a ilegitimidade do controle constitucional aduzindo que a interpretação da Constituição cabe ao povo e àqueles escolhidos como seus representantes.

A atual cultura brasileira dificilmente abrange o conhecimento político. Diante do quadro de frustração e indiferença, a maioria das pessoas não desenvolve consciência política. Assim, por muitas vezes, ainda que eleito pela maioria, o governo não representa a vontade da maioria do povo.

Como consequência disto, retomando a forma de composição da corte conforme vislumbrada pela Constituição Federal de 1988, verifica-se atualmente uma influência, talvez não da política, mas de sua ausência. Isso porque, a ideia inicial do legislador constituinte de que os ministros seriam, ainda que indiretamente, escolhidos de acordo com a vontade do povo, através de seu representante, deixa de se concretizar quando o governante já não mais representa a vontade da maioria do povo, que votou, por muitas vezes, de forma inconsequente, tendenciosa ou desinformada.

Por outro lado, é importante ressaltar que um posicionamento em comum entre um ministro e o líder político que o indicou ao cargo não demonstra, necessariamente, uma influência direta. Os ministros estão inseridos na sociedade e, tais quais quaisquer outros membros, podem ser influenciados por valores e normas sociais.

Segundo Sarmento, et al.[9]:

De acordo com a “hipótese da socialização política”, a rigor, o que influencia o comportamento judicial são as predisposições (“fatores cognitivos”) e preferências políticas (“fatores ideológicos”) dos juízes, as quais são conformadas pelo mesmo conjunto de eventos e forças que atingem os demais membros da sociedade.

Destarte, em certos casos, pode haver pontos de vista que se alinhem com a maioria representada, ou seja, com o governo atual, em decorrência do compartilhamento de valores ou ideias e não, necessariamente, por influência direta política.

Insta salientar, no entanto, que tal influência política visa resguardar a democracia. Conforme Mello[10]:

A possibilidade de interferir no funcionamento do Estado é indissociável do poder de legislar. As escolhas políticas e a gestão da coisa pública, atribuídas ao Executivo, pressupõe uma ação modificadora do ambiente político. O controle de constitucionalidade dos atos de ambos os poderes pelo Judiciário permite que este anule iniciativas que sejam incompatíveis com a Constituição. A permeabilidade entre os poderes é intencional e resulta do próprio sistema de freios e contrapesos.

Ainda a cerca da separação dos poderes, Peixoto[11]:

Embora o poder constituinte originário tenha criado o Tribunal Constitucional como manifestação da vontade popular positivada na carta Magna, a separação dos poderes (artigo 2°) surge como limitação desse órgão de cúpula da jurisdição constitucional.

Assim, a influência política na escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal decorre do sistema de freios e contrapesos, ou seja, a indicação dos membros contribui para que um poder refreie o outro e a democracia seja resguardada.

Cabe ressaltar que o ex-presidente do STF, Ricardo Lewandowski, em entrevista ao Supremo Tribunal Federal em Pauta em 2006[12], afirma categoricamente que, tendo em vista a interpretação política que deve prover da Constituição Federal, visando resguardar o interesse estatal, o Supremo Tribunal Federal não pode se partidarizar.

3.1 A influência do Poder Executivo

Cabe ao chefe do executivo federal a indicação de membros para a composição da Corte. A Constituição Federal, além dos requisitos objetivos, requer notável saber jurídico e conduta ilibada. Neste ato discricionário, cabe ao Presidente da República a análise da presença desses requisitos no candidato que pretende apresentar.

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Como já antes demonstrado, parte da doutrina acredita que a jurisdição constitucional é validada por este processo de escolha dos membros, tendo em vista que a escolha cabe ao representante eleito do povo.

No atual contexto brasileiro, entretanto, verifica-se, além da falta de consciência política, excessiva infiltração econômica no processo político, havendo correlação direta entre receitas e votos. Sendo, portanto, incerto afirmar que os governantes eleitos representam a maioria da população, havendo imensa frustração com a atual representação democrática e, consequentemente, podendo não haver a citada validação da Corte.

Além disso, a influência política que observamos a partir do modelo constitucional previsto para a escolha dos ministros implica na convergência ideológica com o regime dominante, uma vez que a escolha livre e discricionária do Chefe do Executivo pode, e provavelmente vai, incluir nos critérios de escolha o alinhamento ideológico político. Conforme Patrícia Perrone Campos Mello[13]:

A escolha do candidato pelo presidente se daria com base em sua convergência ideológica, bem como tendo em vista a perspectiva de sua aprovação pelo Senado, composto por um conjunto ideológico mais heterogêneo.

Entretanto, tal assertiva não revela uma regra intransponível. Não é possível afirmar que todos os ministros representam a mesma ideologia partidária pelo fato de terem sido nomeados durante o período em que tal ideologia era dominante. Ainda conforme Mello[14]:

Nem sempre o presidente indica um juiz perfeitamente convergente com suas próprias convicções, quer porque essa autoridade pode se equivocar quanto ao conjunto mais amplo de posições e atitudes de tal magistrado, quer porque sua indicação submete-se à aprovação do Senado, que constitui universo ideológico mais heterogêneo. Para viabilizar a aceitação de sua indicação, o presidente pode se ver na contingência de buscar um candidato mais moderado do que gostaria, a depender da conformação ideológica do Senado.

Mello ainda traz que o ministro Dias Toffoli foi advogado do Partido dos Trabalhadores e o ministro Edson Fachin apoiou abertamente referido partido e a candidatura da presidente Dilma, indicando uma conexão ideológica que hipoteticamente poderia ter motivado sua indicação por Presidentes do referido partido. Os ministros Luiz Fux e Teori Zavascki, indicados também por representantes do Partido dos Trabalhadores, contudo, eram egressos do STJ e obtiveram este cargo mediante indicação do presidente Fernando Henrique Cardoso, que integrava a oposição, não sendo possível, portanto, afirmar categoricamente que houve total conexão ideológica com um ou outro presidente ou partido político.[15]

Destarte, a efetiva influência política que se observa na indicação dos ministros revela-se na escolha discricionária do Presidente da República, sendo impossível afirmar indubitavelmente que alinhamentos ideológicos políticos sejam analisados como requisito impreterível para eventual indicação.

Por este e por outros motivos é que, doutrinariamente, a forma de composição do Tribunal Constitucional brasileiro é bem aceita, conforme se vê nos ensinamentos de Peixoto:[16]

Considerando a natureza jurídico-política do Tribunal Constitucional, a forma de composição subjetiva por ascensão funcional dos magistrados de carreira não seria a mais desejável em razão da falta de perfil dos integrantes para o desempenho de tal função.

O concurso público para a seleção dos integrantes da Corte Constitucional também não seria a forma mais adequada. Argumenta-se favoravelmente pela capacidade intelectual dos escolhidos e ausência, em tese, de apadrinhamento; todavia, a dificuldade residiria na seleção dos examinadores daqueles que serão componentes do Tribunal Constitucional, bem como de eventual vinculo afetivo com os examinados durante ou após o certame. Além disso, o perfil desse magistrado seria semelhante ao de carreira rotulado como “juiz funcionário”.

Apesar de ser uma forma de composição aparentemente simpática por consagrar a democracia majoritária, a eleição popular ainda não combinaria com o Tribunal Constitucional, uma vez que o principio da imparcialidade estaria comprometido. Constantemente as decisões da Corte Constitucional são impopulares à maioria ocasional, dificultando eventual reeleição dos integrantes. Ademais, o Tribunal Constitucional tem o caráter contramajoritário na proteção dos direitos fundamentais e das minorias. Afinal, como já exposto no capítulo anterior, democracia não pressupõe tão-somente a maioria do povo.

A indicação política é a que mais condiz com a natureza do Tribunal Constitucional. Favoreu registra que a indicação política reforça a legitimidade do Tribunal Constitucional, pois define a sua aceitação por aqueles sobre os quais incide seu controle e pela opinião pública.

Assim, ainda que traga argumentos desfavoráveis ligados ao alinhamento ideológico político ou à afinidades pessoais entre os ministros e aqueles que os indicaram, pode-se entender que a indicação presidencial para a escolha dos membros do Tribunal Constitucional é adequada à função política que referido Tribunal possui.

3.2 A influência do Poder Legislativo

O poder legislativo exerce grande influência nos órgãos, de forma geral. Isto se evidencia na medida em que cabe a ele a criação de normas, que devem por todos ser seguidas.

Entretanto, quando observado especificamente neste ato, cabe ao Senado Federal, conforme o disposto no art. 52, inciso III, alínea a da CF, a previa aprovação ou recusa do candidato indicado pelo Presidente da República, após arguição pública. Não sendo necessário motivar o ato de aprovação.

Assim como ressaltado quanto à influência que poder executivo exerce, a aprovação do nome indicado pelo Presidente é de competência do Senado Federal, que deverá analisar a presença dos requisitos de notório saber jurídico e de conduta ilibada, também poderá envolver análises quanto ao alinhamento político, verificando-se, mais uma vez, a convergência ideológica com o regime dominante.

Mais uma vez a Constituição Federal é protetiva ao regime democrático. Isso porque os parlamentares possuem imunidade material, seus votos e opiniões no exercício do cargo são protegidos. Assim, os parlamentares possuem uma garantia constitucional para aprovarem ou não o candidato apresentado pelo Presidente.

Entretanto, o que se verifica na prática é que a arguição pública, também conhecida como sabatina, do candidato ao cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal feita pelo Senado, não passa de mera formalidade, tendo em vista que até hoje houve apenas cinco indicações presidenciais que não foram aceitas pelo Senado. Conforme o ministro Celso de Mello[17]:

Na história republicana brasileira, ao longo de 125 anos (1889 a 2014), o Senado Federal, durante o governo Floriano Peixoto (1891 a 1894), rejeitou cinco (5) indicações presidenciais, negando aprovação a atos de nomeação, para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, das seguintes pessoas: (1) Barata Ribeiro, (2) Innocêncio Galvão de Queiroz, (3) Ewerton Quadros, (4) Antônio Sève Navarro e (5) Demosthenes da Silveira Lobo.

Desta forma, pode se inferir que a influência do poder legislativo se mostra menos efetiva que aquela pensada pelo legislador.

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Sobre a autora
Beatriz M. Oliveira

Mestre em Direito da Sociedade da Informação pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, especialista em Direito Processual Civil e bacharel em Direito pela mesma instituição.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Beatriz M.. Entendendo o STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5258, 23 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59591. Acesso em: 12 mai. 2024.

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