3. Julgados do STF e do STJ
3.1. Empresa é obrigada a recolher contribuição previdenciária sobre remunerações do empregado, decide STF
No julgamento do RE nº 565.160, com repercussão geral reconhecida, por unanimidade dos votos, o Plenário do STF fixou a seguinte tese: “a contribuição social, a cargo do empregador, incide sobre ganhos habituais do empregado, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional nº 20 de 1998.”
São recorrentes os questionamentos judiciais que questionam as contribuições previdenciárias incidentes sobre determinadas verbas salariais, discutindo o alcance e os limites do que se deve compreender por salário-de-contribuição, que é a base de cálculo para fins de custeio da previdência.
No caso concreto do RE nº 565.160, pretendia-se afastar a obrigação do empregador de contribuir sobre algumas verbas salarias, a exemplo de adicionais de periculosidade e insalubridade, gorjetas, prêmios, adicionais noturnos, ajudas de custo e diárias de viagem, não excedentes a 50% do salário recebido, dentre outras.
Isso porque o art. 195 da Constituição, na sua redação original, dispunha que as contribuições sociais dos empregadores incidiriam sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro. Posteriormente, com a Emenda Constitucional – EC nº 20/1998, alterou-se o texto constitucional e, dentre outras disposições, o texto constitucional passou a dispor, na redação da alínea “a” do inciso I do art. 195, que a contribuição dos empregadores seria incidente sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício.
No entanto, nos termos do voto do Ministro Relator, Marco Aurélio, o STF julgou que haverá contribuição por parte do empregador sobre os ganhos habituais recebidos pelo empregado, inclusive nos períodos anteriores à EC nº 20/1998. O fundamento para essa decisão decorre do disposto, atualmente, no § 11 do art. 201 da Constituição, no sentido de que os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios. Ou seja, ao cotejar o art. 195 com o § 11 do art. 201 da Constituição, o STF entendeu que o critério de habitualidade é determinante para a contribuição previdenciária do empregador, seja antes ou depois da EC nº 20/1998.
3.2. A contribuição de empregador rural pessoa física, incidente sobre a receita bruta obtida com a comercialização da produção, é constitucional – “Funrural”
No julgamento do RE nº 718.874, com repercussão geral reconhecida, o STF, por maioria dos votos, reconheceu a constitucionalidade da contribuição do empregador rural pessoa física, incidente sobre a receita bruta decorrente da comercialização de sua produção, nos termos do art. 25 da Lei nº 8.212/1991, na redação dada pela Lei nº 10.256/2001[13]. Dessa forma, a tese jurídica foi fixada no sentido de que: “é constitucional, formal e materialmente, a contribuição social do empregador rural pessoa física, instituída pela Lei 10.256/2001, incidente sobre a receita bruta obtida com a comercialização de sua produção”.
A matéria, sobre a qual o STF se debruçou, é de grande relevo econômico e jurídico, pacificando controvérsia há muito pendente de solução e que diz respeito diretamente a fonte de custeio do RGPS. Mostra-se, desse modo, oportuno rememorar, ainda que de forma bastante resumida, alguns dos pontos principais do questionamento que foram suscitados.
Com a promulgação da Constituição de 1988, a Previdência Social passou a ser a mesma para os trabalhadores e empregadores urbanos e rurais. Assim, todos os trabalhadores e empregadores passaram a contribuir para o RGPS, nos termos da Lei nº 8.212/1991, que dispõe sobre o Plano de Custeio da Seguridade Social.
Para fins de contribuição previdenciária, os produtores rurais se dividem em pessoas físicas (ou naturais) e pessoas jurídicas. São produtores rurais pessoas físicas: (i) os segurados especiais; (ii) e os empregadores rurais pessoas físicas[14]. Por sua vez, os produtores rurais pessoas jurídicas se subdividem em: (i) empregadores rurais pessoa jurídica; e (ii) agroindústria. Nesta oportunidade, interessa tratar do empregador rural pessoa física.
A Constituição, na sua redação original, dispunha que as contribuições dos empregadores para a Previdência Social seriam incidentes sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro. De outra parte, nos termos do § 8º do art. 195, desde a sua redação original, a Constituição dispõe que os segurados especiais contribuem para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre a receita da comercialização da sua produção rural.
Isto é, para os demais produtores rurais, pessoas físicas e jurídicas, não se aplicava expressamente o mesmo tratamento tributário, de acordo com o texto constitucional. Desse modo, com o advento da Lei nº 8.212/1991, salvo o segurado especial, os produtores rurais deveriam contribuir com cota patronal incidente sobre a folha de salários, tal como as demais pessoas jurídicas do setor urbano[15].
Nesse contexto, considerando as conhecidas peculiaridades do trabalho na área rural – tais como os altos índices de informalidade do setor e as dificuldades de fiscalização trabalhista e tributária –, por meio de leis ordinárias, passou-se a substituir a tributação sobre a folha de salários dos produtores rurais para a contribuição sobre a receita bruta decorrente da comercialização da produção rural. Nesse passo, com relação ao empregador rural pessoa física, editou-se a Lei nº 8.540/1992, e, posteriormente, as Leis nº 9.528/1997 e nº 10.256/2001[16].
Ocorre que, conforme adiantado, pela redação original do inciso I do art. 195 da Constituição, as contribuições sociais previdenciárias dos empregadores deveriam incidir sobre a folha de salários, o faturamento ou o lucro. Ou seja, não havia amparo constitucional para a contribuição previdenciária sobre a receita bruta decorrente da produção rural, salvo no caso dos segurados especiais. Por isso, restaria dispor sobre essa nova forma contribuição sobre a receita dos empregadores rurais pessoa físicas por meio de lei complementar, em razão do § 4º do art. 195 da Constituição. Porém, com a Emenda Constitucional – EC nº 20/1998, foram alteradas as disposições referentes ao financiamento da seguridade social, estabelecendo a possibilidade de contribuição previdenciária sobre a receita, de acordo com a alínea “b” do inciso I do art. 195 da Constituição.
É preciso lembrar que, em 2010, no julgamento do RE nº 363.852, o STF julgou inconstitucionais os dispositivos da Lei nº 8.212/1991, com as redações decorrentes das Leis nº 8.540/1992 e nº 9.528/1997, pois seria necessária lei complementar para instituir contribuição previdenciária sobre base de cálculo não prevista originalmente na Constituição, ou seja, no período anterior à EC nº 20/1998.
No recente RE nº 718.874, o STF fixou o entendimento pela constitucionalidade do atual art. 25 e seus incisos I e II, que dispõem sobre a contribuição incidente sobre a receita bruta da comercialização da produção rural do empregador rural pessoa física. Observe-se, por derradeiro, que a peculiaridade desse dispositivo, reside no fato de que a Lei nº 10.256/2001 alterou somente o caput do art. 25, aproveitando os incisos com a redação dada pela Lei nº 9.528/1997. Não obstante, por maioria, o STF julgou constitucional tal aproveitamento dos incisos desse dispositivo, promovido pelo legislador.
3.3. Estrangeiro residente no País tem direito à concessão do BPC-LOAS
Ainda que se trate de benefício da Assistência Social, tendo em vista a sua operacionalização pelo INSS, assim como a relevância social e econômica do BPC-LOAS, cabe tratar da recente decisão do STF acerca da possibilidade de sua concessão para estrangeiro residente no Brasil.
Nos RE nº 587.970, com repercussão geral reconhecida, o Plenário da Suprema Corte, por unanimidade, aprovou a seguinte tese: “os estrangeiros residentes no país são beneficiários da assistência social prevista no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, uma vez atendidos os requisitos constitucionais e legais”.
De acordo com a decisão do STF, em qualquer situação, o estrangeiro residente no Brasil deverá cumprir todos os requisitos para o acesso ao BPC-LOAS, ou seja, o que se afasta é o critério de nacionalidade como impeditivo de acesso a essa prestação assistencial.
Nesse sentido, o BPC-LOAS possui fundamento no inciso V do art. 203 da Constituição. Em linhas gerais, de acordo com o art. 20 da Lei nº 8.742/1993, o benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal devido à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais, que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Para essa política, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. Para efeito de concessão do BPC-LOAS, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Outrossim, considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
Anteriormente ao julgamento em tela, o BPC-LOAS já poderia ser concedido aos estrangeiros de nacionalidade portuguesa residentes no País, em razão do art. 12-A do Acordo Adicional que altera o Acordo de Seguridade Social ou Segurança Social entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa, firmado em Brasília, em 9 de agosto de 2006[17], aprovado pelo Congresso Nacional nos termos do Decreto Legislativo nº 582, de 26 de dezembro de 2012, e promulgado pelo Presidente da República mediante o Decreto nº 7.999, de 8 de maio de 2013. Tendo em vista o princípio da reciprocidade de tratamento que norteia os tratados internacionais, o brasileiro residente em território português também podem ter acesso a prestações não contributivas devidas pela legislação de Portugal.
4. Conclusões
Neste primeiro semestre de 2017, a conversão da MP nº 767/2017 na Lei nº 13.457/2017 representa a principal alteração da legislação previdenciária. Conforme visto, as medidas em torno da fixação de data de cessão do auxílio-doença e das revisões dos benefícios por incapacidade, concedidos há mais de 2 (dois) anos, se justificam no atual contexto de reforma previdenciária e da importância que se tem dado à necessidade de equilíbrio das contas do sistema. Ademais, verificou-se que houve uma tentativa de recrudescimento da regra de recuperação da carência, a qual, entretanto, veio a ser atenuada no âmbito do Congresso Nacional.
No âmbito do Poder Judiciário, as decisões do STF validando a constitucionalidade da contribuição do empregador rural pessoa física e a possibilidade de o estrangeiro residente no Brasil ter acesso ao BPC-LOAS foram de grande relevo para o sistema de Seguridade Social.