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Nova lei da terceirização: o que mudou?

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06/09/2017 às 09:33
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- Prestação de Serviços a Terceiros

Finalmente, a tão propalada terceirização agora possui um nomen juris. A lei fala, a partir de agora, em “prestação de serviços a terceiros”, ao acrescentar os arts. 4º-A, 4º-B, 5º-A, 5º-B, 19-A, 19-B e 19-C, à Lei n. 6019.

            E a Lei 13467/17 veio, ainda, alterar a redação dos arts. 4º-A e 5º-A, bem como introduzir os arts. 4º-C, 5º-C e 5º-D.

            Como dissemos, aqui não se trata da mera interposição de mão-de-obra a uma empresa tomadora, mas da própria entrega de certa atividade para outra empresa especializada, detentora de know-how específico, para melhor exercer aquela atividade.

            A Lei 13429/17, alterando a Lei 6019/74, vinha dispondo que a terceirizada se destinava a prestar à contratante “serviços determinados e específicos” (art.4º-A). No entanto, logo após, este artigo, bem como o art. 5º-A, tiveram sua redação alterada pela Lei 13467/17, a qual procurou deixar claro, com todas as letras, que a prestadora de serviços pode executar quaisquer das atividades da contratante, inclusive sua atividade principal.

Passado o momento de perplexidade, tendo em vista o que a doutrina e a jurisprudência sempre consideraram sobre o tema, resta-nos procurar compreender o que pode, ou não, ser alterado no que diz com a possibilidade de se ter trabalhadores laborando na atividade precípua do empregador, sem que forme o liame empregatício com o mesmo.

A relação de emprego clássica é a regra geral estabelecida pela nossa ordem jurídica, e que permanece incólume pela atual reforma, tendo em vista a integridade dos artigos 2º, caput, e 3º, da CLT.

É verdade que as regras sempre comportam exceções. Exceções essas que, como tais, precisam ser juridicamente justificadas, posto que devam se dirigir a fatos específicos, não regulados pela regra geral, tendo o trabalho temporário como exemplo clássico.

Concordamos com o jurista Jorge Luiz Souto Maior, quando declara que o “ordenamento não pode estabelecer um padrão jurídico e, em paralelo, criar outro padrão contraditório com o primeiro”. [11]

Em outras palavras, ao se estabelecer a relação de emprego como regra geral da vinculação entre o capital e o trabalho, não se revela possível à ordem jurídica permitir, simultaneamente, que a formação dessa relação de emprego, como ainda se depreende dos arts. 2º e 3º, da CLT, passe a ficar à mercê de um ajuste de vontades, que permite ao empregador, se assim desejar, se afastar desse liame jurídico, através da interposição de uma empresa de prestação de serviços.

Evidente que a prestação de serviços é uma realidade inafastável e condizente com o mercado moderno, quando se trata de atividades nas quais a prestadora é especializada, e a contratante não tem interesse de atuar diretamente, casos clássicos da segurança, limpeza e conservação, entre outros.

A prestadora de serviços precisa possuir uma qualificação específica, com uma organização própria. Não pode se colocar de encontro com o primado da relação de emprego, ainda prevalecente em nossa ordem jurídica, que determina que as atividades de trabalho subordinado devem se dar de forma direta entre capital e trabalho, sem intermediários.

Mais uma vez, concordamos com Souto Maior, ao afirmar que:

Uma prestação de serviços só pode se desenvolver de modo regular, juridicamente falando, no contexto do Direito Social, para a realização de atividades que não estejam inseridas ao conjunto daquelas que são necessárias, de forma permanente, à concretização do objeto empresarial daquele que contrata tais serviços, até porque quanto mais intermediações se efetivam no processo produtivo, mais distante o trabalhador fica do capital e mais difícil se torna a concretização do projeto de uma ordem social mínima para o capitalismo.[12]

Lembra o ilustre autor, em outro ponto, que quando a lei autoriza a entrega da própria atividade principal da contratante, cria-se a ilusão de que é possível o capital se realizar sem uma correlação com o trabalho e que, em uma realidade regrada pelo Direito Social, se teria uma fórmula para impedir a responsabilidade do capital frente ao trabalho, a não ser por uma concessão do capitalista, que só não terceiriza se não quiser. Em outras palavras, que seria juridicamente permitido ao capital não se ver mais obrigatoriamente vinculado ao projeto social, estando submetido, unicamente, à sua própria lógica. [13]

Mas a organização do modelo capitalista de produção pelo Direito Social não pode se efetivar dentro desse marco de livre arbítrio do capitalista, ainda mais porque suas opções estão condicionadas à pressão da concorrência, que lhe impõe posturas que acabam sacrificando o trabalho e o projeto social, destruindo as possibilidades de concretização de políticas públicas.

E finaliza o autor:

Então, quando a lei chega ao ponto de autorizar a terceirização da atividade-fim, o efeito jurídico necessário, para a manutenção da ordem social, assegurada na Constituição Federal, fixada nos Tratados internacionais de Direitos Humanos, com realce para as Convenções da OIT, e nos princípios do Direito do Trabalho, é o de se afirmar o contrário, ou seja, que a terceirização, juridicamente falando, não existe e o mecanismo que se tem para isso é o da declaração da relação de emprego, instituto cujo primado foi preservado na “reforma” e que foi criado exatamente para estabelecer, de forma obrigatória, um vínculo jurídico entre o trabalho e o capital, atribuindo-se a este uma responsabilidade social mínima e, claro, para proteger o ser humano trabalhador e lhe permitir projetar e almejar uma melhoria para a sua própria vida.[14]           

Pensamos que, a despeito da literalidade da novel norma jurídica, que expressamente dispõe sobre a possibilidade de entrega da atividade principal da contratante à prestadora, sem que se forme o liame de emprego dos trabalhadores desta com aquela, precisamos nos socorrer da interpretação sistemática do ordenamento jurídico, para que não se perca de vista o Princípio da Unidade da ordem jurídica.

Com efeito, esse novo dispositivo legal não possui existência isolada na ordem jurídica. Ao contrário, vem se inserir em um ordenamento, com um arcabouço de outras normas jurídicas, que precisam ser interpretadas e aplicadas em conjunto, com vistas à manutenção da integridade e harmonia do ordenamento que, no caso, compõe o ramo jurídico do Direito do Trabalho.

Delgado nos faz recordar do que se trata o método sistemático de interpretação das normas jurídicas como sendo:  

O método interpretativo que se caracteriza pela busca de harmonização da norma ao conjunto do sistema jurídico. Tal método volta-se a produzir uma interpretação vinculada e harmônica ao conjunto do sistema do Direito. Pelo método sistemático, o processo lógico de interpretação passa a operar em campo mais vasto de ação: investiga-se também a tendência normativa hegemônica nas diversas normas e diplomas existentes sobre matérias correlatas, adotando-se tal tendência como um das premissas centrais implícitas àquela norma ou diploma interpretado. A partir desse critério apreendem-se, inclusive, com maior clareza, os aspectos transformadores, retificadores ou continuativos da norma recente perante a ordem jurídica respectiva.[15]

Fácil perceber a necessidade de se recorrer ao método interpretativo sistemático, para a devida compreensão do sentido e do alcance de uma nova norma que parece se chocar com toda uma ordem jurídica preestabelecida.

Passemos, então, a verificar com quais normas, ainda em pleno vigor, deve o novo permissivo legal se compatibilizar, para que a unidade do sistema seja preservada.

            O mais singelo e, talvez, o mais robusto argumento contrário à ideia de que a nova lei passou a permitir a intermediação de mão-de-obra em sua atividade principal, fora dos casos legalmente expressos, sem que se forme a relação de emprego, quando presentes seus elementos, é, sem dúvida, o fato de que os artigos 2º, caput, e 3º, da CLT, mantiveram-se íntegros, e com a mesma redação original dos tempos getulistas.

É verdade que houve alteração significativa no que diz com a configuração do grupo econômico, visando a dificultar sobremaneira a responsabilização das empresas agrupadas pelas verbas trabalhistas inadimplidas. No entanto, mesmo essa alteração não afeta a definição de empregado e de empregador, tais como se encontram no Diploma Celetista, há tanto tempo.

Ainda, para complementar, a integridade do art. , da CLT, que vem robustecer, de forma talvez visionária, a nulidade de tantos artifícios criados ao longo do tempo, com vistas a afastar a configuração da relação de emprego. Lembremos, no momento, apenas do parágrafo único, do art. 442, da CLT, acrescentado pela Lei n. 8949/1994, que tanta celeuma causou, à época, com muitos empregadores desejando se utilizar de fraudulentas cooperativas de trabalho para afastar a relação de emprego com seus trabalhadores subordinados.

De fato, os artigos 2º e 3º, da CLT, como normas cogentes, determinam, inafastavelmente, quem são, respectivamente, empregador e empregado, no contexto das relações de emprego, sendo que quaisquer artimanhas para afastar tal vínculo é fulminada de nulidade pela disposição do art. 9º, da própria CLT, sede do chamado Princípio da Indisponibilidade da Relação de Emprego. Este artigo, aliás, consta do texto originário da CLT, portanto, de 1943. Interessante observar que a Recomendação n. 198 da OIT, texto de 2006, traz, no item 09, disposição muito semelhante ao artigo 9º, celetista, no sentido de rechaçar qualquer tentativa de se afastar o vínculo da relação de emprego por meios artificiosos[16]. 

            Há, ainda, outra norma jurídica que deve ser considerada, quando se cogita de se entregar o objeto precípuo da empresa contratante a outra. Diz respeito à incongruência com o próprio conceito de empresa.

Dispõe o art. 966, do Código Civil Brasileiro, que empresário é “quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços” [17].

A Doutrina empresarialista destaca desse conceito que, se o empresário é o exercente profissional de uma atividade econômica organizada, então empresa é uma atividade, a de produção ou de circulação de bens ou de serviços. Lembra-nos Fabio Ulhoa Coelho que, na linguagem cotidiana, mesmo nos meios jurídicos, a expressão “empresa” é utilizada com significados diferentes e impróprios. Ao se dizer que a “empresa faliu” ou que a empresa “importou essas mercadorias”, o termo está sendo usado de forma errada, atécnica[18].

Somente se emprega o conceito de empresa, de modo técnico, continua o autor, quando for sinônimo de empreendimento.

Assim, empresa é a atividade desenvolvida pelo empresário, é o empreendimento a que ele resolveu se dedicar.

Portanto, não se pode vislumbrar como se empreender uma determinada atividade e, simultaneamente, entregar essa mesma atividade a outro empreendedor. É uma contradição em termos.

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Já tivemos a oportunidade de nos debruçar sobre o tema, ao avaliarmos a possibilidade prevista na Lei Geral de Telecomunicações. Na ocasião, refletimos sobre o sentido e alcance da norma contida no art. 94, inciso II, da Lei n. 9472/1997, que dispõe ser possível às empresas de telecomunicações “contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço”. Quanto à expressão “atividades inerentes”, cogitou-se de se tratar das atividades precípuas das concessionárias[19].

No texto do conhecido enunciado da Súmula do TST n. 331, a jurisprudência já aceitava as terceirizações de atividades meio, desde que sem pessoalidade e subordinação direta do trabalhador ao tomador de serviço, simplesmente porque não há qualquer óbice legal e, ao particular, tudo o que não é vedado, é permitido. Simples. Não ocorre a formação dos elementos da relação de emprego arrolados no art. 3º, da CLT, entre o trabalhador e o tomador.

Mas, por que razão não seria possível terceirizar a própria atividade finalística da empresa, seja ela de que ramo for?

Também simples. Se o trabalhador subordinado exerce suas funções na atividade principal da empresa que toma seu serviço, torna-se impossível que não se forme a relação de emprego direta entre ambos, posto que, inexoravelmente, encontrar-se-ão presentes os elementos da relação de emprego, tais como a subordinação jurídica, a pessoalidade, a não-eventualidade e a onerosidade. Ou seria possível contratar-se alguém para prestar serviço na atividade precípua de seu empreendimento, sem estar subordinado ao empreendedor? Tal situação implicaria no que a doutrina francesa nomeou de “marchandage” [20], ou mera intermediação de mão-de-obra, figura rechaçada não só em nosso sistema jurídico, como reconhece, acertadamente, a Súmula 331 do TST, mas a própria Organização Internacional do Trabalho.  Principalmente no item I, alínea “a”, da Declaração de Filadélfia, em que afirma a OIT que “o trabalho não é uma mercadoria”. Desta forma, o trabalho humano não pode ser intermediado, fora das exceções legalmente autorizadas, pois estaria sendo comercializado como uma mercadoria. Exceção para as figuras extraordinárias do trabalho temporário (Lei n. 6019/74), Órgão Gestor de Mão de Obra – OGMO, no âmbito do trabalho portuário (Lei n. 8630/93) e entidades previstas no art. 430, incisos II e III, da CLT, como autoriza seu art. 431, no contexto do trabalho dos aprendizes. Trata-se de casos excepcionais de intermediação lícita, que não regulam a prestação ordinária de trabalho, no âmbito da empresa.

Desta forma, não se vislumbra a possibilidade de se “terceirizar” a atividade principal de uma empresa, seja qual for seu ramo de atividade, sem que se forme o vínculo direto de emprego dos obreiros subordinados com a contratante, pois, além de ser logicamente incompatível com o instituto da terceirização, na prática, haverá sempre o controle da execução pela própria empresa tomadora do serviço, incidindo o elemento da subordinação jurídica, como já observado por Carelli[21]. 

A subordinação, aqui, pode tanto ser encontrada como a clássica subordinação jurídica, que vai ocorrer em alguns casos, mas também como a assim denominada subordinação estrutural, tal aquela em que o trabalhador é inserido na “dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento” [22].

A lei, claramente, dispõe que a empresa prestadora de serviços “contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços” (parágrafo 1º, do art. 4º-A, grifo nosso). Desta forma, é a empresa contratada, prestadora de serviços, que dirige, que exerce os poderes empregatícios típicos em face de seus trabalhadores. Ou subcontrata outra empresa para executar esses serviços. Nesse último caso, será a subcontratada quem dirigirá seus empregados, por óbvio.

            Portanto, exsurge de forma cristalina que, se a empresa tomadora dos serviços estiver dirigindo a prestação do serviço terceirizado, exercendo seu poder diretivo sobre os empregados da terceirizada, o que será inafastável no caso de sua atividade finalística, restará desfigurada a terceirização lícita, ensejando a formação do vínculo de emprego diretamente com a tomadora.

Por fim, mas não menos importante, exsurge que a Constituição da República acolheu em seu art.7º, no Capítulo dos Direitos Sociais, dentro do Título dos Direitos e Garantias Fundamentais, um extenso rol de direitos e garantias aos trabalhadores urbanos e rurais. Logo no inciso I desse artigo, refere-se a Constituição à relação de emprego, reconhecida e protegida, inclusive contra despedida arbitrária ou sem justa causa.

Isso não é pouco. A nossa própria Constituição, dentro dos Direitos e Garantias Fundamentais, reconheceu a relação de emprego como hegemônica nas relações entre Capital e Trabalho, em nosso sistema jurídico e, por tal motivo, protegida, inclusive contra despedida arbitrária ou sem justa causa. Com muito mais razão, também protegida contra artifícios tendentes a afastar o reconhecimento da relação de emprego e, consequentemente, negar ao trabalhador toda a relação de direitos e garantias constitucionalmente estabelecidos.

Desta forma, para que o novo dispositivo não seja interpretado de forma a afastar a incidência do art. 7º, da Constituição, entre outros, o que faria com que fosse considerado inconstitucional, há que se recorrer ao Princípio da Interpretação Conforme a Constituição.

Tal Princípio, que se revela como um instrumento de controle de constitucionalidade, e não apenas de uma simples regra de interpretação, consiste em:

recomendar que os aplicadores da Constituição, em face de normas infraconstitucionais de múltiplos significados, escolham o sentido que as torne constitucionais e não aquele que resulte na sua declaração de inconstitucionalidade (...).[23]

Portanto, tendo em vista que a nova norma infraconstitucional não tem o condão de afastar a incidência do art. 7º constitucional, entre outros, e negar aos trabalhadores urbanos e rurais os direitos nele previstos, deve-se, sob pena de inconstitucionalidade, interpretá-la conforme a Constituição, para se chegar ao resultado inequívoco de que, sempre que restarem configurados os elementos fático-jurídicos identificadores da relação de emprego, tais os descritos nos arts. 2º, caput, e 3º, da CLT, a formação de tal vínculo será inafastável, quer seja com o trabalhador diretamente contratado, quer seja com o obreiro intermediado por interposta “empresa de prestação de serviços”.

Por outro lado, caso entre os trabalhadores da prestadora de serviços e a contratante não haja pessoalidade e subordinação direta, situação muito difícil de se configurar quando se tratar da própria atividade principal da empresa, nenhuma agressão haverá à lei ou à Constituição da República.    

Em uma tentativa de sintetizar as inovações nefastas da nova lei, no que diz com o instituto da terceirização (segunda parte da lei), agora nomeada “prestação de serviços a terceiros”, temos:

1 -        Dá margem a possíveis interpretações equivocadas, no sentido de que se estaria eliminando qualquer restrição ao instituto;

2 -        Permite, expressamente, a “quarteirização”, “quinteirização”, etc. É verdade que a subcontratação, a rigor, não encontrava vedação expressa, e já vinha sendo bastante utilizada, sobretudo no âmbito das empreiteiras de obras públicas. Tais empresas ganhavam determinadas licitações de obras públicas de médio ou grande porte e, ato contínuo, repassavam o objeto contratual para ser executado por outra empresa menor. Esta, por sua vez, continuava repassando o objeto do contrato, ou seja, a realização da obra, para empresas cada vez menores, até que, finalmente, a obra acabava sendo executada por diversas minúsculas empresas, geralmente titularizadas por ex-empregados de uma das empresas subcontratadas. A experiência demostra fartamente que, nesses casos, embora a empreiteira principal, vencedora da licitação, recebesse pontualmente os valores destinados à execução da obra, lá na outra ponta, o microempresário que efetivamente vinha a executar a obra, geralmente não conseguia honrar suas obrigações com seus trabalhadores, muitas vezes, até mesmo contratados informalmente. Muito comum, nesses casos, atrasos rotineiros de pagamento de salários, de entrega de vale-transporte, cestas básicas, etc. Além, de inadimplemento dos recolhimentos legais, como FGTS e contribuições previdenciárias, deixando os trabalhadores, responsáveis efetivos pela execução da obra, à mingua. Sem falar no descumprimento de normas de Saúde e Segurança do Trabalho, por falta de condições financeiras, aumentando significativamente o número de doenças e acidentes de trabalho. Além disso, fazendo com que os obreiros tenham extrema dificuldade em responsabilizar as empresas que subcontrataram, uma vez que seu contratante direto, via de regra, não ostenta porte econômico-financeiro para adimplir com suas obrigações.

            Por esses motivos, vistos à exaustão, na rotina de Fiscalização do Trabalho, entendemos que a nova lei perdeu uma oportunidade ímpar de, ao contrário do que fez, impor restrições à subcontratação, que tanto precariza as relações de trabalho, pelos motivos expostos.

3 -        A Lei 13429/17, ao contrário do que previu na nova regulamentação do trabalho temporário, não havia estendido, de forma taxativa, ao trabalhador da empresa de prestação de serviços “o mesmo atendimento médico, ambulatorial e de refeição destinado aos seus empregados, existente nas dependências da contratante, ou local por ela designado” (parágrafo 4º, do art. 5º-A, introduzido pela Lei 13429/17).

De fato, ao utilizar a expressão “poderá estender” ao invés da utilizada para os trabalhadores temporários, “estenderá”, a nova lei pareceu querer impor um fator de discrímen, que não encontra respaldo em nenhum fundamento de fato ou de direito.

Se aos trabalhadores temporários, eventualmente contratados pela tomadora, se estenderá o atendimento médico, ambulatorial e de refeição, o que justificaria a extensão meramente opcional desse mesmo atendimento aos trabalhadores terceirizados que, ao contrário dos temporários, tendem a ser mais perenes, no que diz com o tempo em que permanecerão prestando serviços à mesma empresa? Lembremos que, no caso da “prestação de serviços a terceiros”, não há limite temporal de permanência para os trabalhadores.

            No entanto, a Lei 13467/17, logo depois, veio incluir o art. 4º-C, da Lei 6019/74, passando a assegurar aos empregados da prestadora de serviços, quando e enquanto os serviços forem executados nas dependências da tomadora, as mesmas condições de alimentação garantida aos empregados da contratante, quando oferecida em refeitórios; o direito de utilizar os serviços de transporte; atendimento médico ou ambulatorial existente nas dependências da contratante ou local por ela designado; e treinamento adequado, fornecido pela contratada, quando a atividade o exigir.

Além disso, foram assegurados aos mesmos as medidas de proteção à saúde e de segurança no trabalho e as instalações adequadas à prestação do serviço.

Interessante a previsão de que os empregados da contratada farão jus a salário equivalente ao pago aos empregados da contratante, além de outros direitos. Porém, este direito só será estabelecido, se a contratante e a contratada assim entenderem.

Pensamos, entretanto, que quando elas “assim não entenderem”, ainda assim será devida a equivalência salarial, em face do Princípio da Isonomia, e da vedação de discriminação entre espécies de trabalhadores, quando as funções forem equivalentes, evidentemente.

4 -        A previsão legal expressa de responsabilidade meramente subsidiária da tomadora aqui não se revela a mais adequada. Mais uma oportunidade perdida pela nova lei de impor responsabilidade solidária, na seara da terceirização. Isso porque, ao contrário do trabalho temporário, a “prestação de serviços a terceiros” permite uma entrega permanente de determinada atividade, necessária à tomadora, para ser exercida pela terceirizada. De forma que a tomadora deveria ser solidária à empresa contratada, pelo adimplemento das verbas e demais direitos dos trabalhadores que lhe prestam diretamente serviços, não sendo razoável deixá-los à mercê da empresa que ela livremente selecionou para a entrega da atividade, e que não estiver cumprindo com suas obrigações legais para com os trabalhadores. Incidência da culpa in eligendo, no momento da escolha da prestadora, e da culpa in vigilando, ao deixar de verificar o cumprimento das obrigações trabalhistas, no curso do contrato de prestação.

A responsabilidade solidária despontaria como a melhor solução para a garantia dos direitos dos trabalhadores, sobretudo quando admitidas sucessivas subcontratações de prestadoras.

5 -        A previsão da “quarentena” de dezoito meses para que ex-trabalhadores da contratante sejam contratados por meio da prestadora de serviços, ou sejam os próprios titulares ou sócios (pejotização) da  prestadora de serviços, é uma norma que revela alguns desdobramentos dessa reforma.

            Por um lado, contém uma previsão aparentemente protetora, de que os trabalhadores que já prestavam serviços para a contratante não sejam dispensados e, desde já recontratados, por meio da prestadora de serviços, ou como titulares ou sócios das mesmas, o que se configura no que a doutrina e a jurisprudência passaram a nominar como “pejotização”.

Mas, por outro lado, denota clara intenção de permitir que isso venha a ocorrer, depois de certo interregno de tempo.

Ora, se o trabalhador foi dispensado, é porque a contratante não mais dele necessitava.

Se o mesmo trabalhador voltar a prestar serviço para a mesma tomadora, agora como titular ou sócio de uma “prestadora de serviços” ou como empregado da terceirizada, ainda que depois de certo período de tempo, isso denota claramente a intenção de precarização das relações de trabalho. Em outras palavras, se a contratante usar da terceirização para simplesmente substituir a forma de contratação de empregados de que efetivamente precisa, por outra forma menos onerosa, “pejotizando” o trabalhador, ou exigindo da prestadora de serviços que o coloque à sua disposição, por seu intermédio (pessoalidade), restará cristalina a intenção pura e simples de desvirtuar, impedir ou fraudar o reconhecimento da relação de emprego com o trabalhador, atraindo a incidência do art. 9º, da CLT.

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Sobre o autor
Armando Cruz Vasconcellos

Auditor Fiscal do Trabalho (RJ). Especialista em Direito Constitucional. Especialista em Direito e Processo do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VASCONCELLOS, Armando Cruz. Nova lei da terceirização: o que mudou?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5180, 6 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60192. Acesso em: 5 mai. 2024.

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