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Nova lei da terceirização: o que mudou?

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06/09/2017 às 09:33
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- Escopo da nova lei

Não se trata de novidade. Já em diversas outras ocasiões, os operadores do Direito do Trabalho tiveram a oportunidade de se deparar com uma espécie de “onda” de alterações legislativas que, a título de “modernizar” a legislação trabalhista, procuram compor toda a solução do problema, lastreado em mais uma crise econômico-financeira que assola o país, transferindo os ônus para apenas uma das partes da desigual relação de trabalho. Justamente para a parte que menos tem condições de postulação e defesa de seus direitos, não apenas por sua reconhecida condição de hipossuficiência na relação jurídica que entabula com o tomador de sua força de trabalho, mas, talvez principalmente, por não ter quem legitimamente a represente no momento crucial da produção legislativa.

Com efeito, é no momento da criação da norma jurídica, que se tem a primeira oportunidade de se fazer incidir um conjunto de princípios constitucionais e supralegais (com previsão em Convenções e Tratados Internacionais) que devem reger a produção legiferante de determinado ramo jurídico.

É o que a Doutrina chama de fase pré-jurídica ou política, quando os princípios despontam como:

proposições fundamentais que propiciam uma direção coerente na construção do Direito. São veios iluminadores à elaboração de regras e institutos jurídicos. Os princípios gerais do Direito e os específicos a determinado ramo normativo tendem a influir no processo de construção das regras jurídicas, orientando o legislador no desenvolvimento desse processo. Nesse momento, os princípios atuam como verdadeiras fontes materiais do Direito, na medida em que se postam como fatores que influenciam na produção da ordem jurídica. [24]

Como vimos, diversos princípios constitucionais e supralegais que têm servido de parâmetro para a produção, aplicação, e interpretação das normas de Direito do Trabalho parecem ter sido deliberadamente colocados à margem, na elaboração da nova lei.

O alegado, e intensamente difundido nos meios de comunicação, objetivo de combate ao desemprego tem gerado muita aceitação na população em geral, não só dessa nova lei, mas de qualquer norma que pareça reduzir custos para a contratação de um trabalhador.

No entanto, sabe-se, há muito, que esses mecanismos não têm trazido o, tão almejado por todos, incremento no número de postos de trabalho.

Isso porque nenhum empregador irá oferecer vagas de trabalho apenas pelo fato delas terem se tornado menos onerosas. Essas vagas só surgirão quando a empresa, efetivamente, não puder abrir mão da contratação de novos trabalhadores. A única consequência que deflui da precarização e retirada de direitos dos trabalhadores é a possibilidade de substituição de postos mais onerosos por outros, de menor custo.

Nessa linha de raciocínio, nenhum incremento nas vagas de trabalho sucede a essa espécie de alteração legislativa. A história prova esse fato, com base nas diversas alterações “flexibilizantes” do final dos anos 1990 e inicio da década de 2000.

Delgado, com acerto, acena que a criação definitiva de empregos não se vincula a “práticas de apenação unilateral do trabalhador”. Para o renomado autor, a questão passa por dimensões macroeconômicas, em que o custo do trabalhador é de pouca significância, principalmente se for considerado que os salários aqui praticados se encontram entre os menores, “no quadro dos parâmetros ocidentais minimamente comparáveis.” Acrescenta, por fim, que exemplo de politica social que realmente poderia se mostrar eficaz no combate ao desemprego seria a redução da jornada de trabalho, associada à penalização definitiva da prática de horas suplementares habituais[25].

O tempo, e só ele, demonstrará se a nova lei, bem como outras que por aí estão chegando, servirá ao fim a que se propõe ou se diferentes serão as consequências. Até lá, resta aos aturdidos operadores do Direito se debruçarem detidamente sobre a nova lei, e aplicá-la, com sabedoria e bom senso, tendo sempre em mente a nossa Lei Maior, e todos os princípios que dela emanam, tendo em vista que a nossa Republica Federativa do Brasil tem, entre seus fundamentos, a dignidade da pessoa humana, e o valor social do trabalho, no mesmo patamar da livre iniciativa, e entre seus objetivos fundamentais, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais.

Essas normas, lembremos, não foram, e nem podem ser revogadas.


- Conclusão

Em apertada síntese, poderíamos discriminar algumas implicações do novo texto legal:

1 -        Foram ampliadas as hipóteses permissivas da contratação de trabalho temporário, com a extensão de alguns direitos, até então sem previsão positiva;

2 -        A nova lei não se preocupou com a delicada questão do enquadramento sindical dos trabalhadores terceirizados, que tenderão a ser excluídos do movimento sindical, com repercussão considerável na manutenção de seus direitos, com fulcro em instrumentos de negociação coletiva. Esperamos que a jurisprudência, na esteira do critério de isonomia esposado na OJ 383/SDI-I/TST, estenda aos terceirizados a integralidade do arcabouço de direitos previstos para os empregados diretamente contratados;

3 -        Em uma interpretação sistemática da norma que autoriza prestação de serviços na atividade principal da contratante, sempre que houver subordinação direta e pessoalidade quanto aos empregados da prestadora de serviços em face da contratante, haverá a inafastável configuração do liame empregatício entre os mesmos;

4-         Também tendo em vista a necessidade de interpretação da nova norma conforme a Constituição, o vínculo de emprego entre contratante e trabalhador da prestadora restará configurado, sempre que presentes os elementos ensejadores do liame empregatício, sob pena de inconstitucionalidade, por afronta ao art. 7º da Constituição, que ocorreria, caso afastado o vínculo por norma infraconstitucional.

5-         Na hipótese de terceirização (entrega) da própria atividade que diz com a essência da empresa, restam desfigurados o próprio conceito e a razão de ser da empresa (atividade empreendida pelo empresário);

6-         A empresa prestadora contratada (terceirizada), ou a subcontratada (quarterizada), é que dirige seus empregados (art. 2º, caput, da CLT). Portanto, se a tomadora exercer sobre eles quaisquer dos poderes empregatícios típicos (diretivo, regulamentar, fiscalizatório ou disciplinar), assumindo, no plano fático, que os trabalhadores lhe são diretamente subordinados (Princípio da Primazia da Realidade), afastada restará a “prestação de serviços” lícita, sendo em sua atividade principal, ou não, e configurado o vínculo direto com a tomadora (incidência dos arts. 2º, 3º e 9º, da CLT).

7 -        Não se vislumbra como a nova regulamentação legal do trabalho temporário e da terceirização poderá incrementar o número de postos de trabalho, visando à redução dos elevados índices nacionais de desemprego, objetivo da nova lei, segundo seus defensores.


Referências Bibliográficas

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Notas

[1] BRASIL. Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13429.htm. Acesso em 22.05.2017.

[2] BRASIL. Lei nº 13.467, de 14 de julho de 2017. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm

[3] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 444-45.

[4] VASCONCELLOS, Armando Cruz. A Nova Lei das Cooperativas de Trabalho – Como Evitar (E Coibir) Fraudes. Revista LTr. São Paulo, SP. Ano 77, nº 06, p. 676-683, jun. 2013. Acesso em 30.05.2017

[5] SILVA, Ciro Pereira da. A terceirização responsável: modernidade e modismo. São Paulo:LTr, 1997. p. 30.

[6] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 628 e ss.

[7] CARELLI, Rodrigo de Lacerda.. Terceirização e Intermediação de mão-de-obra: ruptura do sistema trabalhista, precarização do trabalho e exclusão social. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 124.

[8] Op. Cit. p. 136.

[9] CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Cooperativas de mão-de-obra: manual contra fraude. São Paulo: LTr, 2002. p. 42.

[10] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 209-210

[11] SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. A “CLT de Temer”. Disponível em http://www.jorgesoutomaior.com/blog/a-clt-de-temer-cia-ltda. Acesso em 18/07/2017.

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[12] Idem.

[13] Ibidem.

[14]  Ibidem.

[15] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 234-235.

[16] “For the purposes of the national policy of protection for workers in an employment relationship, the determination of the existence of such a relationship should be guided primarily by the facts relating to the performance of work and the remuneration of the worker, notwithstanding how the relationship is characterized in any contrary arrangement, contractual or otherwise, that may have been agreed between the parties” Disponível em www.ilo.org Acesso em 24.05.2017.          

[17]BRASIL.. Lei nº 10.406, de 10 DE janeiro de 2002. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13429.htm. Acesso em 01.06.2017.

[18] COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 16. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 12-13.

[19]VASCONCELLOS, Armando Cruz. “Da Impossibilidade de Terceirização das Atividades Inerentes das Concessionárias de Telecomunicações – Fundamentos”. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13850. Acesso em 24/05/2017.

[20] SUSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2000, 19 ed., vol. I. p. 282.

[21] CARELLI. Rodrigo de Lacerda. Terceirização e Intermediação de mão-de-obra: ruptura do sistema trabalhista, precarização do trabalho e exclusão social. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 80.

[22] DELGADO, Maurício Godinho. Os Direitos Fundamentais nas Relações de Trabalho. In: Juliana Vignoli Cordeiro, Sebastião Vieira Caixeta, coordenadores. O MPT como promotor dos direitos fundamentais. São Paulo: LTr, 2006. p. 193-194.

[23]BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 112.

[24] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004. P. 187.

[25] DELGADO, Mauricio Godinho. Op. Cit. P. 576.


NEW OUTSOURCING LAW: WHAT HAS CHANGED?

Abstract:The recently published law n. 13.429, dated March 31, 2017, finally came to regulate the service outsourcing institute, now named by the law as "provision of services to third parties". However, brought the new legal diploma several controversial issues, such as: was outsourcing allowed in the main business of the company? Is it not compulsory for the temporary worker to perceive the same remuneration as the employees he replaces, or supplement? Do outsourced workers not necessarily have the right to medical, outpatient and refectory services for direct employees? These and several other questions will be put to reflection in the present work. Still, we will try to analyze if the objectives of the new law are to be achieved, with the new regulation of the institute, according to what the defenders say, namely, the increase in the number of jobs, with the consequent reduction of the high level of unemployment, that currently appears in our country.

Keywords: Outsourcing. Temporary Job. Provision of services to third parties.

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Sobre o autor
Armando Cruz Vasconcellos

Auditor Fiscal do Trabalho (RJ). Especialista em Direito Constitucional. Especialista em Direito e Processo do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VASCONCELLOS, Armando Cruz. Nova lei da terceirização: o que mudou?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5180, 6 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60192. Acesso em: 18 mai. 2024.

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