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Fontes formais do Direito Tributário positivo

10/01/2005 às 00:00
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SUMÁRIO: 1. Noções; 2. Constituição Federal; 3. Emenda Constitucional; 4. Leis complementares; 4.1. Funções da Lei Complementar; 5. Leis ordinárias; 6. Leis delegadas; 7. Medidas provisórias; 8. Atos exclusivos do Poder Legislativo – Decreto; 8.1. Resoluções; 9. Tratado Internacional em matéria tributária; 10. Normas complementares das leis – Decretos, Regulamentos etc.


1. Noções.

Com apoio em Miguel Reale, afirmamos que direito tributário positivo é uma integração normativa (dogmática tributária) de fatos (sociologia tributária) segundo valores (filosofia tributária). Pois bem. Adotamos a idéia de fonte [1] como idéia de fonte formal, ou seja, processo legislativo de produção de normas jurídicas. Para Miguel Reale,

"Por "fonte de direito" designamos os processos ou meios em virtude dos quais as regras jurídicas se positivam com legítima força obrigatória, isto é, vigência e eficácia no contexto de uma estrutura normativa". [2]

fontes prescritivas e fontes descritivas, portanto, fontes de direito positivo tributário e fontes de ciência do direito tributário. (jurisprudênciaRicardo Lobo Torres também não admite jurisprudência como fonte de direito positivo, e doutrina).


2. Constituição Federal

A Constituição Federal disciplina o processo legislativo de produção de normas jurídicas em seu art. 59. A Constituição é a Fonte Maior de todas as normas tributárias. Na Constituição encontra-se a matriz de todas as competências; nela se demarcam os limites do poder de tributar e se estruturam os princípios, imunidades etc. É na Constituição que se disciplina o modo de expressão do direito tributário, ou seja, a regulação do processo produtivo de fontes de normas jurídico-tributárias (leis complementares, leis ordinárias etc) e o espaço de atuação de cada uma, ou seja, quais tarefas competem a cada tipo normativo.

As normas tributárias veiculadas pela Constituição Federal podem ser classificadas quanto à sua eficácia jurídica com base na doutrina de José Afonso da Silva [3], em: 1)- normas constitucionais de eficácia plena, aquelas que são bastante em si, não necessitam da intermediação do legislador infraconstitucional, ex: as normas-princípios. 2)- normas constitucionais de eficácia contida, têm aplicabilidade imediata, integral, plena, mas que podem ter reduzido seu alcance pela atividade do legislador infraconstitucional, ex: o caso das imunidades na "forma da lei" art. 150. 3)- normas constitucionais de eficácia limitada, são aquelas que dependem "da emissão de uma normatividade futura", onde o legislador infraconstitucional integra-lhe a eficácia regulamentando a sua capacidade de execução. Ex: imposto sobre grandes fortunas, Art. 153 CF.


3- Emenda Constitucional.

A EC é uma importante fonte do direito tributário positivo. Encontra seus limites no § 4º do art. 60 que arrola quais matérias não admite modificação; trata-se do cerne fixo da Constituição, ou "cláusula pétrea", "núcleo essencial". O Ministro Joaquim Barbosa chamou-as de "cláusula anti-democrática" e o Min. Sepúlveda Pertence de "cláusula anti-majoritária" em importante julgamento no Supremo Tribunal Federal.

Flávio Bauer Novelli entende que os limites ao poder de tributar, especialmente, os previstos no art. 150 da CF são dirigidos ao legislador infraconstitucional e jamais ao legislador extraordinário que tem o poder de emendar a Constituição Federal. [4]

Inexiste sanção no caso das Emendas Constitucionais, a decisão é soberana do Congresso Nacional que exerce a representação popular e dos Estados na reformulação da estrutura estatal. Votado e aprovado o projeto é promulgado pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.


4. Leis Complementares.

A locução designa certas leis, previstas para a disciplina de determinadas matérias, especificadas na Constituição, que reclama quorum especial para sua aprovação, distinguindo-as das demais leis, ditas ordinárias. Essas leis além do nome e da função, têm de específico o quorum de aprovação: elas requerem maioria absoluta de votos na Câmara dos Deputados e no Senado (art. 69 da CF). Essas leis não têm a rigidez das normas constitucionais, nem a flexibilidade das leis ordinárias. Isso lhes dá estabilidade maior que das leis comuns/ordinárias, evitando que se sujeitem a modificação ao sabor de maiorias ocasionais do Congresso Nacional.

Algumas teses envolvem a lei complementar. Lei ordinária pode revogar lei complementar? A lei complementar nº 70/71 previa uma isenção de COFINS para as sociedades civis, que foi posteriormente revogada pela lei ordinária 9.430/96, é possível isto? Há duas teses: 1)- se a matéria for de competência de LC não pode ser revogada por lei ordinária; 2)- se não for pode, uma vez que ambas tem como fonte o texto constitucional. O STJ repudiou a revogação da isenção pela lei ordinária.

Para Michel Temer não há hierarquia (hierarquia é quando uma norma encontra sua fonte geradora – engate lógico- em outra que lhe é superior) entre lei complementar e lei ordinária, há apenas âmbitos materiais diversos previstos no Texto Constitucional. Para ele o âmbito material da lei ordinária é residual. [5]

Hugo de Brito Machado entende haver hierarquia entre estas espécies normativas, logo, matéria tratada por lei complementar não pode ser revogada por lei ordinária, é a chamada hierarquia formal. [6]

O Congresso Nacional tem uma dupla qualidade funcional porquanto edita leis federais (o destinatário é a União) e leis nacionais (do Estado Federal). A LC é uma lei nacional.

3.1. Funções da Lei Complementar.

Na quase totalidade das hipóteses, a Constituição lhe confere tarefas dentro de sua função precípua (de ‘complementar’ as disposições constitucionais).

As leis complementares prestam-se basicamente a três (3) tipos de atuação em matéria tributária. Dispor sobre conflitos de competência, matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (Ler, art. 146, I da CF). explicitando, por exemplo, a demarcação da linha divisória da incidência do ISS (tributo municipal) e do ICMS (tributo estadual), ou a de regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (Ler CF art. 146, II), desdobrando as exigências do princípio da legalidade, regulando as imunidades tributárias etc. É ainda, função típica da lei complementar estabelecer normas gerais de direito tributário (Ler. art. 146, III).


5. Leis ordinárias.

Lei é fonte de direito tributário, instrumento legislativo que introduz algo novo no sistema, com caráter obrigatório, geral, abstrato e impessoal.

Nem sempre as leis contém normas genéricas e abstratas, há leis que contém normas de efeitos concretos, que materialmente se qualificam como atos administrativos. O STF não conheceu ADin, ação de inconstitucionalidade que questionava o art. 11 da Lei Estadual 10.000/93 com a redação dada pela Lei 11.464/2000 que veiculava atos normativos de efeito concreto (os débitos da Cia Riograndense de Laticínios e Correlatos – CORLAC para com o Tesouro do Estado permanecerão registrados como passivo até a liquidação da companhia). [7]

Cabe apenas em ADin o conhecimento de atos normativos dotados de generalidade, abstração e impessoalidade. (ADIN-MC 2.295 de 22.02.2991, Relator Min. Mauricio Corrêa).


6. Leis Delegadas.

Estão previstas no art 68 da CF. No direito tributário não se tem feito uso desse modelo normativo. As medidas provisórias têm deixado no esquecimento a figura da lei delegada.


7. Medidas Provisórias.

É de notar que aprovada a MP não há falar-se em sanção (aquiescência aos termos de um projeto de lei), haja vista que o processo já nasce enformado (Michel Temer). De igual maneira não se cogita de promulgação (ato de autenticar a lei, atestar a sua exigência ordenando-lhe a aplicação), cuida-se apenas de publicação, ato que dá nascimento a MP.

O STF no julgamento da ADin 425 decidiu que os Governadores do Estado e do Distrito Federal podem editar Medidas Provisórias em caso de relevância e urgência, desde que previsto na Constituição do Estado e observador os limites previstos na CF.

Com a redação ao art. 62 da CF, através da Emenda Constitucional nº 32/2001, é vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria reservada a lei complementar (62, § 1º, I e III).

Medida Provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I (importação), II (exportação), IV (IPI), V (IOF) e 154, II (impostos extraordinários) da CF só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada (art. 62, § 2º).


8. Atos exclusivos do Poder Legislativo - Decreto Legislativo.

Disciplina as relações jurídicas decorrentes da edição de medidas provisórias (Art. 62, § 3º e § 11º da CF). Fonte de Direito Tributário que tem como conteúdo as matérias de competência exclusiva do Congresso Nacional (art. 49, I CF), especialmente dispor sobre tratados internacionais em matéria tributária. Sendo de competência exclusiva do Congresso Nacional, não há sanção, e sua promulgação é feita pelo Presidente do Senado Federal que o manda publicar.

8.1. Resoluções

Trata de matéria de competência exclusiva do Congresso Nacional ou de suas casas, cuja disciplina é firmada pelo Legislativo sem sanção do Executivo. Seus traços são definidos pelos regimentos das Casas Legislativas e pelo Regimento do Congresso Nacional. Sua promulgação é efetivada pela Mesa da Casa Legislativa que a expediu. Ex: limites de alíquotas de certos impostos estaduais – art. 155, § 1º, IV; § 2º, IV e V).

Sua competência é haurida diretamente do Texto Constitucional. Por Resolução do Congresso Nacional se aprova a delegação ao Presidente da República para edição de leis delegadas (art. 68, § 2º). Também por resolução é que o Congresso da publicidade à rejeição expressa de medidas provisórias.


9. Tratado Internacional em matéria tributária.

O Brasil não adota como regra a TEORIA MONISTA, isto é, primazia do direito internacional com incorporação imediata dos tratados à ordem interna, exceto nos casos de tratados que disponham sobre direitos e garantias individuais, que se incorporam com automaticamente com a ratificação da Presidência da República.

O Brasil adota a TEORIA DUALISTA TEMPERADA, porquanto muito embora admita a incorporação automática nos casos de direitos e garantias individuais, nos demais casos reconhece uma dualidade, ordens distintas, entre o ordenamento interno e o internacional, exigindo assim uma incorporação legistativa do tratado para que ele surta seus efeitos na ordem jurídica interna.

PROCEDIMENTO - O tratado é negociado e celebrado pelo Estado Brasileiro (União), após o que é encaminhado ao Congresso Nacional para mediante Decreto Legislativo, referendá-lo ou não (art. 49, I da CF). O referendo é uma autorização para sua ratificação, é assim um "requisito para eficácia plena do tratado" na dicção de Betina Treiger Grupenmacher. [8]

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Não referendado o tratado pelo Congresso está resolvido definitivamente o tratado (art. 49, I da CF). Referendado mediante promulgação de sua aprovação pela Presidência do Senado, ele segue para que a Presidência República mediante decreto (art. 84, VIII) ratifique-o ou não, promulgando e publicando-o a seguir.

Segundo Ricardo Lobo Torres, Roque Antonio Carrazza e Paulo de Barros Carvalho, no Direito Tributário é o decreto legislativo que introduz o tratado em matéria tributária no sistema brasileiro, tornando-os aptos a criar direitos e obrigações de ordem nacional. O Congresso Nacional incumbe, exclusivamente, apreciar e referendar ou não os tratados em matéria tributária. O decreto do executivo ao final editado pelo Presidente da República, segundo eles apenas dá publicidade ao tratado, mas não é ele que incorpora o tratado ao direito interno, mas sim o decreto legislativo.

Divergindo, para Betina Treiger Grupenmacher,

"O decreto legislativo não "cria" o direito, não inova a ordem jurídica, apenas aprova ou não direitos e deveres anteriormente criados pelos tratados internacionais, quem introduz o elenco de direitos e deveres da ordem jurídica interna é o próprio tratado internacional e não o decreto legislativo que o aprova. [9]

REVOGAÇÃO DE LEI INTERNA E HIERARQUIA E ISENÇÕES- Consoante dispõe o art. 98, os tratados internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna e serão observados pela que lhes sobrevenha.

Segundo Betina Treiger Grupenmacher a Constituição não atribui superior hierarquia aos tratados. Porém, na via interpretativa, é possível afirmar-se a prevalência dos tratados em matéria tributária sobre dispositivo de lei interna, trata-se da aplicação do critério da especialidade, porquanto os tratados como normas especiais afasta as normas internas (normas gerais). Prevalece a especial sobre a geral sem revogação da legislação interna que fica valendo para as demais hipóteses que não forem disciplinas por ele. Há apenas uma paralisação da eficácia da norma interna, em situações específicas e delimitadas.

Segundo Luciano Amaro [10] o STF vem entendendo que há paridade normativa entre os tratados e as leis ordinárias, de modo que a eventual prevalência dos tratados decorrerá apenas do critério cronológico (lex posterior derogat priori) ou critério da especialidade. Assim lei posterior inconciliável com o tratado implicará na sua revogação no plano interno, ou seja, a denúncia do diploma internacional, o que poderá gerar sanções no plano internacional se previstas no mesmo.

Tratado usualmente não cria ou aumenta tributos, tão-somente suprimem-nos ou reduzem-nos. A limitação constitucional do art. 151, III , CF é dirigida a União como ordem jurídica parcial central, que nessa qualidade não pode conceder isenções de tributos estaduais e municipais. No campo dos tratados (relação internacional) quem celebra-os é a União como representante do Estado Brasileiro, agindo na qualidade de representante da nação brasileira, da ordem jurídica global, e não como pessoa política de direito público, como ente federativo, como ordem jurídica parcial central.


10. Normas complementares das leis - decretos e regulamentos etc.

DECRETO - O conteúdo e o alcance dos decretos, segundo disposição expressa do CTN, restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados, o conteúdo e o alcance, de acordo com as regras de interpretação que estabelece. Registre-se o ter do art 99 do CTN e Art. 84, IV da CF.

decretos regulamentares (regulamentos de execução) (embora contenha norma geral e abstrata, não inova a ordem jurídica, se prende ao texto da lei, é ato administrativo hierarquicamente subordinado à lei), é há decretos inominados (decreto que altera alíquota – art. 153, § 1º, da CF, importação, exportação, IPI). Em matéria tributária o regulamento tem grande importância. Ele se presta para a consolidação, em texto único, de diversas leis sobre um tributo, além de estabelecer regras relativas a obrigação acessórias. Exemplo: Regulamento do Imposto de Renda. Ler artigo 100 do CTN sobre as normas complementares.

Diz Pontes de Miranda:

Onde se estabelecem, alteram-se ou extingue-se direitos, não há regulamento, há abuso do poder regulamentar, invasão de competência legislativa. [11]

CONVÊNIOS- Normas complementares que tem como objetivo o auxílio mútuo na fiscalização de rendas públicas e servem de instrumento para adoção der normas comuns tributárias, principalmente no campo das chamadas obrigações acessórias (art. 37, XXII da CF e art. 155, § 2º, XII, g da CF).

PARECERES NORMATIVOS – Muito embora sejam apenas opinativos, os pareceres normativos fixam a orientação da Fazenda Pública e protegem o contribuinte que o adota contra as ulteriores modificações na interpretação da matéria.


Notas

1 Sobre outras acepções do termo fonte cf. Paulo de Barros Carvalho, Curso de Direito Tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 45/52.

2Lições Preliminares de Direito, 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 140.

3Aplicabilidade das Normas Constitucionais, 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 81/87.

4 Norma Constitucional Inconstitucional? A propósito do art. 2º, § 2º, da Emenda Constitucional nº 3/93. Rio de Janeiro, Revista de Direito Administrativo nº 199, jan/mar 1995, p. 21/57.

5Elementos de Direito Constitucional, 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 136/137.

6Curso de Direito Tributário, 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 72/73.

7 Cf. Roberto Wagner Lima Nogueira, Fundamentos do Dever Tributário, Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 31

8Tratados internacionais em matéria tributária e ordem interna, São Paulo: Dialética, 1999, p. 140.

9Tratados internacionais em matéria tributária...op. cit. p. 61.

10Direito Tributário brasileiro, op. cit. 179.

11 Cf. Apud, Michel Temer, Elementos de Direito Constitucional, op cit. p. 148.

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Sobre o autor
Roberto Wagner Lima Nogueira

mestre em Direito Tributário, professor do Departamento de Direito Público das Universidades Católica de Petrópolis (UCP) , procurador do Município de Areal (RJ), membro do Conselho Científico da Associação Paulista de Direito Tributário (APET) é autor dos livros "Fundamentos do Dever Tributário", Belo Horizonte, Del Rey, 2003, e "Direito Financeiro e Justiça Tributária", Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004; co-autor dos livros "ISS - LC 116/2003" (coord. Marcelo Magalhães Peixoto e Ives Gandra da Silva Martins), Curitiba, Juruá, 2004; e "Planejamento Tributário" (coord. Marcelo Magalhães Peixoto), São Paulo, Quartier Latim, 2004.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Fontes formais do Direito Tributário positivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 552, 10 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6129. Acesso em: 16 abr. 2024.

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