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A habilitação no procedimento dos juizados especiais cíveis após a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015

13/01/2019 às 14:00
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Uma interpretação literal da lei poderia levar à conclusão de que o procedimento da habilitação, com a entrada em vigor do CPC/15, não seria mais cabível em sede de juizado especial, devendo o processo sempre ser extinto sem resolução do mérito em caso de falecimento da parte. Não pode ter sido essa a intenção do legislador.

De acordo com as lições do ilustre Professor Rodolfo Kronemberg Hartmann¹, a habilitação é um procedimento especial de jurisdição contenciosa, adequado para regularizar um dos polos da relação jurídica processual, devido ao falecimento de uma das partes, o que após realizado caracterizará uma hipótese de sucessão processual. 

A redação do Art. 51, V, da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, estabelece que o processo deve ser julgado extinto sem resolução do mérito quando, falecido o autor, a habilitação depender de sentença ou não se der no prazo de trinta dias. In verbis:

Art. 51. Extingue-se o processo, além dos casos previstos em lei:

(...)

  V - quando, falecido o autor, a habilitação depender de sentença ou não se der no prazo de trinta dias;

O dispositivo legal citado permite concluir que, falecido o autor da ação proposta perante o Juizado Especial Cível o processo deve ser julgado extinto caso a habilitação dependa de sentença ou, não sendo este o caso, não seja providenciada pela parte interessada no prazo de 30 (trinta) dias.

Convém salientar que a redação do citado inciso V, do Art. 51, da Lei 9.099/95 está em consonância com o revogado Código de Processo Civil de 1973 (Lei 5.869/73), que dispunha em seu Art. 1.060 acerca das hipóteses em que a habilitação não dependia de sentença. Vejamos a redação do revogado dispositivo:

Art. 1.060. Proceder-se-á à habilitação nos autos da causa principal e independentemente de sentença quando:

I - promovida pelo cônjuge e herdeiros necessários, desde que provem por documento o óbito do falecido e a sua qualidade;

II - em outra causa, sentença passada em julgado houver atribuído ao habilitando a qualidade de herdeiro ou sucessor;

III - o herdeiro for incluído sem qualquer oposição no inventário;

IV - estiver declarada a ausência ou determinada a arrecadação da herança jacente;

V - oferecidos os artigos de habilitação, a parte reconhecer a procedência do pedido e não houver oposição de terceiros.

Nesta senda, de acordo com a Lei 9.099/95, falecendo o autor e inexistindo qualquer das hipóteses elencadas no revogado Art. 1.060, do CPC/73, ou, existindo qualquer daquelas hipóteses e não sendo a habilitação realizada no prazo de 30 dias, deve o processo ser julgado extinto sem resolução do mérito.

Todavia, com o advento da Lei 13.105 de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil) houve substancial alteração no procedimento da habilitação, conforme se verifica da leitura atenta dos Art. 687 a 692.

Pelo novo procedimento, não há mais hipótese de habilitação que independa de sentença. Com o falecimento de qualquer das partes, inicia-se o procedimento pelo interessado através de petição inicial que será juntada ao processo principal que, por sua vez, ficará suspenso a partir de então. Após o recebimento da inicial os requeridos serão citados para se manifestarem no prazo de 5 dias.

A redação do Art. 691, do CPC/15, estabelece que “o juiz decidirá o pedido de habilitação imediatamente, salvo se este for impugnado e houver necessidade de dilação probatória diversa da documental, caso em que determinará que o pedido seja autuado em apartado e disporá sobre a instrução”. Já o Art. 692, do CPC/15, dispõe que “transitada em julgado a sentença de habilitação, o processo principal retomará o seu curso, e cópia da sentença será juntada aos autos respectivos.”.

Destarte, como salientado linhas acima, o procedimento da habilitação de sucessores das partes, de acordo com o Novo Código de Processo Civil, necessariamente culminará em sentença.

Deste modo, uma interpretação exclusivamente literal do Art. 51, V, da Lei 9.099/95 poderia levar a conclusão de que o procedimento da habilitação, com a entrada em vigor do CPC/15, não seria mais cabível em sede de Juizado Especial Cível, devendo o processo sempre ser extinto sem resolução do mérito em caso de falecimento de qualquer das partes.

Todavia, obviamente não pode ter sido essa a intenção do legislador.

Não obstante, considerando que não houve alteração formal da Lei 9.099/95 em relação à habilitação após a entrada em vigor no Novo CPC, cabe ao intérprete adaptar o novo procedimento ao Juizado Especial sem, contudo, ofender aos princípios vetores elencados no Art. 2º, da Lei 9.099/95.

Como visto linhas acima, o procedimento previsto no Art. 687 a 692 do CPC estabelece que a habilitação será processada nos autos principais e instrumentalizada por uma petição inicial que, recebida pelo juiz, será após ordenada a citação dos requeridos para se manifestarem no prazo 5 dias. O Art. 691 do CPC/15 dispõe que o juiz decidirá imediatamente o pedido de habilitação, salvo se houver necessidade de dilação probatória diversa da documental, caso em que determinará que o pedido seja autuado em apartado e disporá sobre a instrução.

Nesta perspectiva, resta claro que, havendo necessidade de dilação probatória diversa da prova documental para que seja decidido o pedido de habilitação, o processo deverá ser julgado extinto sem resolução do mérito em razão da complexidade da instrução que se revela incompatível com os princípios que orientam o procedimento dos Juizados Especiais Cíveis. Especialmente o da celeridade.

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Sugere-se que, com a mudança do procedimento da habilitação após a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que passa a ser decidido por sentença em qualquer hipótese, o Art. 51, V, da Lei 9.099/95 seja interpretado em consonância com a Lei 13.105/15 sem, no entanto, desprezar os princípios que orientam os Juizados Especiais Cíveis.

Neste diapasão, a leitura a se fazer do Art. 51, V, da Lei 9.099/95 deve ser a de extinção do processo sem resolução do mérito se a habilitação não for requerida no prazo de 30 dias do falecimento da parte ou, sendo requerida tempestivamente, haja a necessidade de dilação probatória diversa da documental, cuja complexidade se revela incompatível com os princípios que regem os Juizados Especiais.


Bibliografia:

- Hartmann, Rodolfo Kronemberg. Curso completo do novo processo civil 4. ed – Niterói, RJ: Impetus, 2017.

- Chimenti, Ricardo Cunha. Teoria e prática dos juizados especiais cíveis estaduais e federais (Lei n. 9.099/95, parte geral e parte cível, comentada artigo por artigo em conjunto com a Lei dos Juizados Especiais Federais, Lei n. 10.259/2001) – 9. ed. Ver. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2007.

- Lei 9.099/95 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm)

- Lei 13.105/15 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm)

- Lei 5.869/73 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm)


Nota

[1] Hartmann, Rodolfo Kronemberg. Curso completo do novo processo civil 4. ed – Niterói, RJ: Impetus, 2017.  Pág. 442.

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Sobre o autor
Marcio Paz

Bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá; Pós Graduado em Direito Civil e Privado pelo Instituto A Vez do Mestre - AVM; Pós-Graduando em Direito Público e Privado pela EMERJ - Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro; Juiz Leigo em exercício no 1º Juizado Especial Cível da Comarca de Duque de Caxias/RJ; Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAZ, Marcio. A habilitação no procedimento dos juizados especiais cíveis após a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5674, 13 jan. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63325. Acesso em: 20 abr. 2024.

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