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O hedging e o contrato de hedge.

Mercados futuros

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01/05/2000 às 00:00
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I - Introdução:

Os mercados futuros e de opções tornaram-se extremamente importantes no mundo das finanças e dos investimentos, quer no mercado de ativos financeiros, quer de comodities (mercadorias), onde sofreram desenvolvimento acentuado, particularmente nas duas últimas décadas. A criação de novas Bolsas de Futuros, fizeram com que sua importância no cenário financeiro nacional crescesse.

O tema, é de relevância, contudo, ainda pouco desenvolvido em nível de estudos jurídicos e de investigação científica. É de se destacar que existem alguns casos judiciais, cujo pano de fundo é a responsabilidade das Bolsas de Futuros e de Mercadorias por prejuízos sofridos por investidores e intermediários financeiros em operações realizadas nos pregões por elas mantidos.

A contínua expansão dos mercados tem propiciado o aparecimento de técnicas e mecanismos operacionais que, no plano jurídico, se traduzem em novas figuras negociais. Empiricamente falando, o direito comercial parte da observação dos fatos econômicos que servirão de base para a extração dos princípios jurídicos. Nesse diapasão, a vivência dos problemas, vai ajustando essa praxis a novas formas de negócios, que se cristalizam em processos técnico-econômicos.

Com isso, após longas observações, depois de sofrerem a elaboração necessária à sua integração no sistema jurídico, surgem através de normas (1) que vão reger sua atuação, no plano do direito.

O objetivo de análise nesse trabalho será apenas o de identificar suas características essenciais, distinguindo o hedging de outros tipos de contrato em que haja semelhanças e/ou diferenças que serão apontadas. E, a sua natureza jurídica dentro dos mercados futuros.


II - Conceitos e Finalidades:

A possibilidade de perda econômica, é característica relevante do investimento de risco. De outro lado, este se materializa quando o investidor depende total ou parcialmente da ação ou inação daquele que, ao tomar o capital de risco, fez materializar de alguma forma o valor mobiliário (2). Assim, contrato de risco é o ponto de partida para eventual obtenção do lucro.

Existindo risco na obtenção ou não do lucro, os mercados futuros, de um modo geral, constituiram mecanismos de redução desses riscos (hedging) (3). A finalidade do hedge (4) é a de proteger alguém de eventuais perdas resultantes do aumento do valor de suas obrigações ou da redução do valor de seus bens (5).

Como hedging definem-se, as atividades que tem por objetivo econômico principal propiciar a redução, ou até mesmo a eliminação, de riscos de mercado, existindo várias situações em que se pode praticar o hedging.

É, em outras palavras, o ato de tomar posições equivalentes e opostas nos mercados a vista e a termo, na expectativa de que o resultado líquido impeça um prejuízo resultante de oscilações dos preços. A sua institucionalização, inicialmente, se deu nas Bolsas de Mercadorias, e mais recentemente, foi acolhido também pelas Bolsas de Futuro de ativos financeiros.


III - Características Essenciais:

Nas Bolsas de Mercadorias opera-se a concentração dos negócios sobre matérias-primas industriais e produtos alimentares (principalmente cereais), desempenhando papel de relevância as chamadas operações a termo, que como o nome indica, são concluídas para liquidação em certa data prefixada.

O maior volume das operações nas bolsas é constituído pelas operações a termo, tendo em vista seu caráter estritamente especulativo. Ou seja, as partes, ao concluí-las, consideram sempre uma diferença de preço entre o fechamento e a liquidação. Ademais, nas operações a termo, permite-se que ao invés da entrega efetiva das mercadorias, se proceda à chamada liquidação por diferença, mediante o pagamento da variação entre a cotação do registro do contrato e a do dia anterior ao da liquidação.

Essa, na verdade, é a grande distinção entre a venda a termo (6) e a venda pura e simples para entrega futura, visto que nesta última, os contratos só podem ser executados mediante a entrega física da mercadoria. A oscilação entre a data de fechamento e a da liquidação, enseja a probabilidade de perda concomitante à probabilidade de lucro.

O mecanismo de hedging é utilizado exatamente para cobrir os riscos assumidos pelos operadores do mercado a termo, de modo a estabilizar as possibilidades de ganho.


IV - Aspectos Jurídicos dos Mercados Futuros:

Faremos agora, uma análise de alguns aspectos jurídicos relacionados ao funcionamento dos mercados futuros de ativos financeiros e de comodities.

1. As Funções Econômicas dos Mercados Futuros:

Como a atividade de hedging consiste basicamente na proteção, ou melhor, na salvaguarda de uma determinada posição de risco, vejamos um exemplo, mencionado na Exposição de Motivos da Resolução 272 do Conselho Monetário Nacional (CMN), que constituiu a primeira norma regulamentar das atividades de hedging no Brasil: "um exportador adquire, na época de colheita, uma mercadoria que será posteriormente vendida, a preços que poderão variar. Para se prevenir contra possíveis prejuízos causados pela oscilação de preços, o exportador vende a futuro igual quantidade na bolsa de mercadorias, para o prazo em que pretende efetivar a venda física das mercadorias estocadas. Quando ocorrer a venda das mercadorias, caso os preços tenham baixado, o prejuízo que terá em seus estoques de mercadorias será compensado pela liquidação do seu contrato a futuro, vendido a um preço mais caro, o que lhe dará um lucro".

Assim, verifica-se do exemplo acima, que a atividade de hedging, que constitui o objeto básico das bolsas de futuros e mercadorias, permite uma cobertura contra os riscos de variação de preços.

Para se proteger contra o risco da variação de preços os agentes econômicos que atuam no mercado físico de determinada mercadoria assumem, no mercado futuro, uma posição igual e inversa àquela que mantêm no mercado à vista. Se os movimentos de preços são paralelos entre si, o ganho auferido em um mercado compensa a perda ocorrida em outro, permitindo assim aos agentes a manutenção de sua remuneração normal.

Ao participar de uma transação no mercado futuro, as partes estabelecem um preço certo para a negociação da mercadoria no futuro. Como o preço da mercadoria no futuro pode diferir do preço fixado pelas partes, existe nitidamente um processo de transferência de riscos no mercado.

Assim, por exemplo, o produtor de determinada mercadoria, ao vender o contrato futuro, transfere o risco das flutuações do preço para o comprador. Considera-se, nesse sentido, que os mercados futuros constituem basicamente mercados de risco de variação dos preços dos bens neles transacionados.

Existem, portanto, nos mercados futuros, dois grupos de participantes: os que querem transferir o risco e os que aceitam suportar o risco. Os primeiros, são normalmente aqueles que estão envolvidos, seja na produção, seja na comercialização, com as mercadorias objeto das negociações. São chamados de "hedgers".

Já os segundos, são chamados "especuladores" ou "capitalistas", que aceitam carregar os riscos que os hedgers desejam transferir, absorvendo as posições dos hedgers, sem estarem direta ou indiretamente envolvidos na atividade produtiva.

Existem alguns estudos de finanças (7), contudo, que consideram o hedger também um especulador, sendo certo que ele especula, porém, na "base", ou seja, na diferença entre o preço à vista e o preço futuro. Assim, entende-se que o hedger transfere ao especulador o risco de antecipar mudanças no preço absoluto, conservando para si o risco da variação da base.

2. Qualificação Jurídica dos Negócios a Futuro:

Ao analisar-se o contrato futuro, verifica-se, de plano, que a vontade é manifestada com a intenção clara de proteção contra a variação de preço ou de limitação desse risco. Pode-se dizer que o contrato a futuro constitui negócio jurídico de hedge, de proteção contra as flutuações de preço do bem objeto do contrato.

A intenção das partes não é simplesmente vender e comprar bens e ativos financeiros. Se assim o fosse, recorreriam ao contrato normal de compra e venda à vista. Por outro lado, tampouco possuem a intenção de vender ou comprar para pagamento futuro, com prazo e preços certos e determinados. Para isso, serviria plenamente o contrato a termo, que conferiria toda a certeza e segurança.

"O motivo que as leva a optar pelo contrato futuro é a finalidade protetora. Daí ser esta a tônica da manifestação de vontade" (8). A finalidade do contrato futuro, de proteção contra a variação de preços, segundo Nelson Eizirik (9), pode ser verificada em todas as modalidades de hedge, independentemente do bem objeto do contrato, que pode ser mercadoria, ativo financeiro, moeda, ações, e assim por diante.


V - A Mecânica das Operações a Termo:

Para a elucidação da mecânica das operações a termo, deve-se focalizar a estrutura fundamental do contrato de compra e venda, pelo qual o vendedor se obriga a transferir o domínio da coisa mediante o pagamento de um preço certo.

Primeiramente, há a conclusão ou o fechamento do contrato, que se aperfeiçoa no momento em que comprador e vendedor acordam sobre a coisa e o preço. Nesse momento, presente portanto, a manifestação de vontade (10).

Posteriormente, há a execução ou liquidação, que nas vendas a termo é diferida para época futura e determinada, verificando-se o cumprimento concomitante das obrigações do vendedor e do comprador.

As vendas a termo podem acarretar tanto para o comprador como para o vendedor, grandes lucros ou vultosos prejuízos, de acordo com a alta ou baixa dos preços dos produtos negociados (11).

Deve-se notar que a relevância dessa técnica operacional, se percebe como no exemplo da Bolsa de Chicago, em que apenas um por cento dos contratos futuros liquidam-se mediante a entrega física da mercadoria, sendo que os noventa e nove por cento restantes dos contratos são compensados, antes do seu vencimento, com a assunção, pelos vendedores e compradores, de posições inversas (de recompra ou revenda, respectivamente).


VI - A Licitude das Operações a termo:

Aspecto interessante das operações a termo, diz respeito à sua licitude, em face do preceito do artigo 1.479 do Diploma Civil Brasileiro, que estabelece o seguinte:

"São equiparados ao jogo, submetendo-se, como tais, ao disposto nos artigos antecedentes, os contratos sobre títulos de bolsa, mercadorias ou valores, em que se estipule a liquidação exclusivamente pela diferença entre o preço ajustado e a cotação que eles tiverem, no vencimento do ajuste"

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Referido dispositivo legal, equipara ao jogo os contratos sobre títulos, mercadorias ou valores, em que se estipule a liquidação, exclusivamente, entre o preço ajustado e a cotação (12) no dia do vencimento, denominando-o contrato diferencial.

O jogo e aposta, no sistema do Código Civil, são subordinados, quanto aos efeitos legais, aos mesmos princípios jurídicos. A característica básica de tais figuras reside no fato de serem ajustes eminentemente aleatórios. Com efeito, tanto no jogo, como na aposta, a incerteza total do acontecimento constitui a própria razão de ser de sua estipulação. Por definição, então, em tais estipulações a "álea" é absoluta.

Conforme o Código Civil, o contrato diferencial é equiparado ao jogo, sendo portanto considerado como aquele ajuste pelo qual duas ou mais pessoas se obrigam a pagar certa soma àquela que resulte vencedora, nos termos das regras estabelecidas pelos contratantes, ou por terceiros, e por eles aceitas.

Ao equiparar o contrato diferencial ao jogo, considera-se, no sistema do Código Civil, que tal contrato constitui negócio meramente fictício, uma vez que não haveria, por parte do vendedor, vontade de alienar, nem por parte do comprador, vontade de comprar. Tratar-se-ia, então de ajuste pelo qual as partes teriam em mira apenas ganhar a diferença entre o preço ajustado por ocasião da celebração do contrato e aquele verificado quando de seu vencimento.

A equiparação dos contratos diferenciais ao jogo sempre foi alvo de severas críticas por parte da doutrina dominante, tendo em vista que a matéria pertence ao âmbito do direito comercial e não do direito civil. Nesse sentido sempre se considerou que o Código Civil dela não deveria tratar.

Ademais, já J. X. Carvalho de Mendonça, acentuava que, nos contratos a termo, operariam tais ajustes uma espécie de seguro contra flutuações eventuais das cotações, exercendo, na realidade, um efeito econômico de estabilização de riscos, o oposto, portanto, dos efeitos do jogo. Conforme ressaltava, não configurariam os contratos a termo ajustes caracterizados pela "álea" total, uma vez que dominados por circunstâncias de fato, plenamente perceptíveis pelos homens experientes na prática dos negócios bursáteis (13).

A equiparação dos contratos diferenciais ao jogo, conforme refere a doutrina, caracteriza uma disciplina legal inteiramente divorciada da realidade econômica. Na verdade, essa equiparação constitui atualmente, um anacronismo; com efeito, o jogo é algo que depende inteiramente do puro acaso, ou da ignorância dos participantes quanto ao resultado. No jogo ou na aposta, a "álea" é absoluta, constituindo a sorte o móvel único do negócio.

No mesmo sentido, a possibilidade das operações a termo poderem ser liquidadas por diferença, ensejou a questão do seu enquadramento, ou não, no chamado contrato diferencial, onde não se tem em vista a entrega efetiva da mercadoria ou do título, que constitui o objeto normal do negócio a termo.

A doutrina, em sua maioria, corrobora-se à idéia de Waldemar Ferreira, que entende que a liquidação por diferença, que se verifica nas operações de Bolsa, não se enquadra no contrato diferencial, posto que naquelas o contrato é concluído já com os valores fixados, permitindo-se tão-somente a liquidação pela diferença das cotações na época da própria liquidação.

Referido autor vai além, "subentende-se, de resto, nas operações a termo, a cláusula de resolver-se o contrato com o pagamento da diferença. Disso lhe advém, correntemente, a denominação de operações diferenciais: são com Grunhut os definiu, contratos de compra e venda, com pacto adjeto de recompra e de revenda, mediante compensação preestabelecida, até que reste diferença a atribuir-se ao comprador ou ao vendedor. São, em última análise, contratos de compra e venda a termo, resolúveis com o pagamento da diferença, a despeito de os conceituarem muitos como contratos tendo por objetivo unicamente o pagamento das diferenças oriundas das oscilações dos preços dos valores e das mercadorias negociadas na Bolsa." (14)

Ademais, tais operações são reconhecidas como legítimas pela regulamentação vigente e submetidas à fiscalização do Banco Central do Brasil e da Comissão de Valores Mobiliários (15). E, ainda, o Conselho Monetário Nacional, através da Resolução 2012/93, consolidou e ampliou "as modalidades de proteção contra o risco de variações, no mercado internacional, de taxas de juros, paridade entre moedas e preço de mercadorias". Através deste ato, ficou delegada a competência para o Banco Central do Brasil normatizar estas operações. De fato, tal instituição, com a Circular 2348/93, disciplinou a matéria.

Na operação de hedging, o móvel é exatamente o de eliminar a "álea"; o que as partes pretendem é minimizar os riscos, conferindo maior garantia e certeza às suas atividades econômicas.

O contrato de hedging tem um causa lícita, constituindo um instrumento jurídico correspondente as legítimas necessidades econômicas das partes. Não é possível, portanto, equipará-lo ao jogo ou à aposta, posto que seu objeto é exatamente o oposto daquele visado pelos jogadores, qual seja, a redução de riscos decorrentes da variação de preços.

Assim, o fato de ser o contrato de hedging liquidado por diferença não o torna inválido ou inexequível judicialmente, uma vez que o artigo 1.479 do Código Civil, está de fato, segundo a maioria dos doutrinadores, derrogado pelos usos comerciais, ainda que tal dispositivo fosse considerado plenamente eficaz, não poderia ser aplicado ao contrato de hedging, cuja causa é a de reduzir riscos e incertezas.


VII - Natureza jurídica Contratual:

Quanto à natureza jurídica do contrato em si, deve-se destacar o ensinamento do Professor Oscar Barreto Filho, sobre o assunto: "o hedging, em si mesmo, não constitui figura diferenciada do contrato típico ou atípico, dotado de elementos originais e característicos. Por outro lado, a operação de hedging também não resulta da fusão de prestações ou elementos próprios de diferentes contratos, de modo a figurar-se como contrato misto (como por exemplo o leasing, o factoring, ou o franchising)".

Uma vez que a finalidade do hedging é a cobertura contra riscos inerentes às operações de venda e compra com execução diferida, não se caracteriza pela unidade formal de dado esquema negocial. Ao contrário, a função econômico-social específica do hedging perfaz-se mediante a justaposição de dois contratos de compra e venda a termo, de objeto equivalente, porém nos quais a mesma parte assume posições contrapostas, ora de vendedor, ora de comprador, de maneira a compensar os respectivos riscos de variação dos preços.

Na hipótese em questão, não há nem mesmo o mecanismo da coligação de contratos, porquanto não há sequer a união instrumental nem a interdependência jurídica entre os contratos, que são normalmente celebrados pelo interessado com pessoas diferentes.

O que existe no hedging, é mera interdependência factual, de natureza econômica, entre contratos equivalentes e opostos, concluídos com pessoas diversas e que visem a compensar os seus efeitos reciprocamente. Os dois contratos, segundo o referido professor (16), são completos e autônomos, e independem um do outro para a sua existência e validade intrínsecas.

E ainda, "trata-se, afinal de pluralidade de contratos individualizados, cuja interdependência existe meramente em função de um fator econômico que lhes é externo, qual seja a cobertura de riscos decorrentes da variação de preços. Não se pode, portanto, falar de um contrato unitário de hedging, porém de uma figura extracontratual, que se define como uma operação econômica complexa, envolvendo dois contratos completos de venda a termo." (17)

Portanto, diante do exposto com relação à natureza jurídica do hedging nos mercados futuros, a conclusão a que chega o referido professor, é a de que não se trata de um contrato, no sentido constitutivo, mas sim uma operação econômica complexa, envolvendo dois contratos completos e juridicamente independentes de compra a termo.

Nesse sentido, para se ter um posicionamento mais sólido quanto a questão, deve-se destacar a distinção entre os contratos atípicos; os contratos coligados e a coligação dos mesmos; bem como as relações contratuais fáticas, para chegar-se à causa deste negócio jurídico (que também será objeto de análise) e respectivas conclusões.

1. Dos Contratos Atípicos:

Os contratos que com base na autonomia privada, são livremente concebidos pelas partes, são chamados de inominados ou atípicos. Distintos, portanto, dos contratos que têm seus requisitos intrínsecos específicos, devidamente disciplinados pela lei (ditos, por isso, nominados ou típicos).

A denominação de contratos atípicos é mais apropriada, uma vez que essa classificação refere-se ao fato de a lei não ter consagrado o seu tipo. Hodiernamente, o número desses contratos cresce de forma acentuada, tendo em vista a necessidade de se encontrarem, nas relações econômicas, fórmulas apropriadas para a efetivação de negócios de todos os tipos, por meio de esquemas contratuais.

Os contratos atípicos são constituídos por elementos originais (18) ou resultantes da fusão de elementos característicos de outros contratos, que resultam por conseqüência, em certas combinações (19), em que se ressaltam os contratos chamados mistos, que aliam a tipicidade à atipicidade, ou seja, conjugam e mesclam elementos de contratos típicos, com elementos de contratos atípicos.

Do ponto de vista legal, embora não haja expressa previsão no ordenamento pátrio (ao contrário do que ocorre com o direito italiano, por exemplo) mesmo assim, como os contratos não são numerus clausus, aplicam-se aos contratos atípicos as regras destinadas aos contratos em geral e, especificamente, as regras disciplinadoras dos tipos legais, que correspondem à prestação principal.

2. Contratos Coligados e a Coligação dos Contratos:

Os contrato mistos não devem ser confundidos com os chamados contratos coligados, embora, o seu mecanismo se pareça. A coligação dos contratos, que pode ser necessária (legal) ou voluntária, não acarreta a perda da individualidade dos contratos, ao contrário do misto.

Na coligação os contratos são de per se autônomos, mas se ajustam, se unem, em relação de união com dependência, de união alternativa ou união meramente exterior. Sem que haja interdependência entre os contratos, as partes os reúnem no mesmo instrumento, concluindo-os simultaneamente. Nesse caso, não há propriamente coligação de contratos, pois não se completam nem se excluem.

A união com dependência é a figura que mais se aproxima do contrato misto. Os contratos coligados são queridos pelas partes contratantes como um todo. Um depende do outro de tal modo que cada qual, isoladamente, seria desinteressante. Mas não se fundem. Conservam a individualidade própria. Por isso se distinguem dos contratos mistos. A dependência pode ser recíproca ou não.

A união dos contratos configura-se, finalmente, sob forma alternativa. Dois contratos são previstos para que subsista um ou outro, realizada determinada condição. Um contrato exclui outro, quando a condição se verifica. Embora unidos, não se completam, como na união com dependência.

Em qualquer das suas formas, a coligação de contratos não enseja as dificuldades que os contratos mistos provocam quanto ao direito aplicável, porque os contratos coligados não perdem a individualidade, aplicando-se-lhes o conjunto de regras próprias do tipo a que se ajustam. Na união formal ou instrumental, sem qualquer dificuldade, porque não há interdependência. Nos contratos interdependentes, o condicionamento de um outro não constitui obstáculo à aplicação das regras peculiares a cada qual. Na união alternativa, aplica-se o direito relativo ao contrato subsistente.

3. Das Relações Contratuais Fáticas:

Merece destaque a chamada teoria das relações contratuais fáticas, que encarta uma série de obrigações, não decorrentes de um contrato firmado nos moldes tradicionais, mas sim, por mera conduta das partes. Savatier (20) analisa o "éclatement du contrat". São casos em que as obrigações nascem igualmente como provenientes de um contrato, mas não adviriam de uma vontade de contratar, e sim de alguns fatos aos quais os ordenamentos jurídicos atribuem efeitos.

A semelhança com um contrato levou a doutrina a uma inovação terminológica, reconhecendo-o como "quase negócio". E, inobstante as críticas, como a que afirma que, se são relações de fato, não podem ser relações contratuais, chegou-se mesmo a concluir pela necessidade de se abandonar a figura do negócio jurídico e do "contrato de responsabilidade" ou relações contratuais sociais ou contratos sociais, cujo exagero parece evidente.

Federico Castro y Bravo (21), quando se viu diante da questão, assinala que essa teoria entende ser tais situações de fato abaladoras da autonomia privada. Como no exemplo do viajante que embarca num trem e paga a passagem. Onde estão as declarações do viajante e da companhia? Não houve oferta nem aceitação nem consentimento sobre as condições.

Diante disso, referido jurista, conclui que existem certos fatos dos quais surge uma relação obrigatória, como em geral acontece com os contratos em massa. Entretanto, o que se fez foi partir de uma concepção muito estreita da declaração de vontade. Embora nem o viajante nem a companhia tenham trocado qualquer palavra, não se pode negar que a conduta é tão expressiva como se tivesse utilizado a forma da stipulatio. A conduta conclusiva é conhecida há muito na doutrina mundial, como no exemplo daquele que tomava um copo de vinho na taberna e repetia, dizendo "outro", ou fazendo um sinal com a mão, celebrava, portanto, sem maiores formalidades um contrato, da mesma forma que o passageiro no trem.

A massificação e a pressa aumentam o número de tais negócios, mas não alteraram o seu significado de negócio jurídico. Na apreciação crítica desta teoria, entende o autor que ela prestou excelentes serviços à ciência jurídica, por chamar a atenção para certas situações indevidamente descuidadas e ainda por ter demonstrado, a estreiteza do conceito de negócio jurídico comumente admitido; em contrapartida, motivou uma série de exageros e conclusões inexatas. Deve-se observar a propósito dessa teoria, que ela enfoca exclusivamente as obrigações que pesam sobre o usuário nos chamados serviços vitais ou de primeira necessidade e que esquece, o que não se pode fazer, que o empresário realiza atos significativos de oferta, embora não faça uma declaração expressa e concreta.

Portanto, para Castro y Bravo, a difusão dessa teoria das relações contratuais fáticas deveu-se à intenção de ressalvá-las das causas de impugnação dos negócios jurídicos, o que não se justifica, posto, por exemplo, que o menor que compra uma passagem de trem é verdade que não pode invocar sua menoridade para reclamar a devolução do preço do bilhete, mas isso se deve, à figura da autorização tácita, da responsabilidade dos seus responsáveis, e da responsabilidade por aproveitamento ou enriquecimento. E conclui, primeiramente, que a solução dos casos reunidos sob a denominação comum de relações contratuais fáticas, não exige o abandono da teoria tradicional da autonomia privada, embora, isto sim, tenha alcançado a primeiro plano os defeitos de certas teorias sobre o negócio jurídico, correntemente aceitas.

Posteriormente, a pretensa justificativa, das frases altissonantes, para se abandonar a teoria dos negócios jurídicos, como "caráter dinâmico da função social das relações sociais negociais" e de "transformação do Direito, que passa de individualista a social e comunicativo", resultam em justificar a desconsideração do usuário em favor das empresas (particulares ou públicas), e isto, sem uma justificação verdadeira.

A segurança do comércio, o bem-estar dos grandes profissionais, o florescimento das empresas, e mesmo sua prepotência, não ficarão em perigo se se atender à capacidade e à vontade dos que utilizam seus serviços. O princípio da igualdade perante a lei exige que, ao menos, deixe-se ao indivíduo certa margem para impugnar preços, horários e condições unilateralmente fixados e impostos.

Pode-se, outrossim, em relação à questão, aduzir que a tendência moderna nos contratos em massa é a de não falar, durante a formação e mesmo na execução, como ocorre nas operações do pregão da bolsa e nos leilões, onde os gestos característicos, determinam a aceitação.

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Sobre o autor
Ecio Perin Junior

Head of the Business Reorganization Team; Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar, Advogados e Consultores Legais; Doutor e Mestre em Direito Comercial pela PUC/SP; Especialista em Direito Empresarial pela Università degli Studi di Bologna; Presidente e sócio fundador do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial – IBRADEMP; Membro Efetivo da Comissão de Fiscalização e Defesa do Exercício da Advocacia da OAB/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PERIN JUNIOR, Ecio. O hedging e o contrato de hedge.: Mercados futuros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 41, 1 mai. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/635. Acesso em: 24 abr. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada em curso de pós-graduação "stricto sensu" da PUC/SP, sob orientação do Prof. Dr. Fernando Albino de Oliveira, na matéria "Disciplina Jurídica do Mercado Financeiro e de Capitais".

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