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O dano social como expressão da constitucionalização da responsabilidade civil

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O dano social constitui avanço no tema de responsabilidade civil, uma vez que a nova modalidade está em consonância com a constitucionalização do direito civil e, sobretudo, com o maior postulado do ordenamento jurídico, a dignidade da pessoa humana.

 

 

 

Resumo: Este estudo apresenta de forma teórica e jurisprudencial as questões atinentes ao dano social advindo da constitucionalização do instituto da responsabilidade civil. Primeiramente, aponta os aspectos pertinentes à responsabilidade civil de forma global, seu conceito, elementos, espécies e excludentes. Após, e de forma simplificada, trata acerca do dano como pressuposto indispensável à configuração do dever de indenizar, ressaltando suas classificações doutrinárias. Adiante, estuda de forma aprofundada os aspectos relacionados ao dano social na atual quadra doutrinária e jurisprudencial. Ao final, conclui que a jurisprudência pátria tem admitindo o dano social como forma de reparar a sociedade como um todo, em virtude de um rebaixamento social evidente.

 

Palavras-chave: Constitucionalização; Responsabilidade Civil; Danos Sociais.

 


1. Introdução

O presente trabalho pretende analisar o dano social dentro do contexto da constitucionalização da responsabilidade civil, realizando o esmiuçamento do referido instituto e apontando suas tendências hodiernas.

A análise aqui proposta será de cunho doutrinário e jurisprudencial e abordará os principais aspectos e repercussões existentes acerca do tema.

A responsabilidade civil pode ser entendida como a atribuição a alguém do dever de arcar com os prejuízos causados a outrem por ato seu ou de terceiro sob sua responsabilidade.

Em um primeiro momento, a responsabilidade civil cuidava apenas dos danos tradicionalmente conhecidos, quais sejam, o dano material, incluindo-se nele os lucros cessantes e danos emergentes e o dano moral.

Contudo, com a constitucionalização do direito civil, em especial, da responsabilidade civil, houve um alargamento quanto às espécies de danos indenizáveis, o que culminou na eclosão de novos danos, tal como o dano social.

Por ser modalidade surgente, o dano social ainda apresenta pouca repercussão no cenário doutrinário e jurisprudencial atual, daí a importância de se estudar o tema, avaliando suas possibilidades de incidência.

A fim de perquirir acerca do instituto, este trabalho, no primeiro capítulo, fará uma breve análise da responsabilidade civil, seus elementos, pressupostos, espécies e causas excludentes.

O segundo capítulo, por sua vez, terá por objeto a análise, sintética, do dano indenizável como um dos pressupostos indispensáveis à responsabilidade civil. Neste ponto, serão estudadas as principais espécies de danos, sua configuração e quantificação.

Por fim, o terceiro e último capítulo apresentará o tema fulcral deste trabalho, vez que apreciará as principais implicações e questionamentos existentes na doutrina acerca do novel instituto do dano social, bem como outros apontamentos de cunho teórico e jurisprudencial.

 


2. Da Responsabilidade Civil e seus pressupostos

Antes de abordar o tema central deste trabalho, mister discorrer, ainda que de maneira sucinta, acerca da responsabilidade civil e seus requisitos configuradores.

 

2.1 Conceito

O Código Civil Brasileiro trata da responsabilidade civil, dentre outros dispositivos, no artigo 186 in verbis: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. (BRASIL, 2002).

Pela análise do mencionado dispositivo legal, percebe-se que o instituto da responsabilidade civil traduz a ideia de reparação de um dano, isto é, todo dano causado a outrem deverá ser indenizado ou compensado, desde que respeitados os requisitos legais para tanto.

A professora Maria Helena Diniz define responsabilidade civil da seguinte forma:

Aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal. (DINIZ, 2007, p.34).

Pode-se afirmar, pois, que a responsabilidade civil tem como principal escopo regular as relações jurídicas quando da existência de um dano e, por conseguinte, do dever de indenizar.

Acerca do tema, importante a consideração feita por Carlos Roberto Gonçalves:

O instituto da responsabilidade civil é parte integrante do direito obrigacional, pois a principal consequência da prática de um ato ilícito é a obrigação que acarreta, para o seu autor, de reparar o dano, obrigação esta de natureza pessoal, que se resolve em perdas e danos. (GONÇALVES, 2012, p.22).

 

É preciso, em arremate, pontuar a diferença existente entre o instituto das Obrigações e o da Responsabilidade civil, como ensina Pablo de Saulo Saul Santos: “A obrigação é sempre um dever jurídico originário; responsabilidade é um dever jurídico sucessivo consequente à violação do primeiro”. (SANTOS, 2012, p. 02).

Assim, tem-se que a responsabilidade civil e um dever jurídico decorrente da violação de outro originário e objetiva, sobretudo, reparar o dano resultante de uma conduta humana.

 

2.2 Dos elementos da responsabilidade civil ou pressupostos do dever de indenizar

Pela simples leitura do art. 186 do CC, percebe-se que são quatro os elementos da responsabilidade civil, os quais serão rapidamente apreciados.

 

2.2.1. Conduta humana

O primeiro elemento da responsabilidade civil é a conduta humana que pode ser entendida como o ato praticado por uma pessoa por meio de ação ou omissão, de forma voluntária, pelo próprio agente ou por terceiro sob sua responsabilidade, capaz de gerar dano ou prejuízo indenizável a outrem.

Atente-se que a referida conduta pode ser de autoria do próprio agente causador do dano ou de terceiro que esteja sob sua responsabilidade:

 

(…) anote-se que além de responder por ato próprio, o que acaba sendo a regra da responsabilidade civil, a pessoa pode responder por ato de terceiro, como nos casos previstos no art. 932 do CC. Pode ainda responder por fato de animal (art. 936 do CC), por fato de uma coisa inanimada (arts. 937 e 938 do CC) ou mesmo por um produto colocado no mercado de consumo (arts. 12, 13, 14, 18 e 19 da Lei 8.078/1990). (TARTUCE, 2016, p.505).

 

Acerca da conduta humana, importa discorrer acerca do caráter lícito ou ilícito que ela pode assumir, uma vez que pode se basear na ideia de culpa, quando for subjetiva, exigindo, nestes moldes, a ilicitude; ou na ideia de risco, quando configura-se objetiva, em que o dever de reparar fundamenta-se no risco propriamente dito. É o que ensina Gagliano e Pamplona Filho:

 

Sem que ignorarmos que a antijuridicidade, como regra geral, acompanha a ação humana desencadeadora da responsabilidade, entendemos que a imposição do dever de indenizar poderá existir mesmo quando o sujeito atua licitamente. Em outras palavras: poderá haver responsabilidade civil sem necessariamente haver antijuridicidade, ainda que excepcionalmente, por força de norma legal. (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2009, p.31)

 

Desta forma, mesmo lícita, a conduta humana pode ser passível de gerar o dever de indenizar.

 

2.3.2. Culpa ou dolo do agente

A culpa em sentido amplo, isto é, a culpa estrita (stricto sensu) e o dolo, se refere tão somente à responsabilidade civil em sua espécie subjetiva, sendo imprescindível a esta teoria.

Desta feita, quando se perquire de responsabilidade civil subjetiva, mostra-se fundamental verificar se o agente promotor do evento lesivo agiu de forma deliberada, por dolo, isto é, tendo consciência na vontade de violar o direito; ou o fez mediante falta de diligência, ou seja, por culpa (negligência, imperícia, imprudência)2.

Sérgio Cavalieri Filho (2008, p. 59) conceitua culpa como “conduta voluntária contrária ao dever de cuidado imposto pelo Direito, com a produção de um evento danoso involuntário, porém previsto ou previsível.”. Segundo o professor, são elementos caracterizadores da culpa: a) a conduta voluntária com resultado involuntário; b) a previsão ou previsibilidade; e c) a falta de cuidado, cautela, diligência e atenção. Neste sentido, Cavalieri ensina que “em suma, enquanto no dolo o agente quer a conduta e o resultado, a causa e a consequência, na culpa a vontade não vai além da ação ou omissão. O agente quer a conduta, não, porém, o resultado; quer a causa, mas não quer o efeito” (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 59).

Anote-se que, de acordo com o Flávio Tartuce (2016, p. 507), a culpa pode ser classificada quanto à origem, à atuação do agente, ao critério de análise pelo aplicador do direito, à sua presunção e quanto ao grau. No entanto, as referidas classificações não serão destrinchadas neste trabalho por se desviarem de seu tema fulcral.

 

2.2.3. Nexo Causal

A obrigação de indenizar está condicionada à configuração de um liame entre a conduta e o dano indenizável, isto é, o nexo de causalidade. Este pode ser definido como a verificação de causa e efeito entre a conduta humana voluntária e o dano constatado.

De acordo com Tartuce (2016, p. 513), o nexo causal “constitui o elemento imaterial ou virtual da responsabilidade civil, constituindo a relação de causa e efeito entre a conduta culposa – ou o risco criado -, e o dano suportado por alguém”.

Com efeito, para surgir o dever de indenizar, imprescindível identificar se a conduta praticada foi realmente a causadora do evento lesivo, a partir de indagações acerca da noção de causa, o que, consoante Miguel Maria Serpa Lopes, não é tarefa fácil:

 

Uma das condições essenciais à responsabilidade civil é a presença de um nexo causal entre o fato ilícito e o dano por ele produzido. É uma noção aparentemente fácil e limpa de dificuldade. Mas se trata de mera aparência, porquanto a noção de causa é uma noção que se reveste de um aspecto profundamente filosófico, além das dificuldades de ordem prática, quando os elementos causais, os fatores de produção de um prejuízo, se multiplicam no tempo e no espaço. (LOPES, apud GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2009, p.127)

 

Deveras, a responsabilidade civil, ainda que na modalidade objetiva, exige, para sua configuração, a existência do nexo de causalidade entre o dano e conduta do agente, notadamente porque, uma vez ausente esta relação de causalidade, não haverá dever de indenizar. Neste sentido:

 

Na responsabilidade subjetiva o nexo de causalidade é formado pela culpa genérica ou lato sensu, que inclui dolo e a culpa estrita (art. 186 do CC). Na responsabilidade objetiva o nexo de causalidade é formado pela conduta, cumulada com a previsão legal de responsabilidade sem culpa ou pela atividade de risco (art. 927, parágrafo único, do CC). (TARTUCE, 2016, p. 514).

 

Como cediço, existem situações que excluem o nexo de causalidade, afastando, pois, o dever de indenizar. Tratam-se das excludentes de responsabilidade civil, as quais serão pontuadas adiante.

I) Estado de necessidade: previsto no art. 188, II do CCB, o estado de necessidade pode ser entendido como a violação do direito de alguém com o intuito de afastar o perigo atual ou iminente, em caso de extrema necessidade, observados os limites indispensáveis para a cessação do perigo. Não se olvide que, se o terceiro atingido não for o causador da situação ensejadora do estado de necessidade, poderá exigir indenização do agente causador do dano, ainda que este tenha agido em estado de necessidade. Neste caso, o agente poderá ajuizar ação de regresso contra o verdadeiro culpado. (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2009, p.103)

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II) Legítima Defesa (art. 188, I, primeira parte do CC): ocorre quando alguém causa um dano por revidar de forma imediata, uma agressão atual ou iminente e injusta a um direito seu ou de terceiro, com o uso moderado dos meios para tanto. Neste caso não há que se falar em dever de indenizar a vítima. De acordo com Rui Stoco (1998, p. 75), o presente instituto se diferencia do estado de necessidade, na medida em que existe agressão direcionada à pessoa ou a seus bens. Lado outro, no estado de necessidade, não há, em verdade, uma agressão, mas um perigo de dano iminente a uma coisa3.

III) Exercício regular do direito e estrito cumprimento do dever legal: não haverá o dever de indenizar quando o agente gerar o dano no exercício regular de um direito ou, ainda, no cumprimento do dever que lhe foi imposto por lei (art. 188, I segunda parte do CC). Nesse cenário, Maria Helena Diniz afirma que “se alguém no uso normal de seu direito lesar outrem não terá qualquer responsabilidade pelo dano, por não ser um procedimento ilícito. Só haverá ilicitude se houver abuso do direito ou exercício irregular ou anormal” (DINIZ, 2007, p.105). Destaque-se que tal excludente não se aplicará caso o agente causador do dano exceda os limites razoáveis do exercício de seu direito, isto é, pratique abuso de direito (art. 187 CCB).

IV) Caso fortuito ou força maior: previsto no art. 1.058, parágrafo único, do CC, caracteriza-se pelo acontecimento de fatos imprevisíveis ou inevitáveis alheios à vontade do agente.

V) Fato de terceiro: quando o dano não for causado pela vítima, nem pelo agente, tem-se o fato de terceiro que se consubstancia na responsabilização de alguém alheio à relação entre a vítima e o agente causador do dano. É preciso destacar que a responsabilidade por fato de terceiro deverá ser devidamente comprovada, isto é, o acusado deve demonstrar que o dano resultou de um ato de terceira pessoa.

VI) Culpa exclusiva da vítima: a culpa da vítima é outra excludente de responsabilidade civil e pode ser dividida em exclusiva, quando a vítima exclui toda a responsabilidade do causador do dano e tem que assumir os prejuízos causados; e concorrente quando a vítima e o agente são corresponsáveis pelo dano causado, o que poderá ensejar a compensação das culpas ou a divisão proporcional do prejuízo. Assim, só haverá exclusão do nexo causal quando a culpa for exclusiva da vítima, sendo certo que nos casos de concorrência de culpas ou causas, a indenização será minorada mais ainda sim persistirá (art. 945, CC).

VII) Cláusula de não indenizar: a cláusula de não indenizar, adstrita à responsabilidade contratual, consiste na inserção de uma cláusula no contrato pela qual uma das partes declara, com anuência das outras, que não se responsabilizará por eventuais prejuízos decorrentes da obrigação. Sílvio Sálvio Venosa elenca como requisitos básicos da cláusula de não indenizar, a bilateralidade do consentimento e não-colisão com preceito cogente de lei, ordem pública e bons costumes. Afirma, ainda, que referida cláusula não pode ser inserida nos contratos de adesão e nos consumeristas (VENOSA, 2004, p. 52).

Por se relacionar ao tema central deste trabalho, o último pressuposto indispensável à configuração da responsabilidade civil será analisado na próxima seção, em separado.

 

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Sobre a autora
Bárbara Christina Guimarães Costa

Pós-Graduada em Responsabilidade Civil e Direito do Consumidor pela Universidade Estácio de Sá. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Assessora de Juiz de Direito pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. e-mail: [email protected].

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Bárbara Christina Guimarães. O dano social como expressão da constitucionalização da responsabilidade civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5384, 29 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64221. Acesso em: 16 abr. 2024.

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