Capa da publicação General Augusto Heleno e algumas verdades que o povo brasileiro precisa ouvir
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General Augusto Heleno disse meias verdades, mas necessárias

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O patriotismo que se invoca no Brasil, por algumas comunidades, é vazio de sentido. Apenas defende conceitos utilitaristas anteriores à proclamação da Constituição de 1988.

Ontem (05/03/2018), o general Augusto Heleno, ex-comandante das tropas da ONU no Haiti, foi entrevistado pelos jornalistas Fernando Mitre, Eduardo Oinegue e Julia Duailibi.

Como dizia Rui Barbosa:

"A Pátria não é ninguém, são todos; e cada qual tem no seio dela o mesmo direito à ideia, à palavra, à associação. A Pátria não é um sistema, nem um monopólio, nem uma forma de governo: é o céu, o solo, o povo, a tradição, a consciência, o lar, o berço dos filhos e o túmulo dos antepassados, a comunhão da lei, da língua e da liberdade. Os que a servem são os que não invejam, os que não conspiram, o que não sublevam, os que não desalentam, os que não emudecem, os que não se acobardam, mas resistem, mas ensinam, mas se esforçam, mas pacificam, mas discutem, mas praticam a justiça, a admiração, o entusiasmo. Porque todos os sentimentos grandes são benignos e residem originariamente no amor." (ÁVILA, Fernando Basto de, s.j, 1918 - Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. 3ª ed. rev., e atual. Rio de Janeiro, FENAME, 1978)

Se formos abordar "tradição", por exemplo, muito negro ainda será chicoteado nas costas, as mulheres ainda serão consideradas como "costela de Adão", e o feminismo vai para o bueiro de alguma rua, os LGBTs, pior ainda, serão excomungados, os abusos de autoridades serão diuturnos e defendidos pelo manto protetor do "desacato". Enfim, tudo que diz respeito aos Direitos Humano será queimado em praça pública, assim como defensores destes Direitos.

O que é patriotismo? É o sentimento de amor à Pátria. Ser patriota, então, é:

  • Não visa à vantagem pessoal — quantos brasileiros, desde 1891, não visão a vantagens pessoais?
  • Sacrifício pessoal pela manutenção da Pátria — quantos brasileiros se "sacrificam" quando há plano de governo para controlar os preços, mas os "patriotas" resolvem praticar ágio?
  • Amá-la, mesmo diante da realidade que se apresenta — amar significa se esforçar, mesmo diante do caos, por uma Pátria equânime para todos os brasileiros, indiferentemente, de etnia, crença, sexualidade etc.
  • É agir pelos deveres cívicos — quantos brasileiros agem de forma a engrandecer sua Pátria? Quantos brasileiros agem respeitando as leis? Quantos brasileiros, por exemplo, não furtam energia elétrica, não falsificam carteira de estudante, não fraudam o processo de habilitação de trânsito terrestre, os concursos públicos?
  • Ter solidariedade pelos compatriotas — Os heterossexuais têm solidariedade pelos LGBTs? Os moradores de prédios e casas são solidários com os moradores de rua? Os cidadãos "normais" são solidários às pessoas com necessidades especiais?
  • Continuidade histórica, como perpetuação dos valores culturais herdados dos antepassados. Devem, assim, ser conservados, transmitidos de pai para filho.

Quanto ao último item, "Chicote no lombo ou negro obediente", "Servo obediente ou inimigo do Estado", "grandes investimentos, grandes maracutaias", "Costela de Adão ou Fogueira Santa", "Ponta de baioneta ou patriotismo às cegas", todos são válidos para o engrandecimento do Brasil?

E quantos aos bravos soldados que lutaram na Segunda Guerra Mundial? Ao retornarem ao "Brasil Patriota", quantos ficaram esperando, após as calorosas saudações aos expedicionários, por reconhecimento da Pátria pelos seus esforços? Muitos foram esquecidos pela Pátria.

"A FEB não era bem-vinda também por boa parte dos membros do Exército, os militares de carreira que conseguiram, de alguma forma, escapar da ida à guerra. “O envio de expedicionários, os cidadãos-soldados, era motivo de piada nos quartéis. Quando eles voltaram com prestígio popular, muitos sentiram que poderiam ‘ficar para trás’ em suas carreiras e se iniciou uma conspiração surda da maioria que temia ser ultrapassada em suas promoções e cargos”, observa Dennison Oliveira. "(1)

O general falou, exaltadamente, da meritocracia nas Forças Armadas, ou seja, não há privilégios, favoritismos como existem na vida fora das Forças Armadas. Pois bem, quantos negros, mulheres e LGBTs, assumidos, estão nos mais altos postos das Forças Armadas?

SEGURANÇA PÚBLICA

Infelizmente, concordo com o general, os bandidos devem temer as Forças Armadas.

"Quem segura um fuzil deve ser alvejado por um atirador de elite, o sniper."

E os Direitos Humanos? O general disse 

"Direitos Humanos são para humanos direitos."

No entanto, quais são os "humanos direitos" no Brasil? A situação é tão caótica que, Diógenes, o Cínico, caso fosse possível cloná-lo, encontraria imensa dificuldade em encontrar alguns brasileiros éticos. Quem mata mais: os péssimos serviços públicos na área de saúde, os médicos vigaristas na Máfia das Próteses, os advogados conjuntamente com as empresas causando danos sociais, os acidentes de trânsito ou as balas perdidas dos confrontos entre policiais e bandidos?

Há o dano visível, imediato, como a invasão ao domicílio, o roubo de carga, o roubo em residências, as execuções ocorridas entre policiais e bandidos, bandidos e policiais, bandidos entre bandidos, bandidos e moradores das comunidades carentes. O direito de ir e vir dos moradores das comunidades carentes, controlado pelos traficantes ou pelos milicianos, é violado. Enquanto ficava restrito às comunidades, a "sociedade patriota" — dos guetos não formados por comunidades carentes ou favelas — mesmo ciente, a partir dos anos de 1985, não ligava. Enquanto isso, nos guetos dos "bons cidadãos", as drogas eram consumidas, os crimes de colarinho branco aconteciam, fraudes e mais fraudes.

Pergunto: os jovens soldados das Forças Armadas, após as operações militares, para diminuírem ou acabarem com o tráfico de drogas, serão esquecidos pelas Forças Armadas e pela "sociedade patriota"? Os jovens retornarão para suas residências sabendo que a sociedade a qual protegeram é a mesma a proferir "Vença pela sua meritocracia.". Ora, parece que os desempregos atuais são causados pelas incompetências dos trabalhadores, sem ou com diploma universitário. Ou será pelas tramoias entre gestores públicos e empresários? Será culpa exclusiva do PT? Ou será culpa de vários partidos políticos? Algumas siglas políticas, muito antes da Lava Jato, extinguiram-se para darem lugar a outras siglas, enquanto a corja de larápios políticos continuava.

As Forças Armadas são importantíssimas para a democracia. Porém, elas são usadas como "faxineiras": péssimas gestões públicas, consequências sociais bárbaras. A responsabilidade de cada gestor público é de assegurar que os princípios e os objetivos da CRFB de 1988 sejam materializados. A obrigação, constitucional, de cada autoridade pública é de explicar as suas decisões e ações aos cidadãos, os soberanos (art. 1º, parágrafo único, da CRFB de 1988). O que fazem os "nobres" políticos? Usam os mecanismos legais, mas imorais, para dificultar o acesso às informações (liberdade de expressão), dificultam, com as burocracias administrativas, a participação dos cidadãos nas decisões do governo. O agente público denunciador de corrupção ou de abuso de autoridade sabe que todas as "forças políticas", mesmo dentro da legalidade, recairão sobre ele, de maneira que sua atuação seja considerada mentirosa. O agente público patriota, contra a corrupção, está ciente de que pode ser mandado para bem longe (remoção) por "interesse da Administração".

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Na agonia diária dos crimes de colarinho branco, restam aos servos trabalharem; alguns, revoltados, cometem os mesmos crimes de seus "reis e rainhas", em Brasília. Sim, general, quais exemplos o povo obtém de seus representantes?

As Forças Armadas são os últimos muros de contenções da criminalidade. Há vários meios legais, pelo Estado de Direito, de se evitarem os abusos dos militares. Porém, em meio à guerra, qual soldado terá sangue mais gélido do que as águas do Ártico? O crime se aproveita das burocracias, das corrupções, das comunidades que se digladiam por defesas de conceitos retrógrados de Capitalismo versus Comunismo, como se o Muro de Berlim ainda existisse. Chegará um dia, diante do próprio antipatriotismo, generalizado, que as Forças Armadas, com o consentimento da sociedade, ou de comunidades, terão que agir violando todos os direitos humanos (quase) conquistados. O Direito Penal Máximo será aplicado, nos primeiros momentos, a sociedade regozijará, porém, com o tempo, maculará todos os soldados, os cabos, os sargentos etc. por serem violadores dos direitos humanos — a não ser que não violem os direitos humanos dos cidadãos considerados como "bons cidadãos".

E, mais uma vez, a mesma sociedade que implorou pelo militarismo irá desgraçar cada soldado, cabo etc. O Golpe de 1964 foi consequência somente dos militares ou conjuntamente com certas comunidades? Não podemos esquecer de que os violadores também são compatriotas. O crime organizado alcançou tamanho poder, por culpa dos falsos patriotas, que, ao que parece, o único meio de combatê-lo é agir dentro da legalidade, a lei fria. E pela lei fria, o positivismo da lei, os valores mais nobres do ser humano, como a ética, extinguem-se.


NOTA:

(1) — Em busca da “guerra boa” dos pracinhas. Disponível em: http://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2013/08/082-087_PesquisaFapesp_210.pdf


REFERÊNCIAS:

CASTRO, Celso. In corpore sano - Os militares e a introdução da educação física no Brasil. Antropolítica, Niterói, RJ, nº 2, p.61-78, 1º sem. 1997. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/6699/458.pdf

ÉPOCA. O que aconteceu com o primeiro casal gay a se revelar no Exército brasileiro? Disponível em: https://epoca.globo.com/especiais/EPOCA-1000/noticia/2017/08/o-que-aconteceu-com-o-primeiro-casal-gay-se-revelar-no-exercito-brasileiro.html

FALCÃO, Ana Taisa Da Silva. Eugenia no Exército: uma análise de discursos e práticas. Disponível em: http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300892620_ARQUIVO_EugenianoExercito.pdf

G1. Conheça a história da 1ª favela do Rio, criada há quase 120 anos. Disponível em: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/rio-450-anos/noticia/2015/01/conheca-historia-da-1-favela-do-rio-...

MELLO, Saulo Álvaro de. Eugenia na Marinha Imperial Brasileira (1822-1910). In: XXVI SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA ANPUH, São Paulo. Anais.... São Paulo: Anpuh são Paulo, 2011.

MEMÓRIAS DA DITADURA. Regimes ditatoriais favorecem a corrupção. Disponível em: http://memoriasdaditadura.org.br/corrupcao/#escandalos-de-corrupcao-duranteaditadura

PEREIRA, Sérgio Henrique da Silva Pereira. As influências das mídias: Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania ou A República dos Assassinos? Disponível em: https://sergiohenriquepereira.jusbrasil.com.br/artigos/535957975/as-influencias-das-midias-programa-nacional-de-seguranca-publica-com-cidadania-ou-a-republica-dos-assassinos

PEREIRA, Sérgio Henrique da Silva Pereira. Como uma intervenção militar combateria a corrupção política e as facções criminosas? E como melhoria o Brasil? Disponível em: https://sergiohenriquepereira.jusbrasil.com.br/artigos/418026974/como-uma-intervencao-militar-combateria-a-corrupcao-politica-e-as-faccoes-criminosas-e-como-melhoria-o-brasil

PEREIRA, Sérgio Henrique da Silva. Intervenção na segurança pública do Rio de Janeiro é dinheiro jogado no lixo. Disponível em: https://sergiohenriquepereira.jusbrasil.com.br/artigos/545791564/intervencao-na-seguranca-publica-do...

PEREIRA, Sérgio Henrique da Silva. Policiais mortos e Tolerância Zero. Ou descriminalização das drogas? Disponível em: https://sergiohenriquepereira.jusbrasil.com.br/artigos/539442858/policiais-mortos-e-tolerancia-zero-ou-descriminalizacao-das-drogas

RIBEIRO, Luiz. Evolução histórica jurídica dos militares do Quadro Especial do Exército. Disponível em: https://luizribeiro1000.jusbrasil.com.br/artigos/444136117/evolucao-historica-juridica-dos-militares...

UOL NOTÍCIAS. Conheça dez histórias de corrupção durante a ditadura militar. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2015/04/01/conheca-dez-historias-de-corrupcao-durante-a-ditadura-militar.htm

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Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HENRIQUE, Sérgio Silva Pereira. General Augusto Heleno disse meias verdades, mas necessárias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5361, 6 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64580. Acesso em: 24 abr. 2024.

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