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Igreja - sociedade política:

a importância, o poder e a manifestação do aspecto político e jurídico

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RESUMO

O trabalho a seguir visa à análise e esclarecimentos concernentes à importância, à manifestação e ao poder nos aspectos políticos e jurídicos da Igreja como sociedade política. Elaborado através de pesquisas fundamentadas em diversas obras de renomados autores, buscou-se estruturar o trabalho de uma forma a abranger concisamente os aspectos supracitados.


INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por finalidade a análise das sociedades políticas, dando enfoque à sua importância, poder e manifestação do aspecto político e jurídico.

Contudo, antes de se adentrar mais especificamente no que tange às sociedades políticas propriamente ditas, optou-se, por questões metodológicas e propedêuticas, em se tecer considerações iniciais a respeito da sociedade em âmbito geral, da qual a sociedade política é uma espécie.

As principais sociedades políticas existentes são a família, o Estado e a Igreja. Todas possuidoras de estruturas complexas e bem definidas que, ao contrário do que se possa pensar, não as tornam independentes umas das outras, mas sim cria vínculos de inter-relacionamentos.

Dentre essas sociedades políticas supracitadas optou-se pela exploração de matéria versada atinente à Igreja, principalmente por esta estar inserida em ampla discussão doutrinária relacionada à sua aceitação ou não como sociedade política. Essa polêmica acabou servindo como estímulo à presente pesquisa.

Com relação à estrutura desenvolvida, adotou-se a seguinte forma: de início, tratou-se da evolução histórica da Igreja no mundo e, em especial, no Brasil, criando-se condições para o desenvolvimento ulterior da manifestação do aspecto político-jurídico da Igreja no caso pátrio.


PARTE I

SOCIEDADE

1. DA ORIGEM DA SOCIEDADE

O homem, sem dúvida alguma, é um ser eminentemente social, isto é, tem inerente em si a perpétua tendência a ser agrupar, de unir-se a seus semelhantes, não só para lograr atender aos fins que busca e deseja, mas também para satisfazer suas necessidades materiais e de cultura (1). A vida do homem decorre em convivência: os indivíduos em todas as etapas de suas vidas, do berço ao túmulo, mantêm entre si mútuas e constantes relações de colaboração e de dependência. Dessa forma, pode-se considerar que a vida em sociedade é o modo natural da existência da espécie humana (2).

Realmente, os homens a todo instante, para atenderem à satisfação de seus anseios e necessidades e conseguirem os fins almejados, unem-se, relacionam-se, por meio de vínculos das mais variadas naturezas: econômicos, políticos, culturais, familiares, religiosos, etc. (3), contudo a vida em sociedade, além dos benefícios que propicia ao homem, traz consigo a possibilidade da criação de inúmeras limitações que, em certos momentos e determinados lugares, são de tal modo numerosas e freqüentes que chegam a afetar seriamente a própria liberdade humana (4).

Após esse intróito, percebe-se que a sociedade em si compreende um conjunto amplamente complexo e que, portanto, merece várias considerações, por parte do presente estudo, no concernente a sua conceituação, ao seu surgimento e teorias que o explicam, sua evolução e a classificação das diversas formas de sociedades que foram surgindo paulatinamente com a evolução humana.

Segundo discorre Friedrich Nietzsche, todos os conceitos em que um processo total se resume semioticamente escapam à definição, porquanto só é definível o que não tem história (5). Portanto, partindo de tal premissa, pode-se dizer que, no seu mais importante sentido, entende-se por sociedade

          uma espécie de contextura formada entre todos os homens e na qual uns dependem dos outros, sem exceção; na qual o todo só pode subsistir em virtude da unidade das funções assumidas pelos co- participantes, a cada um dos quais se atribui, em princípio, uma tarefa funcional; e onde todos os indivíduos, por seu turno, estão condicionados, em grande parte, pela sua participação no contexto geral (6).

Adotando-se a linha seguida por Dalmo de Abreu Dallari, em sua obra "Elementos de Teoria Geral do Estado", a sociedade pode ser analisada, segundo sua origem, por pelo menos duas vertentes: a dos naturalistas e a dos contratualista (7).

Os naturalistas são favoráveis à idéia da sociedade natural, idéia essa que, hodiernamente, abarca maior número de adeptos e que vem exercendo forte influência na vida política do Estado (8). É nesse grupo que se encontra o eminente filósofo grego Artistóteles, considerado o introdutor de tal pensamento (século IV a.C.). O notável Estagirita defendia ser o homem naturalmente um animal político (9) e, assim sendo, só viveria isolado se fosse um bruto ou um deus (10).

Seguindo o caminho desbravado por Aristóteles, encontra-se, ainda, como defensores da teoria naturalista, outros importantes nomes da história do pensamento, dos quais, a título de exemplo, cita-se Cícero, Santo Tomás de Aquino e o italiano Ranelletti. Citados esses filósofos, torna-se imprescindível tecer alguns comentários, em especial, sobre a contribuição deixada por Santo Tomás de Aquino a essa corrente doutrinária.

O autor de "Summa Theologica" supracitado, consagrou-se entre os autores medievais por ser o mais expressivo seguidor de Aristóteles, reafirmando as postulações deste, e por incrementar a idéia da vida solitária como uma exceção, conforme havia feito o citado filósofo grego, porém segundo uma nova visão, pautada em três hipóteses:

          a) ‘excellentia naturae’, quando se tratar de indivíduo notavelmente virtuoso, que vive em comunhão com a própria divindade, como ocorria com os santos eremitas;

b) ‘corruptio naturae’, referente aos casos de anomalia mental;

c) ‘mala fortuna’, quando só por acidente, como nos casos de naufrágio ou de alguém que se perdesse numa floresta, o indivíduo passa a viver em isolamento (11).

Por conseguinte, pode-se concluir que a corrente até então exposta compreende a sociedade como o produto da conjugação de um simples impulso associativo natural e da cooperação humana (12), com o intuito de se obter os meios necessários para a consecução dos fins de sua existência, sejam estes morais, intelectuais ou técnicos. Não obstante, deve-se ressaltar, ainda, dois pontos mais defendidos por essa teoria:

  1. o ser humano, mesmo provido de bens materiais necessários à sua sobrevivência, continua necessitando do convívio com seus semelhantes;
  2. a existência do citado impulso associativo natural não exclui, de forma alguma, o aspecto volitivo humano.

Todavia, surgiram muitos autores que, opondo-se aos adeptos da idéia de sociedade natural, sustentaram ser a sociedade, tão só, o produto de um acordo de vontades, ou seja, de um contrato hipotético celebrado entre os homens (13), motivo esse que lhes renderam a denominação de contratualistas.

Os contratualistas, deve-se dizer, não foram uníssonos em suas explicações com relação ao motivo pelo qual os homens, em determinada etapa de sua evolução, decidiram agruparem-se aos seus semelhantes ao ponto de formarem uma instituição denominada sociedade. Contudo, existe entre eles uma convergência a um ponto comum: todos os seus adeptos negam o fundamento do impulso associativo natural e argumentam ser a vontade humana a única justificativa para a existência da sociedade.

Considera-se como ponto de partida das idéias contratualistas as obras de Thomas Hobbes, em especial a que foi publicada em 1651, intitulada "O Leviatã". Hobbes pôs explicitamente em dúvida a doutrina do homem como um ser privativamente social, o zoon politikón. Afirmava que o homem não é sociável por natureza e só logra sê-lo por educação (14). Os homens vivem primeiro sem instituições, num estado de igualdade em que cada indivíduo tem direito sobre todas as coisas. O esforço para obter vantagens e poderes sobre os outros fez com que o estado natural dos homens, anteriormente a sua reunião em sociedade, fosse a guerra de todos contra todos (15). Assim sendo, o estado de natureza é uma permanente ameaça que pesa sobre a sociedade e que pode irromper sempre que a paixão silenciar a razão ou a autoridade fracassar (16) (grifo nosso).

Os dois termos acima destacados assim o foram por serem de extrema importância na fundamentação desenvolvida por Hobbes e, por isso, a partir de então, tentar-se-á explicar o porquê.

A tendência natural dos homens para se causarem danos recíprocos entra em conflito com as imposições da razão natural que exige a preservação da vida e a possibilidade de cada um dos membros do grupo a conservar (17). E esse conflito só cessa com o triunfo da razão, isto é, com o contrato que assegura a cada um a propriedade de determinados bens. Com essa finalidade e para salvaguardar o primeiro contrato, ou contrato social, estabeleceu-se um, segundo, o de domínio, mediante o qual os indivíduos se submetem às Instituições do Estado (18). O medo de todos a todos é suplantado agora pelo temor a um poder que se situa acima de todos. A convivência entre os homens – ou seja, a sociedade – só é possível em virtude da submissão dos indivíduos. Hobbes empenhou-se em solucionar a dialética de força e direito, outorgando a primazia ao direito, vinculado à razão, mas na medida em que significava uma nova força. Dessarte, o poder do mais forte, no estado natural, converte-se em poder domínio, no estado legal (19).

Hobbes formula, ainda, duas leis fundamentais da natureza, as quais julga estarem na base da vida social e que, portanto, são agora explicitadas:

a) cada homem deve esforçar-se pela paz, enquanto tiver a esperança de alcançá-la; e quando não puder obtê-la, deve buscar e utilizar todas as ajudas e vantagens da guerra;

b) cada um deve consentir, se os demais concordam, e enquanto se considere necessário para a paz e a defesa de si mesmo, em renunciar ao seu direito a todas as coisas, e a satisfazer-se, em relação aos demais homens, com a mesma liberdade que lhe for concedida com respeito a si próprio (20).

Também defensores do contratualismo, porém divergentes do contratualismo hobbesiano, aparecem John Locke e Montesquieu. Aquele, apesar de não poder ser considerado um contratualismo puro devido à divergência existente entre o que prega esta corrente e a sua concepção cristã da criação, opô-se explicitamente ao autor de "O Leviatã" por não acreditar no constante estado de guerra que este afirmava existir no estado de natureza. Já Montesquieu, diverge de Hobbes por considerar que o homem em estado natural, ou seja, antes da formação da sociedade, se apresentava tão fraco que estaria constantemente atemorizado, acrescentando que nesse estado todos se sentem inferiores e dificilmente alguém se sente igual a outrem (21). Afinal, segundo o próprio Montesquieu, a idéia de supremacia e dominação é tão complexa e dependente de tantas outras que não seria ela a primeira idéia que o homem teria (22).

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Montesquieu, apesar de não ter mencionado expressamente o contrato social, elaborou leis que considerava serem as que levaram o homem a viver em sociedade, assim como Hobbes havia feito. Essas leis são as seguintes:

          a) o desejo de paz;

b) o sentimento das necessidades, experimentado principalmente na procura de alimentos;

c) a atração natural entre os sexos opostos pelo encanto que inspiram uma ao outro e pela necessidade recíproca;

d) o desejo de viver em sociedade, resultante da consciência que os homens têm de sua condição e de seu Estado. Depois que levados por essas leis, os homens se unem em sociedade, passam a sentir-se fortes, a igualdade natural que existia entre eles desaparece e o estado de guerra começa, ou entre sociedades, ou entre indivíduos da mesma sociedade. (23)

A creditando também na bondade humana no estado de natureza tal qual Montesquieu, contudo concebendo tanto a existência como a organização da sociedade a partir de um contrato social, como Hobbes, apareceu Rousseau que, em especial, em seu livro "O Contrato Social" (1762) deu grande ênfase a temas que se notabilizaram na história da humanidade, como por exemplo, na Revolução Francesa. Rousseau notabilizou como ninguém a figura do povo como soberano e o reconhecimento da igualdade como elemento essencial na vida social.

No tocante à sociedade, Rousseau afirmava que o homem era bom no estado de natureza, conforme já foi dito acima, e que só se preocupava com sua própria com sua própria conservação. Contudo, diante de obstáculos cada vez mais difíceis de serem transpostos individualmente que colocavam em risco a conservação do próprio indivíduo, o homem, instituiu o estado social, através de um contrato social, pelo qual ocorreu a alienação de cada associado, com todos os seus direitos a favor da comunidade (24), formando um corpo moral e coletivo, o Estado, que passaria a atuar no interesse da vontade geral, esta compreendida não como uma simples soma das vontades individuais, mas como uma síntese delas (25).

Destarte, pode-se, por fim, concluir que apesar do contratualismo não possuir hodiernamente adeptos declarados isso não reduz sua importância no âmbito filosófico, não histórico da ordem social (26) e que a sociedade é advinda da necessidade natural inerente ao ser humano, em consonância com os aspectos volitivo e da consciência do homem. Portanto, não há como conceber o homem como um ser isolado, fora de um contexto social.

          2. ELEMENTOS CARACTERÍSTICOS DA SOCIEDADE

O que se nota nesta seara é a existência de uma ampla diversidade de considerações a seu respeito.

Há diversos autores que tratam desse assunto e, na maioria das vezes, cada um adota uma série de elementos que, segundo eles, caracterizam a sociedade. Todavia, o presente estudo optou por se pautar apenas em dois eminentes autores: Pedro Salvetti Netto e Dalmo de Abreu Dallari, sendo que este último receberá maior atenção e destaque devido à fantástica estruturação lógica e didática por ele desenvolvida em sua obra "Elementos de Teoria Geral do Estado" e que por isso servirá de linha mestra na seqüência deste trabalho.

Pedro Salvetti Netto considera existir três elementos constitutivos da sociedade assim dispostos:

a) elementos ou causas materiais: homem e base física;

b) elementos ou causas formais: normas jurídicas e poder;

c) elementos ou causas finais: várias. (27)

          Homem: é o elemento fundamental da sociedade. Consoante expõe Salvetti Netto, a sociedade existe para o homem e constitui-se de homens vinculados, unidos, relacionados em busca de um fim comum (28).

          Base Física: é a base física que propicia a estabilidade das relações humanas em sociedade. Seu âmbito compreende o limite espacial de vigência do poder social (29). Compreende, portanto, o lugar onde são desenvolvidas as relações sociais.

          Normas Jurídicas: o intuito da normatização social é organizar a sociedade e disciplinar o comportamento de seus associados, visto que elas estabelecem os direitos e deveres destes, limitando-lhes, com a garantia do poder , os arbítrios individuais de forma a instituir a ordem social. É pelas normas que os indivíduos se relacionam e logram, no âmbito da sociedade, atingir ao fim almejado (30).

          Poder: é a força que faz com que as normas sejam executadas. Sem ele, ressalta Salvetti Netto, a sociedade descambaria para o caos; à organização sucederia o anarquia, hábil a aniquilar, suprimir e impedir qualquer possibilidade de relação, de comunicação, de convivência (31).

          Finalidade: toda ação humana está voltada à busca de determinados objetivos. Portanto, ao se agrupar, o homem está em busca de um determinado fim que suas ações isoladas não conseguiriam alcançar. Esse objetivo é denominado fim comum (32), que nas sociedades políticas corresponderia ao bem comum.

Já Dalmo de Abreu Dallari, por sua vez, ao expor sua idéia atinente aos elementos característicos da sociedade, afirma que não basta um agrupamento humano mais ou menos numeroso, ainda que motivado por um interesse social relevante (33) para que se possa afirmar que ali foi erigida uma sociedade. Para esse ilustre jusfilósofo, há três elementos que são encontrados em todas as espécies de sociedade e que, portanto, podem ser considerados como os pontos comuns necessários para o reconhecimento de uma grupamento humano como sociedade. Eles são os seguintes:

  1. uma finalidade ou valor social;
  2. manifestações de conjunto ordenadas;
  3. o poder social. (34)

          Finalidade Social: com relação à finalidade da sociedade humana, encontra-se duas correntes teóricas que a explicam: a determinista e a finalista.

Os deterministas defendem ser a vida humana regida pelo princípio da causalidade. O homem estaria submetido a inúmeras leis naturais consideradas inexoráveis e que, portanto, não haveria a possibilidade de se escolher um objeto e de orientar para ele a vida social (35). Dessa forma, o homem não teria fins a alcançar em virtude da impossibilidade dele obstar a sucessão natural de fatos em sua vida.

Por outro lado, pregando a existência de uma finalidade social fruto da atividade volitiva humana, aparecem os finalistas. Consoante seus defensores, o fato de o homem ser consciente da necessidade da vida social faz com que ele estabeleça uma finalidade condizente com suas necessidades fundamentais e com aquilo parece que lhe parece ser mais valioso (36). Tal finalidade social compreenderia o bem comum que, conforme conceitua o Papa João XXIII, nada mais é que o conjunto de todas as condições de vida social que consistam e favoreçam o desenvolvimento integral das pessoa humana (37),inclusive os valores materiais e espirituais.

          Manifestações de Conjunto Ordenadas: as manifestações de conjunto ordenadas compreendem a ação harmônica dos indivíduos inseridos na vida social com o intuito de se atingir a consecução da finalidade comum.

Para que haja as manifestações de conjunto, devem ser preenchidos três requisitos: reiteração, ordem e adequação. (38) Por reiteração entende-se a conjugação de esforços continuamente desenvolvidos durante muito tempo (39), através da qual os membros da sociedade obterão os meios para alcançar os seus fins. Com relação à ordem deve-se fazer a seguinte consideração: há duas espécies de ordens, a humana, ou do Mundo Ético, e a da natureza, ou do Mundo Físico. A primeira é regida pelo princípio da imputação (se "A" é, "B" deve ser), enquanto que a segunda, pelo princípio da causalidade (se "A" é, "B" é). Contudo, é a ordem humana que interessa à presente pauta, visto que é através dela que as manifestações de conjunto podem se concretizar e agir em busca do bem comum. Já a respeito da adequação, deve-se entender o seguinte:

          cada indivíduo, cada grupo humano e a própria sociedade no seu todo devem sempre ter em conta as exigências e as possibilidades da realidade social, para que as ações não se desenvolvam em sentido diferente daquele que conduz efetivamente ao bem comum, ou para que consecução deste não seja prejudicada pela utilização deficiente ou errônea dos recursos sociais disponíveis. (40)

Destarte, nota-se ser imprescindível a correlação, a coexistência desses três elementos supracitados para que se possa visualizar as manifestações de conjunto ordenadas, os quais, por sua vez, auxiliarão na configuração da sociedade. Contudo, essa correlação não é fácil de se alcançar, fazendo surgir a necessidade de um elemento coator capaz de impô-la: o poder social.

          Poder Social: a questão do poder está inserida numa das temáticas mais importantes da vida social, afinal é ele quem trata diretamente da organização e funcionamento da sociedade.

Poder, conforme expõe Marcelo Caetano, pode ser considerado como a possibilidade de, eficazmente, impor aos outros o respeito da própria conduta ou de traçar a conduta alheia. (41) Contudo, não se pode dizer ser esta sua única definição, visto que não é nada fácil chegar-se a uma tipologia do poder. É por isso que prefere-se estabelecer-lhe características ao invés de defini-lo, pois assim, poder-se-á ter uma visão geral a seu respeito, mas não menos precisa.

As características do poder são:

          a) socialidade: significa que o poder é um fenômeno social, jamais podendo ser explicado pela simples consideração de fatores individuais (42);

          b) bilateralidade: indica que o poder é sempre em relação a duas ou mais

          vontades, havendo uma que predomina. (43)

Ressalta-se, ainda, que o poder social pode ser exercido de duas maneiras:

a) por toda a coletividade;

b) ou por representação, isto é, por algum ou alguns dos membros da sociedade considerado (s) mais apto (s) a atuar em nome de todos.

O exercício do poder social consiste, dessa forma,

          em definir normas de conduta dos indivíduos nas suas relações entre si ou com a coletividade e fazer observar essas normas aplicando determinadas sanções previstas para os desobedientes, e em determinar a ação do grupo nas relações com outras coletividades e com os próprios membros. (44)

Outro fator importante a se salientar é a relação existente entre o direito e o poder. O poder, embora não se confunda com o direito, se manifesta simultaneamente a este, fato esse que leva à conclusão de que ambos coincidem em seus objetivos. Assim sendo, a legitimidade do poder não coincide com a legalidade.

Tentando explicar a legitimidade do poder, surge Max Weber o qual formula três hipóteses:

          a) o poder tradicional, característico das monarquias, que independe da legalidade formal;

          b) o poder carismático, que é aquele exercido pelos líderes autênticos, que interpretam, os sentimentos e as aspirações do povo, muitas vezes contra o direito vigente;

          c) o poder racional, que é exercido pelas autoridades investidas pela lei, havendo coincidência necessária, apenas neste caso, entre legitimidade e legalidade (45).

Destarte, já que o poder é considerado necessário tanto à organização como para o funcionamento da sociedade, ele deve estar sempre investido da legitimidade a fim de não se ferir a vontade, os anseios dos membros que configuram a vida social. Isto posto, ressalta-se o seguinte: toda a submissão deve ser precedida pelo consentimento dos que serão submetidos, afirmação essa que entra em consonância com o que dispõe Georges Burdeau: poder legítimo é o poder consentido. (46)

A classificação das sociedades não é unívoca, contudo a que mais fundamentada se mostra é apresentada por Dalmo de Abreu Dallari, a qual assim se apresenta:

          a) sociedade de fins particulares, quando têm finalidade definida, voluntariamente escolhida por seus membros. Suas atividades visam, direta e imediatamente, aquele objetivo que inspirou sua criação por um ato consciente e voluntário;

          b) sociedade de fins gerais, cujo objetivo indefinido e genérico, é criar as condições necessárias que nela se integram consigam atingir seus fins particulares. A participação nestas sociedades quase sempre independe de um ato de vontade (47) (grifo nosso).

As sociedades de fins gerais são comumente denominadas sociedades políticas e que, doravante, receberão maior destaque.

Partindo do que foi dito acima, pode-se enquadrar no grupo das sociedades políticas, em especial, três instituições devido às suas dilatadas importâncias: a família, fenômeno e base da vida social, o Estado, autoridade superior fixadora de regras de convivência de seus membros, e a Igreja, instituição esta que mais adiante merecerá especial atenção devido ao seu importante papel tanto no aspecto político quanto jurídico dentro do Estado.

Todavia, essa classificação adotada está envolta em algumas divergências doutrinárias, como quase tudo no direito, fenômeno social, está. Por isso, tentar-se-á demonstrar sob que aspectos surgem essas divergências.

Marcelo Caetano, em, sua obra "Direito Constitucional", afirma que o surgimento da sociedade política depende de um ato de vontade (48)do indivíduo o que entra em conflito frontal com o que expõe o eminente professor Dalmo de Abreu Dallari, conforme foi acima demonstrado. Já Pedro Salvetti Netto prefere diferenciar as espécies de sociedade de acordo com o diagrama abaixo:

a) sociedade necessárias:
(imprescindíveis aos homens e absolutamente imperativas para a sua existências)

- sociedade familial: família

          - sociedade religiosa: Igreja

- sociedade política: Estado

b)sociedades contingentes
(são circunstanciais e apenas aprimoram ou facilitam o convívio humano).

Como se vê, Salvetti Netto, diferentemente de Dallari, considera a sociedade política apenas o Estado, excluindo, portanto, a família e, também, a Igreja .

No presente estudo, optou-se por não utilizar como linha mestra esta última divisão por considerá-la muito fragmentária, isto é, as sucessivas subdivisões das espécies de sociedade acabam por comprometer a visão do todo, algo de extrema importância à consecução desta obra no seu aspecto didático e, por que não, metodológico.

Dado o exposto, pode-se considerar como ideal a classificação das sociedades elaborada por Dallari e que por isso foi aqui adotada.

Portanto, restringindo-se ao tema proposto de início a ser elaborado (as sociedades políticas: a importância, o poder e a manifestação do aspecto político e jurídico), optou-se por analisar uma das sociedades políticas mais importantes, mais organizada e com um poder social fantástico, capaz de impor determinadas ações e condutas aos mais diversos indivíduos nela inseridos. Essa sociedade política é a Igreja, uma instituição complexa cuja evolução, características e demais elementos intrínsecos a ela tentar-se-á, a partir de agora, apresentá-los e descrevê-los.

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Sobre os autores
Luciano Pereira Vieira

acadêmico de Direito na Universidade Estadual de Londrina (PR)

Alexsandro Carnietto

acadêmico de Direito da Universidade Estadual de Londrina (PR)

André Luiz de Souza

acadêmico de Direito da Universidade Estadual de Londrina (PR)

Gilberto Bueno de Oliveira Júnior

acadêmico de Direito da Universidade Estadual de Londrina (PR)

Leandro Buzignani dos Reis

acadêmico de Direito da Universidade Estadual de Londrina (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Luciano Pereira ; CARNIETTO, Alexsandro et al. Igreja - sociedade política:: a importância, o poder e a manifestação do aspecto político e jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 42, 1 jun. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66. Acesso em: 25 abr. 2024.

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