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O princípio da capacidade contributiva.

Uma abordagem quanto à sua significação

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4.Os Princípios Constitucionais Gerais e os Princípios Constitucionais Tributários

A Constituição Federal é regida por muitos princípios. Ensina Ataliba [13] que três princípios devem ser considerados como fulcro em torno do qual se ergue o edifício das instituições republicanas, no direito positivo brasileiro, operando como premissas básicas. Em grau de igualdade de importância estão os princípios da legalidade, da isonomia e da intangibilidade das liberdades públicas, expandidos em clima, consoante assevera ainda Ataliba, no qual se asseguram a certeza e segurança do direito.

Paulo de Barros Carvalho [14] relaciona os princípios gerais que influem mais diretamente nos fenômenos jurídicos tributários. São eles: o princípio da justiça, o princípio da certeza do direito, o princípio da segurança jurídica, o princípio da igualdade, princípio da legalidade, princípio da irretroatividade das leis, princípio da universalidade da jurisdição, princípio que consagra o direito de ampla defesa e o devido processo legal, princípio de isonomia das pessoas constitucionais, princípio que afirma o direito de propriedade, princípio da liberdade do trabalho, princípio que prestigia o direito de petição, princípio da supremacia do interesse público ao do particular e o princípio da indisponibilidade dos interesses públicos

No âmago dos princípios constitucionais estritamente tributários, encontraremos o princípio da estrita legalidade, princípio da anterioridade, princípio da irretroatividade da lei tributária, princípio da tipologia tributária, princípio da proibição de tributo com efeito de confisco, princípio da vinculabilidade da tributação, princípio da uniformidade geográfica, princípio da não-discriminação tributária, em razão da procedência ou do destino dos bens, princípio da territorialidade da tributação e o princípio da indelegabilidade da competência tributária.

Curiosamente, no seu rol dos princípios constitucionais tributários, Paulo de Barros Carvalho não faz referência ao princípio da capacidade contributiva. Porém, quando ele trata do princípio da proibição de tributo com efeito de confisco, faz considerações como se estivesse cogitando do princípio tema do nosso trabalho. Destarte, quando o citado tributarista diz "De evidência que qualquer excesso impositivo acarretará em cada um de nós a sensação de confisco.", leva-nos a pensar que dentro desse pensamento também esteja implícito o princípio da capacidade contributiva.

Não é absurdo chegar-se à essa dedução, pois há entre os dois princípios uma íntima relação. Ora, cobra-se tributo além da capacidade contributiva, teremos como efeito um verdadeiro confisco.

A nossa dedução tem lógica se observarmos o que Carrazza pensa dessa ínfima relação entre os dois princípios. Em seu trabalho, quando aborda a capacidade contributiva e a não confiscatoriedade, o referido tributarista assim se refere:

"Estamos convencidos de que o princípio da não confiscatoriedade, contido no art. 150, IV, da CF ( pelo qual é vedado "utilizar tributo com efeito de confisco"), deriva do princípio da capacidade contributiva. Realmente, as leis que criam impostos, ao levarem em conta a capacidade econômica dos contribuintes, não podem compeli-los a colaborar com os gastos públicos além de suas possibilidades. Estamos vendo que é confiscatório o imposto que, por assim dizer, "esgota" a riqueza tributável das pessoas, isto é, não leva em conta suas capacidades contributivas [15]."

Não vamos esmiuçar neste trabalho o significado de cada princípio, pois acabaríamos indo além dos limites traçados para esta monografia. Limitar-nos-emos ao estudo do princípio da capacidade contributiva e a sua estreita ligação com vários dos princípios, sejam gerais ou constitucionais.


5.Estreita Ligação Entre o Princípio da Capacidade Contributiva e Demais Princípios Constitucionais Gerais e Tributários

Temos observado em vasta discussão doutrinária que o princípio da capacidade contributiva é a aplicação do princípio constitucional da igualdade, previsto no art. 5º, caput da Constituição Federal, no âmbito do Direito Tributário.

Dispõe o art. 5º da Carta Magna:

"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade."

Para Angela Maria da Motta Pacheco [16], o princípio da igualdade, da isonomia, da justiça é aquele que informa todo o sistema jurídico. Ainda ela complementa: "Por este todos aqueles que se encontrem numa mesma situação fática devem ser tratados com igualdade [17]."

Diz mais, a mesma autora, "Mais ainda quando o tema é o tributo. A igualdade, no campo do direito tributário revela-se pelo princípio da capacidade contributiva, tal como explícito no texto do art. 145.§ 1º [18]."

José Maurício Conti [19], ao abordar sobre esse tema, aduz que o princípio da capacidade contributiva ultrapassa as fronteiras de um simples princípio constitucional. A idéia de igualdade está vinculada à justiça. A igualdade é o sistema nuclear de todo o nosso sistema constitucional. É princípio básico do regime democrático e do Estado de Direito.

Vale a pena transcrever as relevantes considerações do constitucionalista Alexandre de Moraes, citado num trabalho da jurista de Belo Horizonte, Patrícia Brandão Paoliello:

"A Constituição Federal de 1988 adotou o Princípio da Igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito..." [20]

É óbvio que o sistema constitucional vigente em nosso país jamais conseguirá fazer com que todos os indivíduos sejam iguais, pois as pessoas são na essência desiguais. É a razão porque se ouve de todos os tratadistas que o Direito deve considerar estas desigualdades e atribuir um tratamento desigual entre os cidadãos, de modo a fazer com que os efeitos das desigualdades naturais entre estes sejam minimizados.

Muito bem, com tais considerações. Mas é de se indagar se, ao fazermos tais conjecturas com relação ao princípio da igualdade, poderemos chegar a um real significado do princípio da capacidade contributiva. Em como haveremos de concluir que o princípio tema do nosso trabalho prestigia a questão do tratamento dos desiguais de forma desigual.

Se ouvirmos somente Bandeira de Mello [21], que afirma ser a capacidade contributiva o critério de discriminação adotado para estabelecer as diferenças entre as pessoas, não conseguiremos aclarar nitidamente o significado do princípio tema. Entretanto, Bernardo Ribeiro de Moraes nos traz excelente contribuição, conforme a seguir.

"Diante do direito tributário, o princípio da igualdade jurídica passa a denominar-se princípio da igualdade jurídica tributária, princípio da igualdade na tributação. Em matéria fiscal, a igualdade de todos perante a lei é entendida como igualdade perante a lei tributária. Gravames jurídicos iguais devem ser estabelecidos para uma mesma categoria de contribuintes, que se acham em condições ou situações iguais [22]."

Esclarece mais o referido doutrinador:

"Em decorrência, diante do princípio da igualdade jurídica tributária, podemos estabelecer as seguintes regras:

c) a existência de desigualdades naturais justifica a criação de categorias ou classes de contribuintes, desde que as distinções sejam razoáveis e não arbitrárias. A lei, sem perder o seu caráter de universalidade, pode estabelecer distinções dirigir-se a grupo de pessoas, contemplar situações excepcionais em que se pode colocar um número indeterminado de indivíduos."

Outro princípio que firma o da capacidade contributiva é o da progressividade. Isso se consegue com a aplicação das alíquotas graduadas, na proporção da percepção de riqueza do indivíduo.

O mecanismo do sistema alíquotas funciona de tal forma que as alíquotas fiquem cada vez mais elevadas na medida da dimensão da riqueza. A inteligência da graduação das alíquotas é alcançar equidade na tributação, o que é o objetivo primordial do princípio da capacidade contributiva.

Ensina Roque Antonio Carrazza [23], que o princípio da capacidade contributiva informa a tributação por meio de impostos. Segundo o eminente tributarista, esse princípio está intimamente ligado ao princípio da igualdade, razão porque é um dos mecanismos mais eficazes para que se almeje a tão almejada justiça fiscal. Diz mais, o referido tributarista:

" É por isso que, em nosso sistema jurídico, todos os impostos, em princípio, devem ser progressivos. Por que? Porque é graças ä progressividade que eles conseguem atender ao princípio da capacidade contributiva [24]."

Para Carrazza [25] não remanescem dúvidas, como os demais impostos, o Imposto Sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza exige obediência ao princípio da capacidade contributiva, e para isso, deverá ser progressivo. A posição do ilustre estudioso está em sintonia com o art. 153, § 2º, I, da Constituição Federal, ou seja, "o imposto previsto no inciso III será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade, e da progressividade, na forma da lei."

Vittório Cassone [26] aduz que a " Renda é expressão jurídico-tributária, consistente em acréscimo patrimonial, de caráter pessoal e cuja tributação deve ser graduada segundo a capacidade econômica do contribuinte."

Transmite-nos também o referido mestre: "A capacidade econômica não diz respeito a cada contribuinte, individualmente considerado, mas em função da base de cálculo ou do acréscimo patrimonial tido no regime jurídico que orienta a tributação, verificado durante certo período de tempo estabelecido pela lei [27]."

É ainda em Vittorio Cassone, que buscamos alguns ensinamentos acerca do critério da progressividade. Para ele, "Progressividade significa que à medida que o acréscimo patrimonial aumenta, também aumenta o IR, mas desproporcionalmente a maior. Progressividade é o sistema de tributação em que a alíquota vai aumentando à medida que aumenta a base de cálculo [28]."

José Antonio Francisco e Marcelli Jorge Pellegrina [29], no Curso de Direito Tributário, coordenado por Ives Gandra da Silva Martins, ao analisarem a progressividade das alíquotas em função da área do imóvel para fins do ITR (Imposto Territorial Rural), dizem que, segundo a doutrina, existem dois tipos de progressividade: a fiscal e a extrafiscal, sendo que a primeira seria determinada apenas em função da capacidade econômica do contribuinte, enquanto a segunda, em função de um parâmetro externo ao direito tributário, ligado a um objetivo específico.

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Para eles, a progressividade fiscal deve ser função de um parâmetro de medida da capacidade econômica do contribuinte, como o valor venal do imóvel. Mas a Lei n.º 9.393/1996 determina a progressividade das alíquotas do ITR em função da área total do imóvel, que não tem relação alguma com a capacidade econômica do proprietário, uma vez que imóveis de diferentes áreas têm diferentes valores venais (dependendo da localização e qualidade da terra, por exemplo).

Certamente, a adoção de tal critério viola o princípio da igualdade, ao tratar de uma mesma forma contribuintes em situações diferentes (mesma alíquota para proprietários de imóveis de diferentes valores) e, assim, tal progressividade nem sequer pode ser caracterizada como "fiscal".

Os referidos autores ainda salientam:

"Não bastasse isso, o STF, por várias vezes, julgou inconstitucionais leis municipais que instituíam a progressividade do IPTU em função dos valores venais dos imóveis, considerando que impostos reais não podem ser graduados de acordo com a capacidade econômica do contribuinte. Dessa forma, a mesma posição deve ser mantida pelo Supremo Tribunal na eventual apreciação da constitucionalidade da Lei n. 9.393/1996, no que diz respeito à progressividade das alíquotas do ITR em função da área total do imóvel rural [30]."

Outro princípio objeto de breves considerações com vistas a aclarar a nossa compreensão com relação ao princípio da capacidade contributiva é o princípio da pessoalidade.

Luciano Amaro trata do aludido princípio da seguinte forma:

"A personalização do imposto pode ser vista como uma das faces da capacidade contributiva, à qual, sem dúvida, o imposto pessoal deve ser adequado [31]."

Os financistas, como Hugo de Brito Machado [32], classificam os impostos em reais e pessoais. Os impostos pessoais levam em conta as quantificações consideradas as condições pessoais de cada contribuinte, seja na definição da base de cálculo ou da fixação da alíquota. Quanto aos impostos reais, referem-se àqueles, cujas quantificações consideram apenas a matéria tributável.

Para muitos, esta classificação advinda do Direito Romano é considerada obsoleta, uma vez que, ao final, a tributação recairá sempre sobre um contribuinte, ou seja, sobre uma pessoa, não existindo, portanto, a referida distinção.

Todavia, ensina o Mestre Sacha que:

"... Ao falar em pessoalidade, o contribuinte rendeu-se às classificações pouco científicas da Ciência das Finanças. Nem por isso o seu falar é destituído de significado. Dentre as inúmeras classificações dos impostos, avultam-se duas, de resto muito em voga: a que divide os impostos em pessoais e reais e a que os divide em diretos e indiretos [33]."

Com relação ao princípio da proibição da tributação confiscatória, do qual já fizemos perfunctórios comentários, ele está previsto no art. 150, inciso II da Constituição Federal, e sua pretensão finalística é impedir que tanto a União, como aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios se utilize do tributo com efeito de confisco. A sua disposição se compatibiliza tranqüilamente com o direito de propriedade, previsto no art. 5º, inciso XXII, da Constituição Federal e com o art. 145, § 1º que trata da capacidade contributiva.

Menciona Luiz Carlos Trouche Ramina:

"É elementar que só cabe imposição tributária quando se está diante de fatos que denotem fundamento econômico e, considerando que a tributação interfere no patrimônio das pessoas de forma a subtrair parcelas expressivas de bens, não resta dúvida de que será inconstitucional a imposição de cargos superiores à força desse patrimônio [34]."

Acrescenta ainda o mesmo autor:

Tributos confiscatórios são os que absorvem todo o valor da propriedade, aniquilam a empresa, ou impedem o exercício da atividade lícita ou moral. Todavia, é tormentosa a tarefa de fixar limite para o que seja confisco, cuja configuração e aferição envolvem grande margem de subjetivismo. Assim, uma alíquota de 25% para o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza pode não configurá-la, mas a mesma alíquota sobre o imposto de transmissão de bens móveis indubitavelmente caracterizará confisco de propriedade. O Poder Público, portanto, deverá se comportar pelo critério de razoabilidade, evitando insolvências e falências, bem como permitir a subsistência e a dignidade das pessoas [35].

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Sobre o autor
Hermenegildo Henrique Leite Velten

advogado em Vitória (ES), atuante nas áreas cível em geral e trabalhista

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VELTEN, Hermenegildo Henrique Leite. O princípio da capacidade contributiva.: Uma abordagem quanto à sua significação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 652, 21 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6609. Acesso em: 19 mai. 2024.

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