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O princípio da capacidade contributiva.

Uma abordagem quanto à sua significação

O princípio da capacidade contributiva. Uma abordagem quanto à sua significação

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O Princípio da Capacidade Contributiva tem sido objeto de acirrados debates entre os vários estudiosos do Direito Tributário, no que se refere ao seu real significado e quanto à sua abrangência. O que se percebe, todavia, é que nenhum deles consegue aclarar adequadamente o sentido do referido princípio. Há quem pense que o fato de alguém possuir uma mansão, mas que aufira uma renda insignificante, não poderia ter esse patrimônio tributado em face do princípio em estudo. Mas, não é bem esse o correto entendimento, pois, o que a lei diz é que o cidadão será tributado quando houver um signo de riqueza e a mansão é essa demonstração da condição para que a exigência seja oponível. Ao destacar essa questão controversa, busca-se, preliminarmente, o estudo etimológico da palavra princípio no que se refere ao significado lingüístico e o que define no âmbito do Direito. Adiante, segue-se com uma análise dos princípios constitucionais gerais e os princípios constitucionais tributários para, posteriormente, aprofundar-se no significado do princípio da capacidade contributiva e, ao final, a apresentação das conclusões.


1.INTRODUÇÃO

1.1.Apresentação

É o objeto da presente monografia o estudo do significado do princípio constitucional da capacidade contributiva. Parece até estranho que alguém cuide de um estudo que persiga tal objetivo, mas o que me motiva a desenvolver o tema visando esclarecer o que realmente se entende pelo referido princípio é o fato da dúvida se realmente os impostos que amiúde reinam pelo território brasileiro são exigidos dos contribuintes levando-se em conta as suas capacidades de os recolherem.

Para levar este trabalho a contento, primeiramente, iniciamos uma abordagem preliminar enfocando alguns pontos que dão margem a dúvidas sobre a aplicação do princípio da capacidade contributiva, como, por exemplo, o que seja realmente a capacidade econômica do indivíduo, se em função da renda que dispõe para a sobrevivência ou se em face do seu patrimônio ou algum signo de riqueza. A seguir, aprofundamos um estudo para entender o significado da palavra princípio, tanto na sua origem etimológica como no seu significado estrito dentro do Direito.

Mais adiante, serão feitos breves comentários aos princípios constitucionais gerais e aos princípios estritamente tributários, entrando, finalmente na abordagem direta do princípio da capacidade contributiva. Na conclusão, busca-se formar uma posição quanto ao real significado do princípio tema e sua abrangência no nosso sistema tributário.

1.2.Metodologia

Consolidada a opção pelo tema objeto desta monografia, iniciamos, de imediato, a uma intensa leitura de todos os artigos que enfocassem qualquer coisa sobre o princípio da capacidade contributiva, sejam provenientes de autores renomados ou de juristas menos conhecidos. A maioria deles foi localizada em sites jurídicos na internet. A partir dessas leituras, foi desenvolvido um projeto enfocando o que seria abordado e como isso seria levado a efeito e quais as obras norteariam a pesquisa.

Deu-se preferência aos autores especialistas do direito tributário utilizados no curso de pós-graduação, indicados pelo IBET, dos quais se destacam Paulo de Barros Carvalho, Roque Antônio Carrazza, Luiz César de Souza Queiroz, Roberto Quiroga Mosquera, Vittório Cassone etc.

À medida que se percebia a necessidade de desenvolver algum assunto não abordado especificamente pelos autores que serviram de base ao trabalho, partia-se na busca de mais informações em outros autores, sem dispensar, por óbvio, a colaboração da doutrina disponibilizada na internet. Afinal, na atualidade, não podemos dispensar tão importante ferramenta de pesquisa.

1.3.Objetivo

É objetivo desta monografia contribuir para o estudo do Direito Tributário, dando-se ênfase ao entendimento do princípio da capacidade contributiva no que se refere ao seu real sentido. O que se deseja realmente saber é como realmente se exige o imposto do cidadão, levando-se em conta a sua capacidade ou possibilidade de arcar com o ônus de pagar o tributo, se em face dos recursos que dispõe no bolso ou no banco ou se em virtude do patrimônio que ostenta. Afinal, o que se pretende desvendar é o que se denomina signo de riqueza.


2.A Capacidade Econômica do Contribuinte

O que nos motivou enfrentar o tema, antes de tudo, foi a consciência de que o estudo do Direito nunca se esgota em si mesmo, pois sempre haverá quem consiga enxergar algo nos meandros da lei não visto antes. Por mais que uma lei, cujo sentido se ache claramente revelado em seu texto, a sua interpretação será sempre imprescindível.

Ensina Marcus Cláudio Acquaviva que aqueles acostumados ao manuseio da legislação sabem muito bem que, por vezes, uma lei aparentemente clara contém sentido que, à primeira vista, não se mostra. Diz o referido autor, que o texto pode parecer límpido e, contudo, possuir um sentido que não se patenteia de imediato.

O jurista supracitado ainda ressalta:

"A descoberta das razões histórico-sociológicas da lei, a revelação dos objetivos do legislador esclarecem, por vezes, um pensamento que não está expresso em palavras. Tal orientação, porém, nem sempre foi obedecida ao longo da história. Houve época em que o brocardo in claris cessar interpretatio, isto é, a clareza da lei dispensaria a interpretação, prevalecia da maneira absoluta. Assim é que o imperador Justiniano (482-565 da era cristã), autor da imorredoura compilação de leis denominada Corpus Juris Civilis, determinou a seguinte cláusula no Terceiro Prefácio do Digesto:

"Quem ousar tecer comentários à nossa compilação de leis cometerá crime de falso, e as obras que compuser serão apreendidas e destruídas."

Esta norma encontrou, porém, oposição na doutrina, especialmente em Ulpiano e Celso. No Digesto, Livro 25, Título 4º, fragmento 1º, § 11, Ulpiano adverte:

"Embora claríssimo o edito do pretor, não cabe descuidar de sua interpretação".

Celso, por sua vez, afirmava:

"Saber as leis não consiste em conhecer-lhes as palavras, mas sua força e poder" (Digesto, Livro 1º, Título 3º, Fragmento 17)." [1]

Dessa forma, consciente das dificuldades que certamente existem no estudo de um tema, principalmente de natureza tributária, pois são ínfimas as correntes diametralmente opostas que se debatem na busca de um entendimento sobre determinada questão, ouso aprofundar-me no estudo do princípio da capacidade contributiva na tentativa de entender-lhe o significado e quais são realmente os seus efeitos em face do contribuinte.

Muitos autores têm se debruçado no estudo desse Princípio expresso no § 1º, do art. 145, da Constituição Federal, com o intuito de dissecar o seu significado, a sua abrangência e a sua relação com os demais princípios constitucionais. Assim dispõe o referido dispositivo:

"Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do Contribuinte."

O pressuposto do princípio da capacidade contributiva consiste na não exigência de impostos além da capacidade econômica do contribuinte, ou seja, ninguém será obrigado a pagar impostos além dos indícios de riqueza que ostente.

Muitas discussões acerca do significado do princípio da capacidade contributiva têm acirrado debates entre vários estudiosos do direito tributário. Afinal, o que realmente significa tal princípio, quando se diz que ninguém poderá pagar mais impostos do que realmente possa pagar? Tal princípio, por acaso, se refere ao dinheiro ou fortuna que o contribuinte dispõe e, nesse caso, haveria uma limitação que impediria tirar desses recursos apenas uma parcela para pagamento do imposto?

Há quem pense, verba gratia, que se um cidadão possui uma mansão numa região nobre, mas que aufira uma renda insignificante, não poderia pagar um IPTU, cuja base de cálculo levasse em conta o valor daquele imóvel, na qual uma tabela progressiva exigisse um valor em patamar insuportável para aquele proprietário. Ou, em outro caso, alguém de parcos recursos que ganhasse um automóvel importado naqueles sorteios que amiúde ocorrem nos Shopping Center, não deveria pagar o IPVA.

Afinal, não seria esse o sentido correto da capacidade contributiva? Como se poderia pagar um imposto incidente sobre um patrimônio tão valioso, se não houvesse uma renda capaz de suportá-lo?

Seria razoável alguém afirmar que a imposição tributária sobre a mansão, colocada como exemplo, tendo o sujeito passivo uma renda tão miserável, que obviamente não tivesse como pagar o tributo, acabaria por perdê-la para o Estado, o que resultaria em confisco, o que é vedado por lei?

É óbvio que, se esse sujeito, não recolhendo o imposto, provavelmente, veria o seu bem ser objeto de penhora numa execução fiscal, que seria alienado para fins de pagamento do imposto que incidiu sobre ele. Como salienta Carrazza [2], não haveria como evitar que o proprietário da mansão ou o sorteado do veículo não pagassem os respectivos impostos incidentes sobre esses bens. É que, o que vale para efeito da capacidade contributiva, é o signo de riqueza e não as condições econômicas do contribuinte.

Uma maneira mais compreensível que Carrazza exemplifica como um patrimônio, seja um carro ou uma mansão, que representa um signo de riqueza, é que se um deles for vendido, o cidadão o substituirá por dinheiro. Daí não se poderá se afirmar que o seu possuidor não tenha recursos para pagar tributo. Esse seria o significado básico da Capacidade Contributiva.

Outra especulação, qual relação poderá existir entre o princípio da capacidade contributiva e o princípio da proibição da exigência de tributo com efeito de confisco? Ora, ao mencionarmos a pouco um sujeito que seja proprietário de uma mansão, mas que não tenha renda suficiente para pagar o tributo incidente sobre abastada propriedade não estaria isento de tributo. Não teríamos nesse caso um confisco? A dúvida parece ser pertinente, pois se ele não pode pagar, e perder tal bem em benefício do Estado, não haveria aí um confisco?

Tais dúvidas certamente não são somente nossas. Ao iniciar os estudos sobre o Princípio da Capacidade Contributiva, fui, antes de me debruçar nos compêndios dos mais avalizados cientistas do Direito Tributário, na busca de artigos dos mais eminentes profissionais da área jurídica, para verificar se alguém já escrevera sobre o tema. Na internet, há uma abundância de trabalhos sobre o assunto, alguns tangenciando superficialmente a questão, outros indo diretamente ao ponto do significado ou restringindo-se quanto ao alcance do Princípio.

Dentre várias monografias, deveras interessante é a do advogado tributarista mineiro Alberto Monteiro Alves. Indaga o ilustre jurista: "Qual o alcance do princípio da capacidade contributiva, abrigado no artigo 145, § 1º da Constituição Federal?"

Ele mesmo responde:

"O tema da capacidade contributiva vem sendo discutido há muito pela doutrina.

No Brasil, o assunto foi objeto de acirrados debates por parte dos especialistas a partir da Constituição Federal de 1946, onde coloca, através do art. 202, o princípio segundo o qual os tributos deveriam ser graduados conforme a capacidade econômica dos contribuintes.

A Emenda Constitucional nº 18, de 1º de dezembro de 1965, retira o dispositivo do texto constitucional; o mesmo aconteceu com a Carta de 1967 e a Emenda nº 1, de 1969.

A Constituição de 1988, traz, dentre suas inúmeras virtudes, a de devolver ao princípio da capacidade contributiva a atenção constitucional que este tema requer.

Este princípio encontra importantes aplicações nas relações entre o fisco e o contribuinte, constituindo-se no centro do Estado de Direito no campo tributário.

Apesar de norma fundamental, a linha de contorno não está suficientemente bem definida, gerando dúvidas no seu campo de aplicação quanto aos seus efeitos.

A capacidade contributiva envereda por caminhos diversos de outros princípios e institutos jurídicos [3]"

Em que pese a importante contribuição do citado jurista, ele não avança no esclarecimento do significado do princípio, mas apenas corrobora o nosso entendimento quanto às dúvidas já mencionadas. Quando percebemos a avidez do Estado na criação de novos impostos, tais como o CPMF e a carga pesada nos nossos ombros gerada pelo imposto de renda, sentimos que, ou o princípio da capacidade contributiva não é respeitado, ou realmente os fundamentos que o norteiam não são bem compreendidos pela maioria, nem pelo fisco e nem pelo contribuinte.

Não é fácil aceitar que a exigência do Imposto de Renda e outros Proventos respeite o princípio da capacidade contributiva. Optando o Estado por não corrigir anualmente a tabela desse imposto, a cada ano, ele abocanha importante parcela das nossos rendas, as quais não se sabe realmente se são rendas, pois parte substancial delas imprescindível ao sustento da família serve para amansar o famoso "leão".

O princípio da capacidade contributiva parece também ser ignorado na exigência do CPMF, um imposto que incide sobre movimentação de contas correntes bancárias, cujos valores taxados já foram alvos de outros impostos, tais como o imposto de renda e a IOF.

Portanto, este estudo rastreará o entendimento dentre vários doutrinadores de escol do Direito Tributário e levar-se-á em conta o que contém a jurisprudência, para, ao final, concluirmos quanto ao significado do princípio e quais impostos que realmente acolhem a sua abrangência.

Para levarmos adiante este modesto trabalho de forma satisfatória, vale a pena considerarmos o que Roberto Quiroga Mosquera orienta na sua obra "Renda e Proventos de Qualquer Natureza – O Imposto e o Conceito Constitucional". Aduz esse autor:

"Geraldo Ataliba dizia que é totalmente impossível cogitar-se de estudar qualquer conceito que tenha sido tratado pelo Texto Maior sem almejar compreendê-lo no contexto da Constituição globalmente considerada, isto é, somente uma interpretação sistemática da Carta Constitucional é que nos dará os contornos precisos de um conceito nela injetado. Maximiliano, ao discorrer sobre o processo sistemático de interpretação, qualifica-o como método comparativo de determinados dispositivos com outros do mesmo repositório ou de leis diversas, mas que se refiram ao mesmo objeto. Ensina o ilustre hermeneuta que o Direito não constitui um conglomerado de preceitos caóticos, sem sentido e desprovidos de uma conexão íntima. O Direito, diz ele, constitui vasta unidade, organismo regular, sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora fixada cada uma no seu lugar próprio. Cada um desses preceitos é membro de um grande todo, por isso do exame em conjunto resulta bastante luz para o processo interpretativo." [4]

Quiroga, ao valer-se dessas valiosas lições, teve em mente extrair um conceito constitucional da palavra "renda" e da expressão "proventos de qualquer natureza", meta que coincide de certa forma com a que perseguimos neste trabalho, pois é isto que pretendemos, captar um conceito ou uma significação do princípio da capacidade contributiva. Para atingirmos tal objetivo teremos mesmo que atuar, como muito bem salienta esse autor, num contexto maior onde o referido princípio se situa, que também é a Constituição Federal.

Tentar estudar determinado fenômeno, seja jurídico ou não, fora do seu contexto, pode-se chegar à conclusões equivocadas. No caso do princípio da capacidade contributiva será necessário transitar por toda a Carta Magna e absorver desde os princípios fundamentais e garantias individuais do cidadão até àqueles restritos ao sistema do Direito Tributário. É o que pretendemos fazer para elaboração da presente monografia.


3.O Significado Etimológico de Princípio

Para conseguirmos, ao final, construir com êxito, não só um conceito, mas o significado preciso da expressão "capacidade contributiva", como também o seu alcance, será necessário a obtenção de uma visão global dos princípios que norteiam a Carta Magna, sejam aqueles considerados fundamentais, sejam aqueles que inspirem os direitos e garantias fundamentais ou aqueles concernentes aos princípios gerais do Sistema tributário Nacional.

Todavia, antes de também discorrermos acerca de tais princípios, ainda será necessário assimilarmos adequadamente o significado da palavra princípio, não tão somente no seu significado idiomático, mas, especificamente no seu sentido jurídico.

Carrazza [5] aduz que, "Etimologicamente, o termo "princípio" (do latim principium, principii ) encerra a idéia de começo, origem, base. Em linguagem leiga é, de fato, o ponto de partida e o fundamento (causa) de um processo qualquer."

Sem dúvida, na sua origem etimológica, princípio sempre dá a idéia de começo ou o início de qualquer situação. A Bíblia, em Gênesis, no relato da criação do mundo, o narrador inicia essa expressão para situar como o mundo era ante da decisão do Criador: "No princípio, Deus criou os céus e a terra."

Carrazza, entretanto, pesquisa e localiza um significado no período clássico:

"Introduzida, na Filosofia, por Anaximandro, a palavra foi utilizada por Platão, no sentido de fundamento do raciocínio (Teeteto, 155 d), e por Aristóteles, como a premissa maior de uma demonstração (Metafísica, V. 1,1.012 b 32 – 1.013 a 19). Nesta mesma linha, Kant deixou consignado que "princípio é toda proposição geral que pode servir como premissa maior num silogismo"(Crítica da Razão Pura, Dialética, II.A).

Por igual modo, em qualquer Ciência, princípio é começo, alicerce, ponto de partida. Pressupõe, sempre, a figura de um patamar privilegiado, que torna mais fácil a compreensão ou a demonstração de algo. Nesta medida, é ainda, a pedra angular de qualquer sistema." [6]

Geraldo Ataliba, citado por Carrazza, contribui com o seu entendimento:

"O caráter orgânico das realidades componentes do mundo que nos cerca e o caráter lógico do pensamento humano conduzem o homem a abordar as realidades que pretende estudar, sob critérios unitários, de alta utilidade científica e conveniência pedagógica, em tentativa de reconhecimento coerente e harmônico da composição de diversos elementos em um todo unitário, integrado em uma realidade maior.

A esta composição de elementos, sob perspectiva unitária, se denomina sistema." [7]

E Carrazza, complementando Ataliba, inspirando-se nos ensinamentos de Étienne Bonnot de Condillac, define o signo sistema:

"Sistema, pois, é a reunião ordenada das várias partes que formam um todo, de tal sorte que elas se sustentam mutuamente e as últimas explicam-se pelas primeiras. As que dão razão às outras chamam-se princípios, e o sistema é tanto mais perfeito, quanto em menor número existam [8]."

Destarte, no sistema há um conjunto de elementos que se integram porque estão harmônicos entre si. Mas para que haja essa integração há uma razão que sustenta a união, como uma premissa maior que dá sentido à premissa menor. Essa premissa maior se denomina princípio.

Valemo-nos, a seguir, da contribuição de Paulo de Barros Carvalho:

"Em Direito, utiliza-se o termo "princípio" para denotar as regras de que falamos, mas também se emprega a palavra para apontar normas que fixam importantes critérios objetivos, além de ser usada, igualmente, para significar o próprio valor, independentemente da estrutura a que está agregado e, do mesmo modo, o limite objetivo sem a consideração da norma". [9]

Fazendo tal reflexão semântica, Carvalho divisa quatro usos distintos para a palavra princípio: a) como norma jurídica de posição privilegiada e portadora de valor expressivo; b) como norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos; c) como os valores insertos em regras jurídicas de posição privilegiada, mas considerados independentemente das estruturas normativas; e d) como o limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem levar em conta a estrutura da norma. Diz o mesmo cientista: "Nos dois primeiros, temos "princípio’ como "norma"; enquanto nos dois últimos, "princípio" como "valor" ou como "critério objetivo".

Muitas outras considerações Paulo de Barros Carvalho teceu para explicar o significado semântico da palavra princípio, mas que não nos alongaremos a apreciá-las. Todavia, ao final, o referido autor ensina:

"Seja como for, os princípios aparecem como linhas diretivas que iluminam a compreensão de setores normativos, imprimindo-lhes caráter de unidade relativa e servindo de fator de agregação num dado feixe de normas. Exercem eles uma reação centrípeta, atraindo em torno de si regras jurídicas que caem sob seu raio de influência e manifestam a força de sua presença. Algumas vezes constam de preceito expresso, logrando o legislador constitucional enunciá-los com clareza e determinação. Noutras, porém, ficam subjacentes à dicção do produto legislado, suscitando um esforço de feitio indutivo para percebê-los e isolá-los. São os princípios implícitos. Entre eles e os expressos não se pode falar em supremacia, a não ser pelo conteúdo intrínseco que representam para a ideologia do intérprete, momento em que surge a oportunidade de cogitar-se de princípios e de sobre princípios."

Ao abordar um estudo sobre os Princípios Fundamentais do Imposto de Renda, o advogado Ricardo Mariz de Oliveira, afirmou que os princípios são os alicerces de um sistema jurídico, ou de um subsistema, inclusive de um determinado objeto de regulação jurídica. Segundo Mariz, Celso Antonio Bandeira de Mello, citado por Geraldo Ataliba na Revista de Direito Mercantil n.º 56, p. 6, asseverou:

Princípio – já averbamos alhures – é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura neles esforçada [10]."

Acrescenta Ricardo Mariz mais uma contribuição ao significado dos princípios:

"Exercendo esse papel primordial, os princípios atuam com a mesma função das fundações de um edifício. Tanto quanto estas sustentam a solidez de toda a estrutura sobre elas construídas, os princípios jurídicos atuam de maneira a sustentar a validade eficaz, bem como a consistência, ¸daquilo a que se referem, ¸seja todo um sistema jurídico (por exemplo, o sistema constitucional democrático, para o qual é essencial o princípio da representatividade, dentre outros), seja um subsistema (por exemplo, o chamado "sistema Tributário Nacional", baseado no princípio da estrita legalidade, dentre outros), seja um objeto menor regido pela Constituição, ou até por legislação infraconstitucional (por exemplo, o imposto de renda, cujos princípios veremos neste breve estudo)."

Ainda para Mariz, a expressão "princípios fundamentais" chega a ser redundante, pois que princípios são os próprios fundamentos de um dado sistema, subsistema ou objeto menor.

No âmago do estudo do DIREITO CIVIL - INTRODUÇÃO, Francisco Amaral [11]leciona que os princípios jurídicos são pensamentos diretores de uma regulamentação jurídica. Diz ele que, como diretrizes gerais e básicas, os princípios fundamentam e dão unidade a um sistema ou a uma instituição. Dessa forma, acrescenta o mesmo autor, o direito, como sistema, seria assim um conjunto ordenado segundo princípios.

Temos ainda que considerar a expressão "Princípios Gerais de Direito", que no "Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva" tem o seguinte significado: "Princípios gerais de direito são os princípios que decorrem do próprio fundamento da legislação positiva, que, embora não se mostrando expressos, constituem os pressupostos lógicos necessários das normas legislativas [12]."

O art. 108, do CTN também faz referência, além dos princípios gerais de direito tributário, aos princípios gerais do direito público, porém, fazendo um alerta no seu art. 109, que os princípios gerais de direito privado utilizam-se para a pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e forma, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.

Logo, quando nos referimos aos princípios constitucionais gerais ou aos princípios constitucionais tributários, podemos afirmar que tais princípios se inserem num rol de princípios gerais de direito, mas que no âmago do direito tributário somente se é permitido aplicar estritamente aqueles princípios, sendo vedado o uso dos provenientes do direito privado, a não ser para a pesquisa de definição, do conteúdo e do alcance dos seus institutos, conceitos e formas.


4.Os Princípios Constitucionais Gerais e os Princípios Constitucionais Tributários

A Constituição Federal é regida por muitos princípios. Ensina Ataliba [13] que três princípios devem ser considerados como fulcro em torno do qual se ergue o edifício das instituições republicanas, no direito positivo brasileiro, operando como premissas básicas. Em grau de igualdade de importância estão os princípios da legalidade, da isonomia e da intangibilidade das liberdades públicas, expandidos em clima, consoante assevera ainda Ataliba, no qual se asseguram a certeza e segurança do direito.

Paulo de Barros Carvalho [14] relaciona os princípios gerais que influem mais diretamente nos fenômenos jurídicos tributários. São eles: o princípio da justiça, o princípio da certeza do direito, o princípio da segurança jurídica, o princípio da igualdade, princípio da legalidade, princípio da irretroatividade das leis, princípio da universalidade da jurisdição, princípio que consagra o direito de ampla defesa e o devido processo legal, princípio de isonomia das pessoas constitucionais, princípio que afirma o direito de propriedade, princípio da liberdade do trabalho, princípio que prestigia o direito de petição, princípio da supremacia do interesse público ao do particular e o princípio da indisponibilidade dos interesses públicos

No âmago dos princípios constitucionais estritamente tributários, encontraremos o princípio da estrita legalidade, princípio da anterioridade, princípio da irretroatividade da lei tributária, princípio da tipologia tributária, princípio da proibição de tributo com efeito de confisco, princípio da vinculabilidade da tributação, princípio da uniformidade geográfica, princípio da não-discriminação tributária, em razão da procedência ou do destino dos bens, princípio da territorialidade da tributação e o princípio da indelegabilidade da competência tributária.

Curiosamente, no seu rol dos princípios constitucionais tributários, Paulo de Barros Carvalho não faz referência ao princípio da capacidade contributiva. Porém, quando ele trata do princípio da proibição de tributo com efeito de confisco, faz considerações como se estivesse cogitando do princípio tema do nosso trabalho. Destarte, quando o citado tributarista diz "De evidência que qualquer excesso impositivo acarretará em cada um de nós a sensação de confisco.", leva-nos a pensar que dentro desse pensamento também esteja implícito o princípio da capacidade contributiva.

Não é absurdo chegar-se à essa dedução, pois há entre os dois princípios uma íntima relação. Ora, cobra-se tributo além da capacidade contributiva, teremos como efeito um verdadeiro confisco.

A nossa dedução tem lógica se observarmos o que Carrazza pensa dessa ínfima relação entre os dois princípios. Em seu trabalho, quando aborda a capacidade contributiva e a não confiscatoriedade, o referido tributarista assim se refere:

"Estamos convencidos de que o princípio da não confiscatoriedade, contido no art. 150, IV, da CF ( pelo qual é vedado "utilizar tributo com efeito de confisco"), deriva do princípio da capacidade contributiva. Realmente, as leis que criam impostos, ao levarem em conta a capacidade econômica dos contribuintes, não podem compeli-los a colaborar com os gastos públicos além de suas possibilidades. Estamos vendo que é confiscatório o imposto que, por assim dizer, "esgota" a riqueza tributável das pessoas, isto é, não leva em conta suas capacidades contributivas [15]."

Não vamos esmiuçar neste trabalho o significado de cada princípio, pois acabaríamos indo além dos limites traçados para esta monografia. Limitar-nos-emos ao estudo do princípio da capacidade contributiva e a sua estreita ligação com vários dos princípios, sejam gerais ou constitucionais.


5.Estreita Ligação Entre o Princípio da Capacidade Contributiva e Demais Princípios Constitucionais Gerais e Tributários

Temos observado em vasta discussão doutrinária que o princípio da capacidade contributiva é a aplicação do princípio constitucional da igualdade, previsto no art. 5º, caput da Constituição Federal, no âmbito do Direito Tributário.

Dispõe o art. 5º da Carta Magna:

"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade."

Para Angela Maria da Motta Pacheco [16], o princípio da igualdade, da isonomia, da justiça é aquele que informa todo o sistema jurídico. Ainda ela complementa: "Por este todos aqueles que se encontrem numa mesma situação fática devem ser tratados com igualdade [17]."

Diz mais, a mesma autora, "Mais ainda quando o tema é o tributo. A igualdade, no campo do direito tributário revela-se pelo princípio da capacidade contributiva, tal como explícito no texto do art. 145.§ 1º [18]."

José Maurício Conti [19], ao abordar sobre esse tema, aduz que o princípio da capacidade contributiva ultrapassa as fronteiras de um simples princípio constitucional. A idéia de igualdade está vinculada à justiça. A igualdade é o sistema nuclear de todo o nosso sistema constitucional. É princípio básico do regime democrático e do Estado de Direito.

Vale a pena transcrever as relevantes considerações do constitucionalista Alexandre de Moraes, citado num trabalho da jurista de Belo Horizonte, Patrícia Brandão Paoliello:

"A Constituição Federal de 1988 adotou o Princípio da Igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito..." [20]

É óbvio que o sistema constitucional vigente em nosso país jamais conseguirá fazer com que todos os indivíduos sejam iguais, pois as pessoas são na essência desiguais. É a razão porque se ouve de todos os tratadistas que o Direito deve considerar estas desigualdades e atribuir um tratamento desigual entre os cidadãos, de modo a fazer com que os efeitos das desigualdades naturais entre estes sejam minimizados.

Muito bem, com tais considerações. Mas é de se indagar se, ao fazermos tais conjecturas com relação ao princípio da igualdade, poderemos chegar a um real significado do princípio da capacidade contributiva. Em como haveremos de concluir que o princípio tema do nosso trabalho prestigia a questão do tratamento dos desiguais de forma desigual.

Se ouvirmos somente Bandeira de Mello [21], que afirma ser a capacidade contributiva o critério de discriminação adotado para estabelecer as diferenças entre as pessoas, não conseguiremos aclarar nitidamente o significado do princípio tema. Entretanto, Bernardo Ribeiro de Moraes nos traz excelente contribuição, conforme a seguir.

"Diante do direito tributário, o princípio da igualdade jurídica passa a denominar-se princípio da igualdade jurídica tributária, princípio da igualdade na tributação. Em matéria fiscal, a igualdade de todos perante a lei é entendida como igualdade perante a lei tributária. Gravames jurídicos iguais devem ser estabelecidos para uma mesma categoria de contribuintes, que se acham em condições ou situações iguais [22]."

Esclarece mais o referido doutrinador:

"Em decorrência, diante do princípio da igualdade jurídica tributária, podemos estabelecer as seguintes regras:

c) a existência de desigualdades naturais justifica a criação de categorias ou classes de contribuintes, desde que as distinções sejam razoáveis e não arbitrárias. A lei, sem perder o seu caráter de universalidade, pode estabelecer distinções dirigir-se a grupo de pessoas, contemplar situações excepcionais em que se pode colocar um número indeterminado de indivíduos."

Outro princípio que firma o da capacidade contributiva é o da progressividade. Isso se consegue com a aplicação das alíquotas graduadas, na proporção da percepção de riqueza do indivíduo.

O mecanismo do sistema alíquotas funciona de tal forma que as alíquotas fiquem cada vez mais elevadas na medida da dimensão da riqueza. A inteligência da graduação das alíquotas é alcançar equidade na tributação, o que é o objetivo primordial do princípio da capacidade contributiva.

Ensina Roque Antonio Carrazza [23], que o princípio da capacidade contributiva informa a tributação por meio de impostos. Segundo o eminente tributarista, esse princípio está intimamente ligado ao princípio da igualdade, razão porque é um dos mecanismos mais eficazes para que se almeje a tão almejada justiça fiscal. Diz mais, o referido tributarista:

" É por isso que, em nosso sistema jurídico, todos os impostos, em princípio, devem ser progressivos. Por que? Porque é graças ä progressividade que eles conseguem atender ao princípio da capacidade contributiva [24]."

Para Carrazza [25] não remanescem dúvidas, como os demais impostos, o Imposto Sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza exige obediência ao princípio da capacidade contributiva, e para isso, deverá ser progressivo. A posição do ilustre estudioso está em sintonia com o art. 153, § 2º, I, da Constituição Federal, ou seja, "o imposto previsto no inciso III será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade, e da progressividade, na forma da lei."

Vittório Cassone [26] aduz que a " Renda é expressão jurídico-tributária, consistente em acréscimo patrimonial, de caráter pessoal e cuja tributação deve ser graduada segundo a capacidade econômica do contribuinte."

Transmite-nos também o referido mestre: "A capacidade econômica não diz respeito a cada contribuinte, individualmente considerado, mas em função da base de cálculo ou do acréscimo patrimonial tido no regime jurídico que orienta a tributação, verificado durante certo período de tempo estabelecido pela lei [27]."

É ainda em Vittorio Cassone, que buscamos alguns ensinamentos acerca do critério da progressividade. Para ele, "Progressividade significa que à medida que o acréscimo patrimonial aumenta, também aumenta o IR, mas desproporcionalmente a maior. Progressividade é o sistema de tributação em que a alíquota vai aumentando à medida que aumenta a base de cálculo [28]."

José Antonio Francisco e Marcelli Jorge Pellegrina [29], no Curso de Direito Tributário, coordenado por Ives Gandra da Silva Martins, ao analisarem a progressividade das alíquotas em função da área do imóvel para fins do ITR (Imposto Territorial Rural), dizem que, segundo a doutrina, existem dois tipos de progressividade: a fiscal e a extrafiscal, sendo que a primeira seria determinada apenas em função da capacidade econômica do contribuinte, enquanto a segunda, em função de um parâmetro externo ao direito tributário, ligado a um objetivo específico.

Para eles, a progressividade fiscal deve ser função de um parâmetro de medida da capacidade econômica do contribuinte, como o valor venal do imóvel. Mas a Lei n.º 9.393/1996 determina a progressividade das alíquotas do ITR em função da área total do imóvel, que não tem relação alguma com a capacidade econômica do proprietário, uma vez que imóveis de diferentes áreas têm diferentes valores venais (dependendo da localização e qualidade da terra, por exemplo).

Certamente, a adoção de tal critério viola o princípio da igualdade, ao tratar de uma mesma forma contribuintes em situações diferentes (mesma alíquota para proprietários de imóveis de diferentes valores) e, assim, tal progressividade nem sequer pode ser caracterizada como "fiscal".

Os referidos autores ainda salientam:

"Não bastasse isso, o STF, por várias vezes, julgou inconstitucionais leis municipais que instituíam a progressividade do IPTU em função dos valores venais dos imóveis, considerando que impostos reais não podem ser graduados de acordo com a capacidade econômica do contribuinte. Dessa forma, a mesma posição deve ser mantida pelo Supremo Tribunal na eventual apreciação da constitucionalidade da Lei n. 9.393/1996, no que diz respeito à progressividade das alíquotas do ITR em função da área total do imóvel rural [30]."

Outro princípio objeto de breves considerações com vistas a aclarar a nossa compreensão com relação ao princípio da capacidade contributiva é o princípio da pessoalidade.

Luciano Amaro trata do aludido princípio da seguinte forma:

"A personalização do imposto pode ser vista como uma das faces da capacidade contributiva, à qual, sem dúvida, o imposto pessoal deve ser adequado [31]."

Os financistas, como Hugo de Brito Machado [32], classificam os impostos em reais e pessoais. Os impostos pessoais levam em conta as quantificações consideradas as condições pessoais de cada contribuinte, seja na definição da base de cálculo ou da fixação da alíquota. Quanto aos impostos reais, referem-se àqueles, cujas quantificações consideram apenas a matéria tributável.

Para muitos, esta classificação advinda do Direito Romano é considerada obsoleta, uma vez que, ao final, a tributação recairá sempre sobre um contribuinte, ou seja, sobre uma pessoa, não existindo, portanto, a referida distinção.

Todavia, ensina o Mestre Sacha que:

"... Ao falar em pessoalidade, o contribuinte rendeu-se às classificações pouco científicas da Ciência das Finanças. Nem por isso o seu falar é destituído de significado. Dentre as inúmeras classificações dos impostos, avultam-se duas, de resto muito em voga: a que divide os impostos em pessoais e reais e a que os divide em diretos e indiretos [33]."

Com relação ao princípio da proibição da tributação confiscatória, do qual já fizemos perfunctórios comentários, ele está previsto no art. 150, inciso II da Constituição Federal, e sua pretensão finalística é impedir que tanto a União, como aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios se utilize do tributo com efeito de confisco. A sua disposição se compatibiliza tranqüilamente com o direito de propriedade, previsto no art. 5º, inciso XXII, da Constituição Federal e com o art. 145, § 1º que trata da capacidade contributiva.

Menciona Luiz Carlos Trouche Ramina:

"É elementar que só cabe imposição tributária quando se está diante de fatos que denotem fundamento econômico e, considerando que a tributação interfere no patrimônio das pessoas de forma a subtrair parcelas expressivas de bens, não resta dúvida de que será inconstitucional a imposição de cargos superiores à força desse patrimônio [34]."

Acrescenta ainda o mesmo autor:

Tributos confiscatórios são os que absorvem todo o valor da propriedade, aniquilam a empresa, ou impedem o exercício da atividade lícita ou moral. Todavia, é tormentosa a tarefa de fixar limite para o que seja confisco, cuja configuração e aferição envolvem grande margem de subjetivismo. Assim, uma alíquota de 25% para o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza pode não configurá-la, mas a mesma alíquota sobre o imposto de transmissão de bens móveis indubitavelmente caracterizará confisco de propriedade. O Poder Público, portanto, deverá se comportar pelo critério de razoabilidade, evitando insolvências e falências, bem como permitir a subsistência e a dignidade das pessoas [35].


6.O Princípio da Capacidade Contributiva

6.1. Doutrina

Consoante já mencionado no início deste trabalho, dispõe o § 1º, do art. 145 da Constituição Federal de 1988 que, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. Imediatamente, já poderemos extrair um entendimento de que o princípio da capacidade contributiva não se refere a todos os tributos, mas tão somente a imposto. Não haverá a sua aplicação à taxa nem não pouco à contribuição de melhoria.

A outra menção, digna de nota, que se extrai do aludido dispositivo, é o caráter de pessoalidade do princípio, o que se pode compreender como a condição estrita do contribuinte alvo da incidência, ou seja, somente haverá interesse da condição econômica daquele indivíduo e não de um terceiro.

A condição econômica do contribuinte é outro requisito para que se aplique o princípio em comento. É nele que supomos haver controvérsias, no que se refere ao sentido do que seja realmente a condição econômica. O que se pretende averiguar é se condição econômica é a renda do sujeito passivo, proveniente de salário, quando se refere a empregado, ou honorários no caso do profissional liberal, ou pró-labore de empresário, bem como dividendos pagos aos sócios de uma empresa, ou estamos falando do seu patrimônio físico, tal como imóvel, veículo, etc.

Os mestres Cortés Domingues e Martín Delgado, citados por Alberto Monteiro Alves [36], ensinam que a capacidade econômica absoluta se refere à aptidão abstrata para concorrer aos gastos públicos, tendo a ver com a definição legal de quem são os sujeitos e quais os fatos que têm ou indicam a existência daquela idoneidade. Por outro lado, acrescentam os referidos autores, capacidade econômica relativa, que supõe a absoluta, se dirige a delimitar o grau de capacidade, o "quantum". Opera, pois, no momento de determinações da quota. Nesta segunda vertente, a capacidade contributiva tem a ver com a aptidão específica e concreta de cada contribuinte de per si em face dos fatos geradores previstos na lei.

O que se extrai também do referido dispositivo constitucional é uma condicionante representada em "sempre que possível", a qual poderá se entendida por um mais afoito, de que a capacidade contributiva será aplicada ao alvedrio do fisco, o que não é verdade. Quando a lei diz "sempre que possível", na verdade está impondo a necessária observância da capacidade sempre que houver a condição, desobrigando o sujeito ativo quando realmente não haja alguma forma de mensurar a condição econômica do contribuinte para fins da tributação nos limites da sua capacidade.

Sobre o assunto o mestre Aliomar Baleeiro leciona:

"O art. 145, §1º, fala em pessoalidade sempre que possível. A cláusula sempre que possível não é permissiva, nem confere poder discricionário ao legislador. Ao contrário, o advérbio sempre acentua o grau da imperatividade e abrangência do dispositivo, deixando claro que, apenas sendo impossível, deixará o legislador de considerar a pessoalidade para graduar os impostos de acordo com a capacidade econômica subjetiva do contribuinte. E quando será impossível? A doutrina costuma apontar a hipótese dos impostos que são suportados pelo consumidor final, como exemplo de tributação não-pessoal. É que nos impostos incidentes sobre a importação, a produção ou a circulação, o sujeito passivo, que recolhe o tributo aos cofres públicos (o industrial ou o comerciante), transfere a um terceiro, o consumidor final, os encargos tributários incidentes. Tornar-se-ia muito difícil, senão impossível, graduar o imposto sobre produtos industrializados ou sobre operação de circulação de mercadoria de acordo com a capacidade econômica da pessoa que adquire o produto ou a mercadoria para o consumo [37]."

Os impostos indiretos, conforme são denominados pela doutrina a uma categoria de impostos dentro daqueles previstos na Constituição Federal, realmente, configuram a hipótese da impossibilidade da aplicação do princípio da capacidade contributiva, pois comportam, por sua natureza de transferência do respectivo encargo financeiro, conforme a definição disposta no artigo 166, do CTN.

Compreende-se como tais impostos o Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, de competência privativa da União Federal, nos termos do art. 153, inciso IV da Constituição Federal, e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, de competência privativa dos Estados, nos termos do art. 155, inciso II, do mesmo diploma legal.

A impossibilidade, aventada por Baleeiro, se justifica pelo fato desses impostos serem gerados dentro de um ciclo de industrialização e de circulação dos produtos, surgindo, em conseqüência, vários fatos geradores, bem como várias obrigações tributárias com os respectivos Entes Federados constitucionalmente competentes para exigir o tributo.

Sobre a questão, Baleeiro ainda nos salienta:

"O fenômeno, que estamos referindo, da translação ou da repercussão ocorrente nos impostos ditos ‘indiretos’, exigirá um tratamento especial frente aos dois princípios que estamos pondo em contato e resolver-se-á, exclusivamente, na seletividade de alíquotas ou na isenção dos gêneros de primeira necessidade. É que a capacidade econômica demonstrada por quem tem aptidão para o consumo, somente está disponível para o pagamento de tributos, em se tratamento de consumo de gêneros e produtos de necessidade média, de luxo ou supérfluos [38]."

Eis também oportuna lição do Professor Paulo Roberto Coimbra:

"Quanto à capacidade contributiva, abra-se neste ponto necessário parêntesis para frisar, desde logo, que nos impostos plurifásicos incidentes sobre o consumo, busca-se tributar a renda gasta no consumo. Nestes casos, a capacidade contributiva a ser atingida é a do consumidor final, não se podendo onerar o agente intermediário obrigado a recolher o tributo, seja ele contribuinte de jure ou responsável. O industrial, o comerciante e o prestador de serviços, juridicamente obrigados a recolhê-los, não suportam o seu ônus econômico, mas se esquivam de seu encargo financeiro, repassando-o ao consumidor – contribuinte de facto [39]."

Vittorio Cassone faz as seguintes considerações sobre o princípio em comento:

"Com essa disposição, a CF está determinando, como princípio, que a lei deve estabelecer de modo que quem pode mais paga mais, e quem pode menos paga menos, quanto aos impostos. Mas, diz o texto, "sempre que possível", pelo que caberá ao legislador verificar sobre a possibilidade, estabelecendo graduação segundo a capacidade contributiva ou econômica, mas não em relação a cada contribuinte, mas em tese, genericamente.

O XIV Simpósio Nacional de Direito Tributário, realizado em São Paulo em 21-10-89, coordenado por Ives Gandra da Silva Martins, conferência inaugural do Min. Moreira Alves, e a relatoria de Vittorio Cassone, resolveu que: "A expressão ‘sempre que possível’ contida no art. 145, § 4º da CF, significa que os impostos deverão ter, obrigatoriamente, caráter pessoal e ser graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, salvo se, por sua natureza, isso for impossível [40]."

Vale também transcrever mais uma contribuição de Luiz Carlos Trouche Ramina:

"Note-se que este princípio refere-se aos impostos, espécie tributária não vinculada a qualquer atuação estatal, ou seja, independente de qualquer atividade específica do governo tributante em relação ao contribuinte. No que se refere às taxas, o legislador competente deve observar a regra da retributividade ou remuneração. Na contribuição de melhoria respeitar-se-á a regra do benefício advindo da realização de obra pública.

O princípio da capacidade contributiva, em matéria de imposto, fica, portanto, limitada: do mesmo modo que não se pode, igualmente, aniquilar a riqueza por meio da tributação. É a possibilidade de instituir tratamento discriminatório, devendo, entretanto, estar devidamente controlada a relação de pertinência entre a distinção de tratamento tributário e a efetividade da alegada existência de discrepância no grau de riqueza manifestada pelos sujeitos alcançados pela norma de tributação [41]."

Em sua obra "Sujeição Passiva Tributária", Luís Cesar Souza de Queiroz define o conceito do princípio constitucional da capacidade contributiva, da seguinte forma:

"Princípio Constitucional da Capacidade Contributiva é o complemento, necessário e condicionante, do aspecto declaração prescritiva do antecedente da norma constitucional de produção normativa (que dispõe sobre criação de normas impositivas de imposto), portador de elevada carga axiológica, o qual exige que o antecedente da norma impositiva de imposto descreva um fato que ostente sinal de riqueza pessoal, e que o seu conseqüente prescreva a conduta (obrigatória) do titular dessa riqueza de entregar parte dela ao Estado." [42]

Roque Antonio Carrazza fez profundas reflexões sobre o Princípio da Capacidade Contributiva e concluiu o seguinte:

"O princípio da capacidade contributiva hospeda-se nas dobras do princípio da igualdade e ajuda a realizar, no campo tributário, os ideais republicanos. Realmente, é justo que quem, em termos econômicos, tem muito pague, proporcionalmente, mais imposto do que quem tem pouco. Quem tem mais riqueza, deve, em termos proporcionais, pagar mais imposto do que quem tem menor riqueza. Noutras palavras, deve contribuir mais para a manutenção da coisa pública. As pessoas, pois, devem pagar impostos na proporção dos seus haveres, ou seja, de seus índices de riqueza [43]."

Roque ainda acrescenta o seguinte entendimento:

"O princípio da capacidade contributiva informa a tributação por meio de impostos. Intimamente ligado ao princípio da igualdade, é um dos mecanismos mais eficazes para que se alcance a tão almejada Justiça Fiscal [44]."

Roberto Quiroga Mosquera, concordando com Carrazza quanto a ser a capacidade contributiva objetiva, já que não se refere às condições econômicas reais dos indivíduos mas às suas manifestações objetivas de riquezas, salienta que o professor espanhol Lapatza é incisivo quando analisa a questão da capacidade contributiva em sua pátria. Repassa-nos, Quiroga, a lição do referido professor:

"a capacidade contributiva como capacidade econômica significa possuir riqueza, ou, utilizando outros termos, possuir um conjunto de bens econômicos materiais ou imateriais. Em vista disso, o legislador tem como finalidade precípua tributar a riqueza do indivíduo. Muitas vezes, afirma o ilustre ibérico, o legislador delimita quais elementos da riqueza do contribuinte quer gravar: a renda, o patrimônio etc; em outras ocasiões, o legislador quer tributar a riqueza do contribuinte, sem maiores especificações. Portanto, gravar a riqueza é um fim primário, fundamental; é um ponto de referência material das intenções do legislador" [45]

Para Lapatza, segundo Quiroga:

"o objeto material de cada tributo é um bem econômico. Mas nem todos os bens econômicos, é óbvio, são gravados pelos tributos. Cada um grava um ou alguns de terminados bens. A renda, o patrimônio, os bens imóveis, o tabaco, a gasolina, os direitos de hipoteca, os títulos mobiliários, os serviços profissionais, a atividade comercial etc."

Oportunas também são as considerações do advogado supracitado, Alberto Monteiro Alves, quanto a significação do termo capacidade jurídica:

"Pode ser dada, sem distinção, no Plano Jurídico-Positivo; Ético-Econômico e Técnico-Econômico.

No Plano Jurídico-Positico, a capacidade contributiva significa que um sujeito é titular de direitos e obrigações com fundamento na legislação tributária vigente, que é quem vai definir aquela capacidade e seu âmbito.

No Plano Ético-Econômico relaciona-se com a justiça econômica material. Aqui a capacidade contributiva é a aptidão econômica do sujeito para suportar ou ser destinatário de impostos, que depende de dois elementos:

Volume de Recursos que o sujeito possui para satisfazer o gravame; e A Necessidade que tem de tais recursos.

No Plano Técnico-Econômico, são considerados todos os princípios, regras, procedimentos e categorias relativas a operacionalidade e eficácia arrecadatória dos tributos. Segunda esta concepção tem capacidade tributária aqueles que:

Constituam unidades econômicas de possessão e de emprego de recursos produtivos ou de riqueza;

sejam facilmente identificáveis e avaliados pela Fazenda Pública como suscetíveis de imposição; e

estejam em situação de solvência presumidamente suficiente para suportar o tributo." [46]

Alberto Xavier, citado pelo mesmo advogado, traz-nos a seguinte lição:

"Nem todas as situações da vida abstratamente suscetíveis de desencadear efeitos tributários podem, pois, ser designadas pelo legislador como fatos tributáveis. Este encontra-se limitado na sua faculdade de seleção pela exigência de que a situação da vida a integrar na previsão da norma seja reveladora de capacidade contributiva, isto é, de capacidade econômica, de riqueza, cuja expressão sob qualquer forma se pretende submeter a tributo.

Pode o Legislador escolher livremente as manifestações de riqueza que repute relevantes para efeitos tributários, bem como delimitá-las por uma ou outra forma mas sempre deverá proceder a essa escolha de entre as situações da vida reveladoras de capacidade contributiva e sempre a estas se há de referir na definição dos critérios de medida do tributo." (Manual de Direito Fiscal, Vol. I, pág. 108.). [47]

Francisco José de Castro Rezek [48] leciona que o princípio da capacidade contributiva é corolário do princípio da igualdade ( art. 5o. da C.F.), sendo que, deste modo, todos os contribuintes devem concorrer "com o mesmo sacrifício para suportar as despesas e os investimentos necessários à manutenção da atividade estatal".

Salienta Rezek, ainda, considerando que a igualdade real é uma idéia utópica, de escabroso alcance pelo operador do Direito, deve-se tentar buscar as desigualdades do homem, com relação aos bens da vida e em consonância com o ordenamento jurídico, vinculando-se a máxima de que "igualdade é tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades". Deste modo, todos que se encontram em posições diferentes devem ser tratados de forma diferente, procurando assim, harmonia e igualdade na contribuição para o financiamento do Estado.

Roque Antonio Carrazza ressalta que o princípio da igualdade guarda intima relação com o princípio progressividade, e em decorrência disso eles conseguem atender o princípio da capacidade contributiva.

Salienta ainda o referido cientista que a progressividade não deve ser confundida com a proporcionalidade, pois, esta atrita com o princípio da capacidade contributiva, "fazendo com que pessoas economicamente fortes paguem impostos com as mesmas alíquotas". Deste modo, tanto as pessoas economicamente fortes, como as mais fracas estariam pagando tributos na mesma proporção, deixando-se de levar em consideração a capacidade econômica de cada qual.

Pelo princípio da proporcionalidade, considerável contingente da população, que não tem a mínima condição de contribuir com o Estado, estaria em débito. Enquanto, o princípio da progressividade, de forma mais justa e humana, fica longe de atritar com o princípio da capacidade tributária, atingindo de forma igualitária tanto os economicamente fortes, quanto os economicamente fracos.

Dessa forma, a tributação por alíquotas fixas, tendem a contribuir com a desigualdade econômica, obrigando que pessoas, que não tem condições de contribuir, suportem um sacrifício injustificável.

Conseqüentemente, sem a progressividade não há como atingir a igualdade tributária.

Para Angela Maria da Motta Pacheco [49] o art. 154, inciso I, da CF, também é expressão do princípio da capacidade contributiva. Preceitua o referido dispositivo:

"Art. 154 – A União poderá instituir:

I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que não sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição."

Ela justifica o seu entendimento com os seguintes argumentos:

"Assim o inciso I. está proibindo a criação e a existência de impostos com a mesma base de cálculo ou o mesmo fato gerador e, ainda, proibindo, neste caso, o tributo cumulativo. O princípio da não cumulatividade, para os impostos sobre operação de circulação de mercadoria é expressão do princípio da capacidade contributiva. Por este evita-se a superposição da tributação sobre a mesma base de cálculo [50]."

As razões da ilustre tratadista, a meu ver, são consistentes, pois, na medida que se possa admitir que um imposto seja exigido do contribuinte, incidente sobre determinado produto que já vem, desde o início, onerado pelo mesmo imposto, sem o mecanismo da não-cumulatividade, acabará por extrapolar os limites do suportável e tornando inviável a comercialização do referido produto, violando frontalmente o princípio da capacidade contributiva.

Em suma, a partir de tantas e abalizadas opiniões de conceituados cientistas do Direito Tributário, concluímos, em sintonia com Ruy Barbosa Nogueira [51], que o princípio da capacidade contributiva realmente é um conceito econômico e de justiça social e, em consequência, verdadeiro pressuposto da lei tributária.

6.2.A Jurisprudência

Não são raras vezes que contribuintes buscam a Justiça sob o fundamento em que impostos que lhes estão sendo exigidos infringe os princípios da Capacidade Tributária, da isonomia, não confisco e igualdade tributária. Percebe-se, na maioria dos julgados, que os tribunais estão em sintonia com o pensamento da doutrina no que se refere ao conceito ou significado do Princípio da Capacidade Tributária.

No acórdão de n.º 1999.04.01.027743-9, publicado no DJU de 04.04.2001, o então TFR 4ª R., ao apreciar questão sobre a contribuição instituída pela Lei Complementar n.º 84/96, incidente sobre as remunerações dos corretores de seguro, que pretendiam a exclusão de aplicabilidade do adicional de 2,5 % sobre a base de cálculo da contribuição, respaldando-se no princípio da capacidade contributiva, não deu provimento ao recurso por entender que o art. 2º da Lei Complementar n.º 84/96, ao instituir adicional sobre a base de cálculo da contribuição previdenciária, não feriu os preceitos constitucionais. O argumento daquele Tribunal é que "O princípio da capacidade contributiva significa que os impostos devem ser graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte".

O que se pretendia, daquele recurso, que o referido adicional, instituído pela Lei Complementar 84/96 não incidisse nas remunerações pagas pelos serviços prestados pelos corretores de seguros, o que foi rechaçado pela decisão, pois a incidência estava nos limites das possibilidades econômicas das seguradora.

Em outro julgado (TAPR – RN-AC 137261-2 – (10786) – 5ª C.Cív. – Rel. Juiz Tufi Maron Filho – DJPR 02.06.2000), fundamentado na ofensa ao princípio da isonomia e da capacidade tributária, houve a seguinte decisão: "A legislação infra-constitucional, Federal e Municipal, que estabelece tratamento privilegiado para as sociedades de profissionais, permitindo a cobrança anual do ISS pelo regime de alíquotas fixas ou variáveis, conforme o número de profissionais que as integrem, é incompatível com o princípio da igualdade tributária prevista no inc. II, do art. 150, da nova CF, que expressamente vedou à União, Estados e Municípios: "instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação profissional ou função por eles exercida, independente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos."

Deduz-se do referido julgado que a legislação estabeleceu uma cobrança anual do ISS, cujas alíquotas fixas ou variáveis variavam de acordo com o número de profissionais que integrassem suas respectivas sociedades, criando uma situação de desigualdade entre elas, ou seja, uma sociedade com uma equipe menor pagaria menos imposto e outra maior pagaria maior imposto, situação que afetava o princípio da igualdade tributária.

Não foi caso de infringência ao Princípio da Capacidade Contributiva, o fato de um contribuinte, que tendo declarado o seu débito pela guia de informação e apuração de ICMS, tendo o imposto incidido sobre o referido débito, alegar dificuldades financeiras em face da conjuntura econômica do país, o que afetou a sua possibilidade de recolher o imposto, conforme decidido no Acórdão de n.º 0060450-8, pelo TJPR (DJPR de 22.02.1999)

O STF consolidou o seguinte entendimento:

"O IPTU, como imposto de natureza real que é, incidindo sobre a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do município (CTN art. 32), não pode variar segundo a presumível capacidade contributiva do sujeito passivo. 2. A única progressividade admitida pela Constituição Federal de 1988 é a extrafiscal (art. 182, § 4º, II), que, todavia, depende de lei federal. 3. Daí a declaração de inconstitucionalidade de normas de leis municipais de Belo Horizonte (RE 153.771) e São Paulo (RE 204.827), que instituíram a progressividade do IPTU, segundo a localização e o valor do imóvel. 4. Examinou-se, nesse último precedente, a Lei nº 10.921/90, do Município de São Paulo, a mesma que é objeto de questionamento nestes autos. 5. Agravo improvido." (STF – AgRg-AI 194.852-3 – SP – 1ª T. – Rel. Min. Sydney Sanches – DJU 11.12.1998 – p. 03)

Temos, portanto, que a progressividade, que é um instrumento que dinamiza o Princípio da Capacidade Contributiva, rechaçada pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando aplicada ao IPTU, cujas alíquotas são fixadas segundo a localização e do valor do imóvel. Decidiu, portanto, o STF que a progressividade somente é admitida pela Constituição Federal quando for extrafiscal.

O STJ decidiu que a base de cálculo do IPVA é o valor venal do veículo, onerando o contribuinte segundo a grandeza do seu patrimônio, observado, assim, o princípio da capacidade contributiva (STJ – ROMS – 8309 – RJ – 2ª T. – Relª Minª Laurita Vaz – DJU 08.10.2001 – p. 00189), o que nos remete às primeiras considerações, logo no início deste trabalho, com base no entendimento de Carrazza, ou seja, o que vale para efeito da capacidade contributiva é o signo de riqueza e não as condições econômicas do contribuinte.

Enfim, o então TRF 5ª R., ao julgar o Agravo de Instrumento de n.º 10.275-CE, publicado no DJU, de 28/11/1997, assim comentou com relação ao princípio em comento: "O princípio da capacidade contributiva não impõe uma dicotomia plena entre os contribuintes, mas uma estratificação desses, a qual levará em conta não só seus rendimentos brutos, mas também os gastos necessários para sua manutenção e de seus dependentes"


Conclusão

O Princípio da Capacidade Contributiva, previsto no art. 145, § 1o. da Constituição Federal, deve ser compreendido como uma diretriz obrigatória a guiar todo o ordenamento tributário, e não apenas aos impostos, conforme entendimento já manifestado pelo Supremo Tribunal Federal (AGRRE-216259/CE. J. 09/05/2000. DJ 19.05.2000.P 00018./ RTJ 174-3.P.911).

O Princípio da Capacidade Contributiva tem como pressuposto efetivo, não só limitar o poder do Estado na exigência tributária, mas estabelecer critérios de forma que cada contribuinte possa recolher tributos em consonância com a riqueza que efetivamente disponha, sem que ela seja diminuída.

O Estado ao mensurar tal riqueza, não se restringe a meras condições econômicas do cidadão, mas a um signo de riqueza que ele ostente, seja patrimônio mobiliário ou imobiliário ou renda de origem das mais diversas.

Por outro lado, é poder discricionário do Estado escolher qual signo de riqueza ele pretende tributar. Num momento, poderá ser a renda, em outro um bem móvel ou imóvel, como também o combustível.

Ainda dentro desse poder discricionário do Estado, em que pese o princípio da capacidade contributiva somente referir-se a impostos, é possível estender-se o princípios à taxas e contribuição de melhorias através de leis ordinárias.

A efetividade do princípio da capacidade contributiva depende da sua conjunção com outros princípios, tais como o da legalidade, da igualdade, da segurança jurídica, da não confiscatoriedade, da pessoalidade e da progressividade.

De fato, não poderá o indivíduo ter a certeza da inviolabilidade do seu patrimônio ou receio da perda dos seus bens, se não houver a garantia do princípio da legalidade, ou seja, que um tributo não venha a lhe ser exigido sem que uma lei anterior o defina.

Não haverá uma adequada aplicação do princípio da capacidade contributiva, se a exigência tributária não tiver critérios que equilibrem as condições desiguais dos indivíduos, de forma que o que tiver mais recursos realmente pague mais que o menos aquinhoado.

Esse princípio da igualdade dependerá muito de outro, que é o princípio da progressividade, pelo qual se cria mecanismos onde alíquotas diferentes solucionam as questões de desigualdades.

O princípio da não confisco talvez seja o que esteja mais íntimo ao princípio da capacidade contributiva, pois a mera ocorrência de alguma exigência tributária que exceda os limites da capacidade econômica do indivíduo, fatalmente teremos o fenômeno do confisco.

Enfim, o princípio da capacidade contributiva visa promover justiça social, onde todos pagam o imposto como pode e recebem os serviços do Estado de forma igualitária. Explicando em outra vertente, paga menos imposto quem pode pagar menos e paga mais quem pode pagar mais, mas não de forma simples como quem tem dois paga um quem tem quatro paga dois, mas sim, por intermédio de critérios técnicos aplicados em uma tabela progressiva que contemplem as condições dos desiguais, pelo menos em tese.

Diz-se, pelo menos em tese, porque vemos fatos que ocorrem, com as decisões de governo que parecem opor-se aos princípios até agora cogitados, mormente, o princípio da capacidade contributiva.

O fato da não correção da tabela do Imposto de Renda e Outros Proventos por tão longo tempo é, sem sombra de dúvidas, uma afronta ao princípio em estudo, como também é o CPMF, em que pese esse tributo ter sido acolhido pelo STF,o que é um absurdo.


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Notas

1 ACQUAVIVA, M. C. Teoria Prática do Direito. São Paulo: Brasiliense Coleções, p. 129.

2 CARRAZZA, R. A. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 16. Ed., 2001, p. 67.

3 ALVES, ª M. Alcance do princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º, CF). Jus Navigandi, Teresina, a. 1, n. 5, jan. 1997. Disponível em: jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=1294>. Acesso em: 23 jun. 2004.

4 MOSQUERA, R. Q.. Rendas e proventos de qualquer natureza – O Imposto e o conceito constitucional. São Paulo: Dialética, 1996, p. 72

5 CARRAZZA, op. cit. (nota 2). p. 30

6 Ibid., p. 30

7 Ibid., p. 30

8 Ibid., p. 30

9CARVALHO, P. B.. Curso de direito tributário.São Paulo: Editora Saraiva, 13. Ed., 2000, p. 142

10 MARIZ DE OLIVEIRA, R.Princípios fundamentais do imposto de renda.São Paulo, Dialética, 1998, p. 197

11 AMARAL, F. Direito civil – Introdução. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2. Ed., 1998, p. 89.

12 ACQUAVIVA, M. C. Dicionário jurídico brasileiro acquaviva. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira Ltda., 7ª. Ed., 1995, p. 1143.

13 ATALIBA, G. Sistema tributário constitucional brasileiro. São Paulo, Editora RT, 1966

14 CARVALHO, op. cit. Nota 9.

15 CARRAZZA, op. Cit. (nota 2). P. 73

16 PACHECO, A. M. M. Sanções tributárias e sanções penais tributárias. editora Max Limonad, p. 193.

17 Ibid., p. 193.

18 Ibid., p. 193.

19 Conti, J. M. Princípio tributários da capacidade contributiva e da Progressividade. São Paulo: Dialética, 1997. p. 25

20 PAOLIELLO, P. B.. O Princípio da capacidade contributiva. Jus Navigandi, Terezina, a. 7, n.66, jun. 2003. Disponível em: www.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4138>.Acesso em: 22. Jun. 2004.

21 BANDEIRA DE MELLO, C. A. O Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Editora Malheiros, 1993.

22 MORAES, B. R.. Compêndio de direito tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1997, pp. 116/117.

23 CARRAZZA, op. Cit., p.65, nota 2.

24 CARRAZZA, op. Cit., p.65, nota 2

25 Ibid., p. 83.

26 CASSONE, V. Direito Tributário. São Paulo: Atlas, 1995. p. 209.

27 Ibid, p. 209.

28 Ibid., p. 214

29 FRANCISCO, J. A. ; PELLEGRINA, M. J. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva. p. 477.

30 Ibid., p. 477.

31 AMARO, L. 2001 apud PAOLIELLO, 2003, op. cit. Nota 20.

32 MACHADO, h., 2001 apud PAOLIELLO, 2003, op. cit. Nota 20.

33 SACHA apud ALVES, Alberto Monteiro, op. cit. Nota 3.

34 RAMINA, L. C. T. Iniciação ao direito financeiro e tributário. São Paulo: Editora Resenha Tributária, 2. Ed., 1996, p. 75.

35 RAMINA, op. cit. p. 75.

36 ALVES, op. cit. Nota 3..

37 BALEEIRO, A., 1997 apud PAOLIELLO, op. cit. nota 20.

38 BALEEIRO, A., 1997 apud PAOLIELLO, op. cit. Nota 20.

39 COIMBRA, P. R. A Substituição tributária progressiva nos impostos plurifásicos e não-cumulativos. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

40 CASSONE, V., op. cit. nota 26.

41 RAMINA, op. cit. p. 75.

42 QUEIRÓZ, L.C.S., Sujeição passiva Rio de Janeiro: Forense, 1998.p. 168.

43 CARRAZZA, op. cit. p. 65.

44 Ibid, p. 65.

45 MOSQUERA, op. cit. Nota 4.

46 ALVES, op. cit. Nota 3.

47 ALVES, op. cit. Nota 3.

48 REZEK, F. J. de C. A Defesa do contribuinte no direito brasileiro. São Paulo: IOB ( A Thomson Company), 2002.

49 PACHECO, op. cit. Nota 16.

50 PACHECO, op. cit. Nota 16.

51 NOGUEIRA, R. B. Curso de direito tributário. São Paulo: Editora Saraiva, 1999.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VELTEN, Hermenegildo Henrique Leite. O princípio da capacidade contributiva. Uma abordagem quanto à sua significação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 652, 21 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6609. Acesso em: 19 maio 2024.