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O princípio da capacidade contributiva.

Uma abordagem quanto à sua significação

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O Princípio da Capacidade Contributiva tem sido objeto de acirrados debates entre os vários estudiosos do Direito Tributário, no que se refere ao seu real significado e quanto à sua abrangência. O que se percebe, todavia, é que nenhum deles consegue aclarar adequadamente o sentido do referido princípio. Há quem pense que o fato de alguém possuir uma mansão, mas que aufira uma renda insignificante, não poderia ter esse patrimônio tributado em face do princípio em estudo. Mas, não é bem esse o correto entendimento, pois, o que a lei diz é que o cidadão será tributado quando houver um signo de riqueza e a mansão é essa demonstração da condição para que a exigência seja oponível. Ao destacar essa questão controversa, busca-se, preliminarmente, o estudo etimológico da palavra princípio no que se refere ao significado lingüístico e o que define no âmbito do Direito. Adiante, segue-se com uma análise dos princípios constitucionais gerais e os princípios constitucionais tributários para, posteriormente, aprofundar-se no significado do princípio da capacidade contributiva e, ao final, a apresentação das conclusões.


1.INTRODUÇÃO

1.1.Apresentação

É o objeto da presente monografia o estudo do significado do princípio constitucional da capacidade contributiva. Parece até estranho que alguém cuide de um estudo que persiga tal objetivo, mas o que me motiva a desenvolver o tema visando esclarecer o que realmente se entende pelo referido princípio é o fato da dúvida se realmente os impostos que amiúde reinam pelo território brasileiro são exigidos dos contribuintes levando-se em conta as suas capacidades de os recolherem.

Para levar este trabalho a contento, primeiramente, iniciamos uma abordagem preliminar enfocando alguns pontos que dão margem a dúvidas sobre a aplicação do princípio da capacidade contributiva, como, por exemplo, o que seja realmente a capacidade econômica do indivíduo, se em função da renda que dispõe para a sobrevivência ou se em face do seu patrimônio ou algum signo de riqueza. A seguir, aprofundamos um estudo para entender o significado da palavra princípio, tanto na sua origem etimológica como no seu significado estrito dentro do Direito.

Mais adiante, serão feitos breves comentários aos princípios constitucionais gerais e aos princípios estritamente tributários, entrando, finalmente na abordagem direta do princípio da capacidade contributiva. Na conclusão, busca-se formar uma posição quanto ao real significado do princípio tema e sua abrangência no nosso sistema tributário.

1.2.Metodologia

Consolidada a opção pelo tema objeto desta monografia, iniciamos, de imediato, a uma intensa leitura de todos os artigos que enfocassem qualquer coisa sobre o princípio da capacidade contributiva, sejam provenientes de autores renomados ou de juristas menos conhecidos. A maioria deles foi localizada em sites jurídicos na internet. A partir dessas leituras, foi desenvolvido um projeto enfocando o que seria abordado e como isso seria levado a efeito e quais as obras norteariam a pesquisa.

Deu-se preferência aos autores especialistas do direito tributário utilizados no curso de pós-graduação, indicados pelo IBET, dos quais se destacam Paulo de Barros Carvalho, Roque Antônio Carrazza, Luiz César de Souza Queiroz, Roberto Quiroga Mosquera, Vittório Cassone etc.

À medida que se percebia a necessidade de desenvolver algum assunto não abordado especificamente pelos autores que serviram de base ao trabalho, partia-se na busca de mais informações em outros autores, sem dispensar, por óbvio, a colaboração da doutrina disponibilizada na internet. Afinal, na atualidade, não podemos dispensar tão importante ferramenta de pesquisa.

1.3.Objetivo

É objetivo desta monografia contribuir para o estudo do Direito Tributário, dando-se ênfase ao entendimento do princípio da capacidade contributiva no que se refere ao seu real sentido. O que se deseja realmente saber é como realmente se exige o imposto do cidadão, levando-se em conta a sua capacidade ou possibilidade de arcar com o ônus de pagar o tributo, se em face dos recursos que dispõe no bolso ou no banco ou se em virtude do patrimônio que ostenta. Afinal, o que se pretende desvendar é o que se denomina signo de riqueza.


2.A Capacidade Econômica do Contribuinte

O que nos motivou enfrentar o tema, antes de tudo, foi a consciência de que o estudo do Direito nunca se esgota em si mesmo, pois sempre haverá quem consiga enxergar algo nos meandros da lei não visto antes. Por mais que uma lei, cujo sentido se ache claramente revelado em seu texto, a sua interpretação será sempre imprescindível.

Ensina Marcus Cláudio Acquaviva que aqueles acostumados ao manuseio da legislação sabem muito bem que, por vezes, uma lei aparentemente clara contém sentido que, à primeira vista, não se mostra. Diz o referido autor, que o texto pode parecer límpido e, contudo, possuir um sentido que não se patenteia de imediato.

O jurista supracitado ainda ressalta:

"A descoberta das razões histórico-sociológicas da lei, a revelação dos objetivos do legislador esclarecem, por vezes, um pensamento que não está expresso em palavras. Tal orientação, porém, nem sempre foi obedecida ao longo da história. Houve época em que o brocardo in claris cessar interpretatio, isto é, a clareza da lei dispensaria a interpretação, prevalecia da maneira absoluta. Assim é que o imperador Justiniano (482-565 da era cristã), autor da imorredoura compilação de leis denominada Corpus Juris Civilis, determinou a seguinte cláusula no Terceiro Prefácio do Digesto:

"Quem ousar tecer comentários à nossa compilação de leis cometerá crime de falso, e as obras que compuser serão apreendidas e destruídas."

Esta norma encontrou, porém, oposição na doutrina, especialmente em Ulpiano e Celso. No Digesto, Livro 25, Título 4º, fragmento 1º, § 11, Ulpiano adverte:

"Embora claríssimo o edito do pretor, não cabe descuidar de sua interpretação".

Celso, por sua vez, afirmava:

"Saber as leis não consiste em conhecer-lhes as palavras, mas sua força e poder" (Digesto, Livro 1º, Título 3º, Fragmento 17)." [1]

Dessa forma, consciente das dificuldades que certamente existem no estudo de um tema, principalmente de natureza tributária, pois são ínfimas as correntes diametralmente opostas que se debatem na busca de um entendimento sobre determinada questão, ouso aprofundar-me no estudo do princípio da capacidade contributiva na tentativa de entender-lhe o significado e quais são realmente os seus efeitos em face do contribuinte.

Muitos autores têm se debruçado no estudo desse Princípio expresso no § 1º, do art. 145, da Constituição Federal, com o intuito de dissecar o seu significado, a sua abrangência e a sua relação com os demais princípios constitucionais. Assim dispõe o referido dispositivo:

"Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do Contribuinte."

O pressuposto do princípio da capacidade contributiva consiste na não exigência de impostos além da capacidade econômica do contribuinte, ou seja, ninguém será obrigado a pagar impostos além dos indícios de riqueza que ostente.

Muitas discussões acerca do significado do princípio da capacidade contributiva têm acirrado debates entre vários estudiosos do direito tributário. Afinal, o que realmente significa tal princípio, quando se diz que ninguém poderá pagar mais impostos do que realmente possa pagar? Tal princípio, por acaso, se refere ao dinheiro ou fortuna que o contribuinte dispõe e, nesse caso, haveria uma limitação que impediria tirar desses recursos apenas uma parcela para pagamento do imposto?

Há quem pense, verba gratia, que se um cidadão possui uma mansão numa região nobre, mas que aufira uma renda insignificante, não poderia pagar um IPTU, cuja base de cálculo levasse em conta o valor daquele imóvel, na qual uma tabela progressiva exigisse um valor em patamar insuportável para aquele proprietário. Ou, em outro caso, alguém de parcos recursos que ganhasse um automóvel importado naqueles sorteios que amiúde ocorrem nos Shopping Center, não deveria pagar o IPVA.

Afinal, não seria esse o sentido correto da capacidade contributiva? Como se poderia pagar um imposto incidente sobre um patrimônio tão valioso, se não houvesse uma renda capaz de suportá-lo?

Seria razoável alguém afirmar que a imposição tributária sobre a mansão, colocada como exemplo, tendo o sujeito passivo uma renda tão miserável, que obviamente não tivesse como pagar o tributo, acabaria por perdê-la para o Estado, o que resultaria em confisco, o que é vedado por lei?

É óbvio que, se esse sujeito, não recolhendo o imposto, provavelmente, veria o seu bem ser objeto de penhora numa execução fiscal, que seria alienado para fins de pagamento do imposto que incidiu sobre ele. Como salienta Carrazza [2], não haveria como evitar que o proprietário da mansão ou o sorteado do veículo não pagassem os respectivos impostos incidentes sobre esses bens. É que, o que vale para efeito da capacidade contributiva, é o signo de riqueza e não as condições econômicas do contribuinte.

Uma maneira mais compreensível que Carrazza exemplifica como um patrimônio, seja um carro ou uma mansão, que representa um signo de riqueza, é que se um deles for vendido, o cidadão o substituirá por dinheiro. Daí não se poderá se afirmar que o seu possuidor não tenha recursos para pagar tributo. Esse seria o significado básico da Capacidade Contributiva.

Outra especulação, qual relação poderá existir entre o princípio da capacidade contributiva e o princípio da proibição da exigência de tributo com efeito de confisco? Ora, ao mencionarmos a pouco um sujeito que seja proprietário de uma mansão, mas que não tenha renda suficiente para pagar o tributo incidente sobre abastada propriedade não estaria isento de tributo. Não teríamos nesse caso um confisco? A dúvida parece ser pertinente, pois se ele não pode pagar, e perder tal bem em benefício do Estado, não haveria aí um confisco?

Tais dúvidas certamente não são somente nossas. Ao iniciar os estudos sobre o Princípio da Capacidade Contributiva, fui, antes de me debruçar nos compêndios dos mais avalizados cientistas do Direito Tributário, na busca de artigos dos mais eminentes profissionais da área jurídica, para verificar se alguém já escrevera sobre o tema. Na internet, há uma abundância de trabalhos sobre o assunto, alguns tangenciando superficialmente a questão, outros indo diretamente ao ponto do significado ou restringindo-se quanto ao alcance do Princípio.

Dentre várias monografias, deveras interessante é a do advogado tributarista mineiro Alberto Monteiro Alves. Indaga o ilustre jurista: "Qual o alcance do princípio da capacidade contributiva, abrigado no artigo 145, § 1º da Constituição Federal?"

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Ele mesmo responde:

"O tema da capacidade contributiva vem sendo discutido há muito pela doutrina.

No Brasil, o assunto foi objeto de acirrados debates por parte dos especialistas a partir da Constituição Federal de 1946, onde coloca, através do art. 202, o princípio segundo o qual os tributos deveriam ser graduados conforme a capacidade econômica dos contribuintes.

A Emenda Constitucional nº 18, de 1º de dezembro de 1965, retira o dispositivo do texto constitucional; o mesmo aconteceu com a Carta de 1967 e a Emenda nº 1, de 1969.

A Constituição de 1988, traz, dentre suas inúmeras virtudes, a de devolver ao princípio da capacidade contributiva a atenção constitucional que este tema requer.

Este princípio encontra importantes aplicações nas relações entre o fisco e o contribuinte, constituindo-se no centro do Estado de Direito no campo tributário.

Apesar de norma fundamental, a linha de contorno não está suficientemente bem definida, gerando dúvidas no seu campo de aplicação quanto aos seus efeitos.

A capacidade contributiva envereda por caminhos diversos de outros princípios e institutos jurídicos [3]"

Em que pese a importante contribuição do citado jurista, ele não avança no esclarecimento do significado do princípio, mas apenas corrobora o nosso entendimento quanto às dúvidas já mencionadas. Quando percebemos a avidez do Estado na criação de novos impostos, tais como o CPMF e a carga pesada nos nossos ombros gerada pelo imposto de renda, sentimos que, ou o princípio da capacidade contributiva não é respeitado, ou realmente os fundamentos que o norteiam não são bem compreendidos pela maioria, nem pelo fisco e nem pelo contribuinte.

Não é fácil aceitar que a exigência do Imposto de Renda e outros Proventos respeite o princípio da capacidade contributiva. Optando o Estado por não corrigir anualmente a tabela desse imposto, a cada ano, ele abocanha importante parcela das nossos rendas, as quais não se sabe realmente se são rendas, pois parte substancial delas imprescindível ao sustento da família serve para amansar o famoso "leão".

O princípio da capacidade contributiva parece também ser ignorado na exigência do CPMF, um imposto que incide sobre movimentação de contas correntes bancárias, cujos valores taxados já foram alvos de outros impostos, tais como o imposto de renda e a IOF.

Portanto, este estudo rastreará o entendimento dentre vários doutrinadores de escol do Direito Tributário e levar-se-á em conta o que contém a jurisprudência, para, ao final, concluirmos quanto ao significado do princípio e quais impostos que realmente acolhem a sua abrangência.

Para levarmos adiante este modesto trabalho de forma satisfatória, vale a pena considerarmos o que Roberto Quiroga Mosquera orienta na sua obra "Renda e Proventos de Qualquer Natureza – O Imposto e o Conceito Constitucional". Aduz esse autor:

"Geraldo Ataliba dizia que é totalmente impossível cogitar-se de estudar qualquer conceito que tenha sido tratado pelo Texto Maior sem almejar compreendê-lo no contexto da Constituição globalmente considerada, isto é, somente uma interpretação sistemática da Carta Constitucional é que nos dará os contornos precisos de um conceito nela injetado. Maximiliano, ao discorrer sobre o processo sistemático de interpretação, qualifica-o como método comparativo de determinados dispositivos com outros do mesmo repositório ou de leis diversas, mas que se refiram ao mesmo objeto. Ensina o ilustre hermeneuta que o Direito não constitui um conglomerado de preceitos caóticos, sem sentido e desprovidos de uma conexão íntima. O Direito, diz ele, constitui vasta unidade, organismo regular, sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora fixada cada uma no seu lugar próprio. Cada um desses preceitos é membro de um grande todo, por isso do exame em conjunto resulta bastante luz para o processo interpretativo." [4]

Quiroga, ao valer-se dessas valiosas lições, teve em mente extrair um conceito constitucional da palavra "renda" e da expressão "proventos de qualquer natureza", meta que coincide de certa forma com a que perseguimos neste trabalho, pois é isto que pretendemos, captar um conceito ou uma significação do princípio da capacidade contributiva. Para atingirmos tal objetivo teremos mesmo que atuar, como muito bem salienta esse autor, num contexto maior onde o referido princípio se situa, que também é a Constituição Federal.

Tentar estudar determinado fenômeno, seja jurídico ou não, fora do seu contexto, pode-se chegar à conclusões equivocadas. No caso do princípio da capacidade contributiva será necessário transitar por toda a Carta Magna e absorver desde os princípios fundamentais e garantias individuais do cidadão até àqueles restritos ao sistema do Direito Tributário. É o que pretendemos fazer para elaboração da presente monografia.


3.O Significado Etimológico de Princípio

Para conseguirmos, ao final, construir com êxito, não só um conceito, mas o significado preciso da expressão "capacidade contributiva", como também o seu alcance, será necessário a obtenção de uma visão global dos princípios que norteiam a Carta Magna, sejam aqueles considerados fundamentais, sejam aqueles que inspirem os direitos e garantias fundamentais ou aqueles concernentes aos princípios gerais do Sistema tributário Nacional.

Todavia, antes de também discorrermos acerca de tais princípios, ainda será necessário assimilarmos adequadamente o significado da palavra princípio, não tão somente no seu significado idiomático, mas, especificamente no seu sentido jurídico.

Carrazza [5] aduz que, "Etimologicamente, o termo "princípio" (do latim principium, principii ) encerra a idéia de começo, origem, base. Em linguagem leiga é, de fato, o ponto de partida e o fundamento (causa) de um processo qualquer."

Sem dúvida, na sua origem etimológica, princípio sempre dá a idéia de começo ou o início de qualquer situação. A Bíblia, em Gênesis, no relato da criação do mundo, o narrador inicia essa expressão para situar como o mundo era ante da decisão do Criador: "No princípio, Deus criou os céus e a terra."

Carrazza, entretanto, pesquisa e localiza um significado no período clássico:

"Introduzida, na Filosofia, por Anaximandro, a palavra foi utilizada por Platão, no sentido de fundamento do raciocínio (Teeteto, 155 d), e por Aristóteles, como a premissa maior de uma demonstração (Metafísica, V. 1,1.012 b 32 – 1.013 a 19). Nesta mesma linha, Kant deixou consignado que "princípio é toda proposição geral que pode servir como premissa maior num silogismo"(Crítica da Razão Pura, Dialética, II.A).

Por igual modo, em qualquer Ciência, princípio é começo, alicerce, ponto de partida. Pressupõe, sempre, a figura de um patamar privilegiado, que torna mais fácil a compreensão ou a demonstração de algo. Nesta medida, é ainda, a pedra angular de qualquer sistema." [6]

Geraldo Ataliba, citado por Carrazza, contribui com o seu entendimento:

"O caráter orgânico das realidades componentes do mundo que nos cerca e o caráter lógico do pensamento humano conduzem o homem a abordar as realidades que pretende estudar, sob critérios unitários, de alta utilidade científica e conveniência pedagógica, em tentativa de reconhecimento coerente e harmônico da composição de diversos elementos em um todo unitário, integrado em uma realidade maior.

A esta composição de elementos, sob perspectiva unitária, se denomina sistema." [7]

E Carrazza, complementando Ataliba, inspirando-se nos ensinamentos de Étienne Bonnot de Condillac, define o signo sistema:

"Sistema, pois, é a reunião ordenada das várias partes que formam um todo, de tal sorte que elas se sustentam mutuamente e as últimas explicam-se pelas primeiras. As que dão razão às outras chamam-se princípios, e o sistema é tanto mais perfeito, quanto em menor número existam [8]."

Destarte, no sistema há um conjunto de elementos que se integram porque estão harmônicos entre si. Mas para que haja essa integração há uma razão que sustenta a união, como uma premissa maior que dá sentido à premissa menor. Essa premissa maior se denomina princípio.

Valemo-nos, a seguir, da contribuição de Paulo de Barros Carvalho:

"Em Direito, utiliza-se o termo "princípio" para denotar as regras de que falamos, mas também se emprega a palavra para apontar normas que fixam importantes critérios objetivos, além de ser usada, igualmente, para significar o próprio valor, independentemente da estrutura a que está agregado e, do mesmo modo, o limite objetivo sem a consideração da norma". [9]

Fazendo tal reflexão semântica, Carvalho divisa quatro usos distintos para a palavra princípio: a) como norma jurídica de posição privilegiada e portadora de valor expressivo; b) como norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos; c) como os valores insertos em regras jurídicas de posição privilegiada, mas considerados independentemente das estruturas normativas; e d) como o limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem levar em conta a estrutura da norma. Diz o mesmo cientista: "Nos dois primeiros, temos "princípio’ como "norma"; enquanto nos dois últimos, "princípio" como "valor" ou como "critério objetivo".

Muitas outras considerações Paulo de Barros Carvalho teceu para explicar o significado semântico da palavra princípio, mas que não nos alongaremos a apreciá-las. Todavia, ao final, o referido autor ensina:

"Seja como for, os princípios aparecem como linhas diretivas que iluminam a compreensão de setores normativos, imprimindo-lhes caráter de unidade relativa e servindo de fator de agregação num dado feixe de normas. Exercem eles uma reação centrípeta, atraindo em torno de si regras jurídicas que caem sob seu raio de influência e manifestam a força de sua presença. Algumas vezes constam de preceito expresso, logrando o legislador constitucional enunciá-los com clareza e determinação. Noutras, porém, ficam subjacentes à dicção do produto legislado, suscitando um esforço de feitio indutivo para percebê-los e isolá-los. São os princípios implícitos. Entre eles e os expressos não se pode falar em supremacia, a não ser pelo conteúdo intrínseco que representam para a ideologia do intérprete, momento em que surge a oportunidade de cogitar-se de princípios e de sobre princípios."

Ao abordar um estudo sobre os Princípios Fundamentais do Imposto de Renda, o advogado Ricardo Mariz de Oliveira, afirmou que os princípios são os alicerces de um sistema jurídico, ou de um subsistema, inclusive de um determinado objeto de regulação jurídica. Segundo Mariz, Celso Antonio Bandeira de Mello, citado por Geraldo Ataliba na Revista de Direito Mercantil n.º 56, p. 6, asseverou:

Princípio – já averbamos alhures – é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura neles esforçada [10]."

Acrescenta Ricardo Mariz mais uma contribuição ao significado dos princípios:

"Exercendo esse papel primordial, os princípios atuam com a mesma função das fundações de um edifício. Tanto quanto estas sustentam a solidez de toda a estrutura sobre elas construídas, os princípios jurídicos atuam de maneira a sustentar a validade eficaz, bem como a consistência, ¸daquilo a que se referem, ¸seja todo um sistema jurídico (por exemplo, o sistema constitucional democrático, para o qual é essencial o princípio da representatividade, dentre outros), seja um subsistema (por exemplo, o chamado "sistema Tributário Nacional", baseado no princípio da estrita legalidade, dentre outros), seja um objeto menor regido pela Constituição, ou até por legislação infraconstitucional (por exemplo, o imposto de renda, cujos princípios veremos neste breve estudo)."

Ainda para Mariz, a expressão "princípios fundamentais" chega a ser redundante, pois que princípios são os próprios fundamentos de um dado sistema, subsistema ou objeto menor.

No âmago do estudo do DIREITO CIVIL - INTRODUÇÃO, Francisco Amaral [11]leciona que os princípios jurídicos são pensamentos diretores de uma regulamentação jurídica. Diz ele que, como diretrizes gerais e básicas, os princípios fundamentam e dão unidade a um sistema ou a uma instituição. Dessa forma, acrescenta o mesmo autor, o direito, como sistema, seria assim um conjunto ordenado segundo princípios.

Temos ainda que considerar a expressão "Princípios Gerais de Direito", que no "Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva" tem o seguinte significado: "Princípios gerais de direito são os princípios que decorrem do próprio fundamento da legislação positiva, que, embora não se mostrando expressos, constituem os pressupostos lógicos necessários das normas legislativas [12]."

O art. 108, do CTN também faz referência, além dos princípios gerais de direito tributário, aos princípios gerais do direito público, porém, fazendo um alerta no seu art. 109, que os princípios gerais de direito privado utilizam-se para a pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e forma, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.

Logo, quando nos referimos aos princípios constitucionais gerais ou aos princípios constitucionais tributários, podemos afirmar que tais princípios se inserem num rol de princípios gerais de direito, mas que no âmago do direito tributário somente se é permitido aplicar estritamente aqueles princípios, sendo vedado o uso dos provenientes do direito privado, a não ser para a pesquisa de definição, do conteúdo e do alcance dos seus institutos, conceitos e formas.

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Sobre o autor
Hermenegildo Henrique Leite Velten

advogado em Vitória (ES), atuante nas áreas cível em geral e trabalhista

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VELTEN, Hermenegildo Henrique Leite. O princípio da capacidade contributiva.: Uma abordagem quanto à sua significação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 652, 21 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6609. Acesso em: 28 mar. 2024.

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