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O STF e a imunidade tributária dos álbuns de figurinhas

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05/06/2018 às 12:00
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Agiu corretamente o Supremo Tribunal Federal ao entender que o álbum de figurinhas deve ser contemplado pela imunidade tributária do artigo 150, VI, d, da Constituição Federal?

"Se me coubesse decidir se deveríamos ter um governo sem jornais ou jornais sem um governo, eu não hesitaria um momento em preferir a segunda alternativa." Thomas Jefferson (1743-1826, segundo Presidente dos Estados Unidos) 


1 - Introdução 

Ao julgar o Recurso Extraordinário nº 221.239, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal deu provimento ao RE, interposto por uma grande e conhecida Editora, contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que havia afastado a imunidade tributária de algumas publicações, no caso em questão, "álbum de figurinhas".

O trabalho em questão fará uma breve abordagem sobre a imunidade tributária do artigo 150, VI, d, da Constituição Federal, analisando a imunidade prevista para os "livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão" do ponto de vista doutrinário, bem como no aspecto jurisprudencial, verificando o porquê da aplicação desta imunidade constitucional a "um simples álbum de figurinhas".

Agiu corretamente o Supremo Tribunal Federal ao entender que o "álbum de figurinhas" deve ser contemplado pela imunidade tributária do artigo 150, VI, d, da Constituição Federal? Ou, agiu de forma equivocada a mais alta Corte do Judiciário brasileiro?

Pois bem, analisaremos a questão, passando por alguns tópicos que serão fundamentais para a melhor compreensão do tema. Então, vejamos: 


2 - Breve Histórico da Evolução do Livro 

A história do livro tem cerca de 6.000 anos, desde o papiro, o pergaminho, passando pelo papel manufaturado a partir de trapos até os sofisticados papéis industriais feitos da pasta da madeira. Existem três grandes aspectos desta história:(1)

1º - a técnica da gravura

2º - a técnica da fundição manual

3º - a técnica da fundição mecânica

4500 AC - Escrita - Primeira forma de transmissão física do conhecimento

3500 AC - Escrita cuneiforme (cu.nei.for.me). Diz-se de uma escrita dos assírios, persas e medos, usada em pedras e tabuinhas de barro cozido e cujos caracteres tinham a forma de cunha.

600 AC - Papiro

331 DC - Códice - surgimento do primeiro códice (Código antigo)

1008 - Códice de Leningrado (o texto mais antigo e fidedigno do Antigo Testamento)

1460 - Tipografia (composição através de tipos móveis e prensa manual - Gutemberg)

1500 - Inconábulos (Livros impressos no século XV desde a invenção da tipografia)

1590 - Renascimento (Os tipógrafos constituem uma dinastia de verdadeiros humanistas)

1750 - Industrialização (Inicia o século mais longo da história, que termina em 1.914)

1789 - Máquina de papel contínuo

1814 - Prensa mecânica, cilíndrica e movida por força motriz. (A composição ainda é manual)

1844 - Papel industrializado (papel desenvolvido a partir da pasta da madeira)

1850 - Prensa rotativa (Inventada por Mariconi)

1885 - Linotipo (Composição mecânica)

1904 - Offset

1953 - Fotocomposição

2000 - E-book (Livro Eletrônico ) 


3 - As Formas de Interpretação da Legislação Tributária 

Para melhor compreensão, é necessário que se conheça as diversas formas de interpretação da legislação tributária. A teoria da interpretação, também denominada hermenêutica, analisa os métodos de trabalho de compreensão dos textos legais. Conforme ensina o Professor PAULO DE BARROS CARVALHO(2), a doutrina tem aconselhado vários métodos de interpretação. São eles: o literal ou gramatical, o histórico ou histórico-evolutivo, o lógico, o teleológico e o sistemático.

E continua o mesmo Professor PAULO DE BARROS CARVALHO(3), a identificar cada método de interpretação:

Literal - seria aquele em que o intérprete toma em consideração a literalidade do texto, cingindo-se à construção gramatical em que se exprime o comando jurídico, procurando colher as inferências declaratórias que são o escopo do labor interpretativo.

Histórico-evolutivo - requer investigações das tendências circunstanciais ou das condições subjetivas e objetivas que cercaram a produção da norma, esmiuçando a evolução do substrato de vontade que o legislador depositou no texto da lei.

Metodológico - de interpretação jurídica, consiste em diligenciar o intérprete no caminho de desvendar o sentido das expressões do direito, aplicando o conjunto das regras tradicionais e precisas da lógica formal.

Teleológico - tende a acentuar a finalidade da norma, antessupondo o exame da ocasio legis, que teria o condão de indicar a direção finalística do comando legislado.

Sistemático - momento em que o intérprete se volta para o sistema jurídico para observar, detidamente, a regra em cotejo com a multiplicidade dos comandos normativos que dão sentido de existência ao direito positivo. 


4 - O conceito de imunidade tributária 

O professor PAULO DE BARROS CARVALHO assim define a imunidade:

"(...) um obstáculo posto pelo legislador constituinte, limitador da competência outorgada às pessoas políticas de direito constitucional interno, excludente do respectivo poder tributário, na medida em que impede a incidência da norma impositiva, aplicável aos tributos não vinculados (impostos), e que não comportaria fracionamentos, vale dizer, assume foros absolutos, protegendo de maneira cabal as pessoas, fatos e situações que o dispositivo mencione."(4)

E, nas palavras do professor cearense HUGO DE BRITO MACHADO:

"Imunidade é o obstáculo decorrente de regra da Constituição à incidência de regra jurídica de tributação. O que é imune não pode ser tributado. A imunidade impede que a lei defina como hipótese de incidência tributária aquilo que é imune. É limitação da competência tributária."(5)

Segundo AMILCAR FALCÃO, imunidade é:

"uma forma qualificada ou especial de não-incidência, por supressão, na Constituição, da competência impositiva ou do poder de tributar, quando se configuram certos pressupostos, situações ou circunstâncias previstos pelo estatuto supremo. Esquematicamente, poder-se-ia exprimir a mesma idéia do modo seguinte: a Constituição faz, originalmente, a distribuição da competência impositiva ou do poder de tributar; ao fazer a outorga dessa competência, condiciona-a, ou melhor, clausula-a, declarando os casos em que ela não poderá ser exercida. A imunidade é, assim, uma forma de não-incidência pela supressão da competência impositiva para tributar certos fatos, situações ou pessoas, por disposição constitucional."(6)

Importante observar que, para o professor ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA, a expressão imunidade tributária tem duas acepções, restrita e ampla.

"restrita, aplicável às normas constitucionais que, de modo expresso, declaram vedado às pessoas políticas tributar determinadas pessoas, quer pela natureza jurídica que possuem, quer pelo tipo de atividade que desempenham, quer finalmente, porque coligadas a determinados fatos, bens ou situações."

"ampla, significando a incompetência da pessoa política para tributar: a) pessoas que realizam fatos que estão fora das fronteiras de seu campo tributário; b) sem a observância dos princípios constitucionais tributários, que formam o chamado estatuto do contribuinte; c) com efeito de confisco; d) de modo a estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens (salvo a hipótese do pedágio); e) afrontando o princípio da uniformidade geográfica; e f) fazendo tábua rasa do princípio da não-discriminação tributária em razão da origem ou do destino dos bens."(7) 


5 - A imunidade dos livros, jornais, periódicos e papéis destinados a sua impressão 

A Constituição Federal de 1988, diploma maior em nosso ordenamento jurídico, em seu artigo 150, VI, "c", preceitua:

"Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

VI - instituir impostos sobre:

(...)

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão HUGO DE BRITO MACHADO, discorrendo sobre a imunidade dos livros relativamente ao ICMS, expõe que a limitação constitucional:

"tem por fim proteger os meios de comunicação e de transmissão do pensamento contra o tributo, através do qual o Estado poderia tornar inviáveis aqueles instrumentos."(8)

DE PLÁCIDO E SILVA, em seu "Vocabulário Jurídico", define livro da seguinte forma:

"coleção de cadernos, impressos, manuscritos ou em branco, isto é, sem qualquer escrito, ligados entre si por uma costura ou por outro método, protegidos exteriormente por duas capas."(9)

Da análise da mais respeitada doutrina, verifica-se o reconhecimento de que a imunidade prevista pela Constituição Federal em seu artigo 150, VI, "d", tem como objetivo incentivar a difusão de informações, idéias, cultura e, também, reforçar a liberdade de expressão.

Tais valores estão presentes na Carta Magna no artigo 5º, incisos IV, VI, XII, VIII e IX, bem como nos artigos 215, 216 e 220.

ALIOMAR BALEEIRO, por exemplo, defende esse entendimento:

"A Constituição alveja duplo objetivo ao estatuir essa imunidade: amparar e estimular a cultura através dos livros, periódicos e jornais; garantir a liberdade de manifestação do pensamento, o direito de crítica e a propaganda partidária."(10)

Cumpre observar as considerações de Angela Maria Pacheco(11):

"Livro é, pois, o conteúdo de um veículo que divulga informação, ciência, ficção, arte, idéias e cultura, no vasto domínio do conhecimento humano. A matéria, na qual o livro se impregna, se identifica, completa-o mas não o define. O conceito necessário e suficiente de livro diz respeito ao seu conteúdo, finalidade e publicidade."

Deveras, a "reunião de folhas impressas, ligadas entre si, e protegidas por duas capas externas" poderá ser entendida como livro, para efeito da imunidade prevista no artigo 150, VI, "d", quando essa se prestar à transmissão de idéias e, outrossim, tender ao fomento da informação, da cultura ou da educação.

Vale mencionar, nesse sentido, que de acordo com o professor Hugo de Brito Machado, a imunidade dos livros tem conteúdo finalístico:

"A imunidade do livro, jornal ou periódico, e do papel destinado a sua impressão, há de ser entendida em seu sentido finalístico."(12) 


6 - A extensão da imunidade tributária aos denominados livros eletrônicos 

Como se verificou, imunidade tributária dos "livros, jornais, periódicos e do papel destinado a sua impressão" está embasada em sua finalidade, qual seja, a difusão deinformações, de ideias.

Discutiu-se, por algum tempo, se os denominados livros eletrônicos estariam ou não protegidos pela imunidade tributária, chegando-se à posição majoritária dos Tribunais entendendo pela sua possibilidade. Assim, um CD-ROM ou um disquete, nos quais serão inseridas informações, cumprem, também, os requisitos primordiais do mandamento constitucional, alcançado a imunidade tributária dos livros, jornais e periódicos.

Entendemos que todo objeto com conteúdo de informações culturais, informacionais ou educacionais devem gozar de imunidade tributária.

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O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro na apelação Cível 1996.001.01801, tendo como partes o Estado do Rio de Janeiro e a Editora Nova Fronteira S/A, proferiu a seguinte decisão:

"Apelação Cível. Mandado de Segurança. Imunidade concernente ao ICMS. Inteligência do artigo 150, VI, d, da Constituição Federal. Comercialização do dicionário Aurélio Eletrônico por processamento de dados, com pertinência exclusiva ao seu conteúdo cultural - "software". A lição de Aliomar Baleeiro: "Livros, jornais, e periódicos transitem aquela idéias, informações, comentários, narrações reais ou fictícias sobre todos os interesses humanos, por meio de caracteres alfabéticos ou por imagens e, ainda, por signos Braile destinado a cegos". A limitação ao poder de tributar encontra respaldo e inspiração no princípio "no tax on knowledges". Segurança concedida."(13) 

Os Tribunais Regionais Federais também apreciaram questões sobre a extensão das imunidades tributárias aos livros eletrônicos. As decisões são favoráveis, entendendo de forma teleológica e sistemática, dando efetividade aos princípios constitucionais da livre manifestação do pensamento, de expressão da atividade intelectual, comunicação e de acesso à informação.

Vejamos o que decidiu o Tribunal Regional Federal da 4º Região, no Processo 1998.04.01.090888-5, tendo como Relator o Juiz João Pedro Gebran Neto:

"Constitucional. Tributário. Imunidade. Jornal. CD-Rom.

1- O fato de o jornal não ser feito de papel, mas veiculado em CD-Rom, não é óbice ao reconhecimento da imunidade do artigo 150, VI, d, da Constituição Federal, porquanto isto não desnatura como um dos meios de informação protegidos contra a tributação.

2 - Interpretação sistemática e teleológica do texto constitucional, segundo a qual a imunidade visa a dar efetividade aos princípios da livre manifestação de pensamento, de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, de acesso à informação aos meios necessários para tal, o que deságua, em última análise, no direito de educação, que deve ser fomentado pelo Estado visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, ha vendo liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber (art., 5º, IV, IX, XIV, 205, 206, II, etc.)."(14) Este entendimento sobre a possibilidade da imunidade tributária aos livros eletrônicos prevaleceu no XXV Simpósio de direito tributário, coordenado pelo Professor Ives Gandra da Silva Martins, que foi transformado posteriormente no livro de "Pesquisas Tributárias - Tributação na Internet", do qual extraímos algumas opiniões: 

HUGO DE BRITO MACHADO:

"concluímos que o disposto no art. 150, inciso, VI, alínea d, aplica-se também a livros contidos em CD-Rom, disquetes, na Internet, ou em qualquer outro suporte físico. E, ainda, que da mesma forma como o papel destinado a impressão de livros, jornais e periódicos é imune, também estão albergados pela imunidade os suportes físicos dos livros, jornais e periódicos eletrônicos (CDs, DVDs, disquetes ou similares que sejam destinados a sua gravação"(15)

HELENILSON CUNHA PONTES, citando lição de PONTES DE MIRANDA(16) que afirmou "é o fim a que se destina o papel que o imuniza". O fim de tal imunidade tributária é a proteção da liberdade de manifestação do pensamento e da comunicação jornalística, de modo a impedir que o poder tributário seja utilizado pelo Estado como um instrumento de limitação indevida de tais liberdades.

E conclui: "a comunicação jornalística veiculada através da internet (sendo esta apenas um novo meio para a manifestação da liberdade de informação jornalística) está protegida pela imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, d, da Constituição Federal.(17)

E a opinião de MARILENE TALARICO MARTINS RODRIGUES:

"um cidadão bem informado é um cidadão que participa do desenvolvimento do país, exercendo a cidadania e a consciência política. Esse é o objetivo da norma constitucional ao conceder a imunidade tributária aos jornais.(18) e continua: 

"o que deve ser considerado é o conteúdo de veículo de divulgação é a sua finalidade e não os suportes físicos dos meios de divulgação utilizados". (19)

E FERNANDO FACURY SCAFF, ao ser questionado se a comunicação jornalística e de natureza editorial, por meio eletrônico, goza da imunidade tributária do artigo 150, inciso VI, letra d, da Constituição Federal, respondeu da seguinte forma:

"toda vez que estiver em jogo o exercício de liberdades, na forma do artigo 5º, IX, não deverá haver a incidência de impostos, qualquer que seja o meio através do qual esta liberdade venha a ser exercida. Assim, entendo que a comunicação jornalística e de natureza editorial, por meio eletrônico, goza da imunidade tributária do artigo 150, VI, letra d, da Constituição brasileira atual."(20) 

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Sobre o autor
Alexandre Pontieri

Advogado com atuação nos Tribunais Superiores (STF, STJ, TST e TSE), no Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal) e, especialmente, no Conselho Nacional de Justiça (CNJ); Consultor da área tributária com foco principalmente no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF); Pós-Graduado em Direito Tributário pelo CPPG – Centro de Pesquisas e Pós-Graduação da UniFMU, em São Paulo; Pós- Graduado em Direito Penal pela ESMP-SP – Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo. Aluno Especial do Mestrado em Direito da UNB – Universidade de Brasília.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PONTIERI, Alexandre. O STF e a imunidade tributária dos álbuns de figurinhas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5452, 5 jun. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66674. Acesso em: 25 abr. 2024.

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