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Estabilização da tutela antecipada antecedente

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15/05/2019 às 15:10
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3 ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE

A possibilidade de estabilização da tutela antecipada antecedente é uma inovação legislativa trazida pelo CPC/15 e que tem gerado grande debate doutrinário em razão da incerteza jurídica que circunda a sua aplicação prática. Possui previsão no art. 304 do códex processual, anteriormente citado.

Ao analisar o mencionado dispositivo legal conclui-se que a estabilização somente é cabível quando tratar-se de concessão de tutela antecipada antecedente e, portanto, incabível tal efeito na hipótese de tutela cautelar, tutela de evidência ou, ainda, quando requerida de modo incidental. Logo, o requerente deverá demonstrar a urgência que justifique a concessão da tutela antecipada antecedente, ou seja, a iminência de perigo ou perigo existente (art. 303 do CPC/15).

Segundo THEODORO JÚNIOR (2015, p. 674) as partes podem se contentar com uma decisão sumária, vez que não seria necessário o ajuizamento de uma nova ação de conhecimento exauriente para validade da decisão interlocutória.

Percebe-se que foi acolhida a ideia denominada genericamente de tutela sumária, em que se admite que a decisão de cognição não exauriente, que contém a antecipação de tutela, possa ter força para resolver a crise de direito material por si só, independentemente do desenvolvimento do pedido principal ou da ação principal em sede de processo de conhecimento de cognição plena. Com isso, a decisão proferida por meio de antecipação de tutela, no âmbito do procedimento preparatório, por opção dos próprios interessados, pode produzir seus efeitos sem depender de instauração do processo de conhecimento de cognição plena. São as partes mesmas que se mostram não interessadas no efeito da coisa julgada material. Se ficam satisfeitas com a decisão antecipatória, baseada em cognição sumária, sem força de coisa julgada, mas com potencial para resolver a crise de direito material, não se mostra conveniente obrigá-las a prosseguir no processo, para obter a decisão de cognição plena. Colocam-se à disposição das partes, ao lado do processo de conhecimento clássico, mais longo e hábil a operar a coisa julgada, procedimentos mais céleres, fundados em forma diversa de cognição, como a sumária, e voltados para a solução da crise de direito material, mas sem cogitar da definitividade da res iudicata.

Concedida a tutela antecipada antecedente pelo magistrado o requerido poderá interpor o recurso competente ou permanecer inerte. Por se tratar de uma decisão interlocutória o meio recursal cabível é o Agravo de Instrumento, nos termos do art. 1.015 do CPC/15.

Importante frisar que a decisão estabilizada que concede a tutela antecipada antecedente não faz coisa julgada material, mas tão somente formal. Nesse sentido, não é possível o ajuizamento de Ação Rescisória para desconstituir coisa julgada formal (art. 966 do CPC/15), em razão da falta de interesse de agir por inadequação da via eleita (art. 17 do CPC15) e, consequentemente, a ação deverá ser extinta sem julgamento do mérito.

No caso de inércia do requerido em razão da não interposição do agravo de instrumento, o art. 304, § 5o, do CPC/15 prevê a possibilidade de ajuizamento de ação autônoma no prazo decadencial de 02 (dois) anos a contar da ciência da decisão que extinguiu o feito principal. Essa nova demanda não resolverá provisoriamente o litígio, mas sim uma decisão definitiva que substituirá a decisão provisoriamente proferida, seja para mantê-la ou para reformá-la (THEODORO JÚNIOR, 2015, p. 675).

Existe divergência quanto ao prazo decadencial de 02 (dois) anos para ajuizamento da ação ordinária com o fito de impugnar a tutela antecipada antecedente, em razão da incompatibilidade na fixação de prazo que levará a extinção do direito de questionar uma decisão proferida com base em cognição sumária. Todavia, nota-se que não há incompatibilidade, sobretudo pela existência de outros instrumentos paralelos à impugnação de decisões transitadas em julgado, mas sujeitas a prazos fatais, como, por exemplo, a ação rescisória, conforme defende THEODORO JÚNIOR (2015, p. 676/677):

Há quem pense ser inadmissível a marcação de um prazo fatal para o exercício da ação de revisão ou invalidação da medida antecipada estabilizada, ao argumento de que não seria constitucional a interdição a uma ação de contraditório pleno em torno de um litígio que apenas sumariamente se compôs. Ter-se-ia uma incompatibilidade, na espécie, com o processo justo. Dessa maneira, mesmo depois do prazo de dois anos do art. 304, § 5º, continuaria “sendo possível o exaurimento da cognição até que os prazos previstos no direito material para a estabilização das situações jurídicas atuem sobre a esfera jurídica das partes”, como o que ocorre, por exemplo, através da prescrição, da decadência e da supressio. 76 A crítica, a nosso sentir, não procede. Ao estabelecer o Código um prazo para o exercício do direito de propor a questionada ação de revisão ou de invalidação, nada mais fez do que criar um prazo decadencial, que tanto pode ser estabelecido em lei material, como em lei processual. Exemplo típico de prazo decadencial instituído pelo Código de Processo Civil é aquele referente à propositura da ação de rescisão da sentença de mérito transitada em julgado (art. 975, caput). Nunca se pôs em dúvida, em nosso direito positivo, a viabilidade de se instituir em lei prazos decadenciais para o ajuizamento de certas demandas, sejam elas precedidas ou não de algum acertamento em juízo. Além da ação rescisória vários são os casos de ações anulatórias ou revisionais, de larga presença no foro, que se extinguem pelo decurso do tempo (vícios de consentimento, incapacidade do contratante, renovação de locação, revisão de aluguel etc.).

Inicialmente, pode haver dúvidas quanto à natureza jurídica de tal ação. Entretanto, em razão da ausência de coisa julgada material tem-se que mencionada ação possui natureza ordinária, a ser interposta no juízo que concedeu a tutela antecipada antecedente por estar prevento para o julgamento da nova demanda.

Necessário ressaltar que a ação destinada a afastar a estabilização da decisão interlocutória não se confunde com ação revisional, pois esta tem como fundamento a alteração posterior dos elementos fáticos ou jurídicos que ensejaram a concessão dão provimento jurisdicional anterior. Já a ação prevista no art. 304, §6º do CPC/15 está adstrita aos fundamentos pretéritos, ou seja, aqueles já existentes quando do deferimento da tutela antecipada antecedente, mas que por inércia do requerido não foram arguidas por intermédio do recurso de agravo de instrumento.  

Ocorre que a estabilização da tutela antecipada antecedente e os meios de impugnação tem sido alvos de críticas pela doutrina, haja vista a possibilidade de ocasionar aumento descabido de recursos ou de ações quando a controvérsia poderia ser resolvida nos próprios autos em que concedida a tutela antecipada antecedente. 

Nesse sentido, o requerido poderia demonstrar seu irresignação nos próprios autos ou praticar atos incompatíveis com a estabilização da tutela antecipada antecedente, de modo que uma postura ativa inevitavelmente afasta sua inércia e demonstra o interesse em discutir a matéria.

Entretanto, com a atual sistemática, mesmo que o requerido demonstre sua insatisfação com a decisão proferida caso não adote uma das duas medidas previstas em lei (agravo de instrumento ou ação ordinária no prazo de 02 anos), ocorrerá a estabilização do decisum.

Logo, tem-se um verdadeiro contrassenso que vai de encontro à celeridade processual e racionalização dos atos processuais, na medida em que a irresignação do requerido poderia ser oposta nos próprios autos em que fora concedida a tutela antecipada, sob pena de preclusão da matéria não impugnada. Assim, a discussão da matéria se encerraria nos próprios autos:

Não tem sentido a legislação obrigar o réu a recorrer quando na realidade ele pretende somente se insurgir no próprio grau jurisdicional onde foi proferida a decisão. É a própria lógica do sistema que aponta nessa direção porque a própria razão de ser da estabilização é o réu deixar de se insurgir contra a tutela provisória concedida. Por outro lado, se o objetivo do sistema é a diminuição do número de recursos, a interpretação literal do art. 304, caput, do Novo CPC, conspira claramente contra esse intento. Resta ao intérprete dizer que onde se lê “recurso” deve se entender “impugnação”, criticando-se o legislador por ter preferido a utilização de espécie (recurso) em vez do gênero (impugnação). Há entendimento doutrinário no sentido de ser afastada a estabilização ora analisada havendo impugnação da decisão concessiva da tutela antecipada por qualquer forma, recursal ou não. Também a contestação do réu é apontada como hábil a evitar a estabilização da tutela antecipada. Nesse caso é preciso lembrar que o art. 303, II, do Novo CPC, prevê que no pedido de tutela antecipada antecedente o réu será citado e intimado para a audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334 do Novo CPC. Significa dizer que o réu não será intimado para contestar, sendo que, tecnicamente, seu prazo para a apresentação de defesa nem terá se iniciado. É natural que se o réu se adiantar e já contestar o pedido a tutela antecipada não se estabilizará. Mas também não deve ser descartada a possibilidade de o réu simplesmente peticionar nos autos expressando o desejo de participar de tal audiência, o que demonstrará, de forma clara, sua intenção de que o procedimento siga seu rumo regular. (NEVES, 2016, p. 867 e 868)

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Assim, um possível efeito decorrente da estabilização da tutela antecipada antecedente é o aumento do número de Agravos de Instrumento, pois mesmo que haja impugnação nos autos principais a lei exige a interposição do mencionado recurso ou o ajuizamento de ação ordinária posterior.

Não obstante, o CPC/15 traz a possibilidade de as partes litigantes convencionarem acerca da aplicação do processo civil ao caso concreto, de modo a adequar a sistemática processual aos interesses das partes, uma vez que a norma instrumental é tão somente a forma de realização do direito material, conforme dispõe ao art. 190:

Art. 190.  Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

Parágrafo único.  De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.

Como o atual CPC permite a adequação do processo à vontade das partes, caso se trate de direitos sujeitos à autocomposição, tem-se que é admissível os litigantes convencionarem acerca da possibilidade de estabilização da tutela antecipada antecedente, conforme restou convencionado no Enunciado n. 32 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Além da hipótese prevista no art. 304, é possível a estabilização expressamente negociada da tutela antecipada de urgência antecedente. (Grupo: Tutela Antecipada; redação revista no V FPPC-Vitória)”

Os enunciados do Fórum Permanente de Processualistas preveem ainda ser cabível a estabilização, ainda, quando a decisão for concedida em desfavor da Fazenda Pública e quando referir-se a alimentos provisórios. Observa-se: “Enunciado n. 582. (arts. 304, caput; 5º, caput e inciso XXXV, CF) Cabe estabilização da tutela antecipada antecedente contra a Fazenda Pública.” e “Enunciado n. 500. (art. 304) O regime da estabilização da tutela antecipada antecedente aplica-se aos alimentos provisórios previstos no art. 4º da Lei 5.478/1968, observado o §1º do art. 13 da mesma lei.”

Já o enunciado n. 420 não admite estabilização de tutela cautelar: “Não cabe estabilização de tutela cautelar.”

Ante o exposto, a estabilização da tutela antecipada antecedente tem por objetivo concretizar o direito pleiteado pelo requerente, ainda que concedido em base de cognição sumária, com o intuito de possibilitar rápida e célere prestação jurisdicional. Entretanto, a forma de impugnação dessa decisão interlocutória conforme instituído pelo CPC/15 poderá ocasionar elevado acréscimo de interposição de Agravo de Instrumento ou ações originárias com o fito de discutir o decisum, quando se poderia ser resolvida a questão nos próprios autos em que proferida a decisão provisória.

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Sobre a autora
Gimena De Lucia Bubolz

Analista Jurídico da Defensoria Pública do Estado do Tocantins. Advogada. Pós-graduada em Direito do Trabalho. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Tocantins.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BUBOLZ, Gimena Lucia. Estabilização da tutela antecipada antecedente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5796, 15 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67404. Acesso em: 4 mai. 2024.

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