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Principais pontos da reforma trabalhista no direito material

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27/12/2018 às 16:35
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Verificando a necessidade de esclarecimentos sobre os temas da reforma e longe de considerar a reforma como perfeita, analisam-se todos os aspectos materiais e o entendimento do Poder Judiciário.

Introdução

Atualmente o Brasil enfrenta uma grave crise política. Crise esta que traz grandes reflexos na vida econômica do país. Vemos um pano de fundo onde o desemprego vem aumentando, as empresas fechando ou se reestruturando para suportar o período de recessão e investidores incertos da situação econômica. E essa é a melhor palavra que descreve o momento brasileiro: incerteza.

Diante de todo esse prognóstico, no dia 14 de julho de 2017, foi publicado no Diário Oficial da União a promulgação do projeto de lei que trata da reforma trabalhista. Trata-se, conforme dito por alguns juristas, de um dos diplomas mais impactantes no sistema jurídico brasileiro. Para uns, um alívio diante da grave crise. Para outros, um retrocesso.

Assim, o princípio da pluralidade, previsto no artigo 1º da Constituição Federal, o qual é entendido como o respeito, a convivência e a harmonia entre as diferenças existentes na República Federativa do Brasil, foi devidamente expulsa na prática tupiniquim. O povo, o ser soberano nos termos do parágrafo único do artigo 1º da Carta Magna, que deveria preservar sua unidade e a racionalidade diante dos fatos ocorridos, torna-se um calhamaço de facções que levantam diversas bandeiras e brigam entre si, sem buscar na argumentação as convergências.

O objetivo desse artigo é analisar os impactos da Lei nº 13.467, de 13 de junho de 2017, em relação ao que era vigente, as inovações e mudanças. Portanto, mãos à obra.


Princípio da Intervenção Mínima

Introduzido nas relações de trabalho por meio da reforma, por intermédio da alteração do artigo 8º, §3º da CLT, o princípio da intervenção mínima será o novo fenômeno interpretativo das relações de trabalho a partir de hoje.

Conhecida no Direito Penal e no Direito Civil, o princípio da intervenção mínima tem por finalidade limitar a atuação do poder estatal sobre as tratativas privadas, devendo esta ser considerada como ultima ratio, ou seja, quando a ação dos particulares seja realmente ilegal ou ilegítima. Podemos citar, por exemplo, o que diz Muñoz Conde sobre o princípio:

"O poder punitivo do Estado deve estar regido e limitado pelo princípio da intervenção mínima. Com isto, quero dizer que o Direito Penal somente deve intervir nos casos de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes. As perturbações mais leves do ordenamento jurídico são objeto de outros ramos do direito". (Muñoz Conde, Francisco. Introducción al derecho penal, p. 59-60).

Também sobre o tema, CAPEZ (2015) menciona que:

A intervenção mínima tem, por conseguinte, dois destinatários principais.

Ao legislador o princípio exige cautela no momento de eleger as condutas que merecerão punição criminal, abstendo-se de incriminar qualquer comportamento. Somente aqueles que, segundo comprovada experiência anterior, não puderam ser convenientemente contidos pela aplicação de outros ramos do direito deverão ser catalogados como crimes em modelos descritivos legais.

Ao operador do Direito recomenda-se não proceder ao enquadramento típico, quando notar que aquela pendência pode ser satisfatoriamente resolvida com a atuação de outros ramos menos agressivos do ordenamento jurídico. Assim, se a demissão com justa causa pacifica o conflito gerado pelo pequeno furto cometido pelo empregado, o direito trabalhista tomou inoportuno o ingresso do penal.

O principal alvo desse princípio são tanto o legislador ordinário quanto o intérprete do direito. Ao legislador, trazendo maior autonomia entre as partes da relação trabalhista em suas tratativas particulares. Quanto ao operador do direito, verificando que houve acordo firmado entre as partes e que houve expressão voluntária de suas vontades, este não poderia utilizar outros meios capazes de gerar a desconsideração de tais vontades.

Assim, na atuação de fiscal da lei ou mesmo na apreciação de demandas, o Ministério Público do Trabalho e o Poder Judiciário Trabalhista não poderiam reformar ou invalidar a vontade expressa pelas partes em documentos, salvo questões de vício de vontade devidamente apurada e comprovada.

Com essa inserção do princípio, buscou trazer maior equilíbrio e segurança nas relações coletivas e individuais de negociação, buscando fortalecer as tratativas e agilidades necessárias no atual mercado. Esse princípio, entretanto, não deve ser entendido como máxima absoluta, uma vez que diversos outros princípios também são aplicáveis as relações de trabalho e não há exclusão de princípios em caso de choque. Pelo contrário, deve haver uma harmonia nas decisões.


Empregador e Grupo Econômico

O primeiro assunto a ser tratado é referente ao que se considera grupo econômico para fins de responsabilidade nas relações de trabalho. Previsto no artigo 2ª do texto consolidado, a definição de empregador e sua equiparação visam efetuar segurança ao trabalhador nos casos de tentativa de fraude no pagamento das verbas trabalhistas, que possuem caráter alimentar.

No parágrafo 2º do referido artigo, trata da responsabilidade solidária das empresas que constituem grupo econômico. O tema no Tribunal Superior do Trabalho era regido por meio da súmula 205, a qual foi cancelada em 2003. Em seu verbete, dizia que o responsável solidário, integrante do grupo econômico, que não participou da relação processual como reclamado e que, portanto, não consta no título executivo judicial como devedor, não pode ser sujeito passivo na execução.

Com o cancelamento da referida Súmula pelo egrégio TST, os Tribunais Regionais do Trabalho efetuaram suas analises na condição de acionista das sociedades, verificando questões de identidade, bem como na sua atuação coordenada. Em um julgado, é possível verificar a explicação dada pelo relator sobre a não caracterização do grupo econômico:

GRUPO ECONÔMICO. NÃO CARACTERIZAÇÃO - O grupo econômico, nos termos do art. 2o., parágrafo 2o., da CLT, caracteriza-se quando uma ou mais pessoas jurídicas, embora com personalidade própria, estejam sob direção, controle ou administração de outra, sendo a empresa principal e cada uma das subordinadas, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis pelo cumprimento das obrigações trabalhistas. Além disso, também se configura o grupo econômico quando, mesmo sem as formalidades da legislação comercial, é possível constatar que se encontram presentes os elementos de integração entre as empresas, todas participando do mesmo empreendimento, independentemente de haver ou não controle e fiscalização por uma empresa líder, caso em que se está diante de um grupo composto por coordenação, em que as atividades se desenvolvem mediante a colaboração recíproca e cumprimento das mesmas diretrizes, regendo-se pela unidade de interesses e objetivos. Entretanto, não havendo indícios suficientes acerca da existência de grupo econômico, descabe pretender a responsabilização solidária de empresa estranha à lide. (TRT-3 - AP: 00264200601103004 0026400-05.2006.5.03.0011, Relator: Sebastiao Geraldo de Oliveira, Segunda Turma, Data de Publicação: 20/02/2008, DJMG. Página 12. Boletim: Não.)

Na doutrina, antes da reforma, SARAIVA (2011) considerava o seguinte:

Ademais, o grupo econômico, para efeito trabalhista, não necessita revestir-se das formalidades jurídicas específicas contidas na legislação comercial, sendo desnecessária a formalização do grupo por meio de registros em cartório, bastando tão-somente que restem evidenciadas as características do grupo de empresas descrito na CLT (art. 2º) e na Lei de Trabalho Rural (art. 3º). (...)

Prevaleceu na doutrina a teoria do empregador único para definir a responsabilidade solidária do grupo de empresas pelo adimplemento das obrigações trabalhistas.

Vale mencionar que a responsabilidade solidária não se presume, resultando da lei ou da vontade das partes (contrato).

Portanto, se, por exemplo, quatro empresas formam um grupo econômico, todas elas serão solidariamente responsáveis pelo adimplemento das obrigações decorrentes do contrato de trabalho celebrado pelo empregado com qualquer uma delas.

Ainda sobre a matéria, GARCIA (2012) diz que:

O referido dispositivo da CLT exige que as empresas estejam “sob a direção, controle ou administração de outra”. Por isso, segundo Octavio Bueno Magano5: “a relação entre as empresas componentes de grupo econômico é sempre de dominação, o que supõe uma empresa principal ou controladora e uma ou várias empresas controladas”. A outra corrente defende ser possível o grupo de empresas dispostas em posição horizontal.

Tanto na doutrina quanto na jurisprudência, a matéria era tratada com divergência. Parte entendia que para a configuração do grupo econômico era necessário que “a relação entre as empresas componentes de grupo econômico é sempre de dominação, o que supõe uma empresa principal ou controladora e uma ou várias empresas controladas”. A outra corrente defendia que o grupo de empresas dispostas em posição horizontal. Na realidade, o grupo de empresas, para fins trabalhistas, pode perfeitamente se formar, e ser assim reconhecido, em razão da existência de certa unidade, direção única ou realização de objetivos comuns (GARCIA, 2011).

Para essa última corrente, o entendimento contrário configuraria uma afronta ao princípio da livre iniciativa, pois impediria que os sócios de uma sociedade criassem ou participassem de uma outra empresa, já que isso acarretaria a responsabilização de todas as empresas com as quais tivesse vínculo.

A inserção do parágrafo 3º, parece ter pacificado a divergência. Criou-se uma condição de exceção, não considerando grupo econômico a mera identidade de sócios. Para que se considere a configuração de grupo econômico, é necessário demonstrar o interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas que formam o agrupamento, demonstrando a coordenação e confusão empresarial entre as empresas.


Restrição da Incidência da Jurisprudência Trabalhista sobre os Acordos e Convenções Coletivas

O artigo 8º do texto consolidado teve acrescido os parágrafos 2º e 3º. Por meio desse texto legal, o Poder Legislativo limitou a atuação do Poder Judiciário trabalhista em seu ativismo jurídico. A atuação das Súmulas e enunciados de jurisprudência dos Tribunais do Trabalho não podem restringir direitos previstos, bem como não poderia criá-los. Dessa forma, súmulas como a 331 do TST, que regulou a terceirização, não poderiam mais ser aplicadas, perdendo sua incidência no mundo jurídico.

Também, o exame de convenções coletivas e acordos coletivos de trabalho pelos tribunais seria conforme os elementos do negócio jurídico, devendo intervir minimamente na vontade das partes.

Isso se deu devido a atuação do Poder Judiciário no sentido de anular cláusulas de acordos coletivos ou mesmo o próprio acordo, por entender a violação em direitos dos empregados, contrariando seu entendimento sobre direitos. O que se considerava antes era a limitação das negociações coletivas, tornando a atuação judiciária mais ampla. Com a reforma, ao que tudo indica, houve uma delimitação de ambas as atuações. O Poder Judiciário atua com limitação ao que foi acertado e os pontos essenciais das partes e sua validade, bem como as partes devem respeitar os princípios que regem a atuação coletiva, os princípios do direito do trabalho.


Responsabilidade do Sócio Retirante da Sociedade Empregadora

Outra questão bastante interessante foi a mudança trazida na reforma sobre a mitigação da responsabilidade do sócio retirante. O sócio que se retira de uma sociedade, responde pelos atos praticados quando integrante da sociedade por até dois anos após sua saída. É isso que está previsto no artigo 1.003 do Código Civil. Entretanto, com a atual previsão, o direito comum deixa de ser norma subsidiária aplicável por se tratar de previsão expressa na lei trabalhista.

Antes da reforma o tema possuía um entendimento pacífico no seguinte sentido:

Art. 448, CLT – A mudança de propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.

OJ SDI-1 nº. 261 do TST – Bancos. Sucessão Trabalhista (inserida em 27.9.2002): As obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para o banco sucedido, são de responsabilidade do sucessor, uma vez que a este foram transferidos os ativos, as agências, os direitos e os deveres contratuais, caracterizando típica sucessão trabalhista.

OJ SDI-1 nº. 411 do TST – Sucessão Trabalhista. Aquisição de Empresa Pertencente a Grupo Econômico. Responsabilidade do Sucessor por Débitos Trabalhistas de Empresa não Adquirida. Inexistência (DEJT divulgado em 22, 25 e 26.10.2010). O sucessor não responde solidariamente por débitos trabalhistas de empresa não adquirida, integrante do mesmo grupo econômico da empresa sucedida, quando, à época, a empresa devedora direta era solvente ou idônea economicamente, ressalvada a hipótese de má-fé ou fraude na sucessão.

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Agora, o artigo 10-A prevê que o sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, observada a seguinte ordem preferencial: a empresa devedora, os sócios atuais e os sócios retirantes.

Os sócios retirantes responderão solidariamente se ficar comprovada fraude na alteração societária decorrente da modificação do contrato.


Prescrição

Quanto ao tema prescrição, houve a adequação do texto legal ao texto constitucional. No que diz respeito a prestações sucessivas decorrentes de alteração ou descumprimento do pactuado, foi adicionado o parágrafo 2º ao artigo 11 mencionando que se trata de prescrição total, exceto quando o direito a parcela esteja assegurado por previsão legal.

A interrupção da prescrição somente ocorrerá pelo ajuizamento da reclamação trabalhista, mesmo que diante de juízo incompetente, ainda que ocorra extinção sem julgamento de mérito, tendo efeito apenas ao que lhe foi pedido.

Outra novidade é a previsão legal da prescrição intercorrente.

Citando Maurício Godinho Delgado, SARAIVA (2009) diz que:

No âmbito justrabalhista, o simples exame de certas súmulas de jurisprudência uniforme do Tribunal Superior do Trabalho demonstra a clara qualidade de comando geral, impessoal e abstrato de que se revestem tais súmulas. Vejam-se, ilustrativamente, os seguintes Enunciados: n. 291, estabelecendo uma indenização pela supressão de horas extras; n. 164, acolhendo o mandato tácito em processos trabalhistas; os de n. 114 e 268, firmando ser inaplicável ao processo do trabalho a prescrição intercorrente e considerando interrompida a prescrição pela simples propositura da ação, ainda que extinto o processo sem julgamento do mérito @elo chamado arquivamento). Essas orientações jurisprudenciais - e dezenas de outras -, embora não filiadas ao princípio estrito da reserva legal (se interpretado rigidamente esses princípios, é claro), têm inquestionável força jurídica (e jurígena).

Já GARCIA (2012) traz uma explicação mais detalhada do assunto:

Essa mesma orientação já era prevista no art. 40, § 4. °, da Lei 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal), acrescentado pela Lei 11.051, de 29 de dezembro de 2004:

“Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato”.

Como se nota, o legislador já havia previsto a decretação da prescrição, de ofício, pelo juiz, no âmbito da execução fiscal, tratando-se de prescrição intercorrente, mais especificamente a prescrição iniciada com a decisão de “arquivamento dos autos” (art. 40, § 2. °, da LEF). Esse arquivamento ocorre após a suspensão do curso da execução (art. 40, § 1. °, da LEF), decorrido o prazo máximo de um ano, sem que seja localizado o devedor, ou encontrados bens penhoráveis.

Não se pode esquecer que o art. 889 da Consolidação das Leis do Trabalho determina a aplicação, subsidiária, da Lei de Execução Fiscal para os trâmites e incidentes da execução trabalhista22.

Nos termos do artigo 11-A, ela ocorre em dois anos, iniciando quando o exequente deixar de cumprir determinação judicial no curso da execução. A prescrição intercorrente pode ser declarada de ofício ou requerida e em qualquer grau de jurisdição.

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Sobre o autor
Tiago Damasceno Caxilé

Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza. Especialização em Direito Público. Especialização em Direito e Processo do Trabalho. Advogado e professor de IES. Atuo em diversas áreas. Estamos à disposição para auxiliar e defender seus interesses.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAXILÉ, Tiago Damasceno. Principais pontos da reforma trabalhista no direito material. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5657, 27 dez. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67786. Acesso em: 19 abr. 2024.

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