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Proibição da caça e o controle de armas

06/08/2018 às 15:00
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Analisa-se a questão referente à restrição ou às proibição da caça de animais considerados nocivos ao ambiente, como forma de pretexto para implementar, de maneira astuciosa, o controle de armas de fogo.

Desde de tempos remotos, as restrições e as proibições de acesso a armas de fogo vêm sendo utilizadas como maneira de controle social. Tendo como consequência a retirada dos cidadãos do seu direito natural (e inalienável) da autodefesa, bem como da possibilidade de se insurgirem contra governos opressores. Fato que está historicamente documentado, sendo corajosamente denunciado por importantes defensores destas liberdades individuais, e que, por isso, não será aqui abordado, para se evitar o prolongamento deste texto.

Nesta breve análise, o foco será a veiculação de leis estaduais que, a pretexto de se impor proibições a prática da caça (inclusive de espécies nocivas da fauna exótica invasora), pretendem, inequivocamente, aumentar o sistema de punições contra aqueles que, dentro da legalidade, estão legitimados a possuir armas de fogo e a praticar esta modalidade de controle ambiental.

Episódio recente ocorreu no Estado de São Paulo. Agora, em junho de 2018, foi publicada a LEI Nº 16.784, DE 28 DE JUNHO DE 2018, cujos trechos de interesse são abaixo reproduzidos:

“...Art. 1º - Fica vedada a caça, em todas as suas modalidades, sob qualquer pretexto, forma e para qualquer finalidade, em todo o Estado de São Paulo.

Parágrafo único - Para os efeitos desta lei, considera-se caça a perseguição, o abate, a apanha, a captura seguida de eliminação direta de espécimes, ou a eliminação direta de espécimes, bem como a destruição de ninhos, abrigos ou de outros recursos necessários à manutenção da vida animal.

Art. 2º - A proibição abrange animais domésticos ou domesticados, silvestres, nativos ou exóticos e seus híbridos, encontrados em áreas públicas ou privadas, exceção feita aos animais sinantrópicos.

Art. 3º - O controle populacional, manejo ou erradicação de espécie declarada nociva ou invasora não poderão ser realizados por pessoas físicas ou jurídicas não governamentais.

...

Art. 4º - A violação ao estabelecido nesta lei constitui conduta sujeita à imposição de sanção pecuniária fixada em 150 (cento e cinquenta) Ufesps, dobrada na reincidência...”

Por esta lei paulista, portanto, a única exceção feita foi aos chamados “animais sinantrópicos”, quais sejam:

Abelha, Aranha, Barata, Carrapato, Escorpião, Formiga, Lacraia ou centopéia, Morcego, Mosca, Mosquito, Pombo, Pulga, Rato, Taturana, Vespa 

(http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/saude/vigilancia_em_saude/controle_de_zoonoses/animais_sinantropicos/index.php).

Tendo sido estipulada a proibição, para pessoas físicas e jurídicas, do abate dos demais animais nocivos, que, nos termos desta lei, somente pode ser feito por agentes governamentais.

A Constituição do Estado de São Paulo, a bem da verdade, já havia estabelecido em outubro de 1989, esta proibição, mas de uma forma mais genérica, nos seguintes termos: “Art. 204 – Fica proibida a caça, sob qualquer pretexto, em todo o Estado”. Este art. 204, contudo, é alvo da AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 350, que tramita perante o Supremo Tribunal Federal. E foi ajuizado pela Procuradoria-Geral da República, com base na representação elaborada pela Associação Brasileira de Caça e Conservação. Este julgamento ainda está pendente de decisão final do STF.

Em termos gerais, este art. 204 da Constituição Paulista, dependendo do ângulo de análise, é apenas redundante. Porque a caça propriamente dita, como regra, já é proibida em todo o território nacional. Isto por força de aplicação da Lei n° 5.197/67:

“Art. 1º. Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha.”.

Ocorre que esta mesma Lei n° 5.197/67 traz exceções, admitindo a prática da caça em algumas situações, tais quais as denominadas “caça de controle” (art. 3º, § 2º) referenciada na lei não exatamente como caça e sim como DESTRUIÇÃO, e a “caça científica” (art. 14):

Art. 3º. É proibido o comércio de espécimes da fauna silvestre e de produtos e objetos que impliquem na sua caça, perseguição, destruição ou apanha.

...

§ 2º Será permitida mediante licença da autoridade competente, a apanha de ovos, lavras e filhotes que se destinem aos estabelecimentos acima referidos, bem como a destruição de animais silvestres considerados nocivos à agricultura ou à saúde pública.

...

Art. 14. Poderá ser concedida a cientistas, pertencentes a instituições científicas, oficiais ou oficializadas, ou por estas indicadas, licença especial para a coleta de material destinado a fins científicos, em qualquer época...”.

Sendo que, a mesma Lei n° 5.197/67, estabelece que, para que seja permitida a “caça” (destruição de animais silvestres considerados nocivos à agricultura ou à saúde pública), será necessária autorização de Órgão Federal: “art. 1°, § 1º Se peculiaridades regionais comportarem o exercício da caça, a permissão será estabelecida em ato regulamentador do Poder Público Federal...”.

Em outras palavras, pela Lei Federal n° 5.197/67, a caça em si é proibida em todo o território nacional, caracterizando crime a sua prática (Lei n° 9.605/98, Art. 29). Mas, com a possibilidade de liberação da caça (DESTRUIÇÃO) de fauna silvestre considerada nociva. Sendo a autorização para a DESTRUIÇÃO, de atribuição do Poder Público Federal, no caso, o IBAMA (Lei Complementar n° 140/2011, art. 7°, XVII e XVIII). Não podendo qualquer que seja o estado da federação pretender impor normativas que se contraponham às diretrizes do órgão ambiental federal, no que se refere ao reconhecimento da nocividade e controle da espécie silvestre.

A atual normatização do IBAMA a respeito é a INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 3, DE 31 DE JANEIRO DE 2013, que estabelece (http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=01/02/2013&jornal=1&pagina=88&totalArquivos=192):

“...Art. 1º. Declarar a nocividade da espécie exótica invasora javali-europeu, de nome científico Sus scrofa, em todas as suas formas, linhagens, raças e diferentes graus de cruzamento com o porcodoméstico, doravante denominados "javalis".

...

Art. 2º Autorizar o controle populacional do javali vivendo em liberdade em todo o território nacional.

§ 1º - Para os fins previstos nesta Instrução Normativa, considera-se controle do javali a perseguição, o abate, a captura e marcação de espécimes seguidas de soltura para rastreamento, a captura seguida de eliminação e a eliminação direta de espécimes...”.

Verifica-se, assim, que existe um consenso sobre a nocividade dos “javalis” e seus híbridos. Tanto que o próprio IBAMA, apesar de em um primeiro momento ter proibido o controle/caça desta espécie exótica invasora (era a antiga IN 08/2010), reviu seu entendimento e passou a permitir este abate (IN 03/2013).

Ora, se é internacionalmente reconhecida a nocividade desta espécie, e se o ESTADO/Governo é notoriamente reconhecido pela sua ineficiência, é de se indagar qual seria o propósito final de se impor obstáculos ao controle ambiental do “javali e híbridos”, estabelecendo-se que pessoas físicas e jurídicas estão proibidas de auxiliar neste trabalho? Trabalho de controle este que é feito às custas dos próprios interessados (proprietários de áreas invadidas) e demais caçadores regularmente habilitados para estas práticas.

Se com o apoio destes caçadores (legalmente habilitados) o controle do javali já não é suficiente (a taxa de reprodução dos javalis é uma das maiores dentre os mamíferos de grande porte, chegando a duas ninhadas por ano), que se dirá se for autorizado o abate/controle apenas por órgãos públicos. Será que os órgãos ambientais, e demais polícias ambientais, terão condições de empreender um controle efetivo? Provavelmente, não! A experiência vem demonstrando isso, inclusive em outros países, como Estados Unidos da América, Argentina, Uruguai e países Europeus.

Partindo deste pressuposto, se já se sabe que o controle apenas por agentes governamentais não será suficiente para esta finalidade, qual poderia ser, então, a intenção escusa inserida nesta lei paulista?

Tudo leva a crer que se trata de forma ladina de se impor maiores restrições ao acesso e uso de armas de fogo. Explica-se. A Lei Paulista não criou nova modalidade criminosa ao instituir restrições a caça, e nem o poderia (prescreveu apenas sanções pecuniárias). Posto que, em matéria penal, cabe a União a edição de tais leis (CF, art. 22, I).

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Porém, ao proibir a caça em relação às pessoas físicas e jurídicas, lança na ilegalidade todos aqueles que tenham Certificado de Registro (CR) no Exército, na qualidade de Caçador/Atirador/Colecionador (CAC). Posto que o porte de armas de fogo em propriedades rurais devidamente cadastradas no IBAMA (afora a situação do próprio proprietário, que pode portar sua arma em toda a extensão de sua propriedade rural), somente é autorizado para o especial fim de controle do javali.

Em não havendo esta autorização para a caça, ou sendo considerada não válida, automaticamente fica caracterizado o porte ilegal de arma de fogo, nos termos da legislação vigente (Lei n° 10.826/03, e demais Decretos Presidenciais, Portarias do Exército e R-105), que não serão aqui abordadas (Obs.: há posicionamentos doutrinários sustentando que a Lei n° 10.826/03, art. 6°, IX, na verdade, já traria autorização para o porte de Atiradores/Caçadores, que somente ficaria pendente de regulamentações do Exército, e não de limitações tais quais as hoje aplicáveis).

Com a agravante de que, Atiradores/Caçadores, são autorizados a ter alguns tipos de armas de fogo de uso restrito das polícias e Forças Armadas. Entretanto, se caracterizada a ilegalidade da prática da caça (nos termos da legislação paulista), o Atirador/Caçador flagrado em território paulista, poderia ser enquadrado como praticante de CRIME HEDIONDO, com base na nova modificação legislativa que passou a enquadrar como hediondo (com tratamento penal bem mais severo) aqueles que forem encontrados com armas de fogo de uso restrito (modificação feita pela Lei 13.497/2017, que alterou a Lei 8.072/90, com a seguinte redação: “...Consideram-se também hediondos… o de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, previsto no art. 16 da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003“.

A situação é gravíssima para o Atirador/Caçador que seja abordado nesta situação.

Sem dúvida, estas modificações feitas, no momento, pela Lei de São Paulo, serão questionadas na via judicial, não se podendo antever (dada a total insegurança jurídica pela qual o país atravessa) qual será o seu resultado.

Respeitando os que pensam em contrário, parece ser mais uma forma de repressão contra aqueles que, dentro da legalidade, possuem armas de fogo, e se dedicam, voluntariamente (e arcando com os custos desta atividade), a ajudar o estado no controle ambiental de espécies exóticas nocivas.

Enquanto isso, como ficam os proprietários rurais que estão tendo suas áreas de cultivo e de criação de animais invadidas e dizimadas pelos javalis? Devem esperar o Governo Paulista se organizar para promover o abate dos javalis? E se não esperarem, e tomarem iniciativa do abate, podem ser, ainda que de forma reflexa, tratados como criminosos por estarem caçando/abatendo/controlando fora das especificações trazidas pela lei paulista (caracterizando o crime federal de caça ilegal)?

Estranhamente, este mesmo Governo de São Paulo, que se recusou a colaborar (ou colaborou apenas tardiamente) para o cumprimento de uma ordem advinda do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, autorizando a expedição de mandado de prisão contra o ex-presidente da República que estava encastelado no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC agora em abril de 2018, não se movimentando para que seus órgãos de segurança fossem acionados para o apoio do controle da situação preocupante que estava acontecendo, como noticiado pela mídia (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/04/prisao-de-lula-marcio-cuba-e-nova-equipe-marcam-1a-semana-de-franca.shtml), é o mesmo que agora acionará seus órgãos de segurança para investir contra proprietários rurais e Atiradores/Caçadores (CR-CACs) que estiverem promovendo o abate de javalis e seus híbridos.

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Sobre o autor
Sérgio de Oliveira Netto

Procurador Federal. Mestre em Direito Internacional (Master of Law), com concentração na área de Direitos Humanos, pela American University – Washington College of Law. Especialista em Direito Civil e Processo Civil. Professor do Curso de Direito da Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE (SC).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA NETTO, Sérgio. Proibição da caça e o controle de armas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5514, 6 ago. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68044. Acesso em: 19 mar. 2024.

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