Capa da publicação Síntese analítica da obra 'Estruturas lógicas e o sistema de direito positivo', de Lourival Vilanova
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Síntese analítica da obra 'Estruturas lógicas e o sistema de direito positivo', de Lourival Vilanova

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CAPÍTULO III

O caráter relacional do dever-ser

Vilanova destaca que ao jurista nenhuma idéia é mais familiar> a norma ao incidir num fato (no fato jurídico) vincula a este fato um relacionamento entre sujeitos-de-direito. Em sendo assim, sob o estrito ponto de vista lógico –formal, um mesmo termo de uma relação qualquer R pode ocupar as duas posições na estrutura relacional: xRx (assim, nas relações reflexivas de identidade, de igualdade). No direito, porém, formalizando a estrutura relacional da norma teremos que um sujeito qualquer S’ mantém uma relação qualquer R em face de outro sujeito qualquer S’’. Podemos formular o deôntico da norma com os esquemas “S’, R S’’”, ou “R (S’S’’)”.

A variável relacional

O dever-ser kelseniano possui variados usos. Um deles é o relacional R, cujos valores são o obrigatório (O), o proibido (V)  o permitido (P). Se R é substituível por três valores, digamos por ele R’, R’’, e R’’’, então R é uma variável relacional. Quer dizer, R não pode ter por substitutivos nomes de objetos ou condutas, nomes de indivíduos, nomes de propriedades-de-indivíduos e de classes de indivíduos, nem é substituível por proposições. Os valores de R são, aludindo em símbolos aos caráter deôntico, O, V, P. são estas as três “funções normativas” a que alude correspondentes aos modais deônticos da variável relacional R. quando Kelsen contrapõe o dever-ser à causalidade está tomando o dever-ser como forma de síntese, o dever-ser em sua função epistemológica: uma forma gnosiológica de relacionar os dados da experiência.

Tripartição modal e os dois valores da P-normativa

O conectivo dever-ser triparte-se em três relacionais específicos: obrigatório (O), proibido (V) e permitido (P). não entram na categoria de relacionais reflexivos., isto é, aqueles que satisfazem a forma lógica “xRx”, como “igual a”, “equivalente a”, “idêntico a”. Inexiste possibilidade lógica (e ontológica) de alguém juridicamente proibir-se a si mesmo, obrigar-se a si mesmo. Todo relacional deôntico no direito é entre sujeitos diferentes, como termos de relação estatuída.

Os três referidos modais entram nas operações como valores, irredutíveis, mas interdefiníveis com ajuda do operador de negação. Assim, poderemos construir uma tábua de operações trivalente. Como, na hipótese tomada, inexiste um quarto modal, termos uma lei formal deôntica de quatro excluso. A permissão bilateral às vezes é tomada como quarto modo, o facultativo. Todavia, se o facultativo compõe-se de duas permissões alternativas, não é um modal irredutível à permissão.

Bivalência da proposição normativa

Inexiste colisão entre admitir que a conduta humana juridicamente regulada inclui-se em um dos três modos e a caracterização bivalente da p-normativa. Uma p-normativa é válida, ou não válida, de acordo com os critérios-de-validade que o sistema jurídico oferece. Tanto a norma permissiva quanto a norma proibitiva, como a norma obrigatória, podem adotar os dois valores. Há dois valores e somente dois: é lei lógica. Há três modos deônticos e somente três: é lei ontológica. Exaustivamente, regula-se a conduta em “interferência intersubjetiva” (Cossio) num dos três modais. Assim uma p-descritiva não pode ser ao mesmo tempo verdadeira e falsa; uma p-normativa não pode ser ao mesmo tempo válida e não-válida.

Tese da redução em Schreiber

Vilanova leciona que Schreiber expõe um teoria que pretende reduzir a p-normativa à p-descritiva. Em substância, a tese é que tanto numa como noutra classe de proposição há um núcleo homogêneo, que é a descrição de uma situação objetiva. Nisso reside o que Schreiber chama de isomorfismo: as estruturas formais têm a mesma composição, variando apenas os functores antepostos ao núcleo. As proposições normativas e indicativas (colmo ele denomina) ostentam a mesma estrutura, só variando o tipo de valoração.

A redução em Alf Ross

Para Ross, o enunciado prescritivo compõe-se de uma “frase” que descreve um estado-de-coisas, e de um fator que declara que “assim deve ser”. A norma “Pedro deve entregar a coisa vendida” decompõe-se em “Pedro paga a dívida: assim deve-ser”. Uma proposição meramente descritiva ou indicativa dela difere apenas no functor “assim é”.

Com certas peculiaridades, Ross mostra como os valores de p-normativas se comportam nas inferências e nas composições de normas. Os functores ou conectivos da lógica das p-descritivas estruturam operações lógicas no domínio das p-normativas. Há leis de estruturas formais, fundadas em leis lógicas necessariamente verdadeiras, como todas as leis lógicas.

A experiência da linguagem das normas jurídicas

Vilanova ressalta que vamos, através da linguagem do direito positivo tentando encontrar a linguagem formalizada em que ela pode ser reduzida, em lugar de passar, por intermédio dessa linguagem, para as situações objetivas que esta linguagem do direito procura determinar, na modalidade de objetivação deôntica (in-formar deonticamente a conduta). A hipótese da norma jurídica funciona como descritor. E o descritor assenta no modo ontológico da possibilidade. Prefixando “se ocorrer o fato F (evento natural ou conduta, ou situação juridicamente já qualificada num outro descritor ou em prescritor de outra norma, mas tido por integrante na composição do fato jurídico)...”, não teve a hipótese em conta o modo deôntico da possibilidade. Um dos sentidos deônticos da possibilidade está na permissão lícita de fazer ou omitir algo.

A validade no descritor

Vilanova destaca que, à primeira vista, parece que o descritor de uma proposição jurídica qualquer, por sua referência a uma possível situação objetiva, por sua descritividade mesma, seria susceptível de valor-de-verdade. Verdadeiro quando a situação objetiva confirmar; falso quando infirmar. Com isso, mantém-se a homogeneidade estrutural do sistema do direito positivo, que não é sistema de proposições verdadeiras ou falsas, mas de proposições prescritivas válidas ou não-validas, justas ou injustas, aplicáveis ou inaplicáveis, eficazes ou ineficazes, vigentes ou não-vigentes.

O caráter seletivo do descritor

Aqui, Vilanova explica que, no descritor da norma, não se acha proposição empírica relatando ou narrando o comportamento efetivo ou descrevendo um fato. Certo, há alguma similitude entre proposição cognoscente do real e proposição tipificadora de uma classe ou conjunto de fatos condicionantes da realização de certas conseqüências. Ambas são seletivas. Quer nas ciências reais-naturais, quer nas ciências reais-sociais, como demonstrou H. Rickert. Os conceitos, quer normativos, quer empíricos-naturais ou empírico-sociais, são seletores de propriedades. Nem tudo do real tem acolhida no universo das propsições.

E conclui: a hipótese, que é proposição descritiva de situação objetiva possível, é construção valorativamente tecida., com dados-de-fato, incidente na realidade e não coincidente com a realidade. Falta-lhe, pois, status semântico de enunciado veritativo. As hipóteses de normas valem ou não valem. Substrato seu pode ser fato natural, fato social, ou fato já qualificado juridicamente que a hipótese tenha trazido para compor o fato jurídico.

As estruturas lógicas do direito

O ser-sistema é a forma lógica mais abrangente. As partes são as proposições. Onde há sistema há relações e elementos, que se articulam segundo leis. Se os elementos são proposições, sua composição interior a leis de formação ou de construção. O legislador pode selecionar fatos para sobre eles incidir as hipóteses, pode optar por estes ou aqueles conteúdos sociais e valorativos, mas não pode construir a hipótese sem a estrutura (sintática) e sem a função que lhe pertence por ser estrutura de uma hipótese. Pode vincular livremente, em função de contextos sociais e de valorações positivas e de valores ideais, quaisquer conseqüências às hipótese delineadas. Mas não pode deixar de sujeitar-se às relações meramente formais ou lógicas que determinam a relação-de-implicação entre hipóteses e conseqüências. A lógica jurídica não pode dizer qual o conteúdo que há de preencher a forma: é tema extralógico. A lógica fica dentro do sistema formalizado da linguagem do direito positivo.

O formalismo lógico

Segundo Vilanova não cabe à lógica decidir quando se empregue a inferência indutiva, ou a inferência analógica, ou a via do argumento a contrario sensu. A decidibilidade de qualquer um dos possíveis métodos para encontrar a solução justa é problema nitidamente extralógico. O que está ao alcance da análise formal é verificar os tipos de estruturas inferenciais, sua validade meramente analítica, com base em relações puramente formais.

Irredução da lógica jurídica

Os modos normativos diferem dos modos digamos fáticos, para isolarmos um dos ângulos abordados por Von Wright. No âmbito da teoria pura do direito: do ser não provém o dever-ser, do meramente factual não provém o normativo, porque as modalidades são irredutíveis, muito embora na composição do fato objetivo de cultura, que é direito, haja inter-relacionalidade entre os modos. Se forma factualmente necessário, ou factualmente impossível uma conduta ou um fato, resultará num sem-sentido estatuir proposição normativa contraposta ao curso natural das coisas.

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CAPÍTULO IV

Estrutura da proposição jurídica

No interior da proposição jurídica destaca-se a hipótese e a tese (ou o pressuposto e a conseqüência). A estrutura desse primeiro membro da proposição jurídica articula-se em forma lógica de implicação: a hipótese implica a tese ou o antecedente (em sentido formal) implica o conseqüente. A hipótese é o descritor de possível situação fática no mundo (natural ou social, social juridicizada, inclusive) cuja ocorrência na realidade verifica o descrito na hipótese. Não cabe interpretar a hipótese como proposição prescritiva. É descritiva, mas sem valor veritativo. Quer dizer, verificado o fato jurídico, no suporte fático, ou não verificado, a hipótese não adquire valor de verdade. Inexiste no universo das proposições jurídicas, necessidade lógica ou factualmente fundada de a hipótese implicar a tese ou conseqüência. É a própria norma que põe o vinculum, é a fonte formal do Direito que, fundando-se num ato devaloração, estatui como devendo ser que a hipótese implique conseqüente. Sem norma válida o nexo desfaz-se.

O que a norma ou o Direito positivo podem fazer, livremente, é selecionar as hipóteses e selecionar as teses ou conseqüências.

O deôntico na tese

Vilanova ensina que tem-se functor deôntico com incidência sobre a relação-de-implicação entre hipótese e tese e mais outro functor deôntico no interior da estrutura proposicional da tese. Ou em redução formal “D (p → q)”, sendo p proposição descritiva e q proposição prescritiva. Explicitando o interior de q, temos S’ R S”” onde R é a variável functorial, cujos valores substituintes são as constantes deônticas “permissão”, “proibição” e “obrigação” (variável R e valores substituintes R’, R’’ e R’’’).

Comentários sobre a teoria de Alf Ross

Segundo Ross, o esquema simbólico da proposição normativa é este: “O (p → q)”, onde O é o operador deôntico. A significação da proposição normativa é prescrever que a implicação “p → q” seja verdadeira. “... significa que todo mundo tem a obrigação de atuar de tal maneira que a implicação indicativa seja verdadeira...”. Isto está de acordo com a tese do autor, de que numa proposição normativa tem-se um tema (sentença que descreve situação objetiva) e um prefixo deôntico.

Segundo a teoria de Ross, a proposição normativa é internamente híbrida, pois se compõem de proposições indicativas (descritivas ou teoréticas, como temos denominado) e operadores deônticos. Esta teoria elimina o “dever-ser” de dentro da proposição que está na posição de tese (ou “conseqüência normativa), dando-lhe a mesma estrutura descrita da hipótese. Então, tanto um membro quanto o outro da proposição normativa serão tomados como proposições descritivas.

Incidência do operador deôntico

Vilanova diz que o operador deôntico incide sobre o nexo entre a hipótese e a tese ou conseqüência, nexo que é a relação formal da implicação e se encontra compondo a estrutura interna da tese, relacionando um sujeito de direito com outro sujeito e direito nas modalidades deônticas: “facultado”, “obrigatório” e “proibido”. O relacionamento é o que Kelsen denominou imputação. Formalmente, isto é, no plano lógico, a imputação expressa-se na relação de implicação. Mas há estruturas deônticas na proposição-tese: verificada, no plano factual, a hipótese, a tese estatui que o alienante fica obrigado a reparar o dano e o adquirente tem o direito de exigir o cumprimento da obrigação de ressarcimento.

Validade e verdade

Vilanova preceitua que a tese (ou a conseqüência normativa) é válida, como válida é a norma em sua bimembralidade constituinte (hipótese/tese). E válida independentemente de realidade confirmar ou verificar o esquema tipificado na hipótese, ou de a conduta prescrita na tese ocorrer como deve ocorrer. Se fosse dotada de valor veritativo, a verificação da ordem fática dar-lhe-ia o valor verdade, e a não-verificação o valor falsidade.

Valências da proposição normativa

Se a hipótese e a tese na proposição normativa são, por sua vez, proposições, uma em função de descritor, outra em função de prescritor, ambas referentes a situações objetivas (constituídas de fatos e condutas), seu relacionamento no plano sintático há que se dar mediante valências. O modo-de-referência às situações objetivas é sua relação semântica. O modo como se inter-relacionam, como proposições, é sua relação sintática.

Sintaticamente, hipóteses e teses têm valência positiva e valência negativa. A relação implicacional é entre esses valores positivos e negativos. E vale a relação entre a hipótese e a tese. Em outros termos: não se dá o caso em que p é positiva e q negativa.

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Sobre o autor
Carlos Sérgio Gurgel da Silva

Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal), Mestre em Direito Constitucional pena Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Especialista em Direitos Fundamentais pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (FESMP/RN), Professor Adjunto IV do Curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Advogado especializado em Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RN (2022-2024), Geógrafo, Conselheiro Seccional da OAB/RN (2022-2024), Conselheiro Titular no Conselho da Cidade de Natal (CONCIDADE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Carlos Sérgio Gurgel. Síntese analítica da obra 'Estruturas lógicas e o sistema de direito positivo', de Lourival Vilanova. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5598, 29 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69162. Acesso em: 27 abr. 2024.

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