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De Cámpora a Haddad

11/10/2018 às 14:30
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Explanam-se preocupações com relação às eleições presidenciais de 2018 no Brasil, trazendo à memória a experiência argentina.

Héctor José Cámpora Demaestre (Buenos Aires, 26 de março de 1909 — Cuernavaca, 18 de dezembro de 1980) foi um político e odontologista argentino que presidiu o país desde 25 de Maio de 1973 até 13 de Julho do mesmo ano.

Cámpora venceu as eleições com 49,5% dos votos, visto que Juan Perón estava inapto a se candidatar por restrições do governo militar que presidia a Argentina. Na sua posse esteve presente o então presidente do Chile Salvador Allende.

Sua primeira medida foi, conforme havia prometido, anistia aos presos políticos. Em 28 de maio de 1973 a Argentina retomou as relações diplomáticas com Cuba, interrompidas durante o período militar. Em 27 de maio de 1973 a lei 20.508 foi promulgada a vangloriar-se a libertação de todos os presos políticos que haviam sido presos durante a ditadura antiperonista, foi estabelecido que ninguém poderia ser processado por suas crenças políticas ou pessoais

Procurou estabelecer um pacto social entre a Confederação Geral do Trabalho, o empresariado nacional e do estado, que incluiu aumentos salariais e congelamento de preços. Ele voltou com as diretrizes econômicas do governo Perón anterior, com uma política nacionalista, distribucionista, e destina-se a atrair investimentos. Seus primeiros resultados foram bastante positivos: a inflação diminuiu (de 62% para 17% ao ano), os salários reais recuperado por 13,33%, invertendo a situação da balança de pagamentos, devido ao acúmulo de superávits comerciais fora. O aumento dos salários e do crescimento da despesa pública encorajou a atividade doméstica.

É bom lembrar que Perón, que governou a Argentina por vários anos, foi retirado do poder em 1955 e ficara proscrito da política argentina.  

Do peronismo tem-se:

  • A verdadeira democracia é aquela onde o governo realiza o que o povo quer e defende o interesse do povo.
  • O peronismo é essencialmente popular. Todo círculo político é antipopular, logo, não é peronista.
  • O peronista trabalha para o movimento. Esse em seu nome serve a um círculo ou a um caudilho.
  • Para o peronismo só existe uma classe de homens: os que trabalham.
  • Para um peronista não há nada melhor que outro peronista.
  • Os braços do peronismo são a justiça social e a ajuda social.
  • Na Nova Argentina os únicos privilegiados são as crianças.
  • O peronismo tem sua própria doutrina política, econômica e social: o justicialismo.
  • O justicialismo é uma nova filosofia de vida, simples, prática, popular, profundamente cristã e profundamente humanista.
  • O peronismo pretende constituir um governo centralizado, um estado organizado e um povo livre.
  • A política não é para nós um fim, mas apenas um meio para o bem do país, que é a felicidade de seus filhos e grandeza nacional.
  • Como doutrina política, justicialismo feito equilíbrio certo entre o indivíduo e a comunidade.
  • Os dois braços do peronismo são a justiça social e bem-estar social. Com eles, dar um abraço ao povo de justiça e amor.

Perón era e é o símbolo do justicialismo. Governou a Argentina até a sua morte, em 1974.

O justicialismo, que foi a justificação da reforma constitucional à Constituição de 1853, em 1949, como proclamaram os argentinos, é uma solução intermediária, não extrema, do problema político da humanidade. Sem se definir pelo espiritualismo ou pelo materialismo, procurou harmonizar o espírito e a matéria na pessoa humana. Igualmente, se se definir pelo individualismo ou pelo coletivismo tende a conciliar a unidade e a totalidade no meio social. Adota o justicialismo uma terceira posição, variável, que “não está sempre a igual distância dos extremos”. Em cada caso, ao considerar o problema do homem ou da sociedade, elege um determinado ponto de equilíbrio.

Disse Raul A. Mende que o primeiro objetivo do justicialismo é a felicidade do homem na sociedade humana, pelo equilíbrio das forças materiais e espirituais, individuais e coletivas cristãmente valorizadas

No justicialismo, o trabalho é considerado “meio indispensável para satisfazer as necessidades espirituais e materiais do indivíduo e da comunidade, a causa de todas as conquistas da civilização e o fundamento da prosperidade geral”.

Assim considerada a riqueza como fruto exclusivo do trabalho humano, compete ao Estado intervir nas fontes de produção para possibilitar e garantir ao trabalhador uma retribuição moral e material que satisfaça as suas necessidades vitais e corresponda ao rendimento obtido e ao esforço empregado. O trabalho é um direito, mas também tem uma função social, constituindo, portanto, um dever de cada membro da sociedade. Esse direito e esse dever recebem a mais ampla proteção do Estado. Os abusos que importem em exploração de homem, são punidos pelas leis.

A propriedade também tem, no justicialismo, uma função eminentemente social ou coletiva, pelo que está submetida às restrições legais em razão do interesse comum.

Assim, na forma do artigo 15 da Constituição argentina, sob o justicialismo, o Estado não reconhece liberdade para atentar contra a liberdade.

O Estado argentino sob Péron assumiu a roupagem de uma ditadura do tipo fascista.

Juan Perón voltou ao país em 20 de junho. Cámpora renunciou em 13 de julho de 1973 para abrir caminho para a eleição de Juan Domingo Perón e convocou novas eleições - nas quais Perón foi reeleito com mais de 62% dos votos. Depois tudo terminou em 1976 com o acesso ao poder de uma ditadura militar fratricida.

Nas eleições de 1958 houve transferência de Perón, impedido de participar nas eleições, para Arturo Frondizi, representante dos setores mais receptivos à possibilidade de acabar com a proscrição até então vigente ao peronismo. Os peronistas votaram em Frondizi com a esperança de que, uma vez no poder, legalizaria os sindicatos e acabaria com o veto à participação dos peronistas no jogo eleitoral. O triunfo de Frondizi surpreendeu os setores antiperonistas e mostrou que, apesar dos intentos do governo autoritário precedente, o peronismo continuava vivo.

Ele não passava de um “poste” de Perón, de alguém que daria continuidade ao chamado Justicialismo, na política em prol dos trabalhadores portenhos.  

Surge agora no contexto políltico das eleições presidenciais no Brasil, em 2018, a figura de Haddad, indicado pelo ex-presidente Lula, ora preso, em establecimento da Polícia Federal em Curitiba, em prisão provisória.

Cámpora era um peronista. Haddad, petista, na linha da esquerda sindical de Lula.

Haddad é um políltico que surge sob a bandeira do lullismo.

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O termo "lulismo" foi cunhado em artigos e em tese de livre-docência do cientista político André Singer, que também foi porta-voz de Lula na presidência, de 2002 a 2007.

Nascido durante a campanha presidencial de 2002, o lulismo representou o afastamento em relação a componentes importantes do programa de esquerda adotado pelo Partido dos Trabalhadores até o final de 2001 e o abandono das ideias de organização e mobilização, ao buscar transformações sem confrontar o capital. "Como o lulismo é um modelo de mudança dentro da ordem, até com um reforço da ordem, ele não é e não pode ser mobilizador. Isso faz com que o conflito não tenha uma expressão política partidária, eleitoral, institucional", diz Singer.

Assim, o lulismo buscou um caminho de conciliação, a partir do carisma de Lula, com amplos setores conservadores brasileiros. E é sob o signo da contradição que o lulismo se constitui como um grande pacto social conservador, que combina a manutenção da política econômica do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) com fortes políticas distributivistas sob o governo Lula (2002-2010).

Conduzido sob a égide da conciliação, o lulismo representa um "apaziguamento dos conflitos sociais, dos quais a burguesia sempre tem muito medo, sobretudo num país de grande desigualdade como é o caso do Brasil", pois vislumbra uma "agenda da redução da pobreza e da desigualdade, mas sob a égide de um reformismo fraco".Esse modelo de mudança social se explica como uma "variante conservadora de modernização", em que o Estado tem um "papel proeminente na alavancagem dos mais pobres", ao mesmo tempo em que garante que os problemas estruturais sociais brasileiros não serão tocados, ou seja, sem entrar em conflito com setores conservadores das elites rurais e urbanas ligados aos interesses financeiros.

 O ex-prefeito de São Paulo surge no pleito na condição de preposto, estafeta — um poste, como se diz no jargão eleitoral — de seu padrinho. É um verdadeiro “candidato por procuração”.

Caso seja eleito é provável que patrocine a anistia de seu criador e padrinho político.

Seu ponto forte é Lula ou, mais precisamente, a extraordinária popularidade do líder petista, em especial entre os eleitores mais pobres e menos instruídos. No Datafolha, 33% dizem que votariam com certeza em um postulante apoiado pelo ex-presidente.

Boa parte dos problemas pela qual enfrenta a Argentina, com economia dolarizada, em angustiante estagflação, vem da experiência peronista, de natureza populista.

Do que se tem notícia, os problemas crônicos de déficit público por que passa nova economia têm origem no período lulista, que foi encerrado no impeachment por crime político e financeiro que teria sido cometido por pessoa que seguia sua linha política, e que foi presidente do Brasil entre 2011 e 2016.

O principal adversário do mandatário de Lula será um militar de extrema direita, que se propõe a combater um sistema político que faliu, está putrefado, e que se instalou com a nova república, após o fim da ditadura militar, e que envolve a dicotomia que tem a centro-direita (PSDB) e a esquerda sindical, comandada por Lula.

O Brasil hoje é um pais dividido.

Espera-se que seus problemas sejam decididos no máximo no segundo turno e não num eventual e fatídico terceiro turno, cujas consequências se afiguram graves.

Resta dizer que a Constituição de 1988 não prevê a figura da intervenção militar que só viria com um golpe, dilacerando nosso sistema constitucional.

Trago aqui, ao final, síntese apresentada por Flávio Gaitán e Fabiano Santos (Perón e a transferência de votos, publicado no Jornal do Brasil, edição de 14 de setembro do corrente ano):

“O que a experiência argentina nos ensina? Condições muito específicas permitiram que o fenômeno ocorresse. Mesmo assim, os desdobramentos não foram nem um pouco alvissareiros. Ao se pensar no caso argentino e sua transplantação para a experiência brasileira contemporânea, com o provável deslocamento de votos de Lula para o candidato do PT, Fernando Haddad, não é possível esperar que um triunfo da estratégia cancele os elementos mais permanentes de resistência a um governo de perfil mais popular. Em uma palavra, não modificará o quadro de casuísmo judicial, ameaças autoritárias de setores militares, nem convencerá a grande mídia de seu óbvio viés.”

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. De Cámpora a Haddad. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5580, 11 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69453. Acesso em: 23 abr. 2024.

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