Capa da publicação Deferência do Legislativo a grupos organizados: o papel do sindicato à luz das teorias de Pateman e Mayhew
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Deferência do Legislativo a grupos organizados: o papel do sindicato dos trabalhadores.

Análise à luz das teorias de Pateman e Mayhew.

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06/11/2018 às 15:00
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Examinam-se teorias da democracia, representação política, organização e funcionamento parlamentar para investigar o seguinte: Como ser ouvido pelo Legislativo e como ampliar a participação popular na democracia de forma que perdure após as eleições?

Introdução:

“Qual o lugar da participação numa teoria da democracia moderna e viável?” (PATEMAN, 1992, p. 9). São muitas as teorias acerca da democracia, representação política, organização e funcionamento parlamentar, tendo como cerne a explicação dos movimentos no Parlamento, a estabilidade no poder, os tipos de representatividade, dentre outras. Porém, como questionado por Pateman (1992), qual o papel da população nesse movimento democrático? Como ser ouvido, como ampliar a participação de forma que perdure após a manifestação eleitoral nas urnas? A busca por essa resposta deve passar, necessariamente, pela análise do que motiva o Parlamento no processo de tomada de posição e sobre o tipo de participante que, geralmente, obtém algum êxito em ser ouvido no Legislativo. Nesse aspecto, segundo Mayhew (1974), os grupos organizados teriam maior deferência dos Congressistas. Quanto mais coeso e mobilizado, melhores seriam as chances de apoio a determinada pauta. No presente trabalho será abordado, em linhas gerais, o funcionamento sindical no Brasil à luz da Teoria de Pateman e das Conexões Eleitorais abordadas por David Mayhew (1074). Seria o Sindicato um ambiente favorável ao desenvolvimento do processo participativo democrático, nos termos defendidos por Pateman e, ao mesmo tempo, uma ferramenta viável de pressão popular frente ao Congresso Nacional?


Teoria de Pateman:

Baseado nas teorias clássicas de Rousseau, Stuart Mill e Cole, Pateman amplia a visão acerca da participação, na busca por responder qual o papel do povo na democracia. Segundo Pateman, Rousseau é o teórico da participação individual que defende a função educativa da participação, a qual gera ao individuo um sentimento de pertencimento à comunidade, facilitando a aceitação do cumprimento de regras. Stuart Mill, na visão de Pateman, apesar de defender a participação a nível local, com formas cooperadas para substituição da relação de hierarquia e poder nas indústrias, retrocede quanto à ideia de participação efetiva das massas, uma vez que limita ao campo da discussão política e ao voto plural, no qual os mais instruídos teriam peso maior. Pateman defende que Cole avança ao defender o efeito educativo da participação. Para Cole a sociedade é vista como um complexo de associações e, a nível local o indivíduo aprende a democracia.

Pateman faz críticas aos teóricos contemporâneos, pois segundo a autora desprezaram a relevância dos teóricos clássicos para o papel da participação em uma democracia viável.

Na teoria participativa o argumento é de que, com efeito, aprendemos a participar, participando, e o sentimento de eficácia tem mais probabilidade de se desenvolver em um ambiente participativo. Além disso, a experiência em uma estrutura de autoridade participativa poderia ser efetiva na diminuição da tendência para atitudes não democráticas por parte do indivíduo, como a apatia política.

Segundo Pateman (1992, p. 142), o baixo nível de demanda por participação em níveis mais altos no local de trabalho poderia ser explicado, pelo menos em parte, como um efeito do processo de socialização. A falta de estímulo para que o indivíduo participe no interior do local do trabalho, poderia conduzir a ideia de que a participação nos níveis mais altos seria inatingível para muitos trabalhadores. Desta forma, seria eficaz a participação se iniciar a nível local.

Somente se o indivíduo tiver a oportunidade de participar de modo direto no processo de decisão e na escolha dos representantes nas áreas alternativas é que ele pode esperar ter qualquer controle real sobre o curso de sua vida ou sobre o desenvolvimento do ambiente em que ele vive. (PATEMAN, 1992, p. 145-146)

Na conclusão de Pateman, para que exista uma forma de governo democrática é imprescindível à existência de uma sociedade participativa, ou seja, uma sociedade na qual todos os sistemas políticos tenham sido democratizados e a socialização possa ocorrer em todas as áreas.

Função educativa da participação de Pateman e a função educativa dos Sindicatos:

Segundo depreende-se da obra de Pateman (1992), uma das funções da participação é seu efeito educativo, em sentido amplo, preparando o indivíduo para compreender questões nacionais, a partir da análise de situações cotidianas, sobre as quais teria maior possibilidade de opinar. Sendo assim, a participação a nível local educa e prepara o indivíduo para ampliar seus horizontes, do pensar individualista para o coletivo, para o bem comum.

O sindicato também exerce esse papel, de preparar o indivíduo tanto para a formação profissional, quanto para a formação de novos líderes sindicais. Nesse sentido:

A função educacional do sindicato diz respeito à formação sindical, a qual, em sentido mais amplo, refere-se a tudo aquilo que prepare pessoalmente os trabalhadores para melhorar sua condição como grupo. [...] A falta de capacitação das lideranças sindicais prejudica uma adequada atuação coletiva. Nesse sentido é necessário preparar os filiados ao sindicato para dirigi-lo politicamente e financeiramente e para realizar negociações coletivas de trabalho vantajosas para os trabalhadores. (FIORAVANTE, 2008, p. 106 e 109)

Desta forma, a estrutura do sindicato deve ser participativa e democrática, o que irá “favorecer a aprendizagem ativa ou participativa” [...] para que os participantes “não se tornem receptores passivos ou silencioso do conhecimento” (FIORAVANTE, 2008, p. 1010).

O papel educativo do sindicato é desempenhado em seu aspecto amplo, por meio de processos participativos, e em aspecto estrito, com a realização de cursos de capacitação. No Brasil, a partir de 1975, os sindicatos passaram a se organizar para oferecer cursos supletivos e formação voltada ao próprio interesse sindical. Ou seja, à luz da teoria de Pateman, o sindicato cumpre papel educacional e participativo.

No plano estadual existem as Secretarias de Formação das CUTs Estaduais (SEF/CUT), que estabelecem Encontros Estaduais de Formação e o Plano Estadual de Formação. Em âmbito local existem as secretarias de formação dos sindicatos e os planos microrregionais/locais de formação. Ademais, a CUT possui sete escolas de formação sindical: Escola Amazônia, Escola Chico Mendes, Escola Centro Oeste, Escola Nordeste, Escola 7 de Outubro (com sede em Belo Horizonte), Escola São Paulo e Escola Sul (com sede em Florianópolis). (FIORAVANTE, 2008, p. 118)

Máxima participação de Pateman e as estruturas dos Sindicatos:

Pateman (1992), em sua obra, destaca a ideia de Cole de que é preciso ampliar o máximo de participação, partindo-se de pequenos núcleos, formados a nível local, para a consolidação da participação a nível nacional. Neste aspecto, é possível identificar que a estrutura sindical no Brasil se adéqua a esse modelo. Devido ao princípio da unicidade, não poderá haver mais de um sindicato por base territorial, a qual não poderá ser menor que a de um município. Esses vários sindicatos locais poderão filiar-se a uma Federação, reunião de sindicatos de idênticas categorias, que por sua vez se vinculará a uma Confederação, reunião de Federações de mesma categoria. Todos estes, poderão, ainda, se vincularem a uma Central Sindical, reunião de categorias diversas, de estrutura independente. Tudo funcionaria muito bem, partindo-se do pressuposto participativo de Pateman, essas células locais de trabalhadores aglutinadas para formação de um órgão de porte nacional deveriam se tornar aptas e independentes da classe patronal e do Estado para a defesa dos interesses de seus associados.

Constituição Federal: Democracia e suas ferramentas.

O texto Constitucional, em seu primeiro artigo, traz expressamente que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito. Em diversos Títulos e Capítulos da Carta Magna é possível identificar direitos, garantias e ferramentas para que a Democracia não fique apenas no plano da abstração, e, sim, formalmente aplicada e vivenciada por seus cidadãos. No Preâmbulo da Constituição – que apesar de não possuir força normativa, é dotada, segundo o STF, de relevância política, pois transparece a ideologia do constituinte – é possível identificar muitos dos requisitos que caracterizam uma democracia:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil. (BRASIL, 1988)

A Constituição Federal nos assegura direitos políticos, os quais garantem o exercício do sufrágio universal, pelo voto direto e secreto. Garante, ainda, a igualdade de todos perante a lei, direito de liberdade e expressão. Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, segundo o texto constitucional, são independentes e harmônicos, e a fiscalização é exercida por mecanismos de freios e contrapesos.

O processo democrático pressupõe participação ativa da população e, nesse aspecto, a Constituição assegura a possibilidade de propositura de Projeto de Lei de iniciativa popular; a realização de plebiscito e referendo; liberdade de associação e filiação partidária; capacidade eleitoral passiva e ativa; orçamento participativo na esfera municipal; garantia da publicidade e transparência nos gastos orçamentários, dente outros.

A liberdade de associação profissional ou sindical é uma ferramenta democrática e, conforme expresso no inciso III, do art. 8º da Constituição Federal “ao sindicato cabe à defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas” (BRASIL, 1988).

Conforme defendido por Ferreira (2013) a defesa exercida pelos sindicatos se estende desde a negociação coletiva às ações políticas afirmativas visando à proteção do trabalhador:

Dentre as acepções existentes para a palavra defesa destaca-se a que significa a promoção de ações administrativas, políticas ou judiciais através das quais se busque obter para o trabalhador, interesses individuais homogêneos ou coletivos. Assim, além da legitimação processual conferida pela Constituição ao sindicato para a defesa de direitos já criados, o art. 8º, III e VI, também atribui a tal ente coletivo a competência para discutir, negociar e obter para o trabalhador o objeto de seus interesses individuais homogêneos ou coletivos. (FERREIRA, 2013, p. 205-206).

Origens dos Sindicatos no Brasil:

No Brasil, registros históricos revelam que, mesmo antes da independência, algum tipo de organização sobre determinado ofício já existia. Por volta do ano de 1808, com o surgimento da liberdade industrial e a criação do Banco do Brasil, movimentos sindicais surgiram. Entretanto, na Constituição do Império, de 1822, não havia dispositivos voltados para os direitos sociais do trabalhador.

A Constituição Republicana, de 1889, inspirada na norte-americana, apesar de não regulamentar direitos sociais do trabalho, permitia a liberdade de associação, fato que favoreceu o surgimento de associações com finalidades trabalhistas.

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Um dos primeiros cuidados foi o de eliminar quaisquer entraves à liberdade de contratar, trazendo uma garantia fundamental às aspirações sindicais. (MELLO, 2005, p. 95)

A primeira norma oficial sobre direito sindical no Brasil, surge com a edição do Decreto Legislativo n.º 970, de 06 de janeiro de 1903, facultando aos profissionais de agricultura e indústria se organizarem em sindicatos para a defesa de seus interesses. (MELLO, 2005).

Os primeiros congressos operários realizaram-se em 1906 e 1913. Houve várias greves, e a de 1917 foi a mais significativa pela mobilização operária. Entretanto, devido a campanhas anti-sindicalistas e à repressão oficial com reflexos que se prolongariam em anos vindouro, o movimento operário teve sentido esvaziamento com a expulsão de estrangeiros de 1907 a 1921. O III Congresso Operário realizado em São Paulo em 1920 foi um evento marcado pela confusão interna e indefinição de metas. (MELLO, 2005, p. 96-97)

Na fase intitulada “República Nova”, com Getúlio Vargas, a organização sindical foi institucionalizada e direitos sociais do trabalho foram estabelecidos:

O Estado, então, elaborou uma política social baseada na ideologia da integração das classes trabalhistas e empresariais, organizando, sob a forma de categorias por ele estabelecidas, um plano chamado de enquadramento sindical, disciplinando leis com direitos específicos de cada profissão. (MELLO, 2005, p. 98)

Em linhas gerais, dessa forma se deu o surgimento do movimento pró organização sindical no Brasil, que em 1964, devido ao golpe militar, sofre uma ruptura em sua expansão institucional e, a partir de 1985, ressurge com a fase da redemocratização, a qual culminou com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, no ano de 1988.

Funções dos Sindicatos:

Sindicatos podem ser formados por trabalhadores ou empregadores. Tanto no sindicato composto por associação de trabalhadores de um determinado seguimento econômico ou trabalhista, quanto nos sindicatos patronais, de determinada atividade empresária, o objetivo é a defesa dos direitos de seus associados, sejam interesses econômicos, profissionais, sociais ou políticos. Além dessas funções, os sindicatos também cumprem papel educativo entre seus associados com a realização de palestras, reuniões, cursos e congressos, visando o fortalecimento da categoria. Os sindicatos patronais e de empregados também se organizam em movimentos, junto ao Congresso Nacional, na defesa por medidas legislativas benéficas a seus associados e, quando necessário, se opõem às meditas desfavoráveis aos interesses dos representados.

Para um desempenho satisfatório, os sindicatos devem investir na formação de seus associados, tornando-os aptos a assumir funções dirigentes na estrutura da entidade.

Relações entre os Indivíduos e as Estruturas de Autoridades no Ambiente em que interagem:

Em sindicato os indivíduos se associam, formando um grupo coeso, para a defesa de seus interesses. Mantidos financeiramente por contribuições de seus associados, os sindicatos podem representar, juridicamente, seus sindicalizados em ações de interesse coletivos e direitos individuais, são legítimos para a instauração de Dissídios Coletivos de Trabalho, no qual poderá compor acordo junto à entidade patronal e, posteriormente, homologar judicialmente o acordo formado. São responsáveis pela organização do movimento grevista. Devido à possibilidade de constantes embates divergentes do posicionamento patronal, aos dirigentes sindicais são asseguradas algumas garantias, que lhes proporcionam independência frente às estruturas de autoridade da empresa, conforme assegurado no inciso VIII, do art. 8º da Constituição Federal:

VIII - é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei. (BRASIL, 1988)

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Sobre a autora
Lílian Reny Fernandes

Graduada em Ciências Jurídicas, Pós-Graduada em Direito Portuário, Pós-Graduanda em Direito Tributário, Pós-Graduada em Processo Legislativo, pelo Centro de Formação da Câmara dos Deputados. Advogada inscrita nos quadros da OAB/DF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, Lílian Reny. Deferência do Legislativo a grupos organizados: o papel do sindicato dos trabalhadores.: Análise à luz das teorias de Pateman e Mayhew.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5606, 6 nov. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70069. Acesso em: 18 abr. 2024.

Mais informações

Trabalho final da grade Instituições Políticas do curso de Pós-Graduação em Processo Legislativo do Centro de Formação da Câmara dos Deputados - CEFOR.

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