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A independência funcional do delegado de polícia paulista

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21/01/2019 às 17:50
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Com alterações na Constituição do Estado de São Paulo, a polícia civil passa a exercer atribuição essencial à função jurisdicional do Estado e à defesa da ordem jurídica.

I - AS NOVAS PRERROGATIVAS CONSTITUCIONAIS ESTADUAIS DOS DELEGADOS DE POLÍCIA

Mudanças. Quaisquer que sejam, trazem dúvidas. E agora, após anos de ordeira luta, conseguiram os Delegados de Polícia um “status” que, doravante, os tornarão melhores garantidores dos direitos dos cidadãos. Assim, o diário controle da legalidade dos atos de prevenção e repressão criminal, será, daqui por diante, deveras otimizado.

Os efeitos práticos da inovação, num primeiro momento, serão melhor sentidos pelos Delegados de Polícia que, de fato, exercem a atividade-fim da polícia judiciária, quais sejam, aqueles que atendem os plantões permanentes, presidem inquéritos policiais e capitaneiam as investigações criminais. Assim, beneficia-se, também, a sociedade, a qual terá, doravante, um agente político do Estado próxima de si.

As autoridades policiais, de certa forma, “judicam” sem toga. E, mesmo para isso, são necessárias garantias mínimas para que a população tenha um bom guardião. Agora, em razão da nova redação da Constituição Estadual, surgiram novos rumos a nossa nobre carreira, combalida por anos, mas que, destarte, parece finalmente começar a reencontrar o seu foco original, qual seja, o de defender a comunidade sem o temor da espada de Dâmocles que, por vezes, teima em nos acossar.

O Delegado de Polícia, dia e noite, personifica a arbitragem das querelas delituosas, ínfimas ou não. Ele recepciona, avalia e dá rumo aos diversos casos que lhe são levados a coleção e, não raro, é ele constantemente sabatinado por isso, como se a sua autoridade fosse precária, passível de convalidação “superior”.

Mas esse cenário, finalmente, parece estar se alterando, afinal, a nossa Secretaria da Segurança Pública reconheceu que as reformas hoje auferidas com a alteração da Constituição Estadual eram de fato necessárias para dar maior segurança aos Delegados de Polícia no exercício das suas funções[1]. Ou seja, a nossa Chefia de Polícia defendeu que, com garantias, ficaria muito mais fácil gerirmos a repressão criminal que nos cabe. E isso, admitamos, tem um peso institucional muito forte.

A primeira novidade trazida é a prevista no novo art. 140, parágrafo 2º da Carta Paulista. Doravante, no escorreito desempenho da atividade de polícia judiciária, instrumental à propositura das ações penais, a Polícia Civil exerce atribuição essencial à função jurisdicional do Estado e à defesa da ordem jurídica.

Já o parágrafo 1º da Lei Complementar n° 1.152/11 (com a redação alterada pela Lei Complementar n° 1.249/14), estatui ser garantia institucional da carreira de Delegado de Polícia a independência funcional, a qual é assegurada pela autonomia intelectual para interpretar o ordenamento jurídico e decidir, com imparcialidade e isenção, de modo fundamentado.

A Polícia Civil é um órgão permanente, bem sabemos todos. Isso alude a uma estabilidade contínua, sem interrupção e, agora, instrumental, ou seja, prestar-se-á ela, expressamente, como meio de ação para a propositura das ações penais. Aproximamo-nos, assim, dos já consagrados agentes políticos (tornamo-nos um deles) e, paulatinamente, tenderemos a nos afastar da casta ordinária dos demais organismos de polícia administrativa do Estado.

Essa nova atribuição, num primeiro momento, passa a ser essencial à chamada função jurisdicional do Estado. Outrora, apenas o Ministério Público e a Defensoria Pública do Estado tinham tal “status” em nossa Constituição. A Polícia Civil, hoje, passou a ser o terceiro órgão público bandeirante a ostentar tal múnus, qual seja, o de contribuir, de forma direta, para que sejam dirimidos os conflitos de interesses através do devido processo legal.

Nestes termos, além das funções de polícia judiciária e da apuração de infrações penais, hoje, no diapasão destas duas, nós auferimos, em termos constitucionais, mais dois novos pilares, a saber:

  • Somos essenciais a função jurisdicional do Estado e;
  • Somos essenciais à defesa da ordem jurídica.

Pois bem, e dentre esse novo rol de garantias institucionais, veio outra, de ímpar relevância, talvez a que mais reflexo trará no dia a dia dos Delegados de Polícia: a tão esperada independência funcional, prevista no novo art. 140, parágrafo 3º da Constituição do Estado, “in verbis”:

“Aos Delegados de Polícia é assegurada independência funcional pela livre convicção nos atos de polícia judiciária”.

Através dessa nova “independência funcional”, passamos a ter garantias (enquanto autoridades policiais) de não nos subordinarmos, em matéria de polícia judiciária, a nenhum outro órgão, poder ou chefia, mediata ou imediata, mas, tão somente, a nossa consciência técnica e jurídica, desde que, ao certo, fundamentemos os nossos atos de ofício em conformidade com a lei, o Direito e suas fontes[2].

Assim, em razão dos seus atos de ofício (leia-se, seara técnico-funcional), não está o Delegado de Polícia sujeito a um controle hierárquico, não tendo ele, em razão disso, como ser genericamente sabatinado em razão de uma decisão motivada exarada no exercício das suas funções, salvo nas hipóteses de culpamá-fé ou latente abuso. Fora disso, em razão desse novo imperativo constitucional, tem o Delegado de Polícia, hoje, independência para defender a ordem jurídica e exercer as funções de polícia judiciária e investigação das infrações penais, independente da sua transitória graduação administrativa, a qual não lhe subtrai, na prática, um grão sequer da autoridade que a própria legislação lhe emprestou.

Convalidou-se aqui, destarte, a hierarquia “sui generis” entre os Delegados de Polícia, estando estes, entre si, apenas sujeitos a um controle meramente administrativo, isto é, o de supervisão do serviço sob o aspecto formal, sem que exista, nesse processo, qualquer ação que objetive imiscuir-se no seu poder decisório, o qual, agora, passa a ser, de fato, independente. Ademais, é bem certo que o conceito de “série de classes”, costumeiramente usado como critério de graduação entre membros de uma mesma carreira, alude tão somente ao escalonamento hierárquico relacionado ao grau de complexidade das atribuições e nível de responsabilidade, como, por assim dizer, a direção de unidades e a divisão de serviços policiais[3].

Isso não quer dizer que não exista hierarquia entre os Delegados de Polícia. Ela existe, mas não de forma absoluta, como nas forças militares. Aqui, como vimos, vigora a hierarquia por supervisão administrativa, onde membros de uma mesma carreira, mas de classes diversas, alternam-se na direção de unidades, supervisionando e fiscalizando a estrutura humana e administrativa que lhes são dispostas. Exercem eles a gestão vertical de pessoasserviçosmateriais e finanças, não lhes sendo lícito, debalde a posição diretiva, imiscuir-se na convicção jurídica de um, por assim dizer, “subordinado”, o qual, perante a lei e a Constituição Estadual, tem, independente da classe, integral liberdade funcional nesse particular[4].

Em razão disso, não é demais dizermos que a efetiva autoridade de polícia judiciária do Delegado de Polícia paulista não é medida pela classe que ele, transitoriamente, ocupa. Ela é, legalmente, inerente ao cargo que ele titula, pois o que se mede pelo nível da classe é a atribuição de poder ele chefiar ou não determinado serviço ou unidade, o que, isso sim, requer certa graduação como requisito para titulação[5].

Tal significa assentar que, doravante, inclusive os exames correcionais dos atos decisórios e motivados dos Delegados de Polícia paulistas deverão ser feitos com extrema cautela, sob pena de burla a um preceito constitucional que, agora, lhes estende independência funcional. Assim, caso sabatina interna advenha (fora dos casos de culpa, má-fé ou abuso), cremos ser ela indevida, passível, inclusive, de regresso, aí sim, por inobservância de norma legal, a qual todos os policiais civis, independente do local de classificação, estão sujeitos. Por isso conclamamos que, para a nossa boa defesa, todos os Delegados de Polícia passem a motivar todos os seus atos de polícia judiciária, pois somente assim teremos elementos probos e idôneos a fulminar, através dos remédios adequados, qualquer pretensão indevida de desmerecer um despacho galgado numa norma ou fonte admitida de Direito.

A nossa vinculação hierárquico-administrativa vertical, como visto, continua intacta. Ela otimiza, por assim dizer, o real funcionamento do Órgão. O que se altera, em razão da emenda aprovada, é a chamada independência funcional nos atos de polícia judiciária. Esta, agora, tem base constitucional.

Os parágrafos 4º e 5º, ao seu turno, fincam a bandeira do cunho jurídico da carreira do Delegado de Polícia, ao assentarem que o ingresso na carreira terá participação da OAB, exigindo-se o bacharel em Direito, no mínimo, dois anos de atividade jurídica, a qual somente poderá ser dispensada para os que contarem com igual prazo de efetivo exercício em cargo de natureza policial-civil.

A nossa inamovibilidade ainda continua relativa. Relativa mas existente. E se for ela ultimada ao arrepio da nossa Constituição e da lei que a disciplina, tem o Delegado de Polícia, sim, instrumentos legais a disposição para fazer valer esse seu direito. Verificando-se que a mesma se deu em razão de desacato a sua independência funcional, termos, sempre, que buscar guarida jurisdicional.

Concluindo, enfrentemos, agora, dois tabus que, não raro, causam grandes dissabores aos Delegados de Polícia, dada a irresponsabilidade com que, por vezes, são eles lançados sob esses profissionais. A prevaricação e o abuso de autoridade, em verdade, costumam ser imoderadamente arremessados às costas das autoridades policiais, causando-lhes, por atacado, dissabores. Quer nos parecer que muitos desconhecem a real essência dessas figuras e, de forma irresponsável, acabam maculando pessoas de bem.

A prevaricação é deveras difícil de ser comprovada, dada a necessidade de efetiva demonstração de dolo específico, qual seja, o agente deve ter agido mirando satisfazer interesse ou sentimento pessoal. Ora, o sentimento de não ver encarcerada uma pessoa sob a qual não recaia fundada suspeita é público, constitucional inclusive, e nunca de cunho pessoal, já que esse tipo penal, sabemos, é exclusivamente doloso, não admitindo, sequer, culpa. E caso seja motivada a ação, torna-se praticamente impraticável a acusação, pois estará ela fadada ao fracasso. O mesmo se diga com relação ao abuso de autoridade. Este, a exemplo da prevaricação, também é tão somente doloso, ou seja, só o comete, sem estar amparado no interesse da sociedade, aquele que age com a consciência de estar exorbitando o seu poder, isto é, claramente imbuído no propósito de perseguição, vingança, capricho e maldade.

Em razão disso, entendemos que não comente abuso quem, momentaneamente, coloca em custódia pessoa sob a qual recaia suspeita fundada de participação pretérita em determinada infração penal grave enquanto é requerida a sua prisão temporária à Justiça, pois, quem assim age, não está imbuído, conforme já vimos, em perseguição, capricho, vingança ou pura maldade, mas sim, em apenas buscar a proteção da sociedade através das vias adequadas. Prender, imoderadamente, sem qualquer imputação idônea, é crime grave. Deter, para a adoção imediata de medidas de ofício visando a aplicação da lei é dever, acima de tudo, moral de qualquer policial. O pretenso abuso, assim, acaba sendo fulminado em razão da inexistência do elemento subjetivo. Pena que muitos ignoram isso.

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Destarte, é chegada a hora de nos ombrearmos para impormos, de fato, a nossa independência funcional e, para isso, não devemos admitir qualquer iniciativa de anular essa nossa pretensão, o nosso direito e, se tal houver, não podemos abrir mão de usarmos todas as armas legais para nos defendermos, não enquanto pessoas, mas sim, enquanto Delegados de Polícia, detentores de prerrogativas consubstanciadas em direitos inerentes a nossa investitura profissional “intuitu personae”.

Desmerecer o mérito dessa nova conquista é não reconhecer o trabalho daqueles que, em verdade, envergam o peso da Instituição, quais sejam, os Delegados de Polícia Judiciária. E são, para eles, estas palavras de força, apoio e prestígio, pois, doravante, são eles funcionalmente independentes.


II – AVALIAÇÃO TÉCNICO-JURÍDICA PARA A LAVRATURA DE UM AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE (PRERROGATIVA EXCLUSIVA DA AUTORIDADE POLICIAL)

Para edificarmos o auto de prisão em flagrante, temos que fundamentá-lo. O Delegado de Polícia, hoje, deverá dar boas mostras dos motivos técnicos e jurídicos que o levaram a convalidar a captura efetuada por um dos seus agentes, civis ou militares.

Primeiramente, sem prejuízo dessa nova independência funcional ora jungida à categoria de garantia dos Delegados de Polícia, a lei pátria já dizia que só é recolhido ao cárcere aquele contra quem pesa fundada suspeita. Ou seja, para avaliar esse estado é necessário um exame de legalidade da captura, a fim de que as garantias individuais do cidadão sejam preservadas. E esse trabalho, hoje, é feito pela autoridade policial, a qual, ainda, sopesa se a situação apresentada é ou não flagrancial, conforme o art. 302 do Código de Processo Penal.

Recomendamos, assim, o seguinte trâmite:

Em primeiro lugar, deve a autoridade policial analisar se o fato se inclui, aparentemente, num dos quatro incisos do art. 302 do Código de Processo Penal (flagrante próprio, impróprio ou ficto). Procede-se, então, a oitiva das partes. Se das respostas resultar fundada a suspeita contra o conduzido, ele será recolhido à prisão. É o que se exume, assim, do art. 304, parágrafo 1º do Código de Processo Penal.

Importante que, no auto de prisão, deve ficar latente a fundada suspeita exigida pela lei, sob pena de questionamento do auto (vide item III).

Nesses termos, poderá a autoridade policial adotar o seguinte modelo de despacho no auto de prisão:

AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO

(Art. 304 do CPP c/c Recomendação DGP-01, de 13 de junho de 2005)

“Às (...) horas do dia (...) de (...) de (...), na sede do Plantão Policial do (...) Distrito Policial de (...), onde presente se achava a autoridade policial de plantão, Doutor(a) (...), comigo, Escrivão(ã) de Polícia, aí, compareceu o CONDUTOR, (...) qualificado junto ao RDO nº (...), conduzindo CAPTURADO(S) (...), suspeito da prática do(s) crime(s) do (...).

Após preliminarmente convencer-se da existência de indícios suficientes de autoria e de materialidade de crime em tese, deliberou a autoridade policial presidente do auto em epígrafe, por convalidar a captura levada a cabo pelo condutor e, doravante, esclarecer o(s) ora PRESO(s) em flagrante quanto aos seus direitos individuais previstos na Constituição Federal Brasileira, do que ora toma(m) expressa ciência, dentre os quais: a) Receber assistência de familiares ou de advogado que indicar; b) Não ser identificado criminalmente senão nas hipóteses legais; c) Ter respeitada sua integridade física, moral e mental; d) Manter-se em silêncio; e) Declinar informações que reputar úteis à sua autodefesa; f) Não ser obrigado a fazer prova contra si mesmo; g) Conhecer a identidade do autor de sua prisão e, h) Em sendo admitido, prestar fiança e livrar-se solto.

Feito isso, DETERMINOU a autoridade policial a lavratura deste auto constritivo, não sem antes, em estrita conformidade com o disposto no art. 7°, parágrafo 2o da Portaria DGP no 18, de 25 de novembro de 1998 e também, aos princípios administrativos da legalidade e da motivação, lançar, nesta peça formal, os fundamentos fáticos, técnicos e jurídicos que edificaram tal deliberação:

(...LANÇAR, DE FORMA PORMENORIZADA, A MOTIVAÇÃO DA PRISÃO...)

Registre-se que, tão logo o signatário convalidou a prisão captura feita pelo condutor, foi determinada, em obediência ao item XI da Recomendação DGP-01/05, a recepção do(s) preso(s) em dependência própria desta Delegacia, dotada de suficiente vigilância acauteladora, a fim de que fosse ultimada a emissão do competente “recibo de entrega do preso”, nos termos da legislação processual em vigor. Após isso, ainda em observância ao que dispõe o item XIV da epigrafada Recomendação superior, providenciou-se a guarda do(s) preso(s).

Assim, pelos elementos de convicção jungidos, surdiu FUNDADA a SUSPEITA de que o ora autuado, conforme já dito, perpetrou as condutas descritas no art. (...), motivo pelo qual, em obediência ao disposto no art. 304, parágrafo 1° do CPP, a autoridade policial MANDOU RECOLHÊ-LO A PRISÃO, dando-lhe, em seguida, integral ciência dos motivos de sua segregação, através de regular e pormenorizada nota de culpa.

Providencie-se, após:

a) Encaminhamento do preso a Cadeia Pública, recebendo-se a contrafé;

b) Expeça requisição para que o conduzido passe por exame de corpo de delito;

c) Comunicação da prisão ao Poder Judiciário, recebendo-se a contrafé;

d) Comunicação da prisão a Defensoria Pública, recebendo-se a contrafé;

e) Juntada de folhas teletipadas alusivas a consulta sobre os antecedentes criminais do(s) preso(s);

f) Recepção de todas as assinaturas das pessoas ouvidas;

g) Em obediência a Portaria DGP 8/93, forneça ao exibidor cópia do respectivo auto de exibição e apreensão;

h) A. e R. o presente auto, instaurando-se, por coercitiva cognição, inquérito policial.

Nada mais havendo, determinou a autoridade policial o encerramento deste auto que assina com o indiciado, ora expressamente ciente de todos os seus direitos e garantias, e comigo, Escrivão de Polícia, que o digitei e imprimi”.

Em se tratando de flagrante esperado, sugerimos um despacho simples, sem prejuízo de eventual complementação:

“Trata-se, “in casu”, de hipótese de flagrância esperada, onde a atividade policial se resumiu ao estado de alerta, sem influenciar o mecanismo causal do evento, limitando-se os agentes a espreitar o autor e apanhá-lo durante a execução do crime, que se perfez tentado. Não houve qualquer provocação ou induzimento à prática do fato delituoso, mas sim, simples espera a ação do agente que, espontaneamente, deflagrou o processo de execução. Legítima, destarte, a custódia do conduzido, nos termos do art. 302, I do Código de Processo Penal”.

Nos casos de flagrante impróprio, com prazo estendido entre a prática do delito e a captura:

“Trata-se, “in casu”, de hipótese de quase-flagrância, contemplada pelo art. 302, III do Código de Processo Penal. Entendemos que a expressão “logo após” compreende o tempo que decorre entre a prática da infração penal e a colheita de informes a respeito dos respectivos autores, os quais passam a ser ordenada e incontinente procurados – ou seja, perseguidos –, pelos órgãos de segurança do Estado, pouco importando que essa ação se inicie no próprio local dos fatos ou após uma comunicação telefônica e/ou radiofônica dirigida a Polícia, dada a desenfreada evolução que, bem sabemos, acompanha a própria sociedade.

É de se considerar que a Lei adjetiva não define os métodos em que, pormenorizadamente, se deve dar tal perseguição, sendo certo que hoje, extensivamente, tem se entendido que pode ser ela deflagrada por ciência direta ao agente (apelo popular) ou por via telemática, ainda que ultimada por policiais, civis ou militares, que não assistiram o fato delituoso.

O que interessa é que logo após ter sido cientificada do fato, a Polícia, de posse das características dos autores, passou a, em rede, procurá-los, tanto que, mercê profícua diligência, logrou ela [...descrever o lapso...], detê-los. O vocábulo “perseguição”, por admitir sensato elastério interpretativo e não exigir demasiada rigidez na exegese, coaduna-se, de igual forma, com o vocábulo “busca imediata”.

Discordamos da tese de que as chamadas diligências policiais “post delictum” não se adequam a perseguição. É obvio que, ciente da prática de um fato criminoso que acabara de ocorrer, a Polícia, nas ruas, exerce, de pronto, certa atividade persecutória, baseada nas características físicas dos autores, nos seus meios de locomoção e no rumo tomado após a prática do crime. Diante disso, passa ela a “perseguir”, ou seja, sair no encalço dos criminosos com o escopo de capturá-los num espaço de tempo em que, por certo, a atualidade do crime ainda repercute. O delito, assim, já foi cometido e a sua fixação visual, ao certo, ficou para trás. Entretanto, a captura se opera, ainda que nos últimos lampejos da ardência do fato. É, como se diz, o fogo quase apagado que ainda expele fumaça”.

E nas hipóteses de flagrante ficto ou presumido:

“Trata-se, “in casu”, de hipótese de flagrância ficta, contemplada pelo art. 302, IV do Código de Processo Penal.

Não há que se falar, agora, em “perseguição”. Para a configuração da flagrância presumida, nada mais se exige do que estar o pretenso delinqüente na posse de coisas que indiquem ser ele o autor do crime que acabara de ocorrer.

Diante do interesse público na repressão dos crimes em geral, é óbvio que deva existir maior discricionariedade na apreciação desse elemento temporal, principalmente quando o agente é surpreendido com instrumentos, armas, objetos ou papéis indicativos do crime, permitindo-o estender a várias horas ou, conforme já se entendeu, até o dia seguinte.

A expressão “logo depois” deve ser aquilatada, em cada caso concreto, conforme o prudente arbítrio da autoridade policial, a qual não pode empregar, em sua interpretação, excessiva rigidez, bastando que reste demonstrada aceitável cronologia – que não deve ser matemática – entre o momento da prática do crime e o encontro do seu possível autor.

Assim, essa amplitude deve amoldar-se ao senso jurídico, desde que inequívocos os indícios de autoria.

É de se considerar, ainda, que para a caracterização da flagrância presumida, nada mais exige a Lei do que estar o possível autor na posse de coisas que o indigitem como executor ou partícipe de um delito que acabara de cometer, pouco importando que a Polícia o encontre após diligências ou simplesmente ao mero acaso”.

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Sobre o autor
Marcelo de Lima Lessa

Formado em Direito pela Faculdade Católica de Direito de Santos (1994). Delegado de Polícia no Estado de São Paulo (1996), professor concursado de “Gerenciamento de Crises” da Academia de Polícia “Dr. Coriolano Nogueira Cobra”. Ex-Escrivão de Polícia. Articulista nas áreas jurídica e de segurança pública. Graduado em "Criminal Intelligence" pelo corpo de instrução do Miami Dade Police Department, em "High Risk Police Patrol", pela Tactical Explosive Entry School, em "Controle e Resolução de Conflitos e Situações de Crise com Reféns" pelo Ministério da Justiça, em "Gerenciamento de Crises e Negociação de Reféns" pelo grupo de respostas a incidentes críticos do FBI - Federal Bureau of Investigation e em "Gerenciamento de Crises", "Uso Diferenciado da Força", "Técnicas e Tecnologias Não Letais de Atuação Policial" e "Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial", pela Secretaria Nacional de Segurança Pública. Atuou no Grupo de Operações Especiais - GOE, no Grupo Especial de Resgate - GER e no Grupo Armado de Repressão a Roubos - GARRA, todos da Polícia Civil do Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LESSA, Marcelo Lima. A independência funcional do delegado de polícia paulista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5682, 21 jan. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70401. Acesso em: 27 abr. 2024.

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