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O dilema da sub-representatividade feminina na política: evolução histórica e estatísticas

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Apesar de o Brasil estar entre as 10 (dez) maiores economias do mundo, possui o pior quadro na América Latina de representatividade feminina da política e ocupa a 154ª posição do ranking mundial, atrás de países como Afeganistão e Paquistão.

1        Introdução

Enquanto muitos países da America Latina, como Argentina, Bolívia, Costa Rica, Equador, México e Paraguai, vêm alcançando a paridade de gênero nos cargos eletivos do poder público, com medidas assecuratórias de metade das candidaturas para cada gênero, o nosso país sequer consegue cumprir sua cota de 30% (trinta por cento) que existe desde 1997, nos termos do disposto no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97[2]

Malgrado o Brasil esteja entre as 10 (dez) maiores economias do mundo, possui o pior quadro na América Latina e ocupa a 154ª posição do ranking mundial, atrás de países como o Afeganistão e Paquistão, conforme mencionado no Congresso de Direito Internacional de Direito Eleitoral realizado em Curitiba/PR no dia 13.6.2018[3].

As causas que contribuem para a sub-representação feminina na política brasileira são multifatoriais e têm origem em questões culturais, políticas, sociais, econômicas, institucionais e estruturais. No âmbito institucional, a crise dos partidos políticos e o modelo do sistema eleitoral proporcional de lista aberta adotado no Brasil vêm dando sinais de não favorecerem a representação das mulheres.

Enfim, trata-se de uma situação preocupante, haja vista que a sub-representação política é fator de dominação, inferioridade e sujeição, razão pela qual torna-se necessário o aperfeiçoamento tanto do sistema eleitoral brasileiro como de políticas de inclusão feminina como forma  de consolidar a democracia representativa.


2        Premissas teóricas

Ao definir os direitos civis e políticos em conformidade com a participação ativa dos indivíduos, a democracia considera o direito do voto um dos arranjos institucionais da cidadania política. Entretanto, barreiras culturais e políticas impediram que as mulheres fossem incluídas nesse direito. Por tal motivo, questionou-se o tratamento desigual e, paralelamente, iniciou-se um processo de estratégias de capacitação visando a este acesso negligenciado.

A base do plano de ação do movimento pelo sufrágio feminino (conhecido como sufragismo) foi constituída pelos ganhos adquiridos pelas mulheres em áreas que não tinham acesso, como saúde, educação, trabalho qualificado etc; além disso, propiciou a ampliação de suas demandas por equidade de gênero e por empoderamento, mediante políticas de ações afirmativas em que se assegurasse um lugar no parlamento e, ainda, o controle dessas mudanças sociais, políticas e culturais.

Historicamente, o reconhecimento e a proteção dos direitos das mulheres foram marcados por constantes lutas e protestos advindos de movimentos sociais e pelo feminismo, em prol de uma cidadania civil plena para as mulheres. A partir da eclosão destes movimentos, alguns países foram receptivos aos proclames das mulheres, criando normas que reconhecem e resguardam seus direitos.

Como marco inicial desse processo de lutas podemos citar a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada em 26 de agosto de 1789, fundadora dos direitos de liberdade e igualdade modernos, a qual, todavia, alijava as mulheres do seu texto. Maria Luzia Miranda Álvares[4] rememora que ao denunciar essa exclusão, a francesa Olympe de Gouges procurou reformular a Carta e redigiu a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, em 17 artigos, na qual reivindicou o mesmo nível de tratamento para os dois sexos. Acusada de haver esquecido as virtudes de seu sexo, foi presa e condenada à guilhotina em 07 de novembro de 1791.

No ano seguinte, em 1792 a inglesa Mary Wollstonecraft lançou as suas Vindications os the Rights os Woman, ao pleitear, assim como Olympe de Gouges, uma co-articipação no campo da política; não como uma relação desigual, mas igualitária, mesmo que assimétrica, desde que as mulheres não fossem excluídas do poder político e da cidadania. Na França, o direito ao voto somente foi concedido às mulheres em 1944.

Na Inglaterra, após intensas lutas, as mulheres puderam exercer o sufrágio em 1918. Nos Estados Unidos, a Carta Magna redigida pela Convenção Federal em 1787, com o fim de criar o sistema de Governo Federal que passaria a ter vigência a partir de 1789, não trouxe nenhum artigo relativo ao voto feminino. Somente com a 19ª emenda ao texto constitucional, aprovada em 1920, o direito do voto não foi negado em razão do sexo.

No Brasil, tem havido uma gradual evolução das normas legais e constitucionais, com o fim de recuperar a igualdade civil e política. As discussões relativas ao direito de voto feminino aconteceram ainda no período imperial, haja vista que a mudança do regime monárquico, unitário, absolutista e representativo, em 1989, para o regime republicano, federalista, representativo-presidencialista e bicameral, exigiu um novo desenho de organização política e social

A polêmica em torno dessa questão intensificou-se na década de 1920, a partir da atuação de um grupo de mulheres liderados por Bertha Lutz (sufragista). Consoante Maria Luzia Miranda Álvares[5], o envio ao Senado Federal de uma petição contendo 2000 (duas mil) assinaturas pela referida sufragista, em janeiro de 1927, em nome da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, refletiu a pressão exercida pelas mulheres ao exigir garantias aos direitos naturais e a concessão de direitos políticos.

Ressalte-se que Celina Guimarães Viana requereu sua inclusão no rol de eleitores do município de Mossoró-RN em novembro de 1927, por força da lei nº 660, sancionada em 25 de outubro do mesmo ano, pelo então governador José Augusto Bezerra de Medeiros. Também no Rio Grande do Norte, na cidade de Lages, foi eleita a primeira prefeita do Brasil, Luísa Alzira Teixeira Soriano, em 1928 [6]. 

O direito de voto foi conquistado pelas mulheres no Código Eleitoral em 1932. Todavia, a conquista não foi completa, porquanto em 1934, quando da inauguração de um novo Estado Democrático de Direito, por meio da segunda Constituição da República, a nova Constituição restringiu a votação feminina às mulheres que exerciam função pública remunerada. 

Após várias mudanças no cenário político, finalmente a Constituição Federal de 1988 sagrou como elemento essencial do Estado Democrático, o escrutínio direto, secreto, universal e periódico do cidadão, matéria intangível, assegurando ao cidadão o poder de eleger seus representantes por meio de eleição direta. Referida conquista passou a contemplar o direito geral à igualdade, jurídica e fática, na Constituição Federal.

Pela igualdade jurídica, nos termos do art. 5º, I, da Constituição da República, reproduzida em todas as constituições editadas após a Revolução Francesa, "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações nos termos desta Constituição"[7]. Referido direito foi reforçado no art. 7º, inciso XXX, ao proibir qualquer discriminação fundada em motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. Assim, formalmente, homens e mulheres tiveram assegurada a igualdade no âmbito político.

Entretanto, mesmo com direitos iguais assegurados constitucionalmente, longe está de findar o dilema que envolve a sub-representatividade feminina na politica, conforme veremos no tópico seguinte. A propósito, a plataforma de Beijing, aprovada em 1995 durante a IV Conferência Mundial sobre a Mulher organizada pelas Nacões Unidas, já apontava as razões pelas quais as mulheres se distanciavam desses meios, tais como “modelos tradicionais em muitos partidos políticos e estruturais de governo, as atitudes e práticas discriminatórias, responsabilidades familiares e de criação dos filhos, os altos custos de pretender e manter uma atividade política [...]”.


3        Estatísticas

Em conformidade com dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE[)8], é possível observar o inexpressivo crescimento do percentual de mulheres eleitas nas últimas cinco eleições gerais de 1998, 2002, 2006, 2010, 2014, para os cargos de Deputada Federal e Senadora. A evolução dos cargos de Governadora e Prefeita também não é animadora, assim como para Deputada Estadual/Distrital e Vereadora.

Para o cargo de Deputada Federal e Senadora, respectivamente: Eleições 1998. Total de 29 e 2 eleitas (5,65% e 7,41%); Eleições 2002. Total de 42 e 8 eleitas (8,19% e 14,81%); Eleições 2006. Total de 45 e eleitas (8,77% e 14,81%) Eleições 2010. Total de 45 e 7 eleitas (8,77% e 12,96%); e Eleições 2014. Total de 51 e 5 eleitas (9,94% e 18,52%).

Para o cargo de Governadora: Eleições 1998. Total de 1 eleita (3,70%). Eleições 2002. Total de 2 eleitas (7,41%); Eleições 2006. Total de 3 eleitas (11,11%) Eleições 2010. Total de 2 eleitas (7,41%); e Eleições 2014. Total de 1 eleita (3,70%). Para o cargo de Prefeita: Eleições 2000 e 2004 Percentual de 7,39%; Eleições 2008. 9,11%; Eleições 2012. 11,84%.

Para o cargo de Deputada Estadual/Distrital: Eleições 1998. 10,10%. Eleições 2002. 12,65%; Eleições 2006. 11,71%; Eleições 2010. 13,03%; e Eleições 2014. 11,33%. Para o cargo de Vereadora: Eleições 2000 e 2004. 12,63%; Eleições 2008. 12,53%; 3 Eleições 2012. 13,33%.

Nas eleições de 2018, a cada 10 candidatos, apenas 3 foram mulheres. A proporção (30,7%) não evoluiu desde as últimas eleições presidenciais, em 2014 – em que 31,1% dos candidatos eram mulheres – e continua abaixo da média da população brasileira. As mulheres representam somente 13,4% dos vereadores, 11% dos prefeitos, 12,8% dos deputados estaduais e 7,4% dos governadores. No Parlamento, há, atualmente, apenas 55 mulheres entre 513 deputados federais (10,7%) e 12 entre 81 senadores (14,8%)[9]. Vale mencionar que nenhuma mulher foi eleita para o Senado em 20 estados, sendo que em três deles (Acre, Bahia e Tocantins) sequer houve candidatas.

Como se observa, apesar da existência do tratamento isonômico na lei, ainda é preciso percorrer um longo caminho para que homens e mulheres tenham espaço de equidade na vida pública, pois o número de representantes eleitas nas várias esferas de governo sempre foi insignificante, e ainda continua a ser.


4        Conclusão

Economistas e cientistas políticos apontam que a identidade de quem governa tem um efeito enorme sobre o tipo de políticas públicas que são implementadas. Pesquisadores também concluíram que quanto maior a proporção de mulheres no parlamento, menor é o índice de corrupção de um país[10].

Leslie Schwindt-Bayer menciona alguns benefícios da participação de mulheres em legislaturas nacionais, entre eles: (i) trazer as questões das mulheres para a agenda política. Consoante o autor, legisladoras do sexo feminino na Argentina, Colômbia e Costa Rica, por exemplo, consideram ser mais importantes as questões da igualdade das mulheres e das crianças e da família do que os homens; e (ii) as mulheres são mais propensas a participarem de debates que enfatizam os direitos das mulheres e os problemas da família.[11]

É dizer, a igualdade de gênero na representação política é imprescindível para que haja uma democracia de alta qualidade e consolidada, pois proporciona maior opção de escolha aos eleitores, indica a seriedade com que os governos enxergam a igualdade de gênero, promove o aumento de interesses políticos, o que torna a democracia mais representativa.

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REFERÊNCIAS 

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 20 jun. 2018.

BRASIL. Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições. Diário Oficial da União: 1.10.1997. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9096.htm. Acesso em: 20 jun. 2018.

JOUAN, Sandra. A igualdade política das mulheres. IBASE. 23 jul. 218. Disponível em: http://ibase.br/pt/opiniao/igualdade-politica-das-mulheres/. Acesso em 02 dez. 2018

LÓSSIO, Luciana. Igualdade de gênero e democracia In: GONZAGA NETO, Admar et al. Sistema político e direito eleitoral brasileiros: estudos em homenagem ao Ministro Dias Toffoli. São Paulo: Atlas, 2016.

NEPOMUCENO, Luciana. Participação feminina na política: avanços e desafios. In: CONGRESSO DE DIREITO ELEITORAL DO BRASIL, Curitiba, 2018. Caderno CDBE, n. 2, 2018. Disponível em: https://www.iprade.com.br/portal/edicao-02/. Acesso em: 02 dez. 2018

PAIVA, Denize. Mulheres, política e poder. In: PAIVA, Denize (org.). O Direito do voto e a participação política: a formação da cidadania feminina na invenção democrática. Goiânia: Cânone Editorial, Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Goiás, 2011.

REGADAS, Tatiana. Países onde mais mulheres estão no governo têm menos corrupção, diz estudo. G1. 8 jul. 2018. Disponível em: https://g1.globo.com/olha-que-legal/noticia/paises-onde-mais-mulheres-estao-no-governo-tem-menos-corrupcao-diz-estudo.ghtml. Acesso em: 02 dez. 2018

SCHWINDT-BAYER, Leslie. Women’s representation and democratic consolidation in latin America. E-legis, Brasília, n. 19, p. 49-71, jan./abr. 2016.

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Série Inclusão: a conquista do voto feminino no Brasil. 18 abr. 2013. Disponível em: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2013/Abril/serie-inclusao-a-conquista-do-voto-feminino-no-brasil. Acesso em: 2 dez. 2018


Notas

[2] Lei nº 9.504/97:

Art. 10.  Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, salvo:  (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

[...]

§ 3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.  (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)

[3] NEPOMUCENO, Luciana. Participação feminina na política: avanços e desafios. In: CONGRESSO DE DIREITO ELEITORAL DO BRASIL, Curitiba, 2018. Caderno CDBE, n. 2, 2018. Disponível em: https://www.iprade.com.br/portal/edicao-02/. Acesso em: 02 dez. 2018

[4] PAIVA, Denize. Mulheres, política e poder. In: PAIVA, Denize (org.). O Direito do voto e a participação política: a formação da cidadania feminina na invenção democrática. Goiânia: Cânone Editorial, Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Goiás, 2011, p. 55-101.

[5] PAIVA, Denize. Mulheres, política e poder. In: PAIVA, Denize (org.). O Direito do voto e a participação política: a formação da cidadania feminina na invenção democrática. Goiânia: Cânone Editorial, Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Goiás, 2011, p. 71.

[6] TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Série Inclusão: a conquista do voto feminino no Brasil. 18 abr. 2013. Disponível em: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2013/Abril/serie-inclusao-a-conquista-do-voto-feminino-no-brasil. Acesso em: 2 dez. 2018.

[7]Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 20 jun. 2018.

[8] LÓSSIO, Luciana. Igualdade de gênero e democracia  In: GONZAGA NETO, Admar et al. Sistema político e direito eleitoral brasileiros: estudos em homenagem ao Ministro Dias Toffoli. São Paulo: Atlas, 2016. 460-461.

[9] JOUAN, Sandra. A igualdade política das mulheres. IBASE. 23 jul. 218. Disponível em: http://ibase.br/pt/opiniao/igualdade-politica-das-mulheres/. Acesso em 02 dez. 2018.

[10] REGADAS, Tatiana. Países onde mais mulheres estão no governo têm menos corrupção, diz estudo. G1. 8 jul. 2018. Disponível em: https://g1.globo.com/olha-que-legal/noticia/paises-onde-mais-mulheres-estao-no-governo-tem-menos-corrupcao-diz-estudo.ghtml Acesso em: 02 dez. 2018.

[11] SCHWINDT-BAYER, Leslie. Women’s representation and democratic consolidation in latin America. E-legis, Brasília, n. 19, p. 49-71, jan./abr. 2016.

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Sobre a autora
Ana Karina Vasconcelos da Nóbrega

Especialista em Direito Público e Direito Privado pela Escola Superior de Magistratura do Estado do Piauí (ESMEPI). Especialista em Direito Eleitoral pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul). Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera (Uniderp). Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub). Doutoranda em Direito, Políticas Públicas, Estado e Desenvolvimento pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub). Analista Judiciário e Assistente de Gabinete de Ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NÓBREGA, Ana Karina Vasconcelos. O dilema da sub-representatividade feminina na política: evolução histórica e estatísticas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5646, 16 dez. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70920. Acesso em: 24 abr. 2024.

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