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Guarda compartilhada x guarda alternada:

delineamentos teóricos e práticos

26/09/2005 às 00:00
Leia nesta página:

          Questão discutida com freqüência em ações de separação judicial, ou mesmo nas demandas envolvendo o reconhecimento de paternidade, diz respeito à possibilidade de aplicação daquilo que se convencionou chamar de "guarda compartilhada".

          Mas, infelizmente, o que se vê na grande maioria dos casos é um absoluto desconhecimento, verdadeiro despreparo, para lidar com tal instituto, mormente considerando-se que não existe, até a presente data, regulamentação da matéria em nosso ordenamento jurídico.

          O primeiro passo a ser dado por aqueles que pretendem recomendar ou utilizar tais institutos deve ser dado no sentido de identificar suas diferenças, mormente considerando-se que a "guarda alternada" não tem sido vista com bons olhos pelo Poder Judiciário, além de ser manifestamente repudiada por renomados profissionais no âmbito da psicologia.

          A distinção entre "guarda compartilhada" e "guarda alternada" é magistralmente apresentada por Rosângela Paiva Epagnol, "in verbis":

          "A guarda compartilha de filhos menores, é o instituto que visa a participação em nível de igualdade dos genitores nas decisões que se relacionam aos filhos, é a contribuição justa dos pais, na educação e formação, saúde moral e espiritual dos filhos, até que estes atinjam a capacidade plena, em caso de ruptura da sociedade familiar, sem detrimento, ou privilégio de nenhuma das partes. (...)

          Não poucas pessoas envolvidas no âmbito da guarda de menores, vislumbram um vínculo entre a Guarda compartilhada e guarda alternada, ora, nada há que se confundir, pois, uma vez já visto os objetos do primeiro instituto jurídico, não nos resta dúvida que dele apenas se busca o melhor interesse do menor, que tem por direito inegociável a presença compartilhada dos pais, e nos parece que, etimologicamente o termo compartilhar, nos traz a idéia de partilhar + com = participar conjuntamente, simultaneamente. Idéia antagônica à guarda alternada, cujo teor o próprio nome já diz. Diz-se de coisas que se alternam, ora uma, ora outra, sucessivamente, em que há revezamento. Diz-se do que ocorre sucessivamente, a intervalos, uma vez sim, outra vez não. Aliás, tal modelo de guarda não tem sido aceita perante nossos tribunais, pelas suas razões óbvias, ou seja, ao menor cabe a perturbação quanto ao seu ponto de referência, fato que lhe traz perplexidade e mal estar no presente, e no futuros danos consideráveis á sua formação no futuro. Como nos prestigia o dizer de Grisard Filho ( 2002) "Não há constância de moradia, a formação dos hábitos deixa a desejar, porque eles não sabem que orientação seguir, se do meio familiar paterno ou materno. (GRISARD FILHO, Waldir. Guarda Compartilhada. Revista dos Tribunais, 2ª ed., 2002, p. 190)." (...)" (in: FILHOS DA MÃE (UMA REFLEXÃO À GUARDA COMPARTILHADA – Artigo publicado no Publicada no Juris Síntese nº 39 - JAN/FEV de 2003). Grifamos.

          No mesmo sentido, a manifestação da Psicóloga Rosa Sender Lang, Membro Docente da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro, que em trabalho apresentado na Palestra Preliminar do 5º Colóquio Internacional da Relação Mãe-Bebê, em (Mesa Redonda realizada na Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro, 13 de junho de 2000), esclarece que:

          "A guarda compartilhada deveria se limitar à responsabilidade partilhada, que em muitos ex-casais já ocorre normalmente, mas ela não deveria significar divisão rígida em termos do tempo e do espaço físico da criança. Uma divisão do tipo um mês com cada um, seria contra-indicada, principalmente na primeira infância.

          A criança necessita de um porto seguro que a casa de origem proporciona, na qual possa se reconhecer no ambiente conhecido e estável. Preservar este lugar significa manter constante o mundo da criança, já que o quarto da criança representa inicialmente, a extensão do seu mundo interno, pois é através da constância dos objetos conhecidos e familiares repletos de significados em seu ambiente, que a criança reencontrará a paz que precisa para lidar com a instabilidade que a situação acarreta. Isto não impede que possa ter e, é fundamental que tenha um espaço na casa do genitor descontínuo, pois isto representa para a criança a comprovação concreta de ter um espaço no coração e na mente do mesmo. " (Fonte: Artigo publicado no site: http://www.pailegal.net). Grifamos.

          Na visão dos especialistas, os malefícios da chamada "guarda alternada" são patentes, prejudicando a formação dos filhos ante a supressão de referências básicas sobre a sua moradia, hábitos alimentares, etc., comprometendo sua estabilidade emocional e física.

          Importante ter tais esclarecimentos em mente vez que não é a vontade dos pais, mas sim o bem estar dos filhos, que tem pautado a decisão dos tribunais pátrios, praticamente pacífica em obstar a instituição da "guarda alternada", conforme se verifica da leitura dos seguintes acórdãos:

          "EMENTA: GUARDA DE MENOR COMPARTILHADA - IMPOSSIBILIDADE - PAIS RESIDINDO EM CIDADES DISTINTAS - AUSÊNCIA DE DIÁLOGOS E ENTENDIMENTO ENTRE OS GENITORES SOBRE A EDUCAÇÃO DO FILHO - GUARDA ALTERNADA - INADMISSÍVEL - PREJUÍZO À FORMAÇÃO DO MENOR. A guarda compartilhada pressupõe a existência de diálogo e consenso entre os genitores sobre a educação do menor. Além disso, guarda compartilhada torna-se utopia quando os pais residem em cidades distintas, pois aludido instituto visa à participação dos genitores no cotidiano do menor, dividindo direitos e obrigações oriundas da guarda.O instituto da guarda alternada não é admissível em nosso direito, porque afronta o princípio basilar do bem-estar do menor, uma vez que compromete a formação da criança, em virtude da instabilidade de seu cotidiano. Recurso desprovido." (TJMG - Apelação Cível nº 1.0000.00.328063-3/000 – rel. Des. LAMBERTO SANT´ANNA – Data do acordão: 11/09/2003 Data da publicação: 24/10/2003). Grifamos.

          ´AGRAVO DE INSTRUMENTO - FILHO MENOR (5 ANOS DE IDADE) - REGULAMENTAÇÃO DE VISITA - GUARDA ALTERNADA INDEFERIDA - INTERESSE DO MENOR DEVE SOBREPOR-SE AO DOS PAIS - AGRAVO DESPROVIDO. Nos casos que envolvem guarda de filho e direito de visita, é imperioso ater-se sempre ao interesse do menor. A guarda alternada, permanecendo o filho uma semana com cada um dos pais não é aconselhável pois ´as repetidas quebras na continuidade das relações e ambiência afetiva, o elevado número de separações e reaproximações provocam no menor instabilidade emocional e psíquica, prejudicando seu normal desenvolvimento, por vezes retrocessos irrecuperáveis, a não recomendar o modelo alternado, uma caricata divisão pela metade em que os pais são obrigados por lei a dividir pela metade o tempo passado com os filhos´ (RJ 268/28).´ (TJSC - Agravo de instrumento n. 00.000236-4, da Capital, Rel. Des. Alcides Aguiar, j. 26.06.2000). Grifamos.

          Importante frisar que os aludidos estudos e decisões reconhecem ser absolutamente impróprio e prejudicial à boa formação da personalidade da criança ficar submetida à guarda dos pais, separados, durante a semana ou em dias alternados.

          Sequer se perquire, no caso da "guarda alternada", sobre eventual clima harmônico ou amistoso entre os genitores, vez que a contra-indicação de tal instituto ocorre também nestes casos. De fato, de nada adianta os pais conviverem bem se cada um fornece aos filhos uma educação, formação e orientação totalmente diversa, e até mesmo oposta. É justamente esse tipo de confusão que se procura evitar em relação aos filhos.

          Conforme visto, a "guarda alternada" pode trazer os seguintes malefícios ao menor:

1.não há constância de moradia;

2.a formação dos menores resta prejudicada, não sabendo que orientação seguir, paterna ou materna, em temas importantes para definição de seus valores morais, éticos, religiosos etc;

3.é prejudicial à saúde e higidez psíquica da criança, tornando confusos certos referenciais importantes na fase inicial de sua formação, como, por exemplo, reconhecer o lugar onde mora, identificar seus objetos pessoais e interagir mais constantemente com pessoas e locais que representam seu universo diário (vizinhos, amigos, locais de diversão etc).

          A "guarda compartilhada", ao revés, não se confunde com a "guarda alternada", vez que naquela não se inclui a idéia de "alternância" de dias, semanas ou meses de exclusividade na companhia dos filhos. De fato, na "guarda compartilhada" o que se "compartilha" não é a posse, mas sim a responsabilidade pela sua educação, saúde, formação, bem estar, etc.

          Questões como o colégio a ser escolhido, as atividades de lazer a serem desenvolvidas, a orientação religiosa etc., deverão ser debatidas e solucionadas por ambos os cônjuges, posto que está é a idéia que justifica a escolha da "guarda compartilhada".

          Em verdade, portanto, o que ocorre na "guarda compartilhada" é a plena participação de ambos os genitores em todos os aspectos da formação dos filhos, independentemente destes permanecerem da companhia de um deles apenas nos finais de semana e feriados.

          Não é preciso fazer maiores digressões para vislumbrar que nem mesmo a "guarda compartilhada" poderá ser aplicada quando ausente a necessária harmonia entre os genitores. Destarte, sendo freqüentes os conflitos, discussões, brigas, ou até mesmo agressões físicas e/ou morais a "guarda compartilhada" não terá possibilidade de ser aplicada com sucesso.

          Sobre a inviabilidade de instituição da "guarda compartilhada" em casos tais, pertinente transcrever, uma vez mais, o comentário de Rosângela Paiva Epagnol, "in verbis":

          "Havemos de convir, que se não houver um consenso, um fino trato, um respeito ás relações humanas, entre o casal de separandos, ( não importando a modalidade de opção familiar), seria uma utopia falarmos de aplicação do presente instituto, dado ao cerne que se dispõe: o melhor bem estar do menor. Pois, se os separandos não conseguem administrar a situação de conflito conjugal, sem atingir a relação filial, quando não há diálogo, quando não conseguem abolir os filhos do conflito, o sistema da guarda compartilhada tenderá ao fracasso. (...) " (in: FILHOS DA MÃE (UMA REFLEXÃO À GUARDA COMPARTILHADA – Artigo publicado no Publicada no Juris Síntese nº 39 - JAN/FEV de 2003). Grifamos.

          No mesmo sentido, o comentário da Psicóloga Psicopedagoga Maria Helena Rizzi, "in verbis":

          "A Guarda Compartilhada é possível quando os genitores residem na mesma cidade, possuem uma relação de respeito e cordialidade e estão emocionalmente maduros e resolvidos na questão da separação conjugal." (In Artigo intitulado: "GUARDA COMPARTILHADA (sob o prisma psicológico)" - Fonte: http://www.pailegal.net)

          No que respeita especificamente à "guarda compartilhada" a jurisprudência é igualmente pacífica no sentido de afastar sua aplicação quando a relação entre os genitores é marcada pela desarmonia, pelo desrespeito e pelos constantes conflitos e disputas, conforme se aduz da leitura dos seguinte julgados:

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          "APELAÇÃO CÍVEL. GUARDA COMPARTILHADA.

          Não mais se mostrando possível a manutenção da guarda do menor de forma compartilhada, em razão do difícil relacionamento entre os genitores, cumpre ser definitivada em relação à genitora, que reúne melhores condições de cuidar, educar e zelar pelo filho, devendo, no primeiro grau, ser estabelecido o direito de vista. Apelo provido." (TJRS – Apelação Cível Nº 70005127527 – 8ª Câm. Cível – rel. Des. ANTONIO CARLOS STANGLER PEREIRA – j. 18.12.03). Grifos postos.

          "ALTERAÇÃO DE GUARDA, DE VISITAÇÃO E DE ALIMENTOS. GUARDA COMPARTILHADA. LITÍGIO ENTRE OS PAIS. DESCABIMENTO.

          1. Não é a conveniência dos pais que deve orientar a definição da guarda, mas o interesse do filho.

          2. A chamada guarda compartilhada não consiste em transformar o filho em objeto, que fica a disposição de cada genitor por um semestre, mas uma forma harmônica ajustada pelos genitores, que permita ao filho desfrutar tanto da companhia paterna como da materna, num regime de visitação bastante amplo e flexível, mas sem que o filho perca seus referenciais de moradia. Para que a guarda compartilhada seja possível e proveitosa para o filho, é imprescindível que exista entre os pais uma relação marcada pela harmonia e pelo respeito, onde não existam disputas nem conflitos.

          3. Quando o litígio é uma constante, a guarda compartilhada é descabida. Recurso desprovido." (TJRS – Apelação Cível Nº 70 005 760 673 – 7ª Câm. Cível – rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves – j. 12.03.03). Grifos postos.

          "APELAÇÃO CÍVEL. GUARDA. FILHO. ALTERAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA.

          Se o "melhor interesse" do filho é que permaneça sob a guarda materna, já que a estabilidade, continuidade e permanência dele no âmbito familiar onde está inserido devem ser priorizadas, mormente considerando-se que a mãe está cumprindo a contento seu papel parental, mantém-se a improcedência da alteração da guarda pretendida pelo pai. Descabe também a guarda compartilhada, se os litigantes apresentam elevado grau de animosidade e divergências." (TJRS – Apelação Cível Nº 70008688988 – 8ª Câm. Cível – rel. Des. JOSÉ S. TRINDADE – j. 24.06.04). Grifos postos.

          "EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - SEPARAÇÃO LITIGIOSA - CULPA RECÍPROCA. Para que seja declarada a separação por culpa de uma das partes, não bastam alegações, por mais graves que sejam, sem amparo de provas seguras que as corroborem. Em se tratando de crianças de tenra idade, recomenda-se uma certa estabilidade nas relações afetivas, ficando inviabilizado o instituto da guarda compartilhada quando o casal tem convivência problemática e com choques constantes." (TJMG - APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.00.343058-4/000 – 7ª Câm. Cível - Relator DES. WANDER MAROTTA – j. 23.09.03). Grifos postos.

          "GUARDA COMPARTILHADA.

          A estipulação de guarda compartilhada é admitida em restritas hipóteses, sendo de todo desaconselhável quando há profunda mágoa e litígio entre as partes envolvidas.

          Apelo desprovido." (TJRS – Apelação Cível Nº 70007133382 – 7ª Câm. Cível – rel. Des. MARIA BERENICE DIAS – j. 29.10.03). Grifos postos.

          Desta feita, muito embora inexista previsão legal específica, é plenamente aceita, hoje, a "guarda compartilhada", desde que, conforme visto, exista uma relação harmoniosa e amistosa entre os genitores de forma a possibilitar o efetivo "compartilhamento" das decisões envolvendo o bem estar e formação dos filhos.

          Por outro lado, a doutrina e jurisprudência citadas são uníssonas em repudiar, em qualquer hipótese, a "guarda alternada" (consistente na alternância na posse e, conseqüentemente, na tomada de decisões alusivas à prole), sendo tal repúdio estendido à "guarda compartilhada" quando for impossível a convivência harmônica entre os genitores.

          O profissional do direito deve ter a necessária compreensão e discernimento para evitar a recomendação da "guarda compartilhada" quando for possível vislumbrar que a harmonia não é uma constante na vida do casal, sendo certo supor que, no futuro, o que pareceu "a priori" razoável e justo irá se tornar fonte de discórdia e inevitável sofrimento para os filhos.

          Estas são as considerações entendemos minimamente necessárias para a compreensão do tema e que devem ser levadas em consideração pelos operadores do direito antes de sugerir a aplicação de qualquer destes institutos.

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Sobre o autor
Paulo Andreatto Bonfim

advogado em Campinas (SP), especialista em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BONFIM, Paulo Andreatto. Guarda compartilhada x guarda alternada:: delineamentos teóricos e práticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 815, 26 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7335. Acesso em: 19 abr. 2024.

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