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Medidas de urgência e poder geral de cautela

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03/07/2019 às 13:00
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Os procedimentos referentes ao pedido de tutela cautelar e ao pedido principal continuam autônomos e interdependentes no CPC/2015.

I – A GARANTIA DA JURISDIÇÃO E O PODER GERAL DE CAUTELA

O artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição firma duas ideias: uma de que toda controvérsia, portanto, poderia ser levada ao Poder Judiciário e este teria de conhecê-la, respeitada a forma adequada de acesso a ele disposta pelas leis processuais; a duas que toda decisão definitiva sobre controvérsia jurídica, só poderia ser exercida pelo Poder Judiciário. Não haveria jurisdição fora deste, nem no Poder Legislativo e nem no Poder Executivo.

Dentro dessa garantia de acesso à jurisdição está o poder geral de cautela.

A função cautelar não fica restrita às providências típicas nominadas como o arresto, o sequestro, a busca e apreensão etc.

Há medidas que o próprio legislador define e regula suas condições de aplicação e há medidas que são criadas e deferidas pelo próprio juiz diante de situações de perigo não previstas ou não reguladas expressamente pela lei.

Esse poder de criar providências de segurança, fora dos casos típicos que foram arrolados na lei processual, recebe o nome de “poder geral de cautela”.

Diante do poder geral de cautela, a atividade jurisdicional apoia-se em “poderes indeterminados”, porque a lei, ao prevê-los, não cuidou de preordená-los a providências de conteúdo determinado e específico.

Galeno Lacerda (Comentários ao Código de Processo Civil , volume III, t. 1, n. 25, 2ª edição, páginas 135 e 136) apreciando o tema ensinou que “no exercício desse imenso e indeterminado poder de ordenar as ‘medidas provisórias que julgar adequadas’ para evitar o dano à parte, provocado ou ameaçado pelo adversário, a descrição do juiz assume proporções quase absolutas. Estamos na presença de autêntica norma em branco, que confere ao magistrado, dentro do estado de direito, um poder puro, idêntico ao pretor romano, quando no exercício do imperium, decretava os interdicta”. Mas, impõe-se reconhecer, desde logo, que discricionariedade não é o mesmo que arbitrariedade, mas apenas possibilidade de escolha ou opção dentro dos limites traçados pela lei. Na verdade a outorga de um poder discricional resulta de um ato de confiança do legislador no juiz, não porém num bill para desvencilha-los dos princípios e parâmetros que serviram de fundamento a própria outorga, como disse Humberto Theodoro Jr. (Curso de direito processual civil, 22ª edição, pág. 378).

Essas ordens podem vir por ordens de caráter positivo(fazer) ou negativo(não fazer).

Como tal e em sendo medida cautelar representa uma ordem, um comando, ou uma injunção, imposta pelo órgão judicial.

Pontes de Miranda (Comentários ao Código de Processo civil, 174, primeiro volume, pág. 148) fez duas observações que merecem destaque por sua relevância para a compreensão da tutela cautelar. A primeira delas é a de que a ação cautelar tal como os interditos romanos, pressupõe uma certa inaptidão dos meios de tutela jurisdicional comuns, para a proteção reclamada para o caso concreto. Essa mesma ideia que aproxima a tutela cautelar dos interditos vem exposta por Calvosa(La tutela cautelare, 1963, páginas 123 e seguintes).

A outra lição de Pontes de Miranda, que é também decisiva para a compreensão da matéria, é a de que – tal como se dava com os interditos romanos – igualmente o julgamento cautelar exige uma sentença mandamental que é a forma de ato jurisdicional (obra citada, página 146).

São requisitos para a concessão desse poder geral de cautela:

1.Um interesse em jogo num processo principal(direito plausível ou fumus boni iuris);

2.Fundado receio de dano, que há de ser grave e de difícil reparação e que se tema possa ocorrer antes da solução definitiva da lied, a ser encontrada no processo principal(periculum in mora).

Para Ovídio Baptista da Silva(Curso de Processo Civil, volume III, 2ª edição, pág. 57), se a medida cautelar deve durar enquanto existir o estado perigoso, então a existência fundamental é que ela não crie uma situação jurídica definitiva, ou uma situação cujos efeitos sejam irreversíveis. Quer dizer, a medida cautelar deverá ser em si mesma temporária e igualmente temporária em seus efeitos.

Registre-se a lição de Ovídio A, Baptista da Silva(As ações cautelares e o novo processo civil, pág. 69) quando disse que pressupostos ou condições da ação cautelar são o temor de dano jurídico decorrente de uma situação objetiva de perigo e a plausibilidade do direito invocado por quem pretenda a segurança.

Após, Ovídio A. Baptista da Silva(obra citada, pág. 69) conclui: 

"Afaste-se, para sempre, o periculum morae que traz a ideia inafastável de dependência do processo cautelar, em primeiro lugar, e em segundo porque o dano juridico que se pretende evitar não provém do perigo de demora decorrente da tutela jurisdicional satisfativa. Se não houver, além desse elemento, mais a situação objetiva de periclitação do interesse, não se comporá o suporte da ação cautelar(Ugo Rocco, Tratatto, volume V, pág. 44)." 

Isso porque há entendimento em parte da doutrina da existência de ações cautelares autônomas. Tal seria o caso da nunciação de obra nova - uma verdadeira ação de natureza preventiva - e aliás o projeto do CPC de 1973, sob inspiração do direito português, incluia a nunciação de obra nova ente os provimentos cautelares (o sistema processual italiano consagrou, igualmente entre as ações assecurativas as de "denunzie di nuova opera" e di danno infecto). Veja-se ainda o caso da posse em nome do nascituro.

Com o devido respeito os exemplos citados acima tem natureza preventiva, gênero, da qual faz parte o pedido cautelar.

Diga-se isso porque a tutela cautelar não perde a sua natureza de bi-instrumentalidade, a proteger ao processo, instrumento posto pelo Estado a serviço da jurisdição em busca da verdade.

Aliás é da própria natureza do procedimento seu caráter sumário(sumariedade formal e material) dentro de uma cognição sumária que não visa à coisa julgada material.

Era o que se via do CPC de 1973, no artigo 798.

“Art. 798 - Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.”

A doutrina brasileira, em especial com Rogério Lauria Tucci e José Roberto Cruz e Tucci (Constituição de 1988 e processo, 1989, pág. 15) emprega a locução devido processo legal no sentido da enumeração das seguintes garantias oriundas: a) o direito à citação e ao conhecimento do teor da acusação; b) direito a um público julgamento dentro de uma duração razoável; c) direito ao arrolamento de testemunhas e à notificação das mesmas para comparecimento perante os tribunais; d) direito ao devido contraditório; e) direito à plena igualdade entre acusação e defesa; f) direito de não ser condenado com provas ilegalmente obtidas; g) privilégio contra a autoincriminação.

A cautelar nunca poderá ser satisfativa. Mas observe-se que os alimentos provisionais são satisfativos e definitivos.

De toda sorte o juízo de certeza se opõe ao de cautelaridade, onde se busca a verossimilhança.

O caminho buscada não deve ser irreversível. Diante de sua eventual revogação, em sede de juízo definitivo, cabe lembrar a aplicação do artigo 811 do CPC de 1973, pelas perdas e danos, diante de uma responsabilidade objetiva.

Esse é o quadro a que deve ficar exposto o poder geral de cautela.


II – AS MEDIDAS DE URGÊNCIA

As medidas de urgências são remédios constitucionais que visam a tomada de providências antes do desfecho final do processo, visando retirar as situações graves de risco de dano à efetividade do processo ou prejuízos que podem decorrer de sua demora e que ameaçam a conclusão natural do processo e sua efetiva prestação jurisdicional.

O direito de ação decorre da função jurisdicional do estado, exercida tipicamente pelo Poder Judiciário, que intermedia e soluciona os conflitos que chegam à sua seara, objetivando a aplicação da Lei e pacificação social.

O procedimento comum não elimina esses tipos de riscos. Para tanto, fazer-se necessário afastar uma série de situações que podem interferir no andamento célere do processo, tornando-o mais lento, como também, afastar qualquer ato que possa trazer prejuízos que influenciam na eficácia do provimento final.

Dessa forma, o lento andamento dos processos comum vinha a causando danos permanentes aos demandantes que, na sentença final, via seu direito perdido no tempo, por não se obter mais formas de resgatá-lo, visto que talvez o objeto havia se deteriorado, desaparecido e entre outras situações.

Assim, houve a necessidade de se criar um procedimento que resguardasse os direitos colocados à discussão perante o Judiciário.

Ante esses problemas é que se fez necessário a criação das Medidas de Urgências, que são procedimentos de ritos diferentes, previsto como um remédio constitucional, mais ágeis e capazes de resguardar o objeto da ação até a sua efetiva entrega para quem de direito.

Inicialmente o ordenamento jurídico brasileiro previu as medidas cautelares com o objetivo de garantir ou assegurar direito futuro, e posteriormente com a reforma processual de 1994, foi introduzida a tutela antecipada que é capaz de antecipar os efeitos da sentença de mérito.

Após a reforma processual, o nosso sistema incluiu dois regimes distintos: de um lado, o da tutela cautelar (com os requisitos do fumus boni juris e do periculum in mora) e, de outro, o da tutela antecipada (baseada na verossimilhança da alegação e no fundado receio de dano ou no abuso do direito de defesa).

Tanto uma como a outra formam o gênero das tutelas de urgência, e embora sejam diferentes, estas foram objeto de discussão jurisprudencial e doutrinária no tocante a possível aplicação do instituto da fungibilidade, qual solucionou esse impasse entre as duas medidas (cautelar e antecipatória) por meio da lei 10.444 de 2002, que acrescentou o § 7º ao artigo 273 do CPC.

Ante a evolução das medidas de urgência no nosso ordenamento jurídico, que a priori trouxe a medida cautelar, e por meio da reforma processual de 1994 introduziu a tutela antecipada, vemos que a tendência é sempre atrelada à maior efetividade processual.

Convém citar Bedaque, que em sua obra “Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização)” (2ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2001), mencionava sobre a possibilidade de unificação das medidas de urgência de modo a garantir maior efetividade processual.

Anos depois, o novo CPC adota um sistema muito mais simples, unificando o regime, estabelecendo os mesmos requisitos para a concessão da tutela cautelar e da tutela satisfativa (probabilidade do direito e perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo).


III - A COGNIÇÃO NAS MEDIDAS LIMINARES E A TUTELA PROVISÓRIA

A cognição superficial é própria das apreciações judiciais com relação a medida liminar de cunho cautelar.

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O termo “liminar” advém do latim liminaris, que radicularmente exprime a ideia de início, limite, coadunando com o papel que o instituto representa no ordenamento jurídico pátrio, que é o de viabilizar decisões no primeiro momento processual, sem a oitiva da outra parte, diferindo o contraditório mediante fundada urgência, afastando os efeitos nocivos da demora, através de decisão interlocutória , que avaliará o mérito de forma não terminativa.Há na liminar uma profundidade mínima na cognição, onde não se busca a certeza, mas, sim, a aparência ou a verossimilhança.  Ela não se destina, desta forma, à certeza, onde se persegue à formação de coisa julgada.

Essa tutela provisória pode ser de urgência, cautelar ou antecipada, podendo ter caráter incidente ou antecedente. Fala-se ainda numa tutela provisória de evidência(artigo 311 do novo CPC, que será concedida independentemente de demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, caracterizado o abuso do direito de defesa, o manifesto proposto protelatório da parte, as alegações de fato puderem ser comprovados de forma documental, ou seja firmada em tese reafirmada em casos repetitivos ou em súmula vinculante, se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito), de urgência, que será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil ao processo, podendo ser concedida, se for o caso, dado a possibilidade de reversibilidade, da exigência de caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que advierem a parte contrária. Na tutela de evidência firma-se uma tutela executiva lato senso, que permite o que chamamos de execução provisória.

A tutela antecipada é decisão de urgência satisfativa de mérito. É, portanto, espécie, do gênero, tutela provisória.

A tutela de urgência, de natureza satisfativa, antecipada(executiva lato senso) , é baseada, como já se via do antigo artigo 273 do CPC de 1973, na verossimilhança da alegação e no fundado receio de dano .Pode-se ter essa tutela em provimentos requeridos de índole declaratória, constitutiva e principalmente condenatória. Nos índole constitutiva, tem-se o exemplo de pedido final para desconstituir decisão em assembleia de condomínio e pedido de tutela antecipada para suspender os efeitos dessa decisão.

 A tutela de urgência, de natureza cautelar, que exige uma fumaça de bom direito e um perigo de demora, poderá vir sob a forma de arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra a alienação do bem e qualquer outra medida idônea para assegurar o direito(medidas cautelares nominadas), sem esquecer o que se tinha no antigo artigo 798 do CPC revogado: um poder geral de cautela.

 Bem explicou Guilherme Marinoni(Da tutela cautelar à tutela antecipatória) ao dizer: “A tutela cautelar tem por fim assegurar a viabilidade da realização de um direito, não podendo realizá-lo. A tutela que satisfaz um direito, ainda que fundada em juízo de aparência, é “satisfativa sumária”. A prestação jurisdicional satisfativa sumária, pois, nada tem a ver com a tutela cautelar. A tutela que satisfaz, por estar além do assegurar, realiza missão que é completamente distinta da cautelar. Na tutela cautelar há sempre referibilidade a um direito acautelado. O direito referido é que é protegido (assegurado) cautelarmente. Se inexiste referibilidade, ou referência a direito, não há direito acautelado”. Assim não há arresto sem penhora. Na tutela cautelar, há uma verdadeira busca de proteção do processo. Surge um instrumento do próprio instrumento, que é o processo. Mas, veja-se: há decisões chamadas de cautelares, dentro de um juízo de aparência, que não são verdadeiramente cautelares. É o exemplo a medida de atentado, que é tipicamente satisfativa, não cautelar. As providências destinadas a protesto, notificação, interpelação têm precipuamente a natureza conservativa, não propriamente cautelar.

Mas a tutela que concede liminar de natureza cautelar é tipicamente mandamental, pois representa uma verdadeira ordem emanada da autoridade judicial. Aliás, a sentença, na tutela cautelar, é ainda mandamental, sem eficácia declaratória suficiente para produzir a coisa julgada material. Como bem ensinou Ovídio Baptista (Curso de Processo Civil, volume III, 2º edição, pág. 64) a sentença que impõe uma medida cautelar não chega a declarar a existência de um direito assegurado, limitando-se, fundamentalmente, a ordenar que ela se efetive.

 Falemos numa tutela de urgência(não se falando em processo cautelar), mas uma tutela de urgência que abrange uma tutela cautelar e uma tutela antecipatória, de natureza satisfativa.Com a decisão em sede de tutela provisória, seja de urgência ou de evidência, poder-se-á pensar em execução que será provisória, sujeita à caução e a responsabilidade civil objetiva da parte que promove tal forma de execução.

De toda sorte, na tutela de urgência ou na tutela de evidência, concretizadas por liminar, não se fala em certeza, não tendo o provimento a índole do definitivo, tal como ocorre na coisa julgada.Na tutela de aparência busca-se o provável não a certeza.

O artigo 303, parágrafo sexto, do novo Código de Processo Civil atesta-se que a decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2o deste artigo. Isso porque qualquer das partes poderá solicitar a revisão da decisão concedida por conta de uma tutela de urgência(parágrafo segundo), mas esse direito de rever, reformar, invalidar a tutela antecipada(hipótese de tutela de urgência) extingue-se após 2(dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, nos termos do parágrafo primeiro daquele dispositivo, dando-se a chamada preclusão pro iudicato.

O Código de Processo de 2015 buscou o que chamamos de efetividade do processo, algo que se tem no direito positivo brasileiro, a partir de dezembro de 1994, com a redação que se deu àquela época ao artigo 273 do CPC e se buscou a verdadeira dicotomia entre a tutela de urgência cautelar e a tutela de urgência satisfativa.

Fala-se ainda em segurança-da-execução futura propriamente(de natureza cautelar), diversa da execução-para-segurança, como se vê em liminares(provimentos concedidos de início)  no mandado de segurança e nas ações civis públicas e coletivas, quando temos uma tutela satisfativa, de natureza antecipatória, surgindo uma execução antecipada.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Medidas de urgência e poder geral de cautela. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5845, 3 jul. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73428. Acesso em: 24 abr. 2024.

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