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O inferno e os paraísos fiscais

24/06/2019 às 16:10
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Entenda um pouco mais sobre o que são paraísos fiscais e o inferno por trás das obrigações do contribuinte brasileiro.

Os tempos mudam e algumas expressões parecem imutáveis. Esse bem parece o caso da lavagem de dinheiro. Na década de 20, nos EUA, o termo surgiu quando quadrilhas adquiriam negócios onde o dinheiro girava rápido e sem a cobertura de muitos documentos fiscais, logo, a escolha, à época, recaiu sobre os lava-rápidos e lavanderias.

Atualmente, os termos, bem como os propósitos, permanecem iguais, de tal sorte que o expediente complementar à atividade criminal de venda de armas, prostituição, terrorismo, venda de lixo nuclear, evasão fiscal, corrupção política entre outros crimes, mantém o único intuito em realizar a legalização dos recursos financeiros obtidos de forma ilícita.

O ressurgimento do tema se deve, é claro, às recentes operações investigativas da maior empresa estatal brasileira, Petrobras. Como sempre, novos fatos movimentam novas produções normativas, mostrando que o Direito sempre está atrás do seu tempo. Um claro exemplo disso se dá pelo fato de tal conduta ter sido criminalizada no Brasil somente a partir de 1998, sendo extraordinário os valores remetidos ao exterior através das contas CC – 5, por doleiros, pelas fronteiras como Uruguai e Paraguai. O próprio FMI entende que o movimento anual do dinheiro lavado no mundo, esteja próximo de US$ 1,5 trilhão.

O cerco vem velozmente se armando à prática da lavagem de dinheiro, estendendo as punições a todos os que participam da operação de lavagem, inclusive em países até então seguros para o ilícito capital. Na Suíça, funcionários de bancos nacionais ou estrangeiros estão sujeitos a penas de até cinco anos de prisão e ao pagamento de multas, caso seja comprovado seu envolvimento em operações de lavagem de dinheiro. A punição, a mais severa que pode ser aplicada aos bancários do paraíso fiscal europeu, passou a vigorar em 1991. A mudança na legislação é resultado da pressão dos Estados Unidos. As novas leis entraram em vigor em 1991, um ano antes de serem adotadas por outros paraísos fiscais europeus, como Mônaco, Liechtenstein e a ilha de Jersey.

Desde o final do século 18, quando começou a atividade bancária na Suíça, até 1977, os bancos do país definiam suas próprias responsabilidades. Esses acordos eram ratificados pela Comissão Federal Suíça para Atividades Bancárias. Não havia crimes previstos. Os clientes eram os únicos responsáveis pela origem do dinheiro que depositavam na Suíça. Bancários e banqueiros estavam sujeitos apenas a ter cassada a licença para atuar, mas não há registro recente de bancos obrigados a fechar por desrespeito ao próprio código de conduta.

É evidente que nem todo esse dinheiro tem origem criminosa ou é resultado de fraude fiscal, embora pelas leis suíças, evasão fiscal não é crime. Os cidadãos do país, flagrados remetendo dinheiro não declarado ao fisco para o exterior, estão sujeitos apenas ao pagamento dos impostos que sonegaram. Por não ser crime, a evasão fiscal muitas vezes não é motivo suficiente para as autoridades suíças colaborarem com outros países que investigam a remessa ilegal de dinheiro de seus contribuintes para o paraíso fiscal.

No caso dos paraíso fiscais, cujo apelido já sugere aversão universal aos tributos, o primeiro diploma legal a classificá-los foi a Lei 9.430, de 1996. E claro que lá no seu artigo 24 não iremos encontrar a denominação que ganhou popularidade, mas sim o termo técnico que classifica esses países como de “tributação favorecida”, considerados assim todos os que tributem a renda da pessoa física ou jurídica, seja ela residente ou domiciliada naquele país, com alíquota não superior a vinte por cento.

Seguiram-se a esse diploma a Lei 9.779, que aumentou a alíquota para os beneficiários, quando residentes nesses países, de 15 para 25%, bem como as seguintes leis: 9.959, 10.451, 10.833, 11.727 e finalmente a Lei 11.941 publicada no mês de maio, que colocou fim a quaisquer duvidas de interpretação que davam margem a elidir a tributação desses países com regime fiscal privilegiado.

Com a edição desse último diploma, o que se pretende é reduzir o funil dos planejamentos tributários internacionais, o que não necessariamente implica no seu fim, mas é claro no aumento da sofisticação, exigindo bem mais dos profissionais da área assim como dos países que procuram investimento através da atração desses benefícios.

É fundamental que se diga que o expediente de uso de filiais em países de tributação favorecida é utilizado por quase todos os bancos de porte considerável, sejam eles privados ou estatais como nosso glorioso Banco do Brasil. Assim também como pelas maiores empresas nacionais, inclusive a Petrobras, logo é fundamental retirar dos paraísos fiscais a imagem de que os mesmos são refúgios de sonegadores somente, o que na maioria das vezes não reflete a realidade.

Mais eficiente do que combater os paraísos fiscais seria ampliar os acordos de bitributação, que, no nosso caso, são irrisórios para um país que pretende ser referência no comércio mundial.

Afinal, é sempre bom lembrar que se chamamos de paraíso fiscal, somos obrigados a crer que fora dele o que temos é o inferno do contribuinte, o que é um reducionismo injusto, ainda que não longe da realidade.

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Após a flexibilização do sigilo bancário, através da Lei Complementar 105 de 10 de janeiro de 2001, o contribuinte brasileiro vem recebendo a cada dia, em maior número, intimações para explicar as suas movimentações financeiras. O primeiro resultado deste expediente são os sucessivos recordes de arrecadação advindos de notificações fiscais.

O curioso é que apesar de todos os sinais, muitos contribuintes acabam apostando na crise do aparato fiscal, na falta de investimento do Estado na sua máquina arrecadadora, o fato é que os tempos são outros. Não vai longe a época em que o contribuinte achava que fiscalização só ocorre no vizinho. Esse pensamento decorria de fato da ineficiência do Estado e de uma considerável dose de sorte.

Mas que papel pode exercer a sorte nas empresas hoje em dia, como poder tocar um negócio contando com a sorte? Alguém consegue imaginar? Note-se que aqui não se fala dos contribuintes que tocam a sua vida a margem da legalidade, afinal para estes, sorte só não basta, é preciso muito mais.

Os interessados neste artigo são os que sabem das centenas de obrigações fiscais que existem e que são criadas a todo instante, pois, enquanto você o lê, o aparato estatal pensa em uma nova maneira de reduzir o esforço próprio para tornar a fiscalização mais efetiva, nem que para isso onere o já combalido bolso do contribuinte, criando ao mesmo, mais um custo quase impossível de ser repassado, que, quando não faz poeira às margens de lucro, acaba por colocar por terra a capacidade de investimento da empresa.

A tarefa do empresário moderno é árdua, pois é necessário capacitar não só o seu pessoal de produção, ligados a realização direta do negócio, mas os quadros ligados às funções-meio como a contabilidade, controladoria e o jurídico interno.

O cruzamento de informações do contribuinte, que hoje se opera com o encontro de mais de 76 declarações, das mais diversas fontes, vem tornando a vida do contribuinte um livro aberto e mais do que nunca é preciso ter certeza de que esse livro foi e esta sendo escrito por quem efetivamente domina a matéria, sob pena de onerar-se ainda mais a empresa, muitas vezes levando a inviabilização do negócio.

Não se trata de ter medo ou não do aparato fiscal, mas de se estar preparado para ele. Você está preparado?

Logo, a fuga de capitais para os chamados paraísos fiscais acaba por ser decorrência única dos que vivem o inferno tributário das normas incidentes.

A operação Lava-jato trouxe novos holofotes sobre os paraísos fiscais, e novamente uma série de embates devem ocorrer sobre esses temas: tributação sobre o ilícito, utilização de dados bancários pendentes de autorização de autoridade estrangeira, utilização de paraísos fiscais, coligas e controladas não declaradas entre tantos outros.

O fato é que o dinheiro pago por empresas (propinas) através de suas offshores estará sujeito a 35% de imposto de renda, 10% de CSLL, e 150% de multa de ofício, além da multa de atraso. Caso a empresa reconheça esse valor antes da abertura do procedimento fiscalizatório ela ficaria fora da multa de 150%.

Até o momento, a Receita Federal já deu início a 242 ações de fiscalização decorrentes do compartilhamento das informações advindas da operação Lava-jato. É apenas o início.

Para esses contribuintes, o que era um paraíso fiscal vai novamente ganhar as cores do inferno tributário.

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Sobre o autor
Charles M. Machado

Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Charles M.. O inferno e os paraísos fiscais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5836, 24 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73879. Acesso em: 19 abr. 2024.

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