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A leitura constitucional do princípio do contraditório no Código de Processo Civil de 2015

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O contraditório é pilar de uma jurisdição justa, pautada pelo devido processo legal, assegurando aos jurisdicionados a possibilidade de defesa, através dos direitos de oitiva, informação, participação e influência.

RESUMO: O presente estudo tem por fim analisar o princípio do contraditório sob o prisma constitucional e legal, isto é, consoante previsão na Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88) e no Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015 - Lei 13.105/2015). Para a realização da pesquisa questionou-se qual a leitura que deve ser feita do princípio do contraditório em um modelo processual estatuído em um Estado Democrático de Direito. Para tanto, analisou-se a imbricação entre o processo civil e a Constituição Federal, as normas fundamentais no CPC/2015, o conceito de princípios e regras e, por fim, o princípio do contraditório. A fim de chegar a uma solução para o questionamento apresentado, foi adotado como método de procedimento o comparativo, uma vez que foram verificadas semelhanças e diferenças existentes entre institutos jurídicos. Para a pesquisa bibliográfica, foram utilizados livros, artigos científicos e análise da legislação pertinente ao tema, sobretudo o Código de Processo Civil. Por fim, chegou-se à conclusão da necessária leitura constitucional do princípio do contraditório, como medida assecuratória do devido processo legal e de um modelo processual democrático assecuratório de direitos e garantias fundamentais.

Palavras-chave: Princípio do contraditório. Estado Democrático de Direito. Devido processo legal.


INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por fim analisar o princípio do contraditório sob o prisma constitucional e legal, isto é, consoante previsão na Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88) e no Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015).

Para a realização da pesquisa questionou-se qual a leitura que deve ser feita do princípio do contraditório em um modelo processual estatuído em um Estado Democrático de Direito sob a égide do devido processo legal.

Para tanto, faz-se necessário um estudo acerca da imbricação entre o processo civil e a Constituição Federal, as normas fundamentais no CPC/2015, a concepção dos princípios e regras e, por fim, o princípio do contraditório.


1 PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

1.1 Processo Civil e Constituição Federal

A Constituição Federal ocupa, de um lado, um grau de supremacia frente às demais normas do ordenamento jurídico e, de outro, atua como fator de legitimação e subordinação dessas mesmas normas (TAVARES, 2017).

Por consequência, há uma necessária subordinação interpretativa do processo civil às premissas constitucionais. Sob essa ótica, restou inscrito no art. 1º do CPC/15: “o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código” (BRASIL, 2015).

Nas lições de Didier Jr. (2017), esse dispositivo reconhece: i) a força normativa da Constituição; ii) a interconexão entre o Direito Processual Civil e o Direito Constitucional; iii) a relação de hierarquia e conformação entre as normas processuais e a Constituição.

Esses caracteres denotam o que parcela da doutrina denomina de “modelo constitucional de processo civil” (CÂMARA, 2017, p. 18). Deriva desse modelo a inclusão de normas processuais no texto constitucional, por vezes com caráter de direito fundamental, a exemplo do que ocorre com o princípio do devido processo legal, bem como a concretização dos valores estabelecidos na Constituição através de normas processuais infraconstitucionais (DIDIER JR., 2017).

A leitura do processo civil à luz da Constituição conduz, sobretudo, à garantia de acesso à justiça, conforme destacam Dinamarco e Lopes (2017, p. 54):

A Constituição formula princípios, oferece garantias e impõe exigências em relação ao sistema processual com um único objetivo final, que se pode qualificar como uma garantia-síntese e é o acesso à justiça, mediante a concessão, "em tempo razoável", de uma "decisão de mérito justa e efetiva" (Const., art. 5º, incs. XXXV e LXXVIII - CPC, art. 6º). Mediante esse conjunto de disposições a Constituição Federal quer afeiçoar o processo a si mesma, de modo que ele reflita, em menor escala, o que em escala maior está à base do próprio Estado de direito (legalidade, devido processo legal, participação em contraditório). Ela quer um processo pluralista, de acesso universal, participativo, isonômico, liberal, transparente, conduzido com impessoalidade por agentes previamente definidos e observância das regras, sem excessos etc. - porque assim ela mesma exige que seja o próprio Estado e assim é o modelo político da democracia.

Ainda por decorrência do direito de acesso à justiça, Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2017) lecionam que o processo civil tem por finalidade garantir o ideal de processo justo. E este somente é obtido através do postulado do devido processo legal à luz dos vetores insertos na Constituição.

Esmiuçando, Canotilho (2003) esclarece que a noção de processo justo deriva de duas concepções de processo devido, a saber, a processual e a material ou substantiva. Pela primeira, extrai-se a noção de que qualquer privação a um direito fundamental deve estar necessariamente subordinada a um processo previsto em lei. Da segunda, eventual sacrifício de direito fundamental reclama que o processo, além de necessariamente subordinado à lei, seja justo e adequado. Em outros termos, sob o devido processo legal substantivo, o controle jurisdicional tem por parâmetro precípuo os direitos, liberdades e garantias constitucionais. 

E, de fato, tal garantia fundamental restou assegurada na CFRB/88, ao prever em seu art. 5º, LIV que: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (BRASIL, 1988).

Como dito, essa necessária leitura à luz da Constituição influi diretamente na percepção do modelo processual civil brasileiro e, por consequência, reverberou na própria criação do CPC/15, como pode ser visto já em suas linhas iniciais, conforme se expõe a seguir.

1.2 Normas Fundamentais no CPC/2015

O CPC/2015 introduziu importantes mudanças no sistema processual visando garantir novos meios de se concretizar o provimento jurisdicional.

Nesse sentido, o novo diploma processual, já em seu introito (Capítulo I do Título Único do Livro I da Parte Geral), consagrou as denominadas normas fundamentais, como vetores a nortear a interpretação de todo o código.

Como ressalta Didier Jr. (2017), tais normas fundamentais, subdivididas entre princípios e regras, constituem-se como estrutura e norte interpretativo do modelo processual civil brasileiro.

Ao criar um capítulo específico para essas normas, o legislador teve a intenção de estabelecer as bases fundantes, não apenas do próprio código, mas de todo o direito processual civil (BUENO, 2018).

Bases fundantes que revelam a finalidade de obtenção, conforme referido no subtópico anterior, de um processo justo, escrito e lido à luz da Constituição, conforme realçam Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2017, p. 148):

As normas fundamentais elencadas pelo legislador infraconstitucional constituem as linhas mestras do Código: são os eixos normativos a partir dos quais o processo civil deve ser interpretado, aplicado e estruturado. As normas fundamentais do processo civil estão obviamente na Constituição e podem ser integralmente reconduzidas ao direito fundamental ao processo justo (art. 5º, LIV, CF).

As linhas interpretativas do código derivam, portanto, da própria Constituição Federal. São de princípios como o devido processo legal, contraditório e juiz natural previstos na CRFB/88 que se extrai o sentido da lei processual civil (DIDIER JR., 2017).

Por consequência, as normas fundamentais do CPC/15, conforme leciona Didier Jr. (2017), não se esgotam em seus doze primeiros artigos. Além de previstas no texto constitucional, podem ser encontradas também em dispositivos esparsos da própria lei, a exemplo do dever de observância dos precedentes judiciais previsto no art. 927.

Nesse trilhar, o CPC/15 positivou normas já previstas na Constituição, a exemplo do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 3º do CPC/15) e do princípio da duração razoável do processo (art. 4º CPC/15), que já encontravam equivalentes no art. 5º, XXXV e no art. 5º, LXXVIII da CRFB/88, respectivamente.

Ao agir dessa forma, o legislador teve por objetivo maximizar os direitos e garantias fundamentais, bem como harmonizar a legislação ordinária ao estatuído no texto constitucional (DONIZETTI, 2017).

1.3 Princípios no CPC/15

Já sublinhado acima, o CPC/15 dispõe, de início, acerca das normas fundamentais. Conforme disciplina a doutrina, a norma é gênero, que tem por espécies princípios e regras (THEODORO JR. et al., 2016).

O caráter normativo implica atribuir às regras e princípios a possibilidade de influírem de forma cogente, positiva ou negativa, em comportamentos. Extrai-se daqui, também, a função das regras e princípios de serem fonte de interpretação e aplicação de outras normas (ESPÍNDOLA, 1999).

Embora partes do mesmo gênero, há diferenças entre os princípios e as regras. Nesse ponto, colaciona-se os critérios de distinção sugeridos por Canotilho (2003, p. 1160-1161):

a) Grau de abstracção: os princípios são normas com um grau de abstracção relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstracção relativamente reduzida.

b) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (do legislador, do juiz), enquanto as regras são susceptíveis de aplicação directa.

c) Caráter de fundamentabilidade no sistema das fontes de direito: os princípios são normas de natureza estruturante ou com papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex.: princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex.: princípio do Estado de Direito).

d) Proximidade da ideia de direito: os princípios são standards juridicamente vinculantes radicados nas exigências de justiça (Dworkin) ou na ideia de direito (Larenz); as regras podem ser normas vinculativas ou com conteúdo meramente funcional.

e) Natureza normogenética: os princípios são fundamento de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função monogenética fundamentante.

No tocante aos princípios, destaca a doutrina que o seu conceito não é unívoco. Sintetiza Espíndola (1999, p. 49):

Assim, na Ciência Jurídica, tem-se usado o termo princípio ora para designar a formulação dogmática de conceitos estruturados por sobre o direito positivo, ora para designar determinado tipo de normas jurídicas e ora para estabelecer os postulados teóricos, as proposições jurídicas construídas independentemente de uma ordem jurídica concreta ou de institutos de direito ou normas legais vigentes.

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Os princípios, contudo, nem sempre foram considerados como normas. Tradicionalmente, os princípios eram categorizados apartados das normas e ocorria uma sobreposição da ideia de norma em relação à ideia de princípio (ESPÍNDOLA, 1999).

Sob essa ótica tradicional, o princípio é considerado a proposição basilar, o mandamento nuclear ou alicerce do sistema normativo, conforme ensina Bandeira de Mello (2010).[1]

A concepção dos princípios como norma jurídica, contudo, apenas emergiu através de estudos realizados por autores como Dworkin, Alexy e Jean Boulanger. Assim esclarece Espíndola (1999, p. 61):

A concepção de que um princípio jurídico é norma de Direito talhou-se através de evolução analítica interessante. Primeiro, a metodologia jurídica tradicional distinguia os princípios das normas, tratando-as como categorias pertencentes a tipos conceituais distintos. Ou seja, norma tinha um significado e princípio, outro. Mas, mesmo assim a idéia de norma era sobreposta, dogmática e normativamente, à idéia de princípio. Isso evidenciava-se em posturas metodológicas, como as de Josef Esser, no seu livro Principios y Norma em la Elaboración Jurisprudencial del Derecho Privado.

Depois, devido aos acréscimos teórico-analíticos de Dworkin e Alexy, pacificou-se a distinção entre regras e princípios como espécies do gênero norma de direito. Aliás, essa distinção entre regras e princípios, em termos diferentes dos expostos por Dworkin e Alexy, já havia sido formulada por Jean Boulanger, considerado por Bonavides o mais insigne precursor da normatividade dos princípios.

Nesse sentido, ressalta Didier Jr. (2017) que os princípios, pela atual literatura jurídica, são dotados de eficácia normativa direta, possibilitando, por si só, o atingimento do fim a que se destina.

A evidenciar essa característica, o CPC/15 conferiu grande importância aos princípios, o que resta claro com a positivação de diversos deles no âmbito de suas normas fundamentais, tais como os princípios da inafastabilidade de jurisdição (art. 3º), da duração razoável do processo (art. 4º), da cooperação (art. 6º), da isonomia (art. 7º) e do contraditório (arts. 7º, 9º e 10).

Ademais, a eficácia normativa desses princípios processuais ganha relevo tendo-se por parâmetro a aplicação imediata dos direitos e garantias fundamentais, consoante previsto no art. 5º, §1º da CRFB/88. Assim, sob o ponto de vista constitucional, a doutrina realça a força normativa dos princípios, diante do fato de muitos deles possuírem status de direito fundamental (THEODORO JR. et al., 2016).

1.4 Princípio do Contraditório

Corolário do devido processo legal, o princípio do contraditório é previsto no rol dos direitos fundamentais da CRFB/88, consoante dicção do art. 5º, inciso LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (BRASIL, 1988).

A previsão constitucional demonstra que o contraditório é elemento essencial do conceito de processo e do direito de ação, segundo lição de Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2017, p. 170): “O direito de ação como direito ao processo justo tem o seu exercício balizado pela observância do direito ao contraditório ao longo de todo arco procedimental (art. 5.º, LIV e LV, CF)”.

Realça a doutrina que o contraditório pode ser lido em duas dimensões: a formal e a substancial. Pela primeira, consagra-se às partes os direitos de oitiva e de participação; pela segunda, o poder das partes influenciarem a decisão judicial (DONIZETTI, 2017).

O contraditório, tradicionalmente, era tido apenas como o direito à bilateralidade de instância ou de audiência, através do binômio conhecimento-reação, dirigido estritamente às partes (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2017).

Sob tal prisma, o contraditório é visto apenas como a necessidade das partes serem comunicadas da realização de todos os atos processuais e da possibilidade de participarem em juízo (NEVES, 2018).

Após, sob a influência do princípio democrático, o contraditório, além de assegurar as garantias expostas, passa a ser lido como a possibilidade de influência na obtenção da decisão judicial. Daqui resulta, conforme lição de Didier Jr. (2017, p. 91), a compreensão do processo como “um procedimento estruturado em contraditório” ou, segundo Câmara (2017), o contraditório como a nota essencial ou característica fundamental de um processo. Nesse mesmo caminhar, leciona Leal (2018, p. 155):

Por conseguinte, o princípio (instituto) do contraditório é referente lógico-jurídico do processo constitucionalizante, traduzindo, em seus conteúdos, a dialogicidade necessária entre interlocutores (partes) que se postam em defesa ou disputa de direitos alegados, podendo, até mesmo, exercer a liberdade de nada dizerem (silêncio), embora tendo direito-garantia de se manifestarem. Daí o direito ao contraditório ter seus fundamentos na liberdade jurídica tecnicamente exaurida de contradizer, que, limitada pelo tempo finito (prazo) da lei, converte-se em ônus processual se não exercida. Conclui-se que o processo, ausente o contraditório, perderia sua base democrático-jurídico-proposicional e se tornaria um meio procedimental inquisitório em que o arbítrio do julgador seria a medida colonizadora da liberdade das partes.

Assim, no âmbito do Estado Democrático de Direito, o contraditório é visto tanto como a garantia de bilateralidade de audiência quanto como a possibilidade das partes influírem no desenvolvimento do processo e na criação da decisão judicial, consoante destaca Theodoro Jr. (2018, p. 114):

O contraditório, outrora visto como dever de audiência bilateral dos litigantes, antes do pronunciamento judicial sobre as questões deduzidas separadamente pelas partes contrapostas, evoluiu, dentro da concepção democrática do processo justo idealizado pelo constitucionalismo configurador do Estado Democrático de Direito. Para que o acesso à justiça (CF, art. 5º, XXXV) seja pleno e efetivo, indispensável é que o litigante não só tenha assegurado o direito de ser ouvido em juízo; mas há de lhe ser reconhecido e garantido também o direito de participar, ativa e concretamente, da formação do provimento com que seu pedido de tutela jurisdicional será solucionado.

Sob essa compreensão, o órgão judicial também é destinatário do contraditório, cabendo-lhe assegurar esse direito às partes e estar a ele subordinado (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2017). Daqui decorre o que a doutrina chama de dever de consulta, é dizer, o juiz deve fomentar o debate acerca da questão posta em julgamento e submeter os futuros fundamentos determinantes da decisão ao contraditório, vedando-se a prolação das chamadas decisões-surpresa (THEODORO JR. et al., 2016).

Ressalta-se, por fim, que do contraditório substancial advém a ideia de processo cooperativo, no sentido de que a tutela jurisdicional seja obtida através da cooperação, colaboração e comparticipação entre os sujeitos processuais (BUENO, 2018).

1.4.1 Contraditório no CPC/15

O CPC/15 com fulcro de consagrar os valores constitucionais, buscou dar maior amplitude ao princípio do contraditório. Nesse sentido, o contraditório, no âmbito das normas fundamentais do diploma processual, pode ser encontrado em seus artigos 7º, 9º e 10, conforme se analisa a seguir.

A assegurar o direito de oitiva, o art. 9º da lei processual dispõe que “não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida” (BRASIL, 2015). Esse dispositivo, conforme leciona Theodoro Jr. (2018), assegura à parte que eventualmente venha a suportar as consequências de uma decisão judicial a possibilidade de participar e influir em sua formulação.

Entende-se, ainda, que caso a decisão seja contrária ou desfavorável à parte, ela necessariamente deverá ser ouvida e, a contrario sensu, caso a decisão seja favorável, não é necessária a oitiva da parte, a exemplo do que ocorre no indeferimento da inicial e na improcedência liminar do pedido, hipóteses de desnecessidade de citação do réu (DIDIER JR., 2017).

Por outro lado, malgrado, de rigor, seja obrigatória a oitiva, o parágrafo único do art. 9º admite hipóteses excepcionais de limitação do contraditório, possibilitando que seja proferida decisão desfavorável à parte sem a sua prévia oitiva (inaudita altera parte). Conforme dicção do dispositivo, o direito de ouvida não se aplica: “I – à tutela provisória de urgência; II – às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III; III -  à decisão prevista no art. 701” (BRASIL, 2015).

Por sua vez, o art. 7º do CPC/15, derivado da dimensão substancial do contraditório, dispõe que: “é assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório” (BRASIL, 2015).

Esse artigo alberga o direito à igualdade de tratamento, no sentido de assegurar às partes a paridade de armas e meios processuais de defesa. Aqui, considera-se não somente a igualdade formal, mas, precipuamente, a material, no sentido de conferir tratamento paritário conforme as condições técnicas, econômicas e sociais em que as partes se encontrem (THEODORO JR., 2018).

Também derivado da dimensão substancial do contraditório, a consagrar às partes a possibilidade de participação e influência, dispõe o art. 10 do CPC/15: “o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício” (BRASIL, 2015).

Sob tal perspectiva, o diploma processual valorizou a cooperação entre as partes para a resolução dos conflitos, conforme restou escrito em seu art. 6º. É dizer, o prévio debate entre os sujeitos processuais é fundante para que a tutela jurisdicional seja prestada de maneira adequada, tornando o processo instrumento democrático. Essa possibilidade de participação e influência permite, de um lado, o amadurecimento da decisão e, de outro, a própria legitimação da decisão judicial (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2017).

O debate sobre questões postas em julgamento, inclusive as passíveis de conhecimento de ofício, referidas no art. 10, relaciona-se, também, com a vedação à prolação de decisões-surpresa, decorrente do contraditório substancial. Assim destaca a doutrina:

A colocação de qualquer entendimento jurídico (v. g., a aplicação de súmula da jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores ou a alegação de prescrição) como fundamento da sentença, mesmo que aplicada ex officio pelo juiz, sem anterior debate com as partes, poderá gerar o aludido fenômeno da surpresa.

Desse modo, o contraditório constitui uma verdadeira garantia de não surpresa que impõe ao juiz o dever de provocar o debate acerca de todas as questões, inclusive as de conhecimento oficioso, impedindo que em “solitária onipotência” aplique normas ou embase a decisão sobre fatos completamente estranhos à dialética defensiva de uma ou de ambas as partes. Tudo o que o juiz decidir fora do debate já ensejado às partes corresponde a surpreendê-las e a desconsiderar o caráter dialético do processo, mesmo que o objeto do decisório corresponda à matéria apreciável de ofício. (THEODORO JR. et al., 2016, p. 128/129).

De se ver que a possibilidade de as partes auxiliarem na formação da decisão judicial, intenção dos dispositivos da lei processual civil que consagram o contraditório, está diretamente relacionada ao dever de fundamentação das decisões judiciais, previsto no art. 93, IX, da CRFB/88 (THEODORO JR. et al, 2016).

Por fim, ressalta-se que afora a previsão no âmbito das normas fundamentais, a importância do contraditório verifica-se em outros dispositivos do código, a exemplo do art. 239, caput, ao dispor que é imprescindível a citação do réu ou executado para a validade do processo. Se a parte não foi integrada à relação processual, por consequência, não há sequer possibilidade de exercício do direito de defesa, a demonstrar a imperiosa observância do contraditório para estruturação de um modelo processual democrático (ALVIM, 2018). O contraditório, portanto, é fundamental para estruturação de um modelo processual democrático e, por lógico, deve manifestar-se por todo o arco procedimental.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa teve como intuito analisar, sob a perspectiva constitucional e infraconstitucional, o princípio do contraditório no modelo processual civil brasileiro, com fulcro de se compreender os seus caracteres essenciais e influência na consagração do postulado do devido processo legal.

Conforme se buscou realçar no trabalho, a Constituição Federal é a premissa valorativa e interpretativa do modelo processual civil brasileiro, isto é, a garantia de um processo justo só se faz com respeito aos direitos e garantias insertos na Lei Maior, vértice de todas as outras normas.

Nessa linha, o CPC/15 veio a replicar, no âmbito de suas normas fundamentais, algumas garantias processuais que já estavam presentes na Constituição, a exemplo da consagração dos princípios da duração razoável do processo, inafastabilidade de jurisdição e do contraditório.

No tocante ao princípio do contraditório, percebeu-se que a sua garantia é essencial para a estruturação de um modelo processual que privilegie direitos e garantias fundamentais. A sua previsão no art. 5º, LV da CRFB/88 denota um ideal de processo justo, pautado sob o devido processo legal, assegurando aos jurisdicionados a possibilidade de defesa, através dos direitos de oitiva, informação, participação e influência.

Dessa forma, a leitura do princípio do contraditório sob a ótica constitucional e a sua necessária observância ao longo de todo o iter procedimental são medidas assecuratórias do devido processo legal e de um modelo processual democrático assecuratório de direitos e garantias fundamentais.

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Sobre os autores
Artur Caldeira Veloso Filho

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES.

Álvaro Felipe Matos Oliveira

Acadêmico do 10º Período em Direito, da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES (1º semestre de 2019).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FILHO, Artur Caldeira Veloso ; TAVARES, Carlos Rodrigues et al. A leitura constitucional do princípio do contraditório no Código de Processo Civil de 2015. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5929, 25 set. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74715. Acesso em: 24 abr. 2024.

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