A atuação do juiz, do Ministério Público e da defesa nas audiências de custódia

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15/07/2019 às 17:51
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3. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA E O PROCESSO PENAL CONSTITUCIONAL

Atualmente o ordenamento processual penal assume um contexto de aperfeiçoamento, sobretudo, à luz das normas internacionais que passam a ser aplicadas no ordenamento jurídico interno. Por óbvio, a muito o que ser feito; porém, com a observância do direito à audiência pré-processual é possível ver avanços quanto aos direitos humanos da pessoa presa. Assim, pode-se dizer que o processo penal brasileiro passa a aplicar normas supralegais, e essas referências possibilitarão a elaboração de norma processual penal com nitidez constitucional ao serem aprovadas nas casas legislativas propostas já elaboradas.

A exemplo disto, a Audiência de Custódia constitui-se em um avanço significativo rumo à evolução contemporânea de constitucional do processo penal brasileiro, apesar das críticas que ainda persistem, as quais são injustas e infundadas. Senão, vejamos: se o preso não obtivesse essa oportunidade de “sem demora” estar diante da autoridade judiciária (Juiz), a fim de que seus direitos fundamentais fossem garantidos quanto às condições da prisão e acerca de sua integridade física, isso somente se efetivaria ao final da instrução processual, por meio da audiência de interrogatório, certamente, meses após a prisão. Daí esse iria, diante do juiz, narrar sua versão sobre a ocasião de sua prisão, eventuais arbitrariedades ou ilegalidades sofridas, sua situação societária e demonstração de que não oferece risco em responder o processo sem a necessidade de aprisionamento. Entre os objetivos da Audiência de Custódia, tem-se a aferição de garantias de direitos os quais serão sinteticamente discutidos.

3.1         Objetivos e garantias asseguradas na Audiência de Custódia 

A Audiência de Custódia, segundo Paiva (2015, p.3*) surge para contribuir e ajustar o processo penal brasileiro aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos[30]. De igual modo, Oliveira (2016, p.317) ressalta que o objetivo da realização dessa audiência tem de ser regra adotadas pelos Tribunais “[...] para que sejam cumpridas as normas de direitos humanos dando maior valor às garantias constitucionais, em relação à pessoa presa” (OLIVEIRA, 2015, p. 317).

 Oliveira (2016, p.317) afirma, ainda, tratar-se da oportunidade da “apresentação do autuado preso em flagrante delito perante um juiz, permitindo-lhes o contato pessoal, de modo a assegurar o respeito aos direitos fundamentais da pessoa submetida à prisão”. Já Paiva (2015, p.3-4) lembra que outro e fundamental objetivo relaciona-se com a prevenção da prática de tortura policial, ao assegurar a efetivação do direito à integridade pessoal das pessoas presas. Assim, segundo o autor “prevê o Art. 5.2 da CADH “Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano” (PAIVA, 2015, p.3-4)[31].

Por meio da realização dessa audiência, busca-se, também, fazer valer a regra dos Princípios Constitucionais e Processuais Penais, já mencionados, citando, a título de exemplo, o princípio da Excepcionalidade, que dialoga com o princípio da Presunção de Inocência, pelo qual a prisão cautelar deve ser tratada como uma cautelaridade máxima, ou seja, como a última punição atribuível ao caso. Isso será evidenciado, quando da realização da Audiência de Custódia, ao evitar prisões ilegais. De acordo com Bernieri (2015) deve ser de fundamental importância a minuciosa análise da prisão realizada pelo magistrado

[...] para que não haja constrangimentos desnecessários ao cidadão. Ora, fica mais difícil interpretar a legalidade da mesma baseado apenas no auto de prisão em flagrante, o qual possui somente a interpretação do caso feita pela acusação (delegado de polícia), não possuindo, portanto, a manifestação da defesa. Claro que, há o interrogatório do preso, porém este não pode ser visto como uma defesa real, em virtude de que muitas vezes o sujeito prefere silenciar. Além disso, com a apresentação do sujeito ao juiz, a análise poderá ser melhor, visto que o réu terá a chance de defender-se pessoalmente e na presença de seu defensor, dando sentido ao Princípio da Paridade das Armas, pelo qual ambas as partes devem possuir a mesma chance de ataque e contra-ataque. Ainda, também será observado o Princípio da Excepcionalidade da Prisão Cautelar, que deverá ser a última opção a caber ao caso concreto, já que a prisão deve ser tratada como ultima ratio (BERNIERI, 2015, p.5).

Neste sentido, Bernieri (2015) lembra que outra grande contribuição é diminuir a hiperlotação nas entidades prisionais. Para essa autora,

Hoje, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, o Brasil possui mais 563.526 pessoas presas, entre as quais 42% seriam de pessoas presas provisoriamente, sendo que entre 1990 e 2013, o crescimento da população carcerária no Brasil foi de 507 %, a segunda maior taxa de crescimento prisional do mundo, havendo um déficit de 206.307 vagas no sistema carcerário. (BERNIERI, 2015, p. 5-6)

Ora, perante estes dados e a pura realidade prática, Bernieri (2015, p. 5-6) ressalta a urgente necessidade de o Estado providenciar mudanças no sistema carcerário do país:

Por isso, a Audiência de Custódia busca, também, diminuir a hiperlotação nos presídios nacionais, que só vem aumentando nos últimos tempos. Ademais, só será posto em liberdade quem seria vítima de um encarceramento ilegal, pois se a prisão for necessária, o sujeito será mantido preso. Ou seja, o juiz verificará a legalidade da prisão e só manterá preso quando esta for a medida mais adequada, valendo-se na prisão como ultima ratio e respeitando a regra de que todos são inocentes até que haja uma sentença penal condenatória” (BERNIERI, 2015, p. 5-6).

Não é por acaso que Oliveira afirma que outro objetivo pretendido com a implementação da Audiência de Custódia é

a apreciação mais adequada e apropriada da prisão que se impôs, considerando a presença física do autuado em flagrante, a garantia do contraditório e a prévia entrevista pelo juiz da pessoa presa. Permite que o juiz, o membro do ministério público e da defesa técnica conheçam de possíveis casos que inviabilize a prisão e tomem as providências. Previne o ciclo da violência e da criminalidade, quando possibilita ao juiz analisar se está diante da prisão de um criminoso ocasional, contumaz ou daqueles envolvidos com facções penitenciárias (OLIVEIRA, 2016, p.317-318).

3.2               Prazo para a apresentação de preso em Audiência de Custódia

O prazo da apresentação do preso em Audiência de Custódia, vê-se que a concepção que se tem é que, há no direito processual penal brasileiro uma referência temporal relativa ao prazo, adotando-a para o caso da apresentação do preso em Audiência de Custódia, no Brasil, correspondente à lavratura do Auto de Prisão em Flagrante (APF), como estatuído no art. 306, §1º do Código de Processo Penal vigente. Da mesma forma, esse prazo é previsto na regulamentação constante do art. 1º, da Resolução nº 213/15, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que traz esse mesmo prazo de vinte e quatro horas. Sob essa perspectiva, observar-se que adota-se esse lapso temporal entre a prisão e a apresentação do preso ao Juiz de custódia preservando os contornos de cautelaridade e salvaguardando ao processo penal e a aplicação da pena, de outra maneira, implicará na restrição do direito de ir e vir de um cidadão presumidamente inocente. Assim sendo via de regra, como consequência, reafirma Paiva apud Bernieri (2015) que:

o imputado deverá ser apresentado em, no máximo, vinte e quatro horas ao juiz, que fará sua oitiva na presença do Ministério Público e da Defesa (defensoria pública ou advogado particular), analisando a legalidade de sua prisão, bem como possíveis tratamentos desumanos ou degradantes (tortura) que o indivíduo possa ter sofrido, e, ainda, analisará se estão lhes sendo assegurados todos os demais direitos que a lei lhe garante (PAIVA apud BERNIERI, 2015, p. 3)[32].

Esse prazo garante o direito de audiência, porém, a despeito disto diz Forte (2016, p.1*) que o exercício nos casos de prisão encontra-se expressamente previstos nos artigos 7, item 5 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), e 9, item 3 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP) que expressam que “toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz” [33].

E, além disso, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), em seu art. 5, item 3, faz a previsão da expressão “imediatamente”[34]. É bem verdade que nem o PIDCP, nem a CADH, nem a CEDH fizeram expressa previsão de um prazo que se ajusta a expressão “sem demora” ou “imediatamente”. Semanticamente, temos que a expressão “sem demora” pode significar imediatamente, depressa, ato contínuo, logo após etc. Porém, não há como se precisar um lapso temporal[35]. Não por acaso, a Resolução do CNJ, nº 213/15 dispõe em seu art. 1º que a Audiência de Custódia deverá ser realizada em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente[36]. Atualmente, essa comunicação da prisão em flagrante à autoridade judiciária competente é feita com a remessa dos autos do Auto de Prisão em Flagrante (APF), o que deve ocorrer como estabelecido no Código de Processo Penal no prazo de até vinte e quatro horas, contatos da voz de prisão em flagrante[37].

Oliveira (2016, p.322) sugere que o prazo para a Audiência de Custódia possa chegar a quarenta e oito horas, contados do momento em que o preso é capturado e recebe a voz de prisão em flagrante, levando-se em conta que:

A autoridade de polícia judiciária terá até vinte e quatro horas para finalizar e entregar o APF ao juízo competente, a contar da voz de prisão em flagrante do suspeito. Após a entrega dos autos do APF na distribuição ou protocolo judiciário, a autoridade judiciária terá até vinte e quatro horas para realizar a audiência de custódia” (OLIVEIRA, 2016, p.322).

Diante do exposto, é possível considerar, como discorre Cardoso (2016):

 No âmbito global, o Comitê de Direitos Humanos da ONU já se manifestou que ‘um prazo de 48 horas é normalmente suficiente para trasladar a pessoa e preparar para a audiência judicial; todo prazo superior a 48 horas deverá obedecer a circunstâncias excepcionais e estar justificado por elas’, completando, ainda, que ‘no caso de menores deverá aplicar-se um prazo especialmente restrito, por exemplo de 24 horas (CARDOSO, 2016, p.2).

Neste sentido, alega Cardoso (2016):

Da mesma forma, também caminhou a Resolução n. 213 do CNJ que fixou o prazo de 24 horas para ocorrer o encaminhamento do preso. Ainda que o nosso Código de Processo Penal, o PIDCP e a CADH silenciem a respeito de um prazo máximo que se ajuste a expressão “sem demora”, a solução dada pela doutrina amparada nas decisões da Corte Interamericana também nos parece razoável respeitando o direito fundamental do detido. Porém, assim como a própria Corte Europeia de Direitos do Homem já decidiu que a depender do caso, o prazo máximo pode ser flexibilizado em alguns casos especiais, entendemos que essa relativização também possa ocorrer em nosso país, no entanto, como nossa cultura (e legislação) possui um viés autoritário, toda e qualquer relativização deve estar prevista em lei e com necessária justificação empírica a fim impedir que a exceção se torne regra (CARDOSO, 2016, p. 3).

Especificamente no tocante a exceções quanto à dilação do prazo de apresentação do preso em Audiência de Custódia, a Corte Europeia de Direitos do Homem decidiu que a depender do caso, o prazo máximo pode ser flexibilizado em alguns casos especiais. Entende-se, assim, que essa relativização também possa ocorrer em nosso país; no entanto, como nossa cultura (e legislação) possui um viés autoritário, toda e qualquer relativização deve estar prevista em lei e com a necessária justificação empírica, a fim impedir que a exceção se torne regra[38]. Nesse sentido, nas situações excepcionais previstas no art. 1º. § 4º da Resolução nº 213, também deveria o CNJ ter fixado um prazo máximo para as referidas situações excepcionais, visando evitar descumprimentos e arbitrariedades. 

3.3 Efeitos dos atos produzidos na Audiência e sua eficácia probatória no Processo Penal

Para ilustrar o presente tema, faz-se necessário delinear, segundo Oliveira (2015, p.678), que cada modalidade de procedimento deve cumprir o seu papel e suas exigências de bem permitirem a adequada atuação jurisdicional. Em outras palavras, os procedimentos não podem perder de vista a perspectiva do devido processo legal, instituído com o objetivo de garantir, o quanto possível, a realização da justiça penal e da garantia de direitos. Daí, no que se refere à Audiência de Custódia, trata-se de um procedimento e não de um processo. Portanto, sua finalidade e escopo é de garantir direitos, avaliar condições que levaram à restrição de liberdade de uma pessoa presa e verificar a possibilidade de aplicar uma medida cautelar diversa da prisão pena.

Uma das primeiras e constantes preocupações é se nessa audiência, estando presente todos os sujeitos processuais (Juiz, Ministério Público, Defesa e Acusado) uma sentença pode ser prolatada, seja ela absolutória ou condenatória. Diante de tudo que foi estudado, a resposta por certo é um sonoro não. Porém, é preciso reafirmar que essa Audiência de Custódia promove apenas atos pré-processuais, portanto, não se configura em processo judicial. Essa audiência não tem a função de apuração dos elementos que possam avaliar, ou seja, julgar o mérito de futura imputação. Nessa audiência proporciona-se apenas um ato pré-processual para que o preso seja indagado sobre as circunstâncias de sua prisão e da forma como foi tratado, até então, pelas autoridades autoras da sua custódia, ou seja, sua prisão.

A audiência de custódia não é uma audiência para fins de colheita de prova. É o espaço democrático em que a oralidade é garantida. Assim, segundo Lopes Jr. e Rosa (2015) o objeto dessa audiência

[...] é restrito, ou seja, não há interrogatório, nem produção antecipada de provas. Há uma prisão decorrente do flagrante e a necessidade de controle jurisdicional. O ato que era praticado exclusivamente pelo magistrado, sem participação dos jogadores processuais (Ministério Público e Defesa), agora muda completamente sua morfologia. Com isso, se dá também efetividade ao disposto no art. 282, § 3º, do CPP, no sentido de que o contraditório legitima o ato decisório, uma vez que pode acolher e rejeitar os argumentos, conta com a efetiva participação dos agentes processuais” (LOPES JR. e ROSA, 2015, p.8)[39].

Cumpre salientar que não é uma audiência de mérito. Portanto, seu rito é sumaríssimo, podendo ser reduzido a termo, ou, preferencialmente registrado em mídia, nesse caso dispensada a formalização de termo de manifestação da pessoa presa ou do conteúdo das postulações das partes. Esses atos não terão eficácia probatória no processo penal. De tão simples serem os atos é que, diante disto, preservam-se o direito de o preso nada dizer ou dizer apenas sobre os fatos que permitirão ao juiz aplicar uma medida cautelar e avaliar como a prisão foi constituída. Nada há de causar perplexidade ao mencionar que na Audiência de Custódia deve imperar a oralidade e a imediatidade dos atos.

 Ocorre que, tudo que a pessoa do preso disser não pode ser usado em seu desfavor em audiência de interrogatório, que será promovida por ocasião do processo em outra fase. Aliás, tudo que tenha sido formalizado em audiência ficará arquivado na unidade responsável pela Audiência de Custódia, conforme estabelecido em Resolução do CNJ nº 213/15, Art. 8º, §2º e 3º. Apesar de não ser fácil isolar a análise do mérito da adoção da cautelaridade, essa é a essência da implementação da Audiência de Custódia.

Por fim, reafirma-se que aquilo que o preso disser na Audiência de Custódia não tem valor probatório, mesmo que esse venha a confessar o cometimento do delito. Os atos produzidos nessa audiência não se prestam a eficácia probandi. Impõe-se acrescentar que sequer o juiz poderá emprestar possíveis provas produzidas nessa audiência para o processo, pois nada que a pessoa do preso diga em seu desfavor poderá ser fundamento de uma futura condenação. Acontece que pelo que se propõe a realização da Audiência de Custódia, o que for dito pelo preso somente presta-se para que o juiz decida sobre qual cautela deverá ser aplicada, ou seja, dará lastro apenas a uma medida cautelar adequada.

3.4 Entendimento das expressões - “sem demora” e “à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais” - previstas nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos        

Na alusão que o dispositivo da Convenção Americana de Direitos Humanos, “artigo 7º - Direito à liberdade pessoal. 5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, (grifo nosso) à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais [...]”; inclui-se também o artigo 9.3 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP) que também expressa que “toda a pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, (grifo nosso), à presença de um juiz”. Pode-se aferir desse sistema normativo que a expressão “sem demora” é ampla e muito vaga. Porém, no exame desse sistema, essas são normas supralegais, o que sugere que, em razão de atender a diversos países que ratificaram esses mesmos Tratados e Convenção, tornam-se silentes a respeito de um prazo que se ajuste a essa expressão e possa amoldar-se a todos, indistintamente.

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A solução dada pela doutrina no direito interno parece ser mais razoável ao ter por base e como regra geral a aplicação do prazo previsto no ordenamento jurídico interno equiparado ao prazo da lavratura do Auto de Prisão em Flagrante, conforme o Código de Processo Penal, a teor do Art. 306, §1º que refere-se que “A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada”, devendo-se “em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, ser encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante [...]”, modificação promovida  pela Lei nº 12.403, de 2011, ao Código de Processo Penal Vigente.

Assim, o preso deve ser encaminhado à presença da autoridade judicial no mesmo prazo do encaminhamento do auto de prisão, ou seja, 24 horas. Caso a autoridade policial não encaminhe o preso nesse prazo, a prisão deverá automaticamente ser relaxada, pois essa passa a ser ilegal. Consoante a essa assertiva, vê-se que a Resolução nº 213/15 do CNJ adotou o mesmo prazo como uma obrigatoriedade a ser cumprida, conforme o seu art. 1º “Determinar que toda pessoa presa em flagrante delito independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão” [40].

            Alerta Nicolitt (apud Cardoso, 2016, p. 1)  que “a expressão ‘sem demora’ é mais um dos inúmeros conceitos vagos indeterminados que transitam no ordenamento pátrio e internacional. A vagueza e indeterminação não podem significar motivo para se desrespeitar a garantia fundamental”. Daí no âmbito regional americano, a Corte Interamericana possuir diversos precedentes identificando prazos que violam a proporcionalidade do lapso temporal contida na expressão “sem demora”.

A referida Corte já se pronunciou no sentido de que o encaminhamento do preso à autoridade judicial após quase cinco dias depois de sua detenção caracteriza excesso violador da CADH. Como aborda Cardoso (2016, p.3), exceção feita à situação em que o preso esteja enfermo, a Resolução nº 213/15, em seu art. 4º, §1 excepcionou o prazo para esta situação. Todavia, deveria ter previsto um prazo máximo para que o detido seja encaminhado a autoridade judiciária, sob pena de nulidade da prisão, além do prazo de 24 horas, o prazo mais razoável e condizente com a realidade de diversos países, o qual é perfeitamente aplicável em nossa própria realidade, são 48 horas.

Da mesma maneira, busca-se o entendimento da controvérsia da expressão “à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais”[41] (grifo nosso). Cabe registrar que à luz do art.7, item 5 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), surgem dúvidas quanto a “outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais”. O questionamento é quanto à possibilidade dessa autoridade ser o delegado. Pode-se dizer que no modelo brasileiro, o delegado não exerce uma função judicial.

O Delegado de Polícia executa uma atividade administrativa, conforme frisa Lopes Jr.e Rosa (2015, p.5), portanto, despida de poder jurisdicional ou função judicial. A propósito a própria Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) já proferiu diversas decisões ao constar que essa expressão deve ser entendida e interpretada conjugada com o disposto no art. 8.1 da CADH que expressa as

Garantias judiciais. 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.  (LOPES JR; ROSA, 2015, p.5*)[42]

Lembram Lopes Jr e Rosa (2015, p.5) que o dispositivo supralegal previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos, em reforço a essa perspectiva de interpretação determina que “toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial” (Lopes Jr. e Rosa, 2015. Com isso, descarta-se, de vez, a suficiência convencional da atuação do Delegado de Polícia no Brasil.

Todavia, atualmente, suscita-se que a autoridade de polícia judiciária já exerceria essa atividade. Portanto, argumenta-se que não seria necessário o juiz promover uma audiência com a mesma finalidade, a de analisar as circunstâncias que motivaram a prisão em flagrante, posto que em uma audiência distinta daquela promovida para o interrogatório tenha que avaliar as condições da prisão, sua legalidade e a possibilidade ou não do preso ser alcançado por uma medida cautelar. Isso porque o próprio delegado, ao verificar a necessidade da adoção de uma medida cautelar, a requereria ao juiz.

Ademais, essa autoridade de polícia judiciária (delegado) de tudo lavra-se o pertinente Auto de Prisão em Flagrante, o qual, no prazo de 24 horas, o encaminha à autoridade judiciária para apreciá-lo quanto a questões de legalidade e demais medidas, anteriormente analisadas pela autoridade de polícia judiciária. Da mesma maneira, essa autoridade de polícia judiciária está incumbida de exercer outra função, além da administrativa, que é a de garantia. Ele, por ocasião da prisão, estabelece a controlabilidade, no sentido de atender à proteção e fiscalização da pessoa do preso. Ele pode arbitrar fiança em crime com pena até quatro anos; pode relaxar prisão ao não ratificar o flagrante; adotar medidas de liberdade provisória; pode solicitar exames de Corpo de Delito, entre outras atividades.

Essa visão dogmática de que o delegado cumpre essa função, sendo desnecessária a realização de uma audiência para avaliar a adoção de medidas cautelares ou manutenção da prisão tendo a presença de um juiz, é uma visão respeitável. Mas entende-se que a autoridade competente para cumprir os ditames estabelecidos em normas internacionais e em Resolução estatuída pelo CNJ, nº 213/15, é o juiz. Assim, o regramento estabelecido pela Convenção Americana de Direitos Humanos, no art. 7.5, ao se conjugar com o art. 8.1, verifica-se que a autoridade de polícia judiciária (delegado) não se enquadra no comando normativo supralegal a ser aplicado no Sistema Processual Penal interno.

4 O PAPEL DOS SUJEITOS PROCESSUAIS NAS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA

É clássica a lição de que no processo penal a relação jurídica processual possui como protagonistas o juiz, o Ministério Público e a parte passiva, que é o acusado com seu defensor. Portanto, nessa relação jurídica, os sujeitos processuais se relacionam mutuamente, seguindo a tramitação regrada pelo Código de Processo Penal. Afirmam Alencar e Távora apud Tourinho Filho (2012, p.519-520) que os “sujeitos processuais são todas as pessoas que atuam no processo: juiz, partes, auxiliares da Justiça, testemunhas, dentre outros”.

Com a implementação do instituto da Audiência de Custódia, verifica-se um momento considerado pré-processual. Daí a Resolução nº 213/15, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabelecer e regulamentar a realização dessa audiência, no âmbito da Justiça brasileira. Assim sendo, estabeleceu-se que devem estar presentes o Juiz[43], que, como sublinha Paiva (2015), exerce o controle judicial imediato e busca evitar a arbitrariedade ou ilegalidade das prisões, cabendo-lhe garantir os direitos do preso, autorizar a adoção de medidas cautelares estritamente necessárias, e procurar em geral, que o imputado seja tratado de maneira coerente com a presunção de inocência[44], bem como o Ministério Público e o Defensor Público ou constituído pelo preso (art. 4º)[45]. Procedimentalmente é inquestionável a viabilidade da Resolução 213/15, do CNJ, pois, nela foi bem delineado o papel de cada sujeito processual durante a realização dessa audiência.

4.1 Atuação do juiz

Não é possível dissociar medidas que visam aprimorar o sistema de garantias legais sem pensar no imprescindível papel que o Juiz assume na Audiência de Custódia. Esse papel é de protagonista, impondo-lhe um dever de agir que, contudo, deve ser exercido nos limites fixados pela Lei. A despeito disso, é fato que o juiz antes apenas avaliava a prisão em flagrante e verificava a alternativa de convertê-la ou não em uma prisão provisória. Valia-se tão-somente de uma provável relação de causa e efeito para propor essa alternativa fundamentada em Autos de Prisão em Flagrante e elaborada pela autoridade de polícia judiciária (delegado).

Esse cenário começou a mudar por meio da ação do Conselho Nacional de Justiça ao editar a Resolução nº 66, de 27 de janeiro de 2009[46]. Na ocasião, estabeleceu-se a obrigatoriedade de o juiz justificar a decisão que mantinha a prisão em flagrante ou sua conversão em uma prisão preventiva, bem como analisava eventual cabimento de liberdade provisória ou relaxamento da prisão ilegal. Porém, a Resolução de nº 87, do CNJ, de 15 de setembro de 2009, dá nova redação ao art. 1º da Resolução nº 66/2009, ao estabelecer que

 Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá, imediatamente, ouvido o Ministério Público nas hipóteses legais, fundamentar sobre: I - a concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, quando a lei admitir; II - a manutenção da prisão, quando presentes os pressupostos da prisão preventiva, sempre por decisão fundamentada e observada a legislação pertinente; ou III - o relaxamento da prisão ilegal. (BRASIL, CNJ, 2009).

Bonatti, Brunacci e Silva (2014, p. 30) alegam que, duas décadas depois, novo rito procedimental foi encampado pelo ordenamento jurídico com a promulgação da Lei 12.403, de 04 de maio de 2011[47]: “Entre outras considerações, não só impôs ao juiz a obrigatoriedade de justificar a necessidade de conversão da prisão em flagrante em preventiva, como também previu amplo rol de medidas substitutivas à prisão” (Bonatti, Brunacci e Silva, 2014, p.30). Passadas outras seis décadas, ainda se discute a implantação da Audiência de Custódia e o papel do juiz realçado pela sua fundamental importância diante desse contexto.

De maneira breve, pode-se reafirmar, que no prazo de vinte e quatro horas, o juiz, ao receber a pessoa presa, por ocasião da realização da Audiência de Custódia, e o respectivo Auto de Prisão em Flagrante (APF), lavrado pela autoridade de polícia judiciária (delegado),  deve ouvir pessoalmente o detido e valorar todas as explicações que este lhe proporcionar, para decidir acerca da liberação ou manutenção da privação da liberdade sob pena. De acordo com Lopes Jr. e Rosa (2015*)[48], deve “despojar de toda efetividade o controle judicial disposto no artigo 7, item 5 da Convenção”. E a partir daí o juiz presta os esclarecimentos ao preso sobre do que tratará essa audiência, ressaltando as questões que serão analisadas naquela oportunidade (art.8º, I, Res. 213/15, CNJ). Assegurará que o preso não esteja algemado, a menos que haja hipótese de resistência ou fundado receio de que possa ocorrer tentativa de fuga ou indícios de perigo à integridade física do imputado ou a outrem; do que tudo deverá ser justificado por escrito por essa autoridade judiciária (art. 8º, II, Res. 213/15, CNJ).

Por não se tratar de uma audiência de investigação, ocasião em que, não importa se o preso é autor ou não do fato que lhe é imputado, o juiz lhe dará ciência sobre seu direito de permanecer em silêncio (art. 8º, III, Res. 213/15, CNJ). Esse é um momento que se assemelha a de um interrogatório; todavia, é uma entrevista realizada com o preso com a finalidade pro libertatis, sem acarretar nenhum ônus probandi do que ele disser ou lhe for perguntado. Da mesma maneira, o juiz consulta-lhe se a esse foi assegurado a oportunidade do exercício de seus direitos constitucionais inerentes à sua condição, particularmente o direito de consultar-se com um advogado constituído ou defensor público, se foi atendido por um médico e se obteve a possibilidade de comunicar-se com um seu familiar (art.8º, IV, Res. 213/15, CNJ).

Importante é mostrar o impacto da presença física do réu perante o juiz na avaliação da necessidade de custódia cautelar. Em outras palavras, a legalidade e necessidade de custódia cautelar são avaliadas de forma plena sobre os institutos e garantias do processo penal, e proporciona à parte mais vulnerável do processo, ao preso, segurança; isso permite ir ao encontro das garantias previstas pela Constituição Federal e Normas Internacionais de Direitos Humanos. Assim, é possível observar ainda, quando da apresentação do preso nessa audiência, que será oportunizado ao juiz verificar se esse foi submetido a exame de corpo de delito. Por outro lado, se não realizado ou demonstrados registros insuficientes em laudo ou mediante alegação do preso de que houve algum tipo de tortura ou maus tratos no momento posterior à realização desse exame, ou que, esse exame tenha sido realizado na presença de agentes policiais, o juiz prontamente determinará que o preso seja submetido a novo exame, assegurando a legalidade do ato (art.8º, VII, Res. 213/15, CNJ).

É evidenciado ainda que cabe ao juiz indagar da pessoa do preso sobre o tratamento recebido, estando sobre a custódia das autoridades policiais, antes de sua apresentação na audiência, questionando-o sobre possíveis violência ou constrangimentos havidos, que, se constatados, haverá a adoção das providências cabíveis (art.8º, VII, Res. 213/15, CNJ). É de todo importante salientar que no momento da entrevista do juiz com a pessoa presa, sem reserva, verificam-se os limites cognitivos da Audiência de Custódia, ou seja, o cuidado com o conteúdo das perguntas que devem ser dirigidas ao preso. Salienta-se que não é uma audiência de interrogatório; portanto, não pode ser a pessoa do preso indagada quanto a qual crime praticou, nem tampouco se ele se considera inocente ou culpado quanto ao fato praticado, entre outros detalhes de mérito.

A partir desse reparo, Vasconcellos (2016), surpreendentemente, ao revés do que se pode supor, afirma que uma das principais questões diz respeito a esses limites cognitivos durante a audiência, especialmente observando-se os objetivos e finalidades das possíveis perguntas formuladas ao preso. Para esse autor, o momento se materializa fundamentalmente a partir da realização, pelo juiz, de uma ‘entrevista’ com a pessoa presa. Assim o preso, por não ser réu, nessa oportunidade, deverá ser entrevistado sobre o motivo de sua prisão, nada mais, tendo as indagações que se circunscreverem na medida do possível às circunstâncias da prisão e às condições de como essa se deu (art. 8º, V, Res.213/15, CNJ).

Sabe-se que isolar essas questões na entrevista com o preso não é tarefa fácil. Tal restrição caracteriza limitação cognitiva aos elementos a serem analisados na Audiência de Custódia[49]. Tem-se de verificar e analisar se presentes a existência do fumus comissi delicti (indícios da autoria e prova da materialidade – art. 312, CPP) [50] e periculum libertatis (art. 8º. VIII, Res. 213/15, CNJ). Daí faz-se importante frisar que “qualquer outra consideração implicaria em indevida antecipação de elementos de convicção sobre o mérito, e, dessa forma, acarretaria na contaminação psicológica do julgador, o qual se tornaria debilitado em equidistância, imparcialidade e equilíbrio para apreciar o caso em momentos futuros de maior espaço cognitivo”(AMARAL apud VASCONCELLOS, 2016).

Contudo, em alguns casos, essa entrevista vai situar-se numa tênue distinção entre forma e conteúdo. O problema surge quando o preso alegar a falta de fumus commissi delicti, ou seja, negar autoria ou existência do fato (inclusive atipicidade). Nesse caso, postulam Lopes Jr e Rosa (2015) a cautela que deve ter o juiz para não invadir questões reservadas para o julgamento. Eventuais contradições entre a versão apresentada pelo preso nessa audiência e a que futuramente venha utilizar no interrogatório processual não devam ser utilizadas em seu prejuízo. Em outras palavras, o ideal é que essa entrevista sequer fosse inserida nos autos do processo, para evitar possível errônea (des)valoração.

Nesse passo, cabe ao juiz também adotar providências com o fim de sanar possíveis irregularidades detectadas na audiência (art. 8º, IX, Res. 213/15, CNJ) e verificar, por meio visual ou questionamentos dirigidos ao preso, hipóteses de gravidez, existência de filhos ou dependentes sob cuidados da pessoa presa, histórico de doença grave, incluídos os transtornos mentais e a dependência química, objetivando em viabilizar a adoção de encaminhamentos assistenciais e a possível concessão da liberdade provisória, sem ou com  a imposição de medida cautelar (art.8º, X, Res. 213/15, CNJ).

Salienta-se, ainda, que, o que for dito na audiência presta apenas para fundamentar decisões a serem adotadas pelo juiz, quanto da adoção de cautelares, como, por exemplo, converter o Auto de Prisão em Flagrante em Prisão Preventiva. Essa decisão, portanto, pode estar fundamentada em informações fornecidas pelo próprio preso. Dessa forma, o que for dito pelo preso na audiência possui valor de prova, somente para dar lastro à adoção de uma medida cautelar. De fato, uma possível confissão do preso valerá apenas para formação da convicção do julgador para fins da cautelaridade. Para uma possível condenação, é inconcebível qualquer entendimento nesse sentido. Essa é uma situação considerada de “proibição relativa”. Não é uma inadmissibilidade absoluta e, sim, relativa[51] durante a audiência.

Ocorre que, antes da decisão a ser tomada após a oitiva da pessoa presa, o Juiz deferirá ao Ministério Público e à defesa técnica, nessa ordem, para que formulem perguntas ao preso. Salienta-se que o Juiz interferirá quando forem formulados questionamentos que sejam considerados de mérito dos fatos que possam constituir em eventual imputação, permitindo-lhes, em seguida, ao MP e, na sequência à defesa técnica, requerer as medidas cautelares previstas no art.8º, §1º, da Resolução nº 213, do CNJ[52]. Ressalte-se, também, que o juiz deverá registrar em ata a fundamentação da deliberação tomada quanto à legalidade e manutenção da prisão, cabimento de liberdade provisória sem ou com a imposição de medidas cautelares diversas da prisão, sob o risco de ofender o princípio da presunção de inocência. Ainda, considerar-se-á o pedido de cada parte, como também se adotará providências, em caso da constatação de indícios de tortura e maus tratos, determinando a instauração de instrumento apuratório dos fatos alegados (art.8º,§3º e art. 11, Res. 213/15, CNJ).

Por fim, é importante ressaltar que o juiz, ao optar pela adoção de alguma medida cautelar, essa terá o caráter de decisão interlocutória simples, uma vez que as características dessa decisão em Audiência de Custódia, como ensina Oliveira (2015, p. 640) “[...] resolvem questões processuais e não extinguem o processo”, mesmo porque trata-se de ato pré-processual. Também, ao juiz caberá ainda buscar garantir às pessoas presas em flagrante delito o direito à atenção médica e psicossocial eventualmente necessária (art.9º,§3º, Res.213/15, CNJ). Note-se que essas questões, ao serem analisadas pelo juiz, são da maior relevância, quando da aplicação de uma prisão provisória, se necessária. É nesse âmbito da Audiência de Custódia que se faz pertinente demonstrar que o juiz, em tema de prisão temporária, uma questão relevantíssima.  Adverte Oliveira (2015, p. 544) que essa prisão tem a finalidade de acautelamento das investigações do inquérito policial, do que se extrai do art. 1º, I, da Lei nº 7.960/89.

Ainda nas palavras de Oliveira (2015, p. 544-545), de maneira interessante, esse autor diz que, na verdade essa prisão temporária:

“[...]se destina à proteção das investigações policiais, cujo destinatário é o Ministério Público, o legislador lembrou-se de que a nossa ordem constitucional de 1988 impõe um modelo de feições acusatórias, na qual não se reserva ao magistrado o papel de acusador e muito menos de investigador. Assim, corretamente, não contemplou a possibilidade de decretação ex offício da prisão temporária, somente permitindo-a ‘em face da representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público” (OLIVEIRA, 2015, p. 544-545).

Deve-se ver também que é vedado ao juiz a decretação prima facie da prisão preventiva ex offício, tendo em vista como acrescenta Oliveira (2015, p.568) “[...] que referida prisão temporária presta-se a tutelar tão somente a investigação criminal. Ora, se assim é, parece irrecusável [...] de que o juiz deve manter-se afastado da fase investigatória [...]”, decretando essa prisão cautelar somente mediante requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade de polícia judiciária, por ocasião da Audiência de Custódia.

Assim, diante das questões apresentadas acerca do papel do Juiz, vê-se ser inevitável deduzir que no contexto da Audiência de Custódia, o Juiz, reveste-se tanto de qualidades, quanto de obrigações. Por isto, o Juiz acercar-se de propósitos latentes no desempenho dessa missão, tais como, imparcialidade e competência jurisdicional, permitindo concluir e por óbvio, não pairar dúvida, quanto à impossibilidade dessa autoridade ser substituída nessa audiência por qualquer agente administrativo, seja pelo delegado ou pelo promotor de justiça, tendo em vista que o papel do Juiz, por força de ordenamento supralegal é uno, indivisível e indecomponível na avaliação de direitos e garantias fundamentais da pessoa do preso durante a realização desse ato.

4.2 Atuação do Ministério Público

O Ministério Público é titular da ação penal pública, nos termos do art. 129, I, da Constituição Federal. Todavia, essa atribuição não o impede de, mesmo como parte, agir como fiscal da lei (custos legis). Daí apesar de não haver previsão expressa nas Normas Internacionais de Direitos Humanos determinando a participação do Ministério Público na Audiência de Custódia, nada obsta sua presença. É importante ressaltar que é com o fim de fiscal da lei que o membro do Ministério Público se faz presente. Mesmo porque, essa audiência é pré-processual e como salienta Oliveira (2015, p.545) o contato com todo o material probatório destina-se inicialmente ao Ministério Público, a fim de que sustentem-se as razões de constrição cautelar durante a Audiência de Custódia.

Com esse fim, o Ministério Público, após a entrevista do preso com o Juiz, fará perguntas, se desejar. Se os questionamentos formulados ao preso pelo Ministério Público não observarem os limites cognitivos (perguntas incompatíveis com a natureza do ato e que tenham relação com o mérito dos fatos, os quais possam constituir eventual imputação à pessoa presa) esses serão indeferidos pelo Juiz. Espera-se que o Ministério Público faça perguntas que complementem a entrevista promovida pelo Juiz com a pessoa presa, cabendo-lhe indagar, sobre apenas as circunstâncias de sua prisão e a forma como foi tratado pelas autoridades policiais, até a lavratura do Auto de Prisão em Flagrante, ou deixar de formular qualquer tipo de pergunta, dando-se por satisfeito com as indagações já formuladas pelo Juiz.  Logo após as considerações da Defesa, o Juiz emite a decisão. Havendo o relaxamento da prisão, pode, o Ministério Público, discordar e requerer prisão preventiva, temporária ou a aplicação de outra medida cautelar. Ao Ministério Público é assegurado, nesse momento, requerer as medidas cautelares previstas no art.8º, §1º, da Resolução nº 213, do CNJ. Se não houver requerimento do Ministério Público, o Juiz não pode decretar prisão temporária ou preventiva de ofício, já que não existe processo a teor do art. 311, do Código de Processo Penal.

Doutro lado, poderá o Ministério Público pelos argumentos apresentados em audiência, por seu entendimento, requer a liberdade do preso com ou sem fiança baseado nas informações obtidas nessa entrevista promovida pela audiência. Reafirma-se não se tratar de uma audiência de interrogatório com produção de provas e sim de uma audiência de cautelaridade. Concluída a Audiência de Custódia, cópia de sua ata será entregue ao promotor. Por fim, a teor do art. 4º, da Resolução 213/15, interpreta-se que a ausência do Ministério Público na Audiência de Custódia impediria a concessão de qualquer medida cautelar.

4.3 Atuação da Defesa Técnica e da Autodefesa

Segundo as previsões da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, o acusado tem o direito de se “defender pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor” (art. 8º, 2, d) [53]. No entanto, seguindo o estudo de Weis (2011, p.19) “conjugando-se tal norma com o direito interno brasileiro, é evidente a obrigatoriedade de que a oitiva judicial seja acompanhada de defensor tecnicamente habilitado, público ou privado [...]”. Assim, a incidência dos incisos LIV e LV do artigo 5º da Constituição da República, cominado com o artigo (art. 8º, 2, d) da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, impõem a presença de defesa técnica no ato de oitiva judicial do preso, o que deve se amoldar à entrevista promovida pelo juiz em Audiência de Custódia.

Assim, quando da remessa do Auto de Prisão em Flagrante (APF) e o autuado à Audiência de Custódia, é feita a transcrição digitalizada do APF e juntada de certidão de antecedentes criminais, com liberação para consulta pelas partes em audiência. Vasconcellos (2016) sublinha que se proporciona, antes, o contato, ou seja, uma audiência prévia do autuado com seu Advogado ou Defensor Público, conforme previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos. Nesse momento, a pessoa presa é orientada sobre o que será tratado, e que tudo que disser apenas subsidiará a decisão do juiz quanto a adoção de alguma medida cautelar, ocasião em que são enumeradas algumas circunstâncias que devem ser observadas na entrevista com o juiz, sobretudo, aspectos objetivos da prisão e subjetivos (sobre ele). Ao mesmo tempo, será assegurado pelo defensor o direito do preso de permanecer calado (nemo tenetur se ipsum accusare), nos termos da Constituição Federal, artigo 5º, inciso LXIII. Para Lopes Jr e Rosa (2015, p.8) não há interrogatório, nem produção antecipada de provas que possam constituir-se em formação ato probatório em desfavor do preso, seja pelo juiz, quando de sua entrevista com ele (preso) ou pelo membro do Ministério Público.

Durante a Audiência de Custódia, o Defensor - como defesa técnica se manifesta, após o Ministério Público e somente, então, o magistrado proferirá decisão. Na Audiência de Custódia, como se pode ver na doutrina, Brandalise (2016, p.74) “[...] no chamado sistema acusatório, a acusação e a defesa atuam em igualdade, com evidente separação de funções entre quem acusa, quem julga e quem defende (o chamado actum trium personarum). Está ele (juiz) atrelado a considerações que decorrem do contraditório, da oralidade e da publicidade”[54]. Nesse contexto o defensor permanece atento quanto a qualquer abordagem feita na audiência sobre questões que possam referir-se ao mérito, e a instrumentalidade da prisão do imputado.

Da mesma forma, quanto a questões ligadas às violações havidas à incolumidade e à segurança pessoal do flagranteado, se porventura pairarem qualquer tipo de indício de maus-tratos ou risco de morte sobre a pessoa presa e nenhum despacho for deferido pelo juiz para que sejam apurados os fatos, o defensor fará intervenção, a fim de que essas providências não sejam negligenciadas. Também, por ocasião da realização dessa audiência, o Defensor acompanhará a todos os atos promovidos, avaliando o cabimento ou não das medidas adotadas.

 Nunca é demasiado mencionar que o ato da adoção de medidas cautelares era anteriormente praticado somente pelo magistrado, sem a participação dos atores processuais (Ministério Público e Defesa); agora é obrigatória a participação desses, a teor da interpretação do art. 4º, da Resolução 213/15, do CNJ, dando efetividade ao art. 282, §3º, do CPP, no sentido de que o contraditório promovido com a participação desses sujeitos processuais legitimará o ato decisório. No que tange aos atos promovidos nessa audiência, qualquer argumento pode ser acolhido ou rejeitado, desde que tenha finalidade de atender aos objetivos da cautelaridade. Com efeito, Lopes Jr e Rosa (2015, p.8) acrescenta que “A defesa se manifesta sobre os pedidos formulados pelo Ministério Público. Se não houve pedido por parte do Ministério Público, o juiz não pode decretar de ofício, prisões temporária ou preventiva, já que não existe processo”. Não por outra razão, segundo o autor,

Uma vez ouvido o preso, o juiz dará a palavra ao advogado ou ao defensor público para manifestação, e decidirá, na audiência fundamentadamente, nos termos do artigo 310 do CPP, acerca da homologação do flagrante ou relaxamento da prisão e, após, sobre eventual pedido de prisão preventiva ou medida cautelar diversa. Aqui é importante sublinhar, uma vez mais, que a prisão preventiva somente poderá ser decretada mediante pedido do Ministério Público (presente na audiência de custódia), jamais de ofício pelo juiz (até por vedação expressa do artigo 311 do CPP. A tal ‘conversão de ofício’ da prisão em flagrante em preventiva é uma burla de etiquetas, uma fraude processual, que viola frontalmente o artigo 311 do CPP (e tudo o que se sabe sobre sistema acusatório e imparcialidade), e aqui acaba sendo (felizmente) sepultada, na medida em que o Ministério Público está na audiência. Se ele não requerer a prisão preventiva, jamais poderá o juiz decretá-la de ofício, por elementar (LOPES Jr; ROSA, 2015, p.6*)[55].

É certo que, como afirma Brandalise (2016, p.74) ao serem atribuídas responsabilidades delitivas a um suspeito, direitos e garantias processuais devem ser-lhes concedidas conferindo ao preso a possibilidade de defesa perante aos órgãos estatais responsáveis pela persecução e pelo julgamento – pois, no processo penal, afiguram-se o desejo verdadeiro da sociedade, representados que são por todos os sujeitos que atuam nessa audiência.

Portanto, objetivando proteger a pessoa do preso da melhor forma que lhe aprouver, e, assim, refutar questões que podem redundar em prejuízo maior nos casos de prisão (ao ser decretada a conversão da prisão em flagrante em temporária ou preventiva), ao defensor cabe manejar uma ação autônoma que vise impugnar essa decisão, por meio do habeas corpus e  no caso da aplicação das demais medidas cautelares diversa da prisão, a teor do art. 319, do Código de Processo Penal caberá a impetração do mandado de segurança. Porém, de acordo com Fernandes, Gomes Filho e Grinover (2005) diversas interpretações e inferências podem ser feitas com base na dinâmica dessa decisão judicial, que sugere-se ser uma decisão interlocutória simples.

Para os autores, “é que as decisões interlocutórias simples, na tendência do moderno direito processual, deveriam ser irrecorríveis e em regra o são” (FERNANDES, GOMES FILHO e GRINOVER, 2005, p. 62). Sem a intenção de esgotar o tema, inclui-se a discussão promovida por Oliveira (2015) ao dizer :

a regra é [...] as decisões interlocutórias simples sejam irrecorríveis, não ocorrendo, precisamente por isso, preclusão das vias impugnativas [...], razão pela qual elas poderão ser rediscutidas por ocasião do recurso de apelação. Dependendo de suas consequências jurídicas, poderão ser objeto até mesmo de ações autônomas como o habeas corpus e o mandado de segurança [...] (OLIVEIRA, 2015, p. 639).

Assim, para esses autores, dadas as características dessa decisão em Audiência de Custódia em sendo convertida a prisão em flagrante em prisão preventiva ou temporária, cabe a proposição pela defesa de Habeas Corpus ou Mandado de Segurança, se a cautelar for diversa da prisão, tendo em vista ser qualquer das decisões do Juiz consideradas interlocutória simples.

            Assim, por fim, o preso, que é o destinatário das garantias asseguradas pela promoção da Audiência de Custódia aqui analisadas, ao ser entrevistado pelo Juiz e demais sujeitos processuais, tem assegurado como tratado na doutrina processual penal, momento de sua autodefesa. Nessa situação, após ter sido orientado sobre o que será tratado em audiência, poderá falar sobre os fatos havidos, confessar ou ficar em silêncio. A autodefesa compreende o momento em que o preso livremente manifesta-se ao dizer sobre os fatos havidos diretamente com o Juiz, oportunidade em que ele se defende, argumenta e contra-argumenta sobre os fatos alegados e lhe imputados.  Lado outro, ocasião em que pode usufruir-se do direito ao silêncio, que é a marca maior do respeito à liberdade de determinação daquele que está na condição de imputado de ter cometido uma infração penal, já que dizer algo ou nada, antes da acusação, constitui oportunidade de defesa que está ao seu alcance. 

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Sobre o autor
Alberto Luiz Alves

da Reserva da Polícia Militar de Minas Gerais. Especialista em Segurança Pública pela Escola de Governo de Minas Gerais. Especialista em Gestão Estratégica em Segurança Pública pela Escola de Governo de Minas Gerais. Especialista em Comunicação Social pela Universidade Newton Paiva. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MINAS). Especialista em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MINAS). Professor de Direito Penal e Processo Penal Comum e Militar. Professor de Direitos Humanos e Direito Constitucional. Professor de Comunicação Social.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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