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Considerações iniciais sobre as últimas alterações no recurso de agravo

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07/11/2005 às 00:00
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Sumário: 1. Introdução. 2. A análise da Lei. 3. Conclusões. 4. A íntegra do texto da Lei n.º 11.187, de 19 de outubro de 2005.5. Referências.

Palavras-chave: Direito Processual Civil. Recurso. Agravo Retido. Agravo de Instrumento. Alteração. Lei n.º 11.187/2005.


Resumo

Traçando um painel das últimas diretrizes inseridas nas reformas promovidas no Código de Processo Civil e nos projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, o presente artigo propõe-se a analisar alterações mais importantes no regime do recurso de agravo de primeira instância introduzidas pela n.º 11.187, de 19 de outubro de 2005, que deu nova redação aos art. 522, 523 e 527 do estatuto processual. Consta ainda, do estudo, a íntegra da Lei n.º 11.187/2005.


1. Introdução.

Apesar de cientes dos riscos de se comentar uma lei promulgada há poucos dias, antes mesmo dos grandes doutrinadores se manifestarem sobre seus aspectos mais polêmicos, esta empreitada foi animada pelo fato estarmos acompanhando de perto [01] a tramitação dos 23 projetos de lei que compõem a segunda etapa da Reforma do Judiciário. [02] Com efeito, temos tido especial atenção com os rumos legislativos dos institutos relacionados ao Direito Processual Civil e, em particular, do sistema recursal brasileiro, que foi o tema central da nossa dissertação de mestrado. [03]

Aliás, como dissemos naquela oportunidade, [04] já era possível verificar desde o início do século XIX, principalmente nos meios acadêmicos europeus, diversos movimentos que tinham como ponto comum o desejo de restringir os recursos, por considerá-los como grandes obstáculos à efetividade da tutela jurisdicional. Esta tendência, como não poderia deixar de ser, foi sendo gradativamente assimilada pelo Poder Legislativo brasileiro ao longo do tempo, logrando, aos poucos, vergar a sólida cultura recursal que nós herdamos dos nossos colonizadores ibéricos. Um exemplo recente deste processo de assimilação, ainda que tímido, pôde ser visto nas alterações promovidas pela Lei n.º 10.352/2001, acerca do cabimento dos embargos infringentes, do agravo retido e do agravo de instrumento.

Embora tenha ficado um tanto quanto latente nos últimos anos, essa diretriz acabou ganhando novo destaque na esteira dos debates desencadeados pela citada Reforma do Judiciário, o que provocou a formulação de vários projetos de lei, marcados pelo espírito limitativo aos recursos. [05] No bojo destes projetos encontra-se, justamente, o Projeto de Lei n.º 4.727/2004, elaborado pelo Ministério da Justiça, que deu origem à Lei n.º 11.187/2005.

Esse projeto, originalmente, não trazia maiores inovações ao sistema vigente, limitando-se a definir a forma retida como regra para interposição do agravo e a obrigatoriedade de apresentação oral da impugnação das decisões proferidas em audiência. No entanto, ao longo do seu trajeto dentro do Congresso Nacional, seu conteúdo foi alterado e alguns aspectos passaram a merecer um estudo mais detalhado.


2. A análise da Lei.

Redação atual

Nova redação

"Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, retido nos autos ou por instrumento."

"Art. 523.......................................................

......................................................................

§ 4.º. Será retido o agravo das decisões proferidas na audiência de instrução e julgamento e das posteriores à sentença, salvo nos casos de dano de difícil e de incerta reparação, nos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida."

"Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento."

Como se pode perceber da leitura do texto do art. 522 do CPC, inserido pela Lei, seu objetivo principal foi tornar claro o paradigma que já se encontrava implícito no CPC, após as últimas etapas da Reforma: [06] que a regra na interposição do recurso de agravo na primeira instância é a utilização da forma retida, exceto nos casos em que a impugnação demandar imediata apreciação, quando então será admitida a utilização da forma instrumental. [07]

De fato, da análise sistemática dos dispositivos contidos nos §§ 3.º e 4.º do art. 523 e no inciso II do art. 527 do CPC, já era possível concluir que a interposição do agravo de instrumento estava limitada às decisões interlocutórias que versassem sobre "casos de difícil e de incerta reparação, nos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida" ou quando "se tratar de provisão jurisdicional de urgência". Ainda assim, se o agravante viesse a se utilizar indevidamente desta forma de interposição, pode o relator do recurso no tribunal determinar a conversão do agravo de instrumento em agravo retido. [08]

O móvel do legislador, certamente, ao explicitar este comando foi tentar conter a enorme quantidade de agravos de instrumento que passaram a ser ajuizados após a adoção do novo regime implementado pela Lei n.º 9.139/95. De fato, a maioria absoluta dos agravos de primeira instância são atualmente interpostos sob a forma instrumental, sobrecarregando o trabalho nos tribunais. [09] Consoante, o regime vigente tornou muito mais fácil a utilização da forma instrumental. Além disso, existe um natural sentimento humano de busca pela solução imediata de uma sucumbência sofrida. Não se pode olvidar, igualmente, que a impugnação em separado permite a procrastinação do processo para a parte que não tem interesse no seu rápido desfecho. No entanto, o fator mais importante para acréscimo no número de agravos de instrumento é, sem dúvida, o aumento das hipóteses onde o julgador pode aplicar, antes da sentença, tutelas diferenciadas. Estas decisões têm maior carga de subjetividade e imprecisão, calcadas que são em juízo de cognição não exauriente, o que amplia bastante o leque de situações passíveis de recurso. Justamente por não modificar o regime interposição em relação a este último aspecto, tendo em vista que a determinação de retenção expressa na Lei não se aplica às chamadas tutelas de urgência, é que acreditamos que a norma não será capaz de ampliar substancialmente o percentual de agravos retidos interpostos.

Não obstante, a definição do agravo retido como regra de interposição é positiva por ser capaz de aprimorar o sistema recursal. Em boa parte dos casos, o debate em sede recursal de questões interlocutórias pode se mostrar desnecessário. Basta imaginar o pedido do autor de realização de uma prova pericial que é indeferido. Se o autor ao final do processo sair vencedor na demanda, a discussão sobre a correção da decisão que indeferiu a perícia foi inócua. O mesmo ocorre se esta demanda for julgada extinta sem análise do mérito ou se ela for julgada improcedente por outro motivo que não por falta de provas.

O agravo retido, por sua vez, tem significativas vantagens em relação à forma instrumental de interposição, obviamente, quando não houver a necessidade de imediata apreciação do recurso pela instância superior. Em primeiro lugar, principalmente quando a interposição é feita oralmente em audiência, o atraso na marcha processual é menor do que se verifica na forma instrumental. Não há, por exemplo, a necessidade do juiz de formular em separado juízo de retratação (art. 526 do CPC) ou prestar informações requisitadas pelo relator do recurso (art. 527, IV, do CPC). Em segundo lugar, no agravo retido não é preciso realizar preparo (art. 522, parágrafo único, do CPC), nem juntar peças (art. 525 do CPC). Em terceiro lugar, o agravo retido é julgado quando já existe uma sentença (art. 523 do CPC), o que permite ao tribunal não apenas analisar a decisão interlocutória em si, mas também as suas conseqüências para o julgamento da causa.

Por esses motivos, parece-nos que a norma, embora não tenha inserido verdadeira inovação, seja de louvável valia e tenha possibilidade de incrementar a utilização do agravo retido, contribuindo para maior celeridade dos processos.

Digno de nota, ainda, que a nova redação do art. 522 do CPC suprimiu a referência à interposição do agravo retido em face das decisões posteriores à sentença, exceto nos casos de inadmissão da apelação e em relação aos efeitos com que a apelação é recebida. Não há, entretanto, qualquer alteração no sistema anterior, pois, como a nova regra é a interposição do agravo retido, esta determinação se aplica, inclusive, em face das decisões posteriores à sentença.

Redação atual

Nova redação

"Art. 523... ............................................. § 3.º. Das decisões interlocutórias proferidas em audiência admitir-se-á interposição oral do agravo retido, a constar do respectivo termo, expostas sucintamente as razões que justifiquem o pedido de nova decisão."

"Art. 523... ......................................................

§ 3.º. Das decisões interlocutórias proferidas na audiência de instrução e julgamento caberá agravo na forma retida, devendo ser interposto oral e imediatamente, bem como constar do respectivo termo (art. 457), nele expostas sucintamente as razões do agravante."

A nova redação do § 3.º do art. 523 do CPC, além de possuir melhor técnica que a versão atual, elidiu a discussão acerca da obrigatoriedade da interposição oral do agravo retido quando a decisão é proferida em audiência. [10] Dois pontos, entretanto, ficaram aquém do desejado. Em primeiro lugar, a Lei nova fala especificamente em "audiência de instrução e julgamento", o que certamente levará à discussão sobre a incidência da determinação quando a decisão interlocutória for proferida em outras audiências (audiência preliminar, de justificação, de esclarecimento em perícia etc). Entendemos que não há razão para se fazer distinção entre as decisões interlocutórias proferidas na AIJ daquelas exaradas nas demais audiências, o que legitimaria a utilização da regra oral em todas as hipóteses, indistintamente. É preciso que se diga, entretanto, que, em função da resistência que existe entre os operadores do direito pátrio à oralidade, nos parece que dificilmente este entendimento poderá prevalecer, ao menos na prática forense.

Em segundo lugar, teria sido melhor se a nova Lei tratasse da resposta ao agravo retido oral, que continuará submetida a dúvidas. Acreditamos que se o agravante é obrigado a usar a forma oral, o agravado, por questão de isonomia, não poderá usar a forma escrita para contra-razoar o recurso. Assim, se o agravado tiver a necessidade de uma dilação temporal para responder adequadamente ao recurso (por exemplo, no caso de juntada de uma grande quantidade de documentos ou da existência de mais de um agravo interposto por partes diferentes), deverá o juiz marcar, desde logo, data para a continuação da audiência e apresentação oral das contra-razões. Por outro lado, também acreditamos que, em caráter excepcional, o agravante poderá postular por nova data para apresentar seu agravo retido oral, se, no momento em que a decisão interlocutória for proferida, ele alegar e provar que não dispõe de dados ou documentos necessários para embasar sua impugnação. Com isso, será possível respeitar a oralidade do sistema, sem ofensa ao princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa (art. 5.º, LV, da CF).

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Como visto, o agravante somente poderá utilizar da forma instrumental em face da decisão interlocutória proferida em audiência de instrução e julgamento se a questão for daquelas que demandam imediata revisão, sob pena de causar dano irreparável ou de difícil reparação para o interessado. Fica, no entanto, a indagação do que deve ser feito no caso do relator, ao receber um agravo de instrumento nesta situação, entender que a questão deveria ter sido objeto de agravo retido. De um lado, se converter o agravo de instrumento em agravo retido, estará enfraquecendo o sistema recursal pretendido pela Lei. Por outro, se extinguir o recurso, estará sancionando pesadamente o agravante com base num aspecto que tem enorme carga de subjetividade. A nosso ver, a questão deve ser resolvida à luz do princípio da fungibilidade, ou seja, a conversão só deverá ocorrer quando a matéria (cabimento da forma retida ou instrumental) for objeto de divergência na doutrina e jurisprudência.

Redação atual

Nova redação

"Art. 523.......................................................

......................................................................

§ 4.º. Será retido o agravo das decisões proferidas na audiência de instrução e julgamento e das posteriores à sentença, salvo nos casos de dano de difícil e de incerta reparação, nos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida."

"Art. 527........................................................

......................................................................

II – poderá converter o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se tratar de provisão jurisdicional de urgência ou houver perigo de lesão grave e de difícil ou incerta reparação, remetendo os respectivos autos ao juiz da causa, onde serão apensados aos principais, cabendo agravo dessa decisão ao órgão colegiado competente;"

"Art. 527...............................................................

...............................................................................

II – converterá o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, mandando remeter os autos ao juiz da causa;"

Este novo dispositivo possui uma redação mais enxuta e clara em comparação com a norma atual. Consoante, o verbo converter está no imperativo, em observância ao entendimento doutrinário e jurisprudencial prevalente, segundo o qual a medida não retrata mera discricionariedade do relator. [11] Na verdade, quando o julgamento do recurso puder ser feito, sem prejuízo para as partes, no momento do julgamento da apelação, o relator tem o dever de converter o agravo de instrumento em agravo retido.

Seguindo no processo de depuração gramatical, a Lei eliminou a redundância de se falar em "provisão jurisdicional de urgência", pois, como se sabe, esta situação está abarcada pelos casos onde há risco de lesão grave e de difícil reparação. Não havida também necessidade de se falar em "lesão de incerta reparação", pois a norma já fala em "difícil reparação". A referência à causação da lesão pela decisão impugnada, por sua vez, introduziu maior precisão técnica ao dispositivo. Foi acrescentado, ainda, parte do conteúdo que antes estava no parágrafo quarto do art. 523 do CPC, revogado pela nova Lei. A única alteração realmente inovadora foi a supressão da parte final do atual parágrafo terceiro do art. 527, que previa a possibilidade de se agravar internamente a decisão. Esta supressão vai de encontro à determinação contida no novo parágrafo único do art. 527, segundo o qual a decisão que converte o agravo de instrumento e agravo retido "somente é passível de reforma no momento do julgamento do agravo, salvo se o próprio relator a reconsiderar".

Redação atual

Nova redação

"Art. 527........................................................

......................................................................

V – mandará intimar o agravado, na mesma oportunidade, por ofício dirigido ao seu advogado, sob registro e com aviso de recebimento, para que responda no prazo de 10 (dez) dias, facultando-lhe juntar cópias das peças que entender conveniente; nas comarcas sede de tribunal e naquelas em que o expediente forense for divulgado no diário oficial, a intimação far-se-á mediante publicação no órgão oficial;

....................................................................... Parágrafo único. Na resposta, o agravado observará o disposto no § 2.º do art. 525."

‘Art. 527................................................................

..............................................................................

V – mandará intimar o agravado, na mesma oportunidade, por ofício dirigido ao seu advogado, sob registro e com aviso de recebimento, para que responda no prazo de 10 (dez) dias (art. 525, § 2º), facultando-lhe juntar a documentação que entender conveniente, sendo que, nas comarcas sede de tribunal e naquelas em que o expediente forense for divulgado no diário oficial, a intimação far-se-á mediante publicação no órgão oficial;"

As alterações promovidas neste dispositivo são estritamente de ordem gramatical, não havendo qualquer aspecto jurídico a ser analisado. Na verdade, o principal objetivo do novo inciso é incorporar a referência, acerca dos requisitos que a resposta do agravado deve ter (§ 2.º do art. 525 do CPC), que antes estava no parágrafo único do art. 527 do CPC, para "abrir espaço" para a nova redação deste dispositivo.

Redação atual

Nova redação

"Art. 527........................................................

......................................................................

VI – ultimadas as providências referidas nos incisos I a V, mandará ouvir o Ministério Público, se for o caso, para que se pronuncie no prazo de 10 (dez) dias."

‘Art. 527................................................................

..............................................................................

VI – ultimadas as providências referidas nos incisos III a V do caput deste artigo, mandará ouvir o Ministério Público, se for o caso, para que se pronuncie no prazo de 10 (dez) dias.

Um olhar menos atento poderia concluir que não existe diferença entre a redação atual e a implementada pela Lei. De fato, aparentemente, não há maior relevância na supressão da referência aos incisos I e II do art. 527 do CPC como etapa necessária a ser percorrida, antes da oitiva do representante do Ministério Público. A única conclusão que podemos chegar, entretanto, é que o relator do recurso, agora com respaldo legal, pode deixar para decidir sobre a conversão do agravo de instrumento em agravo retido, sobre a concessão de efeito suspensivo ou de tutela antecipada recursal após a manifestação do Parquet.

Redação atual

Nova redação

"Art. 527........................................................

......................................................................

Parágrafo único. Na resposta, o agravado observará o disposto no § 2.ºdo art. 525."

‘Art. 527...............................................................

..............................................................................

Parágrafo único. A decisão liminar, proferida nos casos dos incisos II e III do caput deste artigo, somente é passível de reforma no momento do julgamento do agravo, salvo se o próprio relator a reconsiderar."

O novo parágrafo único do art. 527 do CPC traz duas determinações que não existiam no sistema atual. Em primeiro lugar, diz que as decisões "liminares" proferidas nos casos do inciso II (conversão do agravo de instrumento em agravo retido) e III (concessão de efeito suspensivo e tutela antecipada) só podem ser revistas no momento do julgamento do agravo. Em segundo lugar, afirma que o relator pode formular juízo de retratação em relação a estas decisões "liminares". Sempre existiu na doutrina e na jurisprudência quem defendesse que as decisões liminares proferidas monocraticamente pelo relator no julgamento do agravo de instrumento seriam insuscetíveis de agravo interno. [12]Por isso, embora esta orientação fosse minoritária, [13] não causou tanta surpresa sua adoção pelo legislador. A verdadeira aberração deste dispositivo, entretanto, foi o fato da Lei tratar como liminar a decisão que converte o agravo de instrumento em agravo retido e vedar a sua impugnação por meio de agravo interno. Por isso, vamos tratar deste ponto primeiro.

Com é óbvio, a decisão que converte o agravo de instrumento em agravo retido não é uma decisão liminar. Apesar da expressão ser equívoca, comportando diferentes acepções, [14] podemos definir a medida liminar como a forma de provimento judicial que materializa uma tutela diferenciada no curso do processo. [15] Trata-se, de fato, de uma decisão interlocutória que não visa mover a marcha processual, mas sim produzir um efeito prático imediato para resguardar um direito, lesado ou sob risco de lesão, ou ainda a autoridade e a eficácia das decisões judiciais. Por isso, no caso da decisão prevista no inciso II do art. 527 do CPC, a sua natureza é evidentemente procedimental e não liminar. Por outro lado, não se tem notícia de quem tenha defendido que esta decisão não desafiaria agravo interno. Até porque, isso seria uma incoerência, uma vez que a utilização do agravo por instrumento, por si só, já pressupõem que o recurso demanda imediata apreciação. Em outras palavras, se a decisão impugnada puder gerar dano imediato, a conversão do agravo de instrumento em agravo retido equivale ao seu indeferimento, pois faz com que o agravo perca sua utilidade.

Diante dessas colocações, não nós resta alternativa senão pugnar pelo reconhecimento da inconstitucionalidade desta parte do dispositivo, à luz do princípio da efetividade. Destarte, uma das razões que motivou o legislador a promover a alteração do regime do agravo em 1995 foi afastar a utilização simultânea deste recurso com o mandado de segurança, fato absolutamente corriqueiro durante a vigência do sistema original do CPC. [16] Pois bem, com a nova redação atribuída ao parágrafo único do art. 527 do CPC será reaberta a possibilidade de interposição do mandado de segurança em face da decisão que converter o agravo de instrumento, em evidente retrocesso.

O mesmo se diga em relação às decisões verdadeiramente liminares, isto é, aquelas previstas no inciso III do art. 527 do CPC. Muito embora, como já salientado, tais decisões tivessem sua recorribilidade debatida, a vedação expressa ao agravo interno certamente também dará ensejo à impetração do remédio constitucional. Com efeito, dependendo da questão, a discussão sobre a liminar pode ser tão importante quanto o próprio julgamento do mérito do recurso. É o que normalmente ocorre quando se pede ao relator a concesssão do efeito suspensivo, que é provimento de natureza cautelar, necessariamente atrelado a uma situação de urgência (periculum in mora). Neste caso, se a decisão monocrática não puder ser submetida a imediata revisão, a razão de ser do recurso pode se perder. Por isso, ainda que reconhecendo que neste caso a inconstitucionalidade é menos ostensiva que na hipótese anterior, não podemos deixar de propugnar pela invalidação da norma.

Melhor teria sido se o legislador procurasse regular melhor o agravo interno, permitindo, por exemplo, que no seu julgamento fosse possível ao órgão decidir desde logo o mérito do agravo de instrumento, como já ocorre em relação ao agravo para o STF e para o STJ (art. 544, §§ 3.º e 4.º, do CPC).

Por fim, dispõe a parte final do texto em tela que as decisões "liminares" não poderão ser reformadas, "salvo se o próprio relator a[s] reconsiderar". Nos parece que a Lei quis criar um paliativo à absurda vedação ao agravo interno. A medida, no entanto, foi infeliz, uma vez que além de não afastar a possibilidade de uso do mandado de segurança, ainda é capaz de retardar o desfecho do julgamento do recurso. É preciso que se diga, também, que a interpretação literal deste dispositivo leva a entender que o relator poderia, em juízo de retratação, "reconverter" o agravo retido em agravo de instrumento. Acreditamos, entretanto, que a reconsideração citada somente deverá alcançar as decisões verdadeiramente liminares (inciso III) e não a que converte o agravo de instrumento em agravo retido.

Art. 2.º da Lei n.º 11.187/2005.

"Art. 2.º. Esta Lei entra em vigor após decorridos 90 (noventa) dias de sua publicação oficial."

Sancionada no dia 19 de outubro e publicada no dia seguinte, a Lei nº 11.187 entra em vigor no dia 19 de janeiro do próximo ano. Todas as alterações, com exceção da nova redação atribuída ao parágrafo único do art. 527 do CPC, por serem regras procedimentais, serão aplicáveis às decisões proferidas depois da sua vigência ou, ainda, das decisões proferidas antes, desde que a publicação ocorra sob o império da nova Lei (art. 1211 c/c 463, ambos do CPC). No caso do novo parágrafo único do art. 527 do CPC, no entanto, tratando-se de norma sobre o cabimento de um recurso – o agravo interno –, temos que a disposição somente será incidente às decisão proferidas após 19 de janeiro de 2006, independentemente da sua posterior publicação. [17]

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Sobre o autor
Felippe Borring Rocha

defensor público do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito, professor de graduação em Direito na Universidade Estácio de Sá, professor de pós-graduação em Direito na Universidade Estácio de Sá, na Universidade Cândido Mendes, na Universidade Gama Filho, na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro e na Escola Superior da Advocacia do Rio de Janeiro, professor dos cursos preparatórios para concurso da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro e da Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, autor dos livros: "Juizados Especiais Cíveis: Aspectos Polêmicos da Lei n.º 9.099, de 26/9/95", "Justiça Federal no Estado do Rio de Janeiro" e "Estatuto da Criança e do Adolescente".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Felippe Borring. Considerações iniciais sobre as últimas alterações no recurso de agravo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 857, 7 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7557. Acesso em: 19 abr. 2024.

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