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Lei nº 11.187/05:

o novo regime do recurso de agravo

07/11/2005 às 00:00
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Fruto de uma série de projetos tendentes a reformar o Código de Processo Civil, adaptando-o aos novos anseios do mundo jurídico, foi publicada em 20 de outubro de 2005 a Lei 11.187/05, cujo teor altera o regime do recurso de Agravo, disciplinado nos artigos 522 e seguintes do código processual. O presente artigo analisará as alterações ocorridas no referido regime recursal, advertindo-se, desde já, sobre o caráter tormentoso da novel disciplina do agravo, cujo dilema reside na convivência de dois importantes valores processuais: a recorribilidade das decisões interlocutórias e o princípio da celeridade processual.

Em nosso ordenamento é possível a identificação de três espécies de agravo: o agravo de instrumento, o agravo retido e o agravo interno. Este último (agravo interno) tem aplicabilidade em sede de segundo grau, cujo manejo se dá em face das decisões proferidas por relator quando do uso dos chamados "poderes do relator", poderes esses que o autorizam a proferir decisões como juízos monocráticos, sem a necessidade de manifestação de seus pares. As duas primeiras espécies de agravo (agravo de instrumento e agravo retido) são cabíveis contra decisões interlocutórias (decisões que não põem fim ao processo) proferidas pelos juízes de primeira instância. A Lei 11.187/05 veio reformar a disciplina dessas duas espécies de agravo – o de instrumento e o retido. No entanto, a nova lei afetou também em um ponto o agravo interno, excluindo seu cabimento em uma hipótese restrita relacionada ao novo regramento dos agravos, como veremos a seguir.

A recorribilidade das decisões interlocutórias visa a prestigiar o princípio republicano. Com efeito, em uma república não se admite que qualquer poder conferido aos agentes estatais escapem ao controle. É nesse espírito que a recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas em um processo judicial ganha legitimidade, uma vez que, o ordenamento jurídico, ao mesmo tempo em que confere poderes ao magistrado singular para proferir decisão que afete o patrimônio jurídico do jurisdicionado, também confere a possibilidade dessa decisão ser revista por outra autoridade, a fim de evitar-se abusos e desvios desse poder. Como conseqüência dessa revisão por autoridade superior, as decisões judiciais ganham em segurança (princípio da segurança jurídica) e o serviço jurisdicional ganha em aprimoramento e uniformidade.

No entanto, a prática tem demonstrado que a existência da possibilidade de recursos de decisões proferidas no curso do processo tem sido utilizada, no mais das vezes, como forma de retardamento do provimento judicial. Realmente, os tribunais estaduais se viram abarrotados de recursos de agravo de instrumento, muitas vezes para decidir questões que não acarretam dano de difícil reparação para a parte agravante, não havendo prejuízo, portanto, a espera do provimento final do juiz singular, para, só então, a parte interessada recorrer da sentença monocrática, manifestando seu inconformismo. Como efeito natural do crescimento do número de agravo nos tribunais, esses órgãos passaram a desvirtuar seu mister maior: julgar os recursos de apelação, dando fim ao reexame fático da demanda, para julgar recursos de agravo de instrumento, recursos esses que não estabilizam o provimento final.

Apesar de tal fenômeno - que releva o efeito nefasto do tempo no processo - grande parte dos operadores do direito reluta em suprimir tal recurso e, para isso, levantam a bandeira da segurança jurídica. Não é estranha tal relutância. Em simples análise das normas processuais veremos que sempre quando o legislador se esbarra entre provimento célere e segurança jurídica, não fraqueja em preferir esta última.

Por conta disso, em plena era de processo civil de resultados, não se admite que recursos que assumam na prática caráter protelatório ganhem relevo sobre recursos que efetivamente garantam o provimento judicial, satisfazendo os jurisdicionados. É notório que o tempo gasto pelos desembargadores em julgamento de recursos de decisões interlocutórias, em muito prejudica a presteza do serviço judicial.

É sob a perspectiva de um novo processo civil de resultados que a lei 11.187/05 reformulou o regramento dos agravos.

Pela disciplina recursal anterior, disciplina esta estabelecida pela lei 10.352/2001, era cabível agravo das decisões interlocutórias, no entanto, a modalidade de agravo a ser manejada ficava ao alvedrio do agravante. Era este quem decidia pela propositura na forma de instrumento ou na forma retida. Para isso a lei lhe dava 10 dias para tirar o instrumento ou juntar aos autos o agravo retido. Por conta dessa faculdade, raros optavam pela modalidade retida, pelo óbvio argumento de nessa modalidade a questão suscitada só ser apreciada ao final, quando da apelação, se necessária. A Lei de 2001, no entanto, para reduzir o espectro de discricionarismo na escolha da modalidade, previu a possibilidade de conversão pelo relator do agravo de instrumento, em agravo retido. A reforma de 2001 visava com isso diminuir o número de agravos de instrumentos nos tribunais, deixando-os livres para apreciação dos recursos de apelação. No entanto, face ao ínfimo uso do instituto da conversão pelos relatores, somada a possibilidade de recurso da decisão do relator que convertia o agravo, desta feita por outro tipo de agravo, o chamado agravo interno, não houve resultados na diminuição da carga processual. Assim, a intenção da reforma foi prejudicada porque, ao invés de reduzir o número de recursos no tribunal, criou outro recurso, o agravo interno da decisão de conversão, tudo isso em nome da segurança jurídica.

Com a Lei 11.187/05, que alterou os artigos 522, 523 e 527 do Código de Processo Civil, as mazelas do sistema anterior foram corrigidas. A nova lei, publicada no dia 20 de outubro de 2005, para entrar em vigor em 90 dias da sua publicação, conferiu tratamento mais ágil ao recurso de agravo, na medida em que derrogou a faculdade de escolha das modalidades (instrumento e retido) pelo agravante. A partir de sua vigência, pela nova redação do caput do artigo 522 do CPC, das decisões interlocutórias caberá agravo na modalidade retida. Também será retido o agravo quando a decisão for proferida em audiência de instrução e julgamento. A redação anterior previa que das decisões interlocutórias caberia agravo na forma retida ou de instrumento.

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No entanto, a nova lei manteve algumas exceções à forma retida, permitindo-se a propositura na forma de instrumento. São as exceções: nos casos de lesão grave e de difícil reparação e nos casos de inadmissão da apelação e nos efeitos em que a apelação é recebida. Quanto a essas duas últimas hipóteses – inadmissão da apelação e seus efeitos - não há problema em ter a lei mantido a modalidade de instrumento, haja vista que somente o recurso de agravo de instrumento será meio idôneo para converter o provimento. Questões podem surgir com a manutenção da hipótese "lesão grave e de difícil reparação". Poderia se pensar que foi tímida a alteração feita pela Lei 11.187/05 com a manutenção da referida hipótese a ensejar a modalidade instrumento. No entanto, andou bem o legislar ao manter a referida possibilidade.

Realmente, os princípios da celeridade, hoje com status constitucional por conta da emenda constitucional 45 (art.5°, LXXVIII) e o princípio da segurança jurídica (art.5°, caput) são princípios constitucionais que devem conviver, sem, porém, excluir um ao outro. A manutenção da possibilidade de agravar por instrumento de decisões que causem grave lesão de difícil reparação homenageia o princípio da segurança jurídica e o princípio republicano (toda manifestação de poder necessita de controle), sem, contudo, afastar a celeridade processual. Isso porque, o legislador encontrou um meio termo com a nova lei. Com efeito, ao manter o agravo de instrumento nos casos de lesão grave e de difícil reparação, a lei 11.187/05, assim como a redação revogada, previu a possibilidade de conversão do agravo de instrumento em agravo retido, só que, desta feita, aboliu a possibilidade de recurso da decisão do relator que determina a conversão. Ora, antes o relator sentia-se intimidado em converter o agravo de instrumento em agravo retido, porque, assim fazendo, abriria campo para um novo recurso: o agravo interno. Novo recurso significa trabalho em dobro. Por isso a pouca aplicabilidade da conversão. Agora, como foi retirada a possibilidade de agravar internamente da decisão de conversão, os relatores, se utilizarem efetivamente o instituto, reduzirão a carga processual, mantendo-se somente os agravos de instrumentos que objetivam reformar decisões cujo teor realmente causem grave lesão de difícil reparação.

Assim, por esse novo regime, não se afasta a recorribilidade das decisões interlocutórias. O controle de tais decisões continuará existindo, só que ao final, quando do conhecimento do agravo retido na apelação. Por isso, não há mácula ao princípio da segurança jurídica nem ao princípio republicano porque as decisões continuarão sendo revistas por autoridade superior na apreciação do agravo retido. O que ocorreu apenas foi uma preponderância processual do valor celeridade em face do valor segurança jurídica, deferindo a reapreciação de decisões interlocutórias, na busca de um processo civil de resultados. Portando, laborou com acerto o legislador no novo regramento do recurso de agravo.

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Sobre o autor
Ricardo Mendonça Nunes

Pós-graduando em Processo Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NUNES, Ricardo Mendonça. Lei nº 11.187/05:: o novo regime do recurso de agravo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 857, 7 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7558. Acesso em: 25 abr. 2024.

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