A culpa pode ser grave, gravíssima, leve ou levíssima. Tudo depende do grau de descuido do agente (leia-se: da postura de descuido frente ao bem jurídico). Uma coisa é matar uma pessoa (não intencionalmente) em razão de velocidade pouco acima do normal, outra distinta é colocar dezenas e dezenas de pessoas num barco que só comportava cinqüenta, com ânimo de lucro fácil (caso bateau mouche). Neste último caso temos um exemplo de culpa fora do normal, ou seja, gravíssima.
Cabe ao juiz aferir, em cada caso concreto, o grau da culpa (isto é, o grau de descuido frente ao bem jurídico). Isso retrata a culpabilidade como fator de graduação da pena (CP, art. 59).
Saliente-se que a culpabilidade, no contexto do art. 59 do CP, significa a posição do agente frente ao bem jurídico afetado. Tem ela, no Direito penal, tríplice função: (a) de fundamento da pena; (b) de limite da pena (cada um é punido nos limites da sua culpabilidade – CP, art. 29) e (c) de fator de graduação da pena (CP, art. 59). Como fator de graduação da pena, já se disse, a culpabilidade conduz à análise da posição do agente frente ao bem jurídico, que pode ser: (a) de menosprezo, (b) de indiferença ou (c) de descuido (cf. GOMES, Luiz Flávio, Direito penal, v. 7, Coleção Manuais para concursos e graduação, São Paulo: RT, 2005, p. 75).
A primeira está vinculada com o dolo direto, a segunda com o dolo eventual e a terceira com o crime culposo. Quanto mais intenso o menosprezo ao bem jurídico (isso se revela, por exemplo, na crueldade de um assassinato) mais reprovação se justifica. Quando mais indiferença, mais pena. Quanto à culpa, seus graus (culpa leve, levíssima, grave e gravíssima ou temerária) é que comandam o nível da censura penal.
A culpa, desse modo, tanto é relevante para a tipicidade penal (não existe crime culposo sem a criação de risco proibido relevante), como para a culpabilidade (daí falar-se em tipo de ilícito culposo e tipo de culpabilidade).
Enquanto a inobservância do cuidado objetivo necessário (leia-se: criação de risco proibido) é relevante para a composição do tipo de ilícito, os graus desse descuido (leve, grave etc.) são fundamentais para a aferição da pena no âmbito da culpabilidade mencionada no art. 59 do CP. Se cada agente deve ser punido na medida da sua culpabilidade (CP, art. 29), cumpre ao juiz aferir esse nível de censura para fazer a correta dosimetria da pena.
A intensidade do dolo e da culpa não cumpre, em princípio, grande papel no momento da configuração do injusto penal (do tipo de ilícito), salvo, evidente, quando o próprio tipo penal a exige (crime cometido com crueldade, crime cometido com culpa temerária etc.). Sua função primordial acaba sendo revelada no momento da aplicação da pena, que é justamente quando o juiz tem que dar sentido para a palavra culpabilidade dentro do art. 59 do CP.
Não nos parece acertado dizer que não tem nenhum sentido falar em intensidade do dolo e da culpa. Essa intensidade é muito relevante em Direito penal, sobretudo no momento da aplicação da pena, quando então é fundamental constatar a dimensão da intensidade do dolo (nível da posição do agente frente ao bem jurídico) assim como da culpa (nível de descuido do agente frente ao bem jurídico).
Os denominados delitos de atitude (ou delitos de atitude interna), que são os que expressam estados anímicos que fundamentam ou reforçam o juízo de desvalor do fato, ou seja, o juízo de reprovação do fato, bem evidenciam a intensidade do dolo do agente. A crueldade, a traição, a evidente má-fé, os crimes cometidos inescrupulosamente etc. revelam o alto nível de censurabilidade da posição do agente frente ao bem jurídico protegido. A atitude interna do agente, que revela a intensidade do dolo, deve sempre ser levada em conta no momento da cominação da pena ou da sua aplicação.
Pode-se afirmar a mesma coisa em relação ao nível de descuido do agente frente ao bem jurídico. Quanto mais intensa a culpa, isto é, quanto mais descuidado for o agente, mais censurável será seu fato. Esse nível de descuido encontra seu ponto mais extremado na chamada culpa temerária, que é forma de culpa gravíssima. A culpa temerária expressa uma especial intensificação da culpa, é uma conduta praticada de modo especialmente perigoso. O resultado, no contexto de uma culpa temerária, apresenta-se como altamente provável. A previsibilidade é patente. A atitude do agente na culpa temerária é altamente censurável, chega mesmo à leviandade, por isso que justifica maior nível de reprovação (cf. SANTANA, Selma Pereira de, A culpa temerária, São Paulo: RT, 2005).
A legislação penal brasileira sempre descuidou da denominada culpa temerária. Na jurisprudência encontram-se julgados que fazem expressa referência à culpa grave ou gravíssima. Emblemático foi o caso bateau mouche (STF, HC 70.362). Outras decisões que adotaram a culpa gravíssima como base para o agravamento da pena: STF, HC 44.485 e STF, HC 58.350. No outro extremo, são encontrados acórdãos que afirmam não constituir a culpa levíssima fundamento para o reconhecimento do ilícito penal (RT, 497/348; JUTACRIM 45/254; RT 407/267).