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Falência e sua evolução:

da quebra à reorganização da empresa

Resumo:


  • A atual Lei de Falência, elaborada em 1945, está superada e inadequada para a realidade jurídico-econômica atual.

  • O Projeto de Lei de Falências n.º 4.376 tramitando no Congresso Nacional pretende alterar aspectos da lei para beneficiar as empresas.

  • A nova lei propõe a participação dos órgãos governamentais no plano de reorganização econômica das empresas, visando manter empregos e receber tributos para atingir o fim social.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Introdução

O cumprimento das obrigações por parte do devedor sempre foi uma preocupação da humanidade. Para tanto, desde o direito quiritário (no Direito Romano), procurou-se formas coercitivas para fazer o devedor cumprir suas obrigações.

Em relação às formas coercitivas, inicialmente, o próprio devedor respondia pela obrigação, ou seja, ela recaía sobre o indivíduo, na forma de execução pessoal, sobre a liberdade da pessoa. Com a evolução do Direito, a responsabilidade do devedor passou a recair sobre os seus bens, sendo esta a regra atual.

Devido a situação sócio-econômico-financeira em que se encontra o mundo, há uma tendência de evolução da regra da responsabilidade do devedor. Busca-se com tal tendência a diminuição da coercibilidade do instituto da falência.

O povo necessita de empregos para que com os salários possam satisfazer suas necessidades. O governo, por sua vez, necessita de tributos e também de empregos. Sem tributos a "máquina administrativa" não funciona, e sem empregos para o povo, o governo tem que investir ainda mais para evitar as privações daquele.

Uma empresa fechada, significa desemprego e não arrecadação dos tributos, dentre outras péssimas conseqüências. Nesta ordem, vem a tendência da diminuição da coercibilidade, visando a recuperação da empresa conforme um processo pré-estabelecido pela Lei. Esta é a tendência com o projeto da nova Lei de Falência.


1. Breve relato sobre a história da falência

          1.1 Direito Romano

No período do Direito antigo as obrigações do devedor eram respondidas, com a sua liberdade e até mesmo com a sua vida. A obrigação recaía sobre o indivíduo e não sobre seus bens(1).

Desta forma, existia nesta época (direito quiritário, fase mais primitiva do direito romano), no instituto da falência uma clara preocupação em punir o devedor que não saldasse suas dívidas para com os seus credores.

Era uma execução pessoal, cujo procedimento consistia no credor deter a posse sobre a pessoa do devedor, sendo este aprisionado por um prazo de sessenta dias, servindo neste período de escravo para o credor. Decorrido o prazo e não paga a dívida ou não surgido o videx (parente do devedor ou qualquer outra pessoa que saldasse a sua dívida para com seus credores), poderia o devedor ser morto ou vendido como escravo para outra localidade.

Referido sistema perdurou até 428 a.C. e foi substituído com a promulgação da Lex Poetelia Papiria, que introduziu no direito romano a execução patrimonial.

Posteriormente, pela bonorum venditio (instituída pelo pretor Rutilio Rufo), o desapossamento dos bens do devedor era feito por determinação do pretor, nomeado um curador (curator bonorum) para a administração dos bens(2) .

Depois, a Lex Julia Bonorum (737 a.C.) criou a cessio bonorum, que facultava ao devedor a cessão de seus bens ao credor que podia vendê-los separadamente. Estaria aí o semente da falência.

1.2. Idade Média

Nesta fase, o Direito Falimentar foi organizado e sistematizado pelos italianos, formando características, muitas destas presentes até hoje. Os jurisconsultos da época, utilizaram para tal formação e como fonte fundamental, o Direito Romano.

Na Idade Média, fica de lado a iniciativa dos próprios credores, dando lugar para a tutela estatal. Tal tutela assume um papel especial, condicionando a atuação dos credores à disciplina judiciária.

Ainda existia, neste período, no procedimento de execução coletiva, sérias e graves conseqüências para o devedor. Assim, se o devedor estivesse agindo sem fraude, poderia ser imposta a ele, pena de infâmia cominada com outras penas vexatórias. Por outro lado, agindo fraudulentamente seriam mais graves as sanções, podendo inclusive, o comissário da falência, apoderar-se da pessoa do devedor, dispondo de seus bens e até mesmo submetê-lo ao pelourinho (no caso de o devedor, dolosamente, subtrair bens de valor superior a vinte libras). A falência era considerada como um delito.

Tais sanções, aplicáveis ao devedor, não significa dizer que o corpo deste seria responsável pelas suas dívidas.

A falência poderia ser decretada com base em três ocasiões:

a)Quando o devedor se ocultava sem deixar bens que saldassem sua dívida;

b)A requerimento do devedor;

c)A pedido do credor. (3)

Nos três casos acima, existiam as características do primeiro decreto (em que cabia ao cônsul autorizar os credores a entrarem na posse dos bens do devedor, coagindo-o a pagar) e do segundo decreto (se decorrido o prazo e o devedor não realizasse o pagamento, ocorreria o segundo decreto, que era a entrega definitiva dos bens para serem vendidos e, posteriormente, rateados os dividendos para pagar os credores, observados os privilégios pelo curador – síndico).

Vale dizer ainda, que a falência nesta época, estendia-se a toda espécie de devedor, comerciante ou não. E que, com o desenvolvimento do crédito e do comércio, várias legislações de diversos países passaram a limitar o instituto para devedores comerciantes (Itália, França e Portugal). Outros países porém, continuaram não restringindo a falência somente aos comerciantes (Áustria, Dinamarca, Hungria, Inglaterra e Noruega).

1.3. A falência a partir do século XVIII ao fim do século XIX.

Ocorreu na França, em 1807 a edição do Código Napoleônico, constituindo grande importância para o desenvolvimento do instituto da falência. Também era chamado de Code de Commerce (Código de Comércio). Restringia a falência ao devedor comerciante e continuava considerando o devedor faltoso como um criminoso.

Com o fim do período napoleônico, em 1832, surgiu disposição legal diminuindo a severidade no tratamento com o devedor faltoso.

Após 1807 houveram várias reformas na legislação falimentar francesa, dentre elas as seguintes:

a)Lei de 1838, que restringiu despesas com o processo falimentar simplificando seus termos;

b)Lei de 1865, que disciplinou a concordata por abandono de ativo; e

c)Lei de 1889, que regulamentou a liquidação comercial preservando o nome e a honra do devedor.

Neste período (séc. XVIII à séc. XIX), existira duas modalidades de entendimento sobre o instituto da falência:

a)Sistema Franco-Italiano, onde estavam as Leis que conferiam a falência um caráter exclusivamente comercial; e

b)Sistema Anglo-Saxônico, que não diferenciava o alcance da falência, fazendo-a incidir sobre qualquer devedor (principal país – Inglaterra).

1.4. O direito falimentar no Brasil

          1.4.1. O Brasil colônia

Nesta época, sendo o Brasil colônia de Portugal, aplicava-se as leis deste naquele. Assim, quando os portugueses chegaram ao Brasil, em Portugal vigorava as Ordenações Afonsinas. Nessa ordem, foram aplicadas aqui também tais ordenações.

Em 1521, as Ordenações Afonsinas foram substituídas pelas Ordenações Manuelinas, que, como o próprio nome mostra, foram elaboradas pelo Rei D. Manoel (por ordem dele). Referida Ordenação (Manuelinas), previa que ocorrendo a falência o devedor seria preso até pagar o que devia aos credores. Por outro lado, levando em consideração a influencia do Direito Italiano, poderia o devedor ceder seus bens aos credores, evitando assim sua prisão.

No ano de 1603, surgiram as Ordenações Filipinas. Estas, apesar de terem nacionalidade espanhola, foi aplicada em Portugal devido o Reino de Castela.

As Ordenações Filipinas, aplicadas em Portugal, que por sua vez era submetido ao Reino de Castela, tiveram grande influencia no Brasil (Colônia de Portugal), devido o florescimento da Colônia e despertar das atividades mercantis.

Terminando o período, surgiu o Alvará de 13 de novembro de 1756, promulgado pelo Marquês de Pombal. O Alvará foi considerado como marco decisivo no Direito falimentar brasileiro, pois introduzira um ""originalíssimo e autêntico processo de falência, nítida e acentuadamente mercantil, em juízo comercial, exclusivamente para comerciante, mercadores ou homens de negócio", como bem observou Waldemar Ferreira.

          Impunha-se ao falido apresentar-se á junta do Comércio, perante a qual "jurava a verdadeira causa da falência". Após efetuar a entrega das chaves "dos armazéns da fazendas", declarava todos os seus bens "móveis e de raiz", fazendo entrega, na oportunidade, do Livro Diário, no qual deveria estar lançados todos os assentos de todas as mercadorias, com a discriminação das despesas efetuadas.

          Ultimado o inventário dos bens do falido, seguir-se-ia a publicação do edital, convocando os credores.

          Do produto da arrecadação, dez por cento eram destinados ao próprio falido para o seu sustento e de sua família, repartindo-se o restante entre os credores.

          Fraudulenta que fosse a falência, era decretada a prisão do comerciante, seguindo-se-lhe o processo penal." (4)

1.4.2. O Brasil posterior a Independência

Promulgada a Independência do Brasil, passou-se a observar o Código Comercial francês, por mandamento da Lei de 1850 (Lei da Boa Razão).

Com isso, deu-se larga preferência à aplicação do Código Comercial napoleônico de 1807, decorrendo profunda influência do direito francês na evolução de nosso direito, inclusive em matéria falimentar.

1.4.3. O período republicano no Brasil

Neste período foi ocorreu uma intensa elaboração legislativa falimentar.

Passaremos, para uma maior compreensão, uma análise das principais leis.

1.4.3.1. Decreto nº 917/1890

Embora tenha sido elaborado com muita rapidez pelos seus idealizadores, o decreto nº 917/1890 provocou um grande desenvolvimento no Direito Falimentar no Brasil.

Tal decreto continha defeitos, porém abriu novos horizontes ao direito comercial pátrio. Instituíra como meio preventivo da decretação da falência:

a)Moratória;

b)Cessão de bens; e

c)Acordo do preventivo.

Tais instituições foram responsáveis pela entrada das fraudes. Nessa ordem, não demorou muito para o comércio, que recebera bem o decreto, levantar-se contra ele. Recebeu críticas acerbas e injustas, e, levando em consideração que não teve grande acolhida na sua aplicação prática, outra lei foi elaborada para regulamentação da falência no Brasil.

1.4.3.2. Lei nº 859/1902

Surgiu com a finalidade de acabar com a fraude existente no período do Dec. nº 917/1890.

Procurou vedar os abusos ocorridos (principalmente no que diz respeito as moratórias que abusos causou entre devedores e credores), não propiciando porém, o alcance esperado para a solução dos conflitos referentes ao processo falimentar. Não ficou como era esperado.

Logo foi revista, uma vez que faltava regulamentação bem estabelecida para o processo de falência.

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1.4.3.3. Lei nº 2.024/1908

Esta lei é de Autoria do Mestre Carvalho de Mendonça e foi de grande importância para o desenvolvimento do Direito Falimentar brasileiro.

Fora muito bem elaborada em todos os seus preceitos, ficando por muito tempo sendo a Lei da República para disciplinar a falência.

Visava uma verificação e uma classificação do crédito, sendo uma expressão da verdade, deixando de lado a fraude, o conluio, a má-fé e a chicana.

Não atingiu o esperado, devido um Judiciário pouco enérgico e ilustrado.

1.4.3.4. Lei nº 5.746/1929

Era muito próxima da Lei 2.024, revisando alguns pontos desta, que não funcionavam com precisão.

Introduziu as seguintes características:

a)Diminuição do número de síndicos de três para apenas um; e

b)Instituição de porcentagem sobre os créditos para a concessão da concordata.

Permaneceu em vigor até 1945, quando apareceu o Decreto-Lei 7.661/1945.

1.4.3.6. Período da Segunda Guerra Mundial

No ano de 1945, no dia 21 de junho, surgiu o Decreto-Lei 7.661, que hoje é a atual Lei de Falências.

Referido diploma legal apresentou muitas inovações, que são as seguintes:

a)Começou abolir as Assembléias dos credores, diminuindo a influência destes, reforçando os poderes dos magistrados; e

b)A concordata (preventiva e suspensiva) deixou de ser um contrato, para ser um benefício concedido pelo Estado, através do Juiz ao devedor infeliz e honesto.

Como as leis anteriores, o Lei hoje vigente (Dec-Lei 7.661/1945), necessita reformas, atualizando-a no tocante a reorganização econômica da empresa e a sua manutenção no meio social. Assim, deixaria de ser o Instituto da Falência, um meio de liquidação com o encerramento das atividades da empresa. Haveria uma preocupação maior com a função social da empresa frente a sociedade, e, com o auxílio que o novo Direito Concursal daria para a obtenção dessa função inerente a qualquer propriedade privada.


2. A natureza jurídica da Falência

Existem várias posições com relação a natureza jurídica da falência:

a)Possui natureza processual;

b)Possui natureza substancial; e

c)Possui natureza sui generis.

2.1. A natureza processual da Falência

Esta corrente afirma que a natureza jurídica do Instituto da Falência é processual.

O principal argumento é o fato de a falência ser um processo de execução coletiva no qual é apurado o ativo e o passivo, pagando-se os credores na preferência de seus créditos. Assim, a falência faz parte do direito processual porque, efetivamente, ocorre simplesmente a transferência do patrimônio do devedor para o do credor, através da prestação jurisdicional.

Nota-se claramente o paralelo existente entre a característica processual, adotada a natureza jurídica da falência, e, a preocupação liquidatária-solutória existente nesta corrente da doutrina.

2.2. A natureza substancial da Falência

Para os doutrinadores que defendem esta corrente, deve estar em questão, a natureza creditória anterior, e não a posterior instauração de um processo para o recebimento dos créditos devidos (natureza jurídica da sentença declaratória da falência).

2.3. A natureza sui generis da Falência

A falência é um instituto complexo, formado por regras de diferentes ramos do Direito.

Assim, possui natureza jurídica sui genere, não havendo prevalência das normas processuais sobre as objetivas, muito menos destas sobre as administrativas.

Embora possua um processo de execução claramente processual, contém, o instituto da falência, inúmeros preceitos de direito objetivo.

2.4. Considerações críticas sobre a natureza jurídica da Falência

A natureza jurídica da falência não pode estar presa mais, ao processualismo que se encontra na atualidade.

Não pode mais ficar restrita a simples liquidação do patrimônio do devedor. Deve visar, acima de tudo, a preservação da empresa em crise econômica, a qual estará sujeita ao cumprimento de um plano reorganizatório.

Os interesses individuais de simples solução de pagamento dos créditos com a correlata extinção da empresa, sem verificar a possibilidade de sua reorganização financeira, não pode mais permanecer como medida legislativa. São os interesses coletivos da sociedade, em manter empregos e gerar tributos, garantindo assim um desenvolvimento global do país é que devem prevalecer.


3. Nova Lei de Falência em trâmite no Congresso Nacional.

3.1. A preservação da empresa

Inquestionável é a importância de uma empresa para a economia de uma sociedade, sendo que nos dias atuais, grande parte dos empregos e da produção das riquezas são criadas pela atuação das empresas no contexto regional e mundial.

Tal importância da empresa na economia foi notada pelo Direito Falimentar, detectado que a liquidação de uma empresa provocaria graves conseqüências para a sociedade e o Estado, o Direito Falimentar foi chamado à auxiliar de alguma forma para possibilitar que a empresa fosse mantida em atividade através da elaboração de um plano hábil a reerguê-la economicamente.

O novo Direito Falimentar é uma disciplina jurídica que possui conhecimento da importância da empresa para a sociedade e procura indicar mecanismos jurídicos suficientes para a sua manutenção.

Um novo Direito Concursal surge, fundado no princípio da conservação da empresa devido ao fato de perspectiva processualística-liquidatária-solutória da falência atual não mais condizer ao Direito Falimentar.

"Podemos afirmar que a reorganização econômica da empresa auxilia na melhor observação de sua função social porque atinge o interesse público existente na continuação da atividade funcional da empresa". (5)

A relação entre empresa e Direito foi conhecida pela Comunicação por Rogar Houin, a qual indicava a necessidade de reformulação da legislação falimentar francesa para, desta forma, instituir legislativamente o Princípio da Preservação da Empresa no processo concursal.

"A permanência da empresa não é instituto destinado a manter privilégios ou situações favoráveis a alguns em detrimento dos outros, mas trata-se de salvar o viável e não garantir o funcionamento a qualquer custo de organismos inertes que deixam de ser produtivos. Não se aplicará, desta forma, recursos da comunidade em empresas nestas situações, haja vista ser necessário cessar sua atividade residindo aí o interesse público da sua não manutenção". (6)

O ponto fundamental do novo Direito Concursal é a dissociação entre empresa e empresário, possibilitando, assim, o afastamento do dirigente da empresa sem, contudo, cessar a atividade funcional da mesma. Tal dissociação proporciona uma melhor administração à empresa ainda viável, pois, supõe-se que seu dirigente colaborou para esta situação de insolvência e deverá ser privado de suas funções.

Há uma discussão na doutrina à respeito da conveniência de uma participação direta dos órgãos governamentais dentro do plano de reorganização da empresa, como por exemplo, concessão de financiamentos pelo BNDES; suspensão dos créditos tributários; criação de um fundo próprio para auxiliar economicamente empresas deficitárias, entre outras medidas.

A justificativa de uma direta participação governamental seria que o Estado, mantendo empregos e recebendo tributos, estaria atingindo o fim social que lhe é atribuído, efetivando, assim, sua permanência como ente sócio-político.

A oposição à interferência governamental possui como fundamento o fato de que cabe aos próprios credores e aos bancos privados criarem mecanismos para o ajuste de empresa no aspecto econômico, não sendo dever do Estado interferir.

3.2. Plano de reorganização econômica da empresa

O Plano de Reorganização Econômica é o procedimento judicial que visa sanear financeiramente a empresa, mantendo sua atividade funcional.

É intervenção judicial na empresa deficitária para reerguê-la economicamente. Visa-se regular a insolvabilidade de empresas ainda economicamente viáveis.

Existe uma presunção juris tantum favorável à empresa devedora para que o juiz conceda a medida de reorganização, a não ser que as provas sejam cabais em demonstrar a inviabilidade econômica da empresa.

O procedimento reorganizatório possui outra característica que é a obrigatoriedade de cumprimento do plano pelos credores e devedores. Isto resulta da coercibilidade das decisões judiciais. Tal obrigatoriedade cinge-se em que o devedor não poderá recusar a aplicação do plano por motivos egoísticos. Assim, se rejeitado o plano oferecido pelo devedor, mas deferido o apresentado pelo Administrador Judicial, este vinculará o devedor e os credores. Esta obrigatoriedade advém da natureza pública do instituto falimentar, agregado ao fator de ser decisão judicial.

O art. 9º, § 4º do projeto de Lei Falimentar nº 4.376/93 publicado no Diário Oficial do Congresso Nacional estabelece:

"Art. 9º. O devedor cuja falência for decretada pode requerer a continuação do negócio, que vise a sua recuperação.

§ 4 º. A apresentação dos planos de recuperação econômica e financeira e de solução do passivo da empresa vincula o devedor a executar as obrigações nele assumidas." (7)

É preciso possuir legitimidade processual para se requerer a concessão da medida do plano de reorganização financeira.

Destaca-se que, se o pedido for requerido pelos credores é necessário que o valor dos créditos somados seja entre 15 e 20% sobre o valor total da dívida.

Uma característica do processo de reerguimento econômico é a celeridade de seus atos. Assim, uma nova lei concursal deverá conter dispositivos de um processo ágil; sendo esta agilidade uma característica fundamental do novo Direito Concursal.

Um processo falimentar moroso prejudica toda a sociedade. Assim, diminuindo-se o número excessivo de recursos a nova lei concursal será aplicada de forma a não favorecer o devedor fraudulento.

No procedimento reorganizatório da empresa, tem-se a figura do Administrador Judicial, ou seja, o encarregado de gerir e administrar a empresa, cumprindo as determinações fixadas pelo juiz. De forma geral, será um administrador empresarial, devendo zelar pelos interesses da empresa. Deverá ser uma pessoa aprovada em concurso de títulos, formado em Administração de Empresas ou Ciências Econômicas, possuindo prática comprovada. A remuneração deverá ser feita durante toda a duração do plano.

O novo Direito Concursal prevê a participação dos empregados na direção da empresa em razão dos altos valores dos créditos trabalhistas devidos, e em conseqüência, do afastamento do dirigente que contribuiu para a insolvência da empresa. Entende-se, assim, que tal medida facilitaria o reerguimento financeiro da empresa, pois com a decretação da falência os empregados demorariam muito tempo para receber os créditos trabalhistas. A dissociação entre empresa e empresário viabiliza a entrada de empregados na empresa.

Para a aplicação do plano de reorganização econômica da empresa, tem-se a participação em conjunto do Administrador Judicial e do Juiz de Direito. O processo concursal necessita de um Poder Judiciário atento na aplicação da lei. Se o Poder Judiciário não participar ativamente no processo concursal novo, não teremos reorganização financeira da empresa. Sugere-se a criação de Varas Especializadas em Falências; porém, isso não será suficiente. Toda a organização judiciária deverá se adaptar ao procedimento reorganizatório da empresa. Países como os EUA e a França outorgam poderes extraordinários à Magistratura na conduta jurisdicional da crise econômica da empresa.

Portanto, ao elaborar a lei concursal pátria, o legislador deverá verificar que o sistema jurídico brasileiro possui característica próprias. A realidade brasileira pode inviabilizar a elaboração de uma lei concursal condizente com a realidade de outros países. Exige-se, dessa forma, uma modificação da atual legislação falimentar dando-se ênfase à reorganização econômica da empresa objetivando a manutenção de empregos e a preservação de sua atividade funcional, bem como os conseqüentes benefícios advindos de tais práticas.


4. Considerações finais

Pode-se afirmar a partir da pesquisa realizada que a nossa atual Lei de Falência (elaborada em 1945) esta superada e inadequada para a realidade jurídico-econômica atual.

Há um Projeto de Lei (Projeto de Lei de Falências n.º 4.376) tramitando no Congresso Nacional que, pretende alterar alguns aspectos da atual lei para beneficiar as empresas.

Pretende-se com a nova lei a participação dos órgãos governamentais no plano de reorganização econômica da empresa, pois o Estado tem interesse em manter empregos e receber tributos para atingir o fim social que lhe é atribuído.

De acordo com a lei atual, liquida-se a empresa sem questionar sua viabilidade econômica, não contemplando a perspectiva social de preservação da empresa.

Tal inovação propõe também uma dissociação entre empresa e empresário com o objetivo de afastar o dirigente negligente e tentar a reorganização da empresa.

A relevância que uma empresa possui para a economia de um país é muito grande. Portanto, é de suma importância que uma empresa não tenha sua falência decretada, posto que gera empregos, impostos, divisas, etc.

Assim, a importância da Nova Lei de Falência, está na possibilidade de empresas viáveis terem oportunidade de continuar a existir, sem o caráter coercitivo do pedido.


NOTAS

  1. LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de direito falimentar. Rio de Janeiro: Freitas Bastos. 1971. p. 27.
  2. ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e concordata. São Paulo: Saraiva. 1996. p. 3.
  3. LACERDA, J. C. Sampaio de. op. cit. p. 33
  4. ALMEIDA, Amador Paes de. op. cit. p. 6
  5. Fábio Conder Comparato. "Função social da propriedade dos bens de produção." Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: n. 63. p. 71.
  6. Ruiz, Manoel Olivência. La reforma del derecho de quiebra. Espanha: p. 122. Apud Abrão, op. Cit. p. 32.
  7. Brasil. Projeto de Lei n. 4.376 de 1993. Publicado no Diário Oficial do Congresso Nacional em 22 de fevereiro de 1994. Seção I. Brasília: pp. 1974-1988.
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Sobre os autores
Georgina Maria Thomé

advogada, professora do Centro Universitário de Rio Preto (UNIRP), mestranda em Direito Empresarial pela UNIFRAN

Carla Fernanda de Marco

advogada em São José do Rio Preto (SP), mestranda em Direito das Relações Internacionais pela PUC/SP

Paulo José Simão Cury

acadêmico de Direito (UNIRP), pesquisador em iniciação científica

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

THOMÉ, Georgina Maria ; MARCO, Carla Fernanda et al. Falência e sua evolução:: da quebra à reorganização da empresa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 41, 1 mai. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/760. Acesso em: 22 dez. 2024.

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