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Fraseologia latina

18/02/2020 às 14:20
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Juntamente com o latim, a civilização romana herdou-nos as noções fundamentais do direito.

Preâmbulo

É superior a toda a questão a real importância do classicismo na vida dos povos de cultura latina. Em especial nas esferas do Direito, cujo berço predestinado foi Roma, mostra-se-lhe patente a influência.

O “Corpus Juris Civilis”, repositório inestimável de leis mandadas compilar pelo Imperador Justiniano(483–565), difundiu, por todo o orbe, as regras e rudimentos assim do Direito como da língua latina[1].

Foi, pois, no idioma de Cícero que nossos maiores tiveram o primeiro contacto com as ciências jurídicas. Obrigados a conhecer o Latim, não era muito entrassem também a cultivá-lo e prezar-lhe sobremodo a rica forma literária, sem deslustre para a língua vernácula.

Daqui veio a praxe, entre os que fazem profissão da vida forense, de empregar em seus escritos e arrazoados, sempre com discrição, em lhes caindo a lanço, as soberbas vozes latinas.

Aos que falamos Português — “Última flor do Lácio”, no feliz verso do poeta[2] — não nos haverá decerto repugnar matéria que respeite à língua materna. Eis por que, neste singelo opúsculo, ousei tratar, ainda que “per summa capita”, de pontos referentes à Latinidade; deponho-lho aos pés, “data venia”, benévolo e paciente leitor. “Vale”!


I. Fraseologia Latina

Juntamente com o Latim (idioma que falava o povo do Lácio, antiga região da Itália), a civilização romana herdou-nos as noções fundamentais do Direito. Nessa língua, mercê de sua concisão e majestade, correm os aforismos ou brocardos jurídicos. Nela foi também que Marco Túlio Cícero, o mais eloquente advogado que o mundo nunca viu, pronunciou suas belíssimas e imortais orações[3]. Não admira, pois, que os artífices do Direito, ao elaborar suas petições, escritos e arrazoados, continuem a servir-se da voz latina, sempre que lhes venha a propósito, “cum caute et judicio”.

I – Palavras e Locuções de uso frequente no Foro

1. A contrario sensu – Expressão latina que significa: pela razão contrária, pelo contrário, ao contrário sentido. Exs.: “Desta disposição se induz argumento a contrario sensu em favor da doutrina do Direito Romano exposta no texto” (Conselheiro Lafaiete Rodrigues Pereira, Direito das Coisas, 1977, vol. I, p. 150); “Donde,ao contrário sentido, a ignorância das tais cousas impertinentes e supérfluas e prejudiciais é discreta” (Heitor Pinto, Imagem da Vida Cristã, 1940, vol. III,p. 10)

2. Ad hoc – Para isto, para este caso. Ex.: “Se o promotor, invadindo as atribuições da defesa, solicitar a absolvição do réu, cumpre ao juiz presidente do tribunal declarar vaga a cadeira da acusação e nomear um promotor ad hoc que a desempenhe” (Inocêncio Borges da Rosa, Processo Penal Brasileiro, 1942,vol. III, p. 116).

3. Ad perpetuam rei memoriam – Para a perpétua memória do fato. Ex.: “As vistorias, arbitramentos e inquirições ad perpetuam rei memoriam serão determinados mediante prévia ciência dos interessados (…)” (art. 684, parágrafo único, do Código de Processo Civilde 1939).

4. Alea jacta est – A sorte está lançada. Célebres palavras que, no ano 49 a.C., pronunciou Júlio César, um dos maiores vultos da História, ao atravessar o Rubicão, pequeno rio que separava a Itália da Gália Cisalpina. Emprega-se quando alguém, após certa hesitação, toma decisão importante, ousada e irrevogável.

5. Alibi – Em outro lugar, alhures, longe do localdo crime. Pronúncia: álibi. “Em Direito: ausência do acusado no lugar do crime, provada por sua presença noutro lugar. Já considerada palavra vernácula (álibi) por muitos dicionaristas” (Paulo Rónai, Não Perca o seu Latim, 1980, p. 23; Editora Nova Fronteira). Está no caso o lexicógrafo Antônio Houaiss, que registrou o vocábulo, aportuguesando-o: “Álibi – Defesa que o réu apresenta quando pretende provar que não poderiater cometido o crime por, p.ex., encontrar-se em local diverso daquele em que o crime de que o acusamfoi praticado (um vizinho proporcionou-lhe o á.de que precisava)” (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 1a. ed.; v. álibi). Diz-se também “negativa loci”: O álibi (ou “negativa loci”) constitui exceção de defesa e, pois, cabe ao réu o ônus da prova, aliás não se eximirá da tacha de réu confesso (art. 156 do Cód. Proc. Penal). Isto de álibi, “quem alega deve prová-lo, sob pena de confissão”, adverte Damásio E. de Jesus (Código de Processo Penal Anotado, 23a. ed., p. 159).

6. Animus necandi – Intenção de matar; intuito homicida. O mesmo que animus occidendi. Ex.: “Não se pode deduzir o animus necandi da natureza dos meios empregados (…)” (Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal, 1981, vol. V, p. 73).

7. Caput – Cabeça, em latim. Pronuncia-se “cáput”. Indica o tipo fundamental da espécie delituosa. Assim,  o art. 121, “caput”, do Código Penal trata do homicídio simples.

8. Communis opinio doctorum – A comum opinião (sentir ou entendimento) dos doutores. Ex.: “É o ensinamento geral dos juristas, a communis opinio doctorum, e menção expressa de alguns Códigos Civis” (Orosimbo Nonato, A Coação como Defeito do Ato Jurídico, 1957, p. 275; Editora Forense).

9. Cum grano salis – “Com um grão de sal, isto é, com um pouco de brincadeira, não inteiramente a sério” (cf. Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, 11a. ed.; Apêndice). Ex.: “Trata-se, porém, de um raciocínio imperfeito ou que deve ser aceito cum grano salis: (…)” (Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal, 1980, vol. VII, p. 187); “Mas a distinção precisa ser entendida cum grano salis” (Costa e Silva, Comentários ao Código Penal, 1967, p. 100).

10.  Data venia. Locução latina, que se traduz por: com o devido respeito, concedida vênia, etc. Não leva acento em latim (venia); leva-o, porém, em português (vênia). Expressões equivalentes: venia petita, concessa venia, data maxima venia, etc.

11.  De cujus – Primeiras palavras da expressão tradicional de cujus successione agitur. Aquele de cuja sucessão se trata. É o autor da herança, o falecido. Se mulher, será também de cujus: a de cujus. É para evitar o que praticou aquele bisonho advogado, em petição de inventário: O de cujus deixou uma “de cuja” e dois “de cujinhos” (…).

12.  Ex adverso – Do lado contrário; do adversário. Termo da língua forense que designa o advogado da parte contrária. Não diga ex adversus. Ex é preposiçãolatina que rege o caso ablativo; portanto: ex adverso. Exemplo: o Código de Ética manda tratar com urbanidade o advogado ex adverso, ou da parte contrária (art. 44).

13.  Flatus vocis – Sopro de voz. Ex.: “(…) se reduziria a um flatus vocis, a uma expressão vazia de sentido, a um preceito falecido de eficácia” (Orosimbo Nonato, in Revista Forense, vol. 91, p. 98).

14.  Fumus boni juris – Fumaça do bom direito (ou justa causa). “Sem o fumus boni juris, a providência cautelar se torna inviável” (José Frederico Marques, Elementos de Direito Processual Penal, 1965, vol. IV, p. 15).

15.  In verbis ­– Locução latina empregada amiúdenos escritos forenses, que se traduz por: nestas palavras, textualmente, etc. Expressões de igual sentido e força: “Ipsis verbis” – Por estas mesmas palavras, textualmente, à letra ou ao pé da letra, fielmente; “Ipsis litteris” – Com as mesmas letras. Ex.: Transcreveu “ipsis litteris” o despacho agravado, isto é, exarou-lhe o teor com exatidão e fidelidade, pontualmente. (A grafia “litteris” é melhor que “literis”). “Ad litteram” – Letra a letra, literalmente, sem mudar nem omitir palavra. Ex.: Reproduziu a Defesa “ad litteram” os passos capitais do acórdão revidendo. “Ipsis litteris virgulisque” – Expressão latina que, traduzida em vulgar, quer dizer: com as mesmas letras e vírgulas. “Ad verbum”, “e verbo”, “de verbo pro verbo” – Literalmente, à letra, palavra por palavra. “Verbatim” – Literalmente. “Verbo ad verbum” – Palavra por palavra.

16.  Lato sensu – Em sentido amplo. Antônimo: stricto sensu (em sentido estrito). Aqui vem a ponto o reparo de Eliasar Rosa: “Para guardar essas grafias corretas, e não escrever, ou dizer, strictu senso e lato senso, há um meio mnemônico. Basta lembrar que, no alfabeto, a letra o vem antes da letra u” (Os Erros mais Comuns nas Petições, 9a. ed., p. 240).

17.  Non liquet – Não está claro; não convence; estou em dúvida; a coisa não está bem esclarecida. Abreviadamente: N.L. No processo criminal romano, por ocasião da votação no julgamento de um acusado, entregava-se a cada jurado uma tabuinha de madeira revestida de cera, na qual, sem se comunicar com o seu colega, inscrevia a letra A. (absolvo), ou a letra C. (condemno) ou as letras N.L. (non liquet): não está esclarecido (cf. V. César Silveira, Dicionário de Direito Romano, 1957, vol. II, p. 456). “Quando a hipótese de inocência não está subordinada a suposições totalmente gratuitas ou despropositadas, ao arrepio do curso normal dos acontecimentos, terá de ser pronunciado o non liquet e absolvido o acusado” (Nélson Hungria, in Revista Forense, vol. 138, p. 339).

18.  Prima facie – “Ao primeiro aspecto” (Saraiva, Dicionário Latino-Português, 9a. ed., p. 469); à primeira vista; à prima vista; à primeira face; ao primeiro lanço; ao primeiro olhar; ao primeiro súbito de vista; à primeira visada; ao primeiro lancear de olhos, ictu oculi, etc. Exemplos: “Bom êxito é o que, ao primeiro aspecto, se diria expressar ali o termo sucesso” (Rui Barbosa, Réplica, nº 453); “Essas duas opiniões (…), posto que à primeira vista pareçam repugnantes, vêm a dizer o mesmo” (Heitor Pinto, Imagem da Vida Cristã, 1940, vol. II, p. 200); “Grande dificuldade de à prima vista negar a procedência etimológica de tal ou qual vocábulo” (Ernesto Carneiro Ribeiro, Estudos Gramaticais e Filológicos, 1957, p. 92); “Todos estes termos estão à prima face mostrando que Deus (…)” (Manuel Bernardes, Nova Floresta, 1726, t. IV, p. 151); “Esta razão não é tão judiciosa como parece ao primeiro lanço” (Camilo, Aventuras de Basílio Fernandes Enxertado, 1907, p. 8); “(…) podia parecer, ao primeiro súbito de vista, que só asentença lhes serve de causa, àquelas nulidades” (Orosimbo Nonato, Da Coação como Defeito do Ato Jurídico, 1957, p. 277); “Onde encontrar apoio para reconhecimento de direito líquido e certo, perceptívelà primeira visada (…)” (Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 41, p. 487); “Agora, veja Mário Barreto se este trecho do eminente prelado não está, ainda que o não pareça ao primeiro lancear de olhos, no mesmo caso dos apontados como defeituosos” (Melo Carvalho, in Revista de Língua Portuguesa,nº 12, p. 136); “Não existe o crimen falsi quando a mutatio veri é reconhecível ictu oculi ou prima facie” (Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal, 1980, vol. VII, p. 216).

19.  Quandoque bonus dormitat Homerus – Às vezes até o bom Homero toscaneja. Também os sábios erram. Todos conjugamos o verbo errar. Emprega-se no sentido figurado este verso de Horácio (Arte Poética, v. 359) para significar que ainda nas obras dos homens de gênio há fraquezas e imperfeições. É o tributo à “eterna falibilidade humana, cujos estigmas ninguém evita neste mundo” (Rui Barbosa, Réplica, nº 10).

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20.  Vexata quaestio – Questão muito controvertida. Ex.: “(…) a síntese enunciada merece repetida como tomada de posição na perdifficilis ac vexata quaestio” (Orosimbo Nonato, Da Coação como Defeito do Ato Jurídico, 1957, p. 74). Pron.: vekçata qüéstio.

II – Brocardos Jurídicos

1. Ad impossibilia nemo tenetur – Ou: Ad impossibile nemo tenetur. Máxima de jurisprudência. Tradução: Ninguém é obrigado ao impossível; a cada um, segundo suas forças; quem faz tudo quanto está em suas mãos (ou em suas posses) não pode ser obrigado a mais.

2. Allegare nihil, et allegatum non probare paria sunt – Em vulgar tem esta significação: Nada alegar, ounão provar o alegado, tudo é um. “Não esquecer a advertência de Maynz, de que o magistrado não acredita em nada, tudo deve ser provado” (Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil, 3a. ed., Parte Geral, p. 257).

3. Audiatur et altera pars – Seja também ouvida a parte contrária. Famoso aforismo jurídico em que assentao denominado princípio do contraditório, que é a “ciência bilateral dos atos e termos processuaise possibilidade de contrariá-los” (Joaquim Canuto Mendes de Almeida, A Contrariedade na Instrução Criminal, 1937, p. 110). Ver também Inaudita altera parte.

4. Cogitationis poenam nemo patitur – Aforismo jurídico. Ninguém pode ser punido por pensar. Reproduziu-o elegantemente, num lugar de sua estimada obra, o saudoso Prof. E. Magalhães Noronha: “O que se passa no foro íntimo de uma pessoa não é dos domínios do Direito Penal. Persiste ainda hoje a máxima de Ulpiano – Cogitationis nemo poenam patitur. Ou como falam os italianos – Pensiero non paga gabella (o pensamento não paga imposto ou direito). Em intenção todos podem cometer crimes” (Direito Penal, 1963, vol. I, p. 154).

5. Cui prodest? – A quem aproveita? Palavras extraídas do conhecido verso de Sêneca: Cui prodest scelus, is fecit. Procurai a quem aproveita o crime, e encontrareis o culpado (cf. Arthur Rezende, Frases e Curiosidades Latinas, 1955, p. 188). Cassiano, famoso jurisconsulto de Roma, “quando se devassava de algum homicídio, costumava aconselhar e era acostumado a dizer: Que se atendesse a quem a morte fora de utilidade, e aesse se atribuísse” (Cícero, Orações, 1948, p. 15; trad. Pe. Antônio Joaquim).

6. De minimis non curat praetor – O pretor não se ocupa de questões insignificantes. Não só o pretor (nome por que na Roma antiga se conheciam os magistrados), também os membros do Ministério Público e os advogados caem sob a jurisdição do sobredito preceito. É de péssimo exemplo fazer caso e cabedal de ninharia; não há dar peso à fumaça.

7. Inaudita altera parte – Sem ouvir a parte contrária. “Em ambos os casos, porém, a tramitação procedimental se opera inaudita altera parte” (José Frederico Marques, Elementos de Direito Processual Penal, 2a. ed., vol. IV, p. 62; Millennium Editora). Nota: Exemplo de sintaxe latina denominada ablativo absoluto, deve grafar-se a frase inaudita altera parte (e não pars); os nomes e os adjetivos empregam-se no caso ablativo (parte). Ver também Audiatur et altera pars.

8. In dubio pro reo – Na dúvida, em favor do réu. Somente a certeza pode ensejar condenação; dúvida, em Direito, significa o mesmo que ausência de prova. Daqui por que sabiamente dispunha o art. 36 do Código Criminal do Império do Brasil: “Nenhuma presunção, por mais veemente que seja, dará motivo para imposição de pena”. Lição, a mais de um respeito notável, de João Mendes Jr.: “A Defesa tem direitos superiores aos da Acusação, porque, enquanto houver uma dúvida, por mínima que seja, ninguém pode conscientemente condenar o seu semelhante” (Processo Criminal Brasileiro, 4a. ed., p. 388).

9. Juris praecepta sunt haec – Honeste vivere; neminem laedere; jus suum cuique tribuere. Os preceitos do Direito são estes: Viver honestamente; não ofender a ninguém; dar a cada um o que é seu. Aforismo extraído das Institutas do Imperador Justiniano (liv. I, tít. I, § 3º).

10.  Necessitas non habet legem – “Frase do famoso Santo Agostinho, autor das Confissões, que se traduz por:A necessidade não conhece leis” (R. Magalhães Jr., Dicionário de Provérbios e Curiosidades, 1960, p. 181). “A necessidade exige do homem o que quer” (Públio Siro, Máximas, 1936, p. 89; trad. Remígio Fernandez). Forma variante: Necessitas caret lege:A necessidade não se sujeita às leis. É causa excludente de ilicitude jurídica (art. 23, nº I, do Cód. Penal).

11.  Nemo tenetur se detegere. Ninguém é obrigado a acusar-se. Fórmula variante: Accusare nemo se debet nisi coram Deo. Tradução: Ninguém é obrigado a acusar a si próprio, salvo perante Deus. Donde a exortação de Jacques Isorni: “Reservemos a confissãoà Justiça do Altíssimo e o silêncio à dos homens”(apud Eliasar Rosa, Dicionário de Conceitos para o Advogado, 1974, p. 63).

12.  Non bis in idem – Não duas vezes pela mesma razão. Variante: Ne bis in idem. Apotegma de Jurisprudência pelo qual ninguém pode ser duas vezes punidopelo mesmo crime. Lê-se em José Frederico Marques: “Um dos efeitos de litispendência é o de impedir o desenrolar e a existência de um segundo processo para o julgamento de idêntica acusação. Resulta, pois, da litispendência, o direito processual de arguir o bis in idem, mediante exceptio litis pendentis” (Elementos de Direito Processual Penal, 2a. ed., vol. II, pp. 264-265).

13.  Onus probandi – “A obrigação de provar. O onus probandi compete a quem afirma; cabe ao acusador e não ao acusado. Onus probandi ei qui dicit – O ônusda prova compete a quem alega” (Arthur Rezende, op. cit., p. 547). “A prova da alegação incumbirá a quem a fizer”, reza o art. 156 do Código de Processo Penal.

14.  Qui tacet, consentire videtur – Velha máxima que,em português, responde assim: quem cala consente. Embora direito seu (cf. art. 5º, nº LXVIII, da Constituição Federal), vai mal-advertido o réu que, dando de mão à primeira oportunidade de autodefesa, na Polícia, prefere ficar calado (ou mudo como um peixe). É que a própria razão natural o intima a defender-se com o vigor da palavra, sobretudo se inocente. Ilustra-o que farte o soberbo lugar do Pe. Antônio Vieira: “É cousa tão natural o responder, que até os penhascos duros respondem, e para as vozestêm ecos. Pelo contrário, é tão grande violência não responder, que aos que nasceram mudos fez a natureza também surdos, porque se ouvissem, e não pudessem responder, rebentariam de dor” (Cartas, 1971, t. III,p. 680; Imprensa Nacional; Lisboa).

15.  Quod abundat non nocet – O que é em abundâncianão prejudica. O que abunda não dana. Famigerado aforismo jurídico, de curso frequente nos pleitos judiciais, serve de alvitre aos que devem desempenhar-‑se do ônus da prova, ou demonstrar uma alegação. Melhor é que sobejem provas (ou argumentos), em prol da causa, do que escasseiem. Há situações, contudo, em que se mostra o brocardo contraproducente; prevalecerá então o virtus in medio (a virtude é o meio termo). O que é em excesso desvirtua. Até a mesma bondade morre do excesso. O muito é muito, lembra o adágio português, Il tanto nuoce, recitam os italianos, como se quisessem dizer: o muito prejudica. Ainda: Ne quid nimis (Terêncio). Nada de mais; em nada o demasiado. Todo o excesso é uma imperfeição. Tão mau é o sobejo, como o minguado (cf. Arthur Rezende, op. cit., p. 459).

16.  Reformatio in pejus – Reforma para piorar (a sorte do réu). É a “reforma empiorativa da sentença”, no dizer de Eliézer Rosa (Dicionário de Processo Penal, 1975, p. 184). Sendo o acusado o que unicamente recorreu, não pode a superior instância prover-lhe o recurso para prejudicá-lo.

17.  Res sacra reus – O réu é entidade sagrada. Por este princípio, ainda o mais vil dos homens tem direito à proteção da lei.

18.  Secundum id quod plerumque accidit – Segundoaquilo que geralmente sucede. À luz da experiênciacomum; conforme a observação material dos fatos; na conformidade da ciência experimental; de acordo coma lição da experiência vulgar. Ex.: “O homem normal deve ser entendido sob um ponto de vista estatístico, isto é, tendo-se em conta id quod plerumque accidit” (Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal, 1978, vol. I, t. II, p. 188).

19.  Summum jus, summa injuria – Justiça excessiva é injustiça. Esta parêmia traz Cícero em seu Tratado dos Deveres (liv. I, cap. XI, p. 29; trad. Miguel Antônio Ciera): “(…) donde teve origem o provérbio a suma injustiça se converte em iniquidade”. Isto mesmo sentia Salomão, “o mais sábio de todos os que nasceram” (Antônio Vieira, Sermões, 1959, t. IX, p. 256): Noli esse justus multum (Ecl 7,17). Não sejas por demasiado justo.

20.  Testis unus, testis nullus – Uma só testemunha, testemunha nenhuma. Faz ao acaso a lição do Conselheiro Ramalho: “Uma só testemunha regularmente não prova o fato; e daí resulta a regra – dictum unius, dictum nullius, ainda que o depoente seja dotado de grande bautoridade e dignidade” (Praxe Brasileira, 1869,pp. 311-312).

21.  Vim vi repellere licet – É lícito repelir a força com a força. Argumento que se invoca para os casos de legítima defesa (art. 25 do Cód. Penal). Matar, para não morrer, não é crime! Ulpiano, célebre jurisconsulto, deixou escrito para todo o sempre que a razão natural permite ao indivíduo defender-se: Naturalis ratio permittit se defendere (cf. José Eduardo Fonseca, Justiça Criminal, 1925, p. 10).

A legítima defesa, afirmou Cícero num rapto de eloquência, não tem história, porque é uma lei sagrada, que nasceu com o homem, anterior à tradição e aos livros, gravada que está no código imortal da natureza (cf. “Pro Milone”, cap. IV).

Todas as leis e todos os direitos permitem repelir a força pela força, escreveu no bronze eterno o jurisconsulto Paulo: “Vim vi defendere omnes leges omniaque jura permittunt” (Dig. 9,2).

Isto mesmo significou o elegante Manuel Bernardes: “A justiça concede a todos repelir a força com a força” (Nova Floresta, 1726, t. IV, p. 207).

De igual sentir, o imenso Vieira: “Haveis de ferir necessariamente a quem vos afrontou, porque a mancha de uma bofetada no rosto só com o sangue de quem a deu se lava” (Sermões, 1959, t. XIII, p. 135).

Aquele, portanto, que for injustamente agredido (ou estiver na iminência de sê-lo) poderá afastar seu agressor até com violência, que o autoriza a lei. É a clara dicção do art. 23, nº II, do Código Penal.

Oráculo do Direito Penal pátrio, escreveu Nélson Hungria: “Tanto na legítima defesa, quanto no estado de necessidade, não há crime, o que vale dizer: o fato é objetivamente lícito” (Comentários ao Código Penal, 1981, vol. V, p. 92).

Todavia, quem invoca a descriminante da defesa própria, a esse cabe demonstrá-la acima de dúvida, que a falta aqui de prova equivale a confissão de crime.


Bibliografia

Arthur Rezende, Frases e Curiosidades Latinas, 1955;

F.R. dos Santos Saraiva, Novíssimo Dicionário Latino-‑Português, 9a. ed.;

Giuseppe Fumagalli, Chi l’ha detto?, 1995;

Hildebrando de Lima e outros, Pequeno Dicionário Brasileiro da  Língua Portuguesa, 11a. ed.;

Isidoro de Sevilha, Etimologias, 1983, 2 vols.;

L. de-Mauri, Flores Sententiarum, 1926;

Napoleão Mendes de Almeida, Dicionário de QuestõesVernáculas, 1981;

Paulo Rónai, Não Perca o seu Latim, 5a. ed.;

Rafael Bluteau, Vocabulario Portuguez e Latino, 1712,  10 vols.;

R. Magalhães Júnior, Dicionário de Provérbios e Curiosidades, 1960;

V. César da Silveira, Dicionário de Direito Romano, 1957, 2 vols.


Notas

[1] Ao Latim chamou-lhe veneranda tradição “língua dos deuses e dos sábios”; e também a “única língua julgada digna de ser escrita” (Ferdinand Lot; apud Carlos Bechinski, Latim, 5a. ed., p. 33). A nós basta-nos a asserção da crítica avisada: “(...) é a língua latina a mãe do nosso formoso idioma português” (Pe. Mílton Valente, Ludus Primus, 20a. ed., p. 3).

[2] Do soneto “Língua Portuguesa”, de Olavo Bilac (1865–1918).

[3] Ao advogado criminalista muito aproveitará a leitura dos discursos de defesa de Cícero, modelos acabados da arte de argumentar e convencer. Dentre esses têm lugar conspícuo os seguintes: Pro Milone(*), Pro Roscio Amerino, Pro Q. Ligario, Pro Archia, etc. Tito Lívio “tributou à sua memória a maior homenagem, declarando que, para elogiar Cícero, só o talento do próprio Cícero” (César Zama, Três Grandes Oradores da Antiguidade, 1896, p. 585).

(*)  Pleito em favor do assassino de Clódio; este discurso é considerado o mais belo de Cícero (Bernardo H. Harmsen, Cícero, Antologia, 1959, p. 10).

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Sobre o autor
Carlos Biasotti

Desembargador aposentado do TJSP e ex-presidente da Acrimesp

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BIASOTTI, Carlos. Fraseologia latina. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6075, 18 fev. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/79571. Acesso em: 18 abr. 2024.

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