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O IVA e uma reforma tributária

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16/03/2020 às 19:02
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No Mercosul, o Brasil é o único país que não tem um imposto simplificado, como o IVA. Fala-se que com a implementação de um tributo único, seria possível melhorar a dinâmica de arrecadação, facilitar os investimentos e diminuir a sonegação fiscal.

I – O IVA

Para os seus defensores, o IVA (Imposto Sobre Valor Agregado) é um tributo unificado que facilita a arrecadação e diminui a burocracia. Em vez de usar diversos tributos que incidem sobre bens e serviços (PIS, COFINS, ICMS, IPI e ISS), ocorre a incidência de apenas um imposto.

Esse é um modelo de tributação bastante comum em diversos países do mundo – incluindo os países da União Europeia, Mercosul, Canadá, Índia, Nova Zelândia e vários outros. Trata-se de um imposto que facilita a arrecadação – bastante diferente do sistema de tributação indireta com impostos separados para a União, para os estados e para os municípios.

No Mercosul, o Brasil é o único país que não tem um imposto simplificado, como o IVA. Fala-se que com a implementação de um tributo único, seria possível melhorar a dinâmica de arrecadação, facilitar os investimentos e diminuir a sonegação fiscal.


II – ASPECTOS POSITIVOS E NEGATIVOS

Os especialistas apontam aspectos positivos e negativos.

Positivos

1. Redução do risco de competição desleal e da informalidade: como o ICMS pode ser, em alguns casos, recolhido na fase industrial da cadeia produtiva, o estímulo para a venda sem nota fiscal ao consumidor é reduzido, o que beneficia as empresas formalizadas e éticas, grande maioria dos casos no Varejo;

2. Redução da burocracia tributária: a estrutura de arrecadação pode ser maximizada em sua eficiência com menos recursos utilizado, pois o número de estabelecimentos a ser fiscalizado cai substancialmente;

3. Resposta a parte da guerra fiscal estadual: reduz a possibilidade de cobranças de créditos e as discussões em operações interestaduais entre distribuidoras, varejistas e indústrias.

Negativos

1. Potencial unilateral de aumentos na carga tributária: basta o governo do estado definir nova margem de negociação (novo IVA) e automaticamente o ICMS aumenta, sem que haja necessidade de mudança de alíquotas e sem a discussão que deveria ser feita entre executivo e legislativo na questão;

2. Suposição de uma margem única de negociação em todo estado: como o IVA é definido por produto, existe no processo a suposição que todos os estabelecimentos varejistas do estado, em qualquer lugar, têm a mesma estrutura de custos e pratica a mesma margem de venda, o que fica muito distante da realidade e engessa muito o potencial de fazer política de preços de cada empresa, dado que isso não vai alterar o custo do ICMS no produto;

3. Redução do Capital de Giro do Varejo: o varejo já recebe o produto com o ICMS da indústria e da venda final retido, ou seja, em relação ao modelo tradicional, o custo de aquisição de mercadorias sobe. Isso faz com que o varejista tenha menos dinheiro em caixa para sustentar sua operação após a aquisição de estoques;

4. Cobrança do ICMS sem base em fato gerador efetivo: o varejista já pagou o ICMS da venda da mercadoria antes mesmo da venda ser realizada, pois a indústria recolheu antecipadamente, como substituto do varejo;

5. Pouca transparência para o consumidor: o sistema tributário brasileiro é pouco transparente, ou seja, o consumidor final tem pouca noção do que é o custo do produto e do que é tributo no preço.

O ST torna essa falta de informação ainda mais perniciosa.


III – A SUBSTITUIÇÃO GRADUAL DO ICMS PELO IVA

A proposta do IVA prevê que o ICMS seja substituído gradualmente numa fase de transição de cinco anos, no qual novas regras seriam definidas e um novo ICMS seria utilizado. O lado positivo é que haveria uma suposta padronização das alíquotas e regras em âmbito nacional.

Desta forma, quem realiza vendas entre Estados seria muito beneficiado, uma vez que a burocracia seria reduzida, principalmente no caso do diferencial de alíquota (Difal) que é realizado quando há movimentação de produtos e mercadorias entre empresas ou consumidores pertencentes a unidades federativas diferentes.

Por outro lado, como o ICMS é a fonte de capital primária dos Estados e responde, hoje, por cerca de R$ 400 bilhões de reais sozinho todos os anos (20% do total de impostos pago pelos brasileiros), certamente é um tributo que não deixará de ser arrecadado, até porque há previsão em aumentar o PIB e esse crescimento é amparado pelo maior volume recolhido.

Um fato curioso é que o ICMS passaria a ser exclusivamente arrecadado pelo estado de destino do produto ou serviço e não mais também pelo remetente, porém os detalhes deste ponto seriam discutidos futuramente em uma nova legislação.


IV – OS EFEITOS PERNICIOSOS DO IVA

O aumento do IVA traria, de forma irremediável, diminuição do poder de compra. Ademais, o IVA, por afeta todos os cidadãos, todas as pessoas e empresas que consomem bens e serviços traria enormes percalços. É um imposto que tributa a todos, e mais aos que têm um nível mais baixo de compras ou uma renda mais baixa. Proporcionalmente, os agregados familiares com os rendimentos mais baixos devem dedicar uma percentagem maior do seu rendimento à compra de produtos do que as famílias com rendimentos médios-altos.


V  – O NOVO IBS

Virá o novo IBS.

Há duas propostas de PEC na matéria.

De acordo com texto da PEC 45, o IBS terá as seguintes características:

I. incidirá sobre base ampla de bens, serviços e direitos, tangíveis e intangíveis, independentemente da denominação, pois todas as utilidades destinadas ao consumo devem ser tributadas;

II. será cobrado em todas as etapas de produção e comercialização, independentemente da forma de organização da atividade;

III. será totalmente não cumulativo;

IV. não onerará as exportações, já que contará com mecanismo para devolução ágil dos créditos acumulados pelos exportadores;

V. não onerará os investimentos, já que crédito instantâneo será assegurado ao imposto pago na aquisição de bens de capital;

VI. incidirá em qualquer operação de importação (para consumo final ou como insumo);

VII. terá caráter nacional e legislação uniforme, sendo instituído por lei complementar e tendo sua alíquota formada pela soma das alíquotas federal, estadual e municipal;

VIII. garantirá o exercício da autonomia dos entes federativos por meio de lei ordinária que altere a alíquota de competência do respectivo ente;

IX. terá alíquota uniforme para todos os bens, serviços ou direitos no território do ente federativo;

X. nas operações interestaduais e intermunicipais pertencerá ao Estado e ao Município de destino.

Por outro lado, tem-se a PEC 110.

A diferença fundamental entre as duas propostas está na quantidade de tributos que serão substituídos pelo imposto criado.

A PEC 110 propõe a criação de um imposto estadual, denominado — também— Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS); entretanto, os tributos agregados são 9: IPI, IOF, PIS/Pasep, Cofins, Salário-Educação, Cicie Combustíveis, ICMS estadual e o Imposto sobre Serviços — ISS municipal.

Além disso, o texto propõe a criação de um imposto seletivo (ponto também abordado na PEC 45) , com as características extrafiscais do IPI. Ou seja, um imposto que tem como objetivo o estímulo ou desestímulo de comportamentos sociais, ou proteção de algum determinado setor econômico.

Por exemplo, a cobrança do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), de competência federal, sobre derivados do tabaco — que, de acordo com a TIPI 2019, tem alíquota de 300% em cigarros e cigarrilhas — atua como inibidora do tabagismo.

Em consonância:

“O Imposto Seletivo, por sua vez, incidirá sobre produtos específicos, como petróleo e derivados; combustíveis e lubrificantes; cigarros; energia elétrica e serviços de telecomunicações”.

Além do mais, através de legislação complementar, será definido quais serviços e produtos serão incluídos na cobrança do imposto seletivo.

Ademais, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), tributo de competência federal, que incide sobre o lucro líquido do período, antes da provisão do imposto de renda das pessoas jurídicas, será incorporada ao Imposto de Renda (IR).

O texto dispõe sobre a característica de progressividade da reforma, devido a incidência do IPVA em aeronaves e embarcações (com exceção de veículos comerciais destinados à pesca e ao transporte público), afetando as classes com maior poder aquisitivo.

Outro fator que diferencia as duas Propostas de Emenda a Constituição é o período de transição. Enquanto a PEC 45/2019 institui um período de 10 anos, a PEC 110/2019 propõe o intervalo de 15 anos.


VI – AS CRÍTICAS ÁS PROPOSTAS

A proposta atual tem como base o texto da Câmara e prevê dois pontos que estão na contramão do que deve ser feito. Reduz os impostos dos bancos e causa um choque de preços e de renda nos demais setores, aumentando os impostos sobre o consumo das famílias, com maior impacto nas de menor renda: um total disparate!

Estima-se um aumento expressivo da carga tributária do setor de serviços: educação, 211%; transporte, 59%; profissionais autônomos, 460%; taxistas, 1.150%; dentre outros. Cabe destacar que esse é o setor que mais emprega no Brasil e onde estão concentrados os empregos de baixas qualificação e renda. Com esse aumento no custo dos serviços para a classe média haveria redução da demanda e desemprego nas classes mais baixas. Em resumo, haveria perda de renda para a classe média e desemprego nas regiões mais carentes. Como consequência, essas regiões necessariamente recorreriam a novas transferências compensatórias ou sobrecarregariam a assistência social e o seguro-desemprego.


VII – AS PROFUNDAS MUDANÇAS ESPERADAS

Seja lá como for, o IVA trará profundas mudanças no pacto federativo. O Brasil possui uma federação forte onde os Estados-membros, os municípios e o Distrito Federal de muito dependem do ICMS e do ISS.

Fica claro ainda o risco de aumento expressivo da sonegação fiscal com o novo modelo no destino. Acontece que as economias de diversas localidades consumidoras ainda são rudimentares, pautadas em serviços locais focados em atender pessoas físicas com base na circulação da renda oriunda das transferências. Não por menos, sua arrecadação também é precária, com baixa capacidade de fiscalização. Ou seja, parte da renda repartida pelos produtores com os consumidores poderia ser desperdiçada com o aumento da sonegação fiscal nessas localidades, inclusive de receitas que seriam destinadas à União, que também teria de promover aumento de alíquotas para compensar a perda global.


VIII – O ISS

O imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS), com exceção dos impostos compreendidos em circulação de mercadorias (ICMS), conforme o  art. 155, II, da CF/88 (ISSQN ou ISS), é um imposto brasileiro municipal, ou seja, somente os municípios têm competência para instituí-lo (Art.156, III, da Constituição Federal). A única exceção é o Distrito Federal, unidade da federação que tem as mesmas atribuições dos Estados e dos Municípios.

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O ISSQN tinha como fato gerador a prestação de serviço (por empresa ou profissional autônomo) de serviços que eram descritos na lista de serviços da Lei Complementar nº 116 (de 31 de julho de 2003).

Como regra geral, o ISSQN é recolhido ao município em que se encontra o estabelecimento do prestador. O recolhimento somente é feito ao município no qual o serviço foi prestado (ver o artigo 3º da lei complementar citada) no caso de serviços caracterizados por sua realização no estabelecimento do cliente (tomador), por exemplo: limpeza de imóveis, segurança, construção civil, fornecimento de mão de obra.

Os contribuintes do imposto são as empresas ou profissionais autônomos que prestam o serviço tributável, mas os municípios e o Distrito Federal podem atribuir às empresas ou indivíduos que tomam os serviços a responsabilidade pelo recolhimento do imposto.

A alíquota utilizada é variável de um município para outro.

A União, por meio da lei complementar citada, fixou alíquota máxima de 5% (cinco por cento) para todos os serviços.

A alíquota mínima é de 2% (dois por cento), conforme o artigo 88, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal.

A base de cálculo é o preço do serviço prestado.

A função do ISSQN é predominantemente fiscal. Mesmo não tendo alíquota uniforme, não se pode afirmar que se trata de um imposto seletivo.

O ISS possui como característica ser um imposto predominantemente fiscal, uma vez que tem como finalidade a arrecadação. É real já que a sua cobrança é realizada por causa do fato gerador. Também podemos destacar que ele é residual incide quando não tem a incidência de ICMS, IPI e IOF.

Outra característica importante é que ele é não vinculado ou seja o ente federativo, nesse caso, o Município não precisa fazer nenhuma atividade ou serviço em troca .E ainda convêm ressaltar que é um tributo indireto e direto dependendo da situação apresentada.

Vale ressaltar que o ISS tinha como fato gerador a prestação de serviços por pessoa jurídica ou profissional autônomo desde que estivesse elencado na lista anexa à Lei Complementar 116/2003.

O ex-presidente Michel Temer sancionou com vetos a lei de reforma do Imposto sobre Serviços de qualquer natureza (ISS). A reforma fixa em 2% a alíquota mínima do imposto e amplia a lista de serviços alcançados pelo ISS. O texto (Lei 157/2016 - Complementar) foi publicado no dia 30 de dezembro do corrente ano no Diário Oficial da União(obedecidos os princípios da legalidade e da anterioridade). O principal veto é sobre a arrecadação do ISS no local de consumo do serviço.


IX – A QUESTÃO DA SELETIVIDADE

  Como ficaria o princípio da seletividade e da não-cumulatividade na nova ordem?

O princípio da seletividade do imposto visa assegurar a aplicação de moderna técnica fiscal, que permita a utilização de alíquotas inversamente proporcionais à essencialidade das mercadorias e serviços. Lembrando a lição de Maria Lúcia Américo dos Reis e ainda José Cassiano Borges(O ICMS ao alcance de todos, 1991, pág. 57), as mercadorias e serviços considerados supérfluos poderão ser mais onerados pela tributação do que os essenciais ao atendimento das necessidades básicas da população.

O ICMS tem finalidade incontestavelmente fiscal, embora a Constituição Federal, em seu art. 155, §2°, III, permita a seletividade em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços. A utilização ou não do princípio da seletividade, deverá ser realizada pelo legislador estadual, no momento da criação da lei regulamentadora do imposto, em seu ente federativo. O objetivo de tal delegação da União, fora diminuir as desigualdades regionais, possibilitando aos Estados dispor sobre sua hipótese de incidência, arrecadação e utilização do imposto em benefício da população local, consubstanciado no artigo 3°, III, da Constituição Federal.

Sabe-se que serviços essenciais – como de energia e telecomunicações – não poderiam ter alíquotas superiores a de produtos considerados supérfluos, como cigarros, cosméticos e perfumes.

Na lição de Sacha Calmon Navarro Coelho(Comentários à Constituição de 1988 – Sistema tributário, 1990, pág. 238), quando discutiu sobre as alíquotas seletivas,  a seletividade no ICMS é facultativa. No IPI é obrigatória. Disse que no ICMS, a seletividade não poderá ser nem será muito ampla.

Assim, para Sacha Calmon Navarro Coelho, o ICMS é diferente do IPI. Neste a seletividade está intimamente ligada ao processo industrial e também às necessidades do consumo. No ICMS, a seletividade é relativa e olha para a população em primeiro lugar.

No IPI a seletividade está intimamente ligada ao processo individual e também as necessidades do consumo.

Realmente o Estado Membro não poderia, segundo o princípio da seletividade, estabelecer alíquotas majoradas para produtos considerados essenciais, como energia elétrica e telecomunicações.

Conforme leciona Hugo de Brito Machado: “dizer-se que um imposto é seletivo é apenas dizer que ele incide de forma diferente sobre os objetos tributados. A razão dessa incidência diferenciada é o que denominamos critério da seletividade”. O mesmo Hugo de Brito, agora citando Hugo de Brito Machado Segundo, afirma que “o caráter facultativo diz respeito apenas à seletividade, e não ao critério desta, se adotada”. E mais, “na verdade o ICMS poderá ser seletivo. Se o for, porém, essa seletividade deverá ocorrer de acordo com a essencialidade das mercadorias e serviços, e não de acordo com critérios outros, principalmente se inteiramente contrários ao preconizado pela Constituição. Em outros termos, a Constituição facultou aos Estados a criação de um imposto proporcional, que representaria ônus de percentual idêntico para todos os produtos e serviços por ele alcançados, ou a criação desse mesmo imposto com caráter seletivo, opção que, se adotada, deverá guiar-se obrigatoriamente pela essencialidade dos produtos e serviços tributados.  A seletividade é facultativa. O critério da seletividade é obrigatório” (Hugo de Brito Machado, Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988, 4ª edição, Dialética, São Paulo, 2001, p. 113).

Leve-se em conta que o ICMS, imposto estadual, é instrumento de ordenação político-econômico, onde se estimula a prática de operações ou prestações havidas por úteis ou convenientes ao País. É um instrumento extrafiscal de modo que deve ser direcionado de forma inversamente proporcional à essencialidade do produto ou da mercadoria.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. O IVA e uma reforma tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6102, 16 mar. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/80128. Acesso em: 18 abr. 2024.

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