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Verticalização partidária:

um golpe final de constitucionalidade

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Anteriormente, tive a satisfação de escrever um artigo sobre a verticalização partidária, expondo minha indignação quanto à aprovação da Emenda que objetiva a quebra da verticalização partidária e sua aplicação nas próximas eleições, sem cumprir o tempo de um ano para sua aplicação segundo o art. 16 da Constituição. Mas é com enorme prazer que vi um golpe de constitucionalidade feito pelo TSE no dia 03 de março de 2006: que decidiu manter a verticalização partidária, exatamente pelo disposto na Constituição e que levou, finalmente, à finalização da "novela", por decisão do STF no dia 22 de março do corrente ano. A decisão impede que a quebra da verticalização vigore nas eleições de outubro, ficando a Emenda para vigorar nas eleições de 2010. A decisão do Supremo foi em resposta a Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela OAB (09 de março), logo após a promulgação da emenda, no dia anterior.

É importante abordar esse assunto, já que, em ano de eleições, quase tudo é possível: é comum encontrar obras que, há muito estavam paradas, mas que agora se encontram na iminência de serem concluídas, mudanças constitucionais e outras não, e assim por diante. O ano de eleição é de praxe um sui generis, no qual quase tudo pode acontecer, até mesmo mudanças inconstitucionais.

No dia 25 de Janeiro do corrente ano, a Câmara dos Deputados aprovou, em primeiro turno (343 votos a favor e 143 contra), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 548/02) visando acabar com a obrigatoriedade de verticalização das coligações eleitorais que na verdade não é lei e sim uma interpretação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mas o que isso significa? Significa que a chamada verticalização obriga a repetição das alianças nacionais no estados, ou seja, a coligação que disputasse o cargo de presidente, teria que repetir, em todos os níveis (estadual e municipal), a mesma aliança, diminuindo o número de candidatos e fazendo uma coerência de campanha. Por exemplo (e somente como exemplo), se o PSDB se aliasse ao PFL para montar uma aliança, como meio de juntar as forças e concorrer somente com um candidato a presidente, a mesma aliança deverá ser repetida na disputa para Governador (PSDB e PFL), por exemplo. Com a derrubada da verticalização, candidatos a presidente deveriam surgir de pequenos partidos de oposição.

Se a manutenção da verticalização é bom ou ruim para o Brasil, isso não se limita ao sistema em si e sim nos candidatos que concorrem. Uma aliança pode ser benéfica ou não, de acordo com a qualidade política, visão, honestidade, lealdade, amor pelo país, princípios e ética de seus candidatos. De qualquer maneira, tudo indica que a manutenção da verticalização é importante, por questão de se manter uma harmonia das alianças nas disputas. Com isso, entende-se que cada partido continua seguindo a mesma corrente de pensamento, independente do candidato, o que reforçaria o intuito partidário e não cairia em uma contradição de pensamentos de um partido para outro. A repetição das alianças em todos os níveis, coibiria de certa maneira, o jogo de poder e alianças superficiais visando conquista de poder em eleições em que um candidato efetivamente deve ser eleito, mas que em outro nível não corre o risco de ganhar.

No entanto, importante frisar que a regra tem seus meios de ser trabalhada, de acordo com os interesses dos partidos. Por exemplo, se algum partido almeja muito um cargo para governador, simplesmente não coloca um candidato a presidente, podendo fazer as alianças e coligações que quiser na disputa para governador. Isso faz com que partidos tracem estratégias de acordo com seus interesses. Por outro lado, mesmo com essa ligeira abertura, acredito ser a verticalização positiva, pois evita uma liberdade sem limites de se aliar para presidente e não para governador, limitando a ação dos partidos, que terão de deixar de lançar um candidato a presidência, caso queiram lutar por outra aliança nos estados.

A citada PEC teve origem no Senado, no dia 08 de fevereiro, e foi aprovada sem mudanças também no segundo turno de votação na Câmara (após cinco sessões) para a conseqüente promulgação pelo Congresso Nacional. A aprovação sem mudanças evitou um eventual retorno ao Senado para aprovação, ganhando-se tempo. O entendimento do assunto é quase unânime de que isso fortaleceria a campanha de reeleição do atual presidente já que, apesar de que provavelmente enfrentaria um número maior de adversários (o que também contribuiria para diluir muitos votos em candidatos que efetivamente não concorrem), poderia contar com o apoio dos partidos da base aliada, caso fosse mantida a quebra.

O objeto principal da Emenda seria eliminar as divergências de interpretação da Constituição, para que não abrisse margem de entendimento no sentido de que, a partir da mudança, os partidos teriam autonomia para definir os modos de escolha e o regime das suas coligações, não havendo obrigatoriedade de vinculação entre as alianças nacionais e regionais. Cabe dizer que a aprovação em primeiro turno foi apertada (o mínimo seria de 308 votos) e por isso, nos dias anteriores houve uma grande corrida por votos e muita preocupação sobre a aprovação. No PSDB, por exemplo, a decisão de derrubar a verticalização venceu por um voto (24 a 23), o que não ocorreu no PMDB que todos votaram a favor da emenda, segundo dados divulgados pelo Jornal Estado de Minas (26/01/2006, nº 23.397, pg. 03). Durante toda a tramitação, nenhuma emenda a PEC foi aprovada. Já no segundo turno, foram 329 a 142, ou seja, 21 a mais que o necessário para que a mudança entrasse em vigor.

Segundo dados divulgados no Jornal O TEMPO (26/01/2006, ano 10, nº3.333 pg. A-5), o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), lembrou que a posição pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é pela quebra da verticalização, no mesmo sentido dos líderes do PDT e PSB, deputados Severiano Alves (BA) e Renato Casagrande (ES), este último afirmando que "é um grande erro verticalizar as coligações em uma democracia jovem que tem um quadro partidário ainda em formação". Diverge, assim, do entendimento do líder do PT, deputado Henrique Fontana (RS) que defende que a posição majoritária do partido é pela manutenção da verticalização, e que "ela fortalece os partidos e organiza melhor a democracia brasileira" – em mesma reportagem do Jornal.

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Na opinião da líder do PSOL, deputada Luciana Genro (RS), a PEC seria um equívoco profundo, pois o fim da verticalização levaria à formação de alianças estaduais sem relação com as nacionais, pois faltaria coerência (folhapress).

A história da verticalização começou em 2002, às vésperas da eleição, quando o TSE fez uma interpretação da legislação eleitoral defendendo a existência da verticalização. A decisão foi contestada no STF, que se manifestou no sentido de que a competência para apreciação seria do TSE. Após uma consulta do TSE em 2005 pelo secretário-geral do PSL pedindo a reavaliação da decisão, baseando-se no princípio da autonomia partidária (art. 7 do código eleitoral Lei 9.504). Enquanto a consulta ainda não era julgada, o Congresso tentava colocar na pauta de votação, o projeto de emenda que tratava do mesmo tema.

Os defensores da verticalização prometeram e efetivamente recorreram ao STF após a aprovação da quebra. O problema girou em torno da constitucionalidade da mudança e foi, por isso, anulada sua imediata aplicação, criando mais uma polêmica da briga entre Legislativo e Judiciário. Isso porque se tornou inócua a decisão da Câmara, não podendo viger nas eleições de Outubro do corrente ano, já que o art. 16 da Constituição veda a mudança das regras das eleições, a menos de um ano da disputa, baseado no princípio da anualidade, legalidade e da segurança jurídica. Parlamentares que defendem a extinção da verticalização dizem que, se em 2002, a regra que foi interpretada a menos de um ano da eleição vigeu durante a disputa, agora não poderia ser diferente. A polêmica gira também nesse ponto, já que não faz sentido esse comentário, pois as regras não foram alteradas em 2002 e sim foram explicadas por meio de interpretação do TSE. As regras já existiam, elas só foram demonstradas como deveriam ser aplicadas, para que não houvesse confusão em cima da hora da eleição. Traduzindo a disputa de uma maneira direta, pode-se dizer que o que está sendo dito por quem quer quebrar a verticalização é: "se a Constituição não permite, não precisamos respeitar, é só alterar a Constituição".

Segundo dados do Jornal Estado de Minas (26/01/2006, nº 23.397, pg. 03), os ministros do STF com posição contrária à verticalização admitem a inconstitucionalidade da aplicação da Emenda na próxima disputa. No entanto, a pressão do Legislativo poderia ter levado o Supremo a acatar a decisão da Câmara, por meio de interpretação.

Infelizmente, o que se poderia entender da decisão é que, se existe uma regra constitucional que veda determinado comportamento, ela deverá ser tratada como princípio basilar por todos. No entanto, caso existam interesses diversos de grandes forças políticas no Legislativo, ao invés de respeitar a Constituição, é feita uma Emenda Constitucional, que altera as regras e passa a permitir o que os partidos desejam. Finalmente, caso ainda tenha que ser respeitado um princípio constitucional da segurança jurídica que proíbe a alteração das regras de eleição antes de um ano da disputa, é feita uma pressão para o STF, que muitas vezes cede.

Dessa maneira, qual a segurança jurídica que se poderia esperar do país? Esta é a pergunta do momento! No entanto, ela foi, em tempo, impedida de ser respondia, já que a decisão do TSE trouxe à tona a Constitucionalidade da manutenção da verticalização, que foi confirmada por decisão do STF. Caso tivesse sido mantida a quebra, haveria um rompimento da Constituição, que seria muito mal visto por todos os profissionais do direito, que são obrigados a seguir a regra basilar do ordenamento, enquanto outros a alteram, quando não seguem o rumo desejado.

Com a decisão anterior, do TSE, o Congresso reagiu à notícia dizendo que recorreria da decisão ao STF, que acabou decidindo-a por ação da OAB. Segundo o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), "o TSE não é tribunal constitucional. O TSE extrapolou de suas atribuições e responsabilidades" (Jornal O TEMPO, ano 10, nº 3.370 de 04/03/06, pg A3). Na mesma edição, li que existe a vontade demonstrada do legislativo de votar uma emenda à Constituição abolindo o princípio da anualidade, para que a quebra da verticalização possa já ser aplicada nas próximas eleições, que acontecem em menos de 8 meses.

Entende-se que a Constituição foi criada como forma de defender direitos, garantir e perseguir o bem comum, embasados em princípios que garantem a segurança de seus cidadãos. Dessa forma, não foi feita para ser alterada, ficando à mercê de interesses políticos e jogos de poder que, por meio de emendas e medidas provisórias, regem o país a seu modo, visando interesses próprios.

Segundo o relator da reforma eleitoral na Câmara, Moreira Franco (PMDB-RJ), colocando mais lenha na briga entre Legislativo e Judiciário: "creio que é uma questão muito mais política do que jurídica, mais institucional do que legal. Não tenho a menor dúvida de que, promulgada a emenda que acaba com a verticalização, o Supremo não poderá acompanhar esta transferência de poder que o TSE quer suprimir do Congresso. A verticalização cairá" (Agência Estado). Com a aprovação e promulgação da Emenda Constitucional PEC 548/02, a verticalização será quebrada, mas só para 2010.

Portanto, o "damage control" (do inglês: controle de danos) foi feito a tempo, salvando o Brasil de uma posível crise jurídica pública. Caso a quebra tivesse sido mantida, a pergunta que foi impedida de ser feita, teria uma resposta bem negativa.

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Sobre o autor
Bernardo Juste Werneck Côrtes

advogado em Belo Horizonte (MG), especialista em Gestão de Empresas pela FGV

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CÔRTES, Bernardo Juste Werneck. Verticalização partidária:: um golpe final de constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 980, 8 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8076. Acesso em: 2 mai. 2024.

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