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A questão da renovação do registro de arma de fogo

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            Com a publicação da Lei nº 10.826, em 22 de dezembro de 2003, entrou em vigor no país o Estatuto do Desarmamento, que dispõe, entre outras matérias, sobre o registro da arma de fogo.

            Uma das novidades instituídas foi a taxa de renovação de registro de arma de fogo. De acordo com a Lei, além de o cidadão ter que desembolsar R$ 300,00 (trezentos reais) para registrar a arma no SINARM na ocasião da compra, terá que pagar também esta mesma quantia a cada 3 (três) anos para renovar o registro.

            Logicamente, a medida causou estranheza a muitos e, de fato, está sendo questionada sua constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.

            Vejamos o mérito da questão. Além de toda a documentação necessária para adquirir uma arma de fogo, o cidadão precisará efetuar o pagamento da taxa de registro, cuja finalidade é o custeio da inclusão e manutenção da arma no sistema SINARM, bem como para o exercício do poder de polícia pela autoridade competente, nos moldes do art. 77 e seguintes do Código Tributário Nacional.

            O art. 11, inciso II, do Estatuto do Desarmamento prevê que ‘Fica instituída a cobrança de taxas, nos valores constantes no Anexo desta Lei, pela prestação de serviços relativos: (...) à renovação do registro de arma de fogo’.

            O cidadão adquire uma arma de fogo, após cumprir fielmente todos os requisitos da Lei, e pagará, a partir de dezembro de 2006, a título de renovação de registro, R$ 300,00 (trezentos reais) por arma a cada triênio, sendo que o Poder Público efetivamente não prestará nenhum serviço ao proprietário desta arma!

            Na prática, vê-se que, em poucos anos, o cidadão pagará em taxa o valor de uma arma nova, tornando inviável e incoerente para a grande maioria das pessoas manter sob seus cuidados uma arma de fogo devidamente regularizada.

            E se o cidadão não puder pagar a taxa de renovação por qualquer motivo alheio a sua vontade? Evidentemente, como a prestação do serviço não existe, nada mudará na prática para o possuidor da arma.

            Porém, as conseqüências vão além. Acontece que, em não havendo a renovação, o cidadão passará a deter uma arma sem registro, ficando sujeito às penas do art. 12 do Estatuto, que prevê detenção de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.

            Não tardará para a Polícia Federal efetuar um levantamento dos inadimplentes e indiciar os cidadãos que não efetuaram o pagamento da taxa de renovação.

            Como define Aliomar Baleeiro, taxa "é a contraprestação de serviços públicos ou de benefícios feitos, postos à disposição ou custeados pelo Estado, em favor de quem paga ou por este provocado".

            A taxa, portanto, necessita de uma contraprestação de serviço ao pagador e, embora este possa ter como beneficiário sujeitos indeterminados (coletividade), há que se vislumbrar um benefício geral colocado à sua disposição. Tomamos como exemplo a taxa judiciária e o pedágio rodoviário, os quais pressupõem uma atuação concreta do Estado.

            Diante de tal conclusão, pergunta-se: qual a prestação de serviço que o Poder Público põe a disposição dos proprietários de armas de fogo, se a regulamentação das armas decorre de lei federal e se não há motivo para fiscalização administrativa dos registros, considerando que a alteração de características e propriedade das armas de fogo é custeada por taxa própria?

            O poder de polícia a que se refere o Código Tributário Nacional (art. 78) é descrito como a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público (...). Logo, a renovação do registro em si não guarda relação com o poder de polícia, pois em nenhuma ocasião o Poder Público pode negar a renovação do registro se o possuidor de arma pagar a taxa.

            Trata-se a taxa de renovação, na verdade, de um imposto, advindo daí a ilegalidade de sua exigência.

            Exemplificando o tema, tem-se que toda repartição oficial responsável pelo registro permanente de bens poderia cobrar uma taxa pela renovação do registro, embora sem qualquer tipo de contraprestação ao pagador. Já imaginaram a cobrança de uma taxa de R$ 300,00 (trezentos reais) para renovar o registro imobiliário?

            Ademais, possuir armas de fogo para o exercício da legítima defesa é um direito inalienável do cidadão. Transformá-lo em concessão, como de fato quer e determina a Lei 10.826 com a exigência da taxa de renovação, é outra inconstitucionalidade flagrante, pois estaríamos na situação em que o Estado determinaria quem pode ou não exercer a legítima defesa, a qual, pelo caput do art. 5º da Constituição Federal, é de todos os cidadãos.

            A questão encontra-se sub judice no Supremo Tribunal Federal. Resta-nos apenas aguardar que o julgamento aconteça antes de dezembro, na esperança que os possuidores de arma de fogo não sejam prejudicados pela evidente inconstitucionalidade da exigência da taxa de renovação de registro.

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Sobre os autores
Eduardo Stoeberl

bacharel em Direito em Joinville (SC)

Paulo Henrique Stoeberl

policial rodoviário federal em Joinville (SC), bacharel em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

STOEBERL, Eduardo ; STOEBERL, Paulo Henrique. A questão da renovação do registro de arma de fogo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1035, 2 mai. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8275. Acesso em: 25 abr. 2024.

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