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A responsabilidade civil do administrador não-sócio, segundo o novo Código Civil

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02/05/2006 às 00:00
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O novo Código Civil contempla a responsabilidade objetiva, nos casos previstos em lei e também a decorrente da teoria do risco, sempre que o risco for produto de atividade lucrativa e dele decorrer dano para alguém, embora não desejado.

Sumário: 1. Os novos contornos da responsabilidade civil, segundo o Código Civil de 2002: 1.1 Novas hipóteses de responsabilidade objetiva, não contempladas no Código anterior . 2. O novo Código Civil e a figura do administrador da pessoa jurídica. Extinção da denominação .sócio-gerente.. Extensão ao administrador não-sócio da obrigação de indenizar antes imputada apenas aos sócios . 3. A responsabilidade civil do administrador contextualizada: 3.1 As quatro situações mais freqüentes; 3.2 A responsabilidade civil do administrador pela distribuição de lucros ilícitos ou fictícios; 3.3 A responsabilidade civil do administrador de sociedade limitada pelo uso da denominação social . 4. A responsabilidade do administrador nas hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica . 5. Critérios para se aferir o valor da indenização imposta ao administrador . 6. Conclusão.


1. OS NOVOS CONTORNOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL, SEGUNDO O CÓDIGO CIVIL DE 2002

O novo Código Civil, trazido à vida política da nação brasileira a partir da publicação da Lei 10.406, de 11.01.2002, trouxe relevantes inovações no âmbito da responsabilidade civil, quer no tocante à responsabilidade contratual, quer no que diga respeito à responsabilidade extracontratual, aquiliana ou delitual. Sem falar nas novas hipóteses de responsabilidade civil objetiva, conforme passaremos a discorrer mais adiante.

A responsabilidade civil contratual é a que decorre do inadimplemento total ou parcial de um contrato. As obrigações devem ser cumpridas – o adimplemento é a regra, e o inadimplemento, diz Maria Helena Diniz, citando Valverde y Valverde, "a exceção, por ser uma patologia no direito obrigacional, que representa um rompimento da harmonia social, capaz de provocar a reação do credor, que poderá lançar mão de certos meios para satisfazer o seu crédito" (Curso de direito civil brasileiro, 6. ed., São Paulo, Saraiva, 1990-1991, vol. 2, p. 296). Quem descumpre a sua parte na relação obrigacional, em princípio, estará obrigado a indenizar o outro pelos prejuízos sofridos em virtude do inadimplemento. Esse tipo de responsabilidade, já que conseqüência de uma ação ou omissão de um dos contratantes, via de regra está baseada na culpa, vale dizer, é responsabilidade subjetiva. A culpa de quem descumpre o contrato é presumida, cabendo ao devedor comprovar a ocorrência do caso fortuito ou da força maior. Não havendo culpa, não existirá a obrigação de indenizar, salvo se o contrato contiver cláusula expressa obrigando o inadimplente a indenizar o caso fortuito e a força maior. Ou seja, mesmo em se verificando tais situações excepcionais, ainda assim pode o inadimplente vir a ser compelido a indenizar. Nas obrigações de dar coisa incerta, por exemplo, o devedor não pode alegar força maior ou caso fortuito para se furtar ao cumprimento da obrigação (CC/2002, art. 246). [1] O devedor também estará obrigado a indenizar a força maior ou o caso fortuito sempre que houver por eles se responsabilizado expressamente (CC/2002, art. 393), ou ainda quando tais eventos se manifestarem após a mora do devedor (CC/2002, art. 399). [2]

O novo Código Civil trata da responsabilidade contratual nos arts. 389 e seguintes. Se o descumprimento da obrigação for parcial, vale dizer, o devedor cumpre a obrigação, mas não no tempo e modo acertados, verifica-se a mora, tratada nos arts. 394 a 401.

Dentre as novidades a serem destacadas na disciplina da responsabilidade civil contratual, leia-se novidades legislativas, já que o novo Código incorpora os avanços da jurisprudência, podemos destacar, logo de entrada, o art. 389, que inova o direito anterior ao deixar expresso que a indenização deve incluir juros, atualização monetária e ainda honorários advocatícios, apresentando-se, portanto, mais completo que o art. 1.056 do CC/1916. No mesmo sentido é o art. 395, ao tratar do inadimplemento relativo (mora). Observe-se que a indenização consistirá sempre em uma soma em dinheiro, acrescida de juros, ditos moratórios, no caso do art. 395, correção e honorários advocatícios, estes sempre que o credor houver contratado advogado, independentemente de ter ou não sido acionado o aparato judicial. Pode o credor, ainda, rejeitar a prestação atrasada e exigir, além da indenização pela mora, o valor correspondente à integralidade da prestação, desde que prove que ela se lhe tornou inútil em razão da mora.

Na responsabilidade contratual, a indenização geralmente já está prefixada, quer pela cláusula penal, quer pelas arras, quer pelos juros de mora. Entretanto, dispõe o art. 401 que o juiz pode conceder ao credor indenização suplementar, comprovado que os juros de mora são insuficientes à cobertura dos prejuízos, situação, aliás, das mais freqüentes.

Ao tratar da responsabilidade contratual, o Código prevê apenas a recomposição dos prejuízos materiais experimentados pelo contratante inocente, não havendo qualquer previsão de reparação, por exemplo, do dano moral eventualmente sofrido. E muitas vezes, quando prefixado o valor da indenização, esse valor não será suficiente para a plena reparação do lesado. Daí que cabível a cumulação da responsabilidade contratual com a aquiliana, desde que presentes os requisitos legais.

No art. 406, o novo Código inovou profundamente o direito anterior, ao substituir a taxa de juros fixa de 6% ao ano pela taxa que estiver sendo cobrada pela Fazenda Nacional pela mora nos pagamentos dos tributos federais. [3]

Já a responsabilidade civil extracontratual pode estar fundada na culpa ou não. No primeiro caso, estamos falando da responsabilidade subjetiva, como dito anteriormente. No segundo,estaremos diante da responsabilidade objetiva, onde a obrigação de indenizar independe de existir ação culposa do agente causador do dano. Na responsabilidade aquiliana subjetiva, em regra, salvo quando a lei dispuser em sentido contrário, não há presunção de culpa, ou seja, cabe ao lesado comprovar a culpa do agente causador do dano.

Em termos de responsabilidade delitual, uma das inovações mais importantes tem pouso logo no pórtico do Título IX, do Livro I, da Parte Especial, precisamente no art. 927, que versa sobre a obrigação de indenizar imposta ao autor do ato ilícito. Apesar de repetir, em parte, o art. 159 do CC/1916, mantendo-se fiel à teoria da culpa, ou seja, as hipóteses do caput são de responsabilidade subjetiva, o novo Código Civil inova substancialmente o direito anterior, pois prevê, expressamente, a indenização em caso do dano moral puro, alargando a conceituação anteriormente vigente no art. 159 do CC/1916.

Trata-se de adequação ao que já estabelece a Carta Magna. Com isso, a indenização do dano moral passa a constar expressamente do ordenamento infraconstitucional. Ao fazer remissão aos arts. 186 e 187, o caput do art. 927 também inova ao contemplar expressamente a responsabilidade decorrente do abuso de direito.

1.1 Novas hipóteses de responsabilidade objetiva, não contempladas no Código anterior

A grande novidade, no entanto, a ser destacada nessa nova concepção de responsabilidade civil no Brasil é que, a despeito de a regra geral continuar sendo a da responsabilidade subjetiva, passa o Código a prever hipóteses de responsabilidade objetiva, não somente em função de previsão legal, como era no sistema anterior, mas também em função da atividade desenvolvida pelo autor do dano, sempre que for considerada de risco para os direitos de outrem (art. 927, parágrafo único).

O dispositivo contempla a responsabilidade objetiva do autor do dano nos casos especificados em lei e a responsabilidade também objetiva, decorrente da teoria do risco, sempre que o risco for produto de atividade lucrativa e dele decorrer dano para alguém, embora não desejado. O legislador não chegou a definir, nem ao menos exemplificar, as chamadas "atividades de risco". Em alguns casos, a tipificação é óbvia (ex: postos de gasolina, refinarias, distribuidoras de combustíveis e quaisquer outras empresas que exerçam atividades de manejo de inflamáveis, empresas de vigilância, transporte de valores, fábricas de produtos tóxicos, etc.). Em outros, caberá ao juiz definir, com base nas circunstâncias do caso concreto, se determinada atividade causadora de dano poderia ser considerada "atividade de risco", para fins de caracterização da responsabilidade objetiva. [4]

Ainda como exemplo de nova hipótese de responsabilidade objetiva, põe-se em relevo a regra constante do art. 931, segundo o qual "os empresários individuais e as empresas responderão independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação". O dispositivo contempla outro caso específico de responsabilidade objetiva, em que não se indaga da culpa de quem pôs o produto em circulação: essa culpa se presume. [5] Importante esclarecer que, não obstante o Código de Defesa do Consumidor já houvesse estabelecido essa responsabilidade objetiva do fornecedor, o seu espectro de abrangência estava restrito à seara consumerista. Com a entrada em vigor do novo Código Civil, toda uma nova gama de relações jurídicas, não caracterizadas como relações de consumo, passam a estar sujeitas às regras e princípios que informam a responsabilidade objetiva.


2. O NOVO CÓDIGO CIVIL E A FIGURA DO ADMINISTRADOR DA PESSOA JURÍDICA. EXTINÇÃO DA DENOMINAÇÃO "SÓCIO-GERENTE". EXTENSÃO AO ADMINISTRADOR NÃO-SÓCIO DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR ANTES IMPUTADA APENAS AOS SÓCIOS

No que tange à responsabilidade civil do administrador, impende, inicialmente, registrar que o Código Civil de 2002 inovou substancialmente o direito anterior com a inserção do Livro II da Parte Especial concernente ao chamado Direito de Empresa, bem como ao trazer, desta feita na Parte Geral, regramento próprio para as associações, a quem deu tratamento técnico correto, distinto das sociedades.

Essas novas regras, entretanto, restringiram em diversos aspectos a liberdade contratual, além de impor aos administradores de tais pessoas jurídicas maior responsabilidade pela prática de seus atos.

Diversos são os dispositivos que ampliam a responsabilidade do administrador. E aqui faz-se mister ressaltar que, ao se referir a administrador, o Código Civil está se dirigindo a quem foi alçado ao cargo de direção da pessoa jurídica, quer pelo contrato social, quer por ato separado, pouco importando a sua condição de sócio (como aliás já havia feito a Lei das S.A., onde a figura do administrador ou diretor não se confunde com a do acionista). [6]

Ao distinguir as figuras do gerente e do administrador e também ao disciplinar a possibilidade de nomeação, pelos diversos tipos de sociedades [7], de administrador não-sócio, o novo Código findou por estender a este imputação de responsabilidade civil antes restrita aos sócios.

Deve-se esclarecer, porém, que diversas leis já vinham imputando ao administrador não-sócio responsabilidade objetiva e pessoal, tais como o Código Tributário Nacional (art. 135, III), a Lei Antitruste (Lei 8.884/94, arts. 20 e 23) e, ainda, o Código de Defesa do Consumidor, cujo art. 75 estabelece a responsabilidade criminal do administrador que aprovar o fornecimento ou oferta de produtos ou serviços nas condições proibidas pelo Código de Defesa do Consumidor.

Perante a Lei Antitruste (art. 23, II, da Lei 8.884/94), o administrador é responsável, de forma objetiva, por atos de infração à ordem econômica cometidos pela sociedade. O art. 23, II, da Lei 8.884/94 estabelece multa devida pelo administrador quando ele é responsável, direta ou indiretamente, pela infração cometida pela sociedade.

No âmbito da concorrência desleal, ao administrador, como também ao sócio da sociedade limitada, é aplicável a tipificação de crimes contida no art. 195 da Lei 9.279/96.

No entanto, eram dispositivos esparsos e específicos, abrangentes apenas das situações neles tipificadas. A regra geral do Código Civil anterior era a da responsabilidade do sócio, não se cogitando em responsabilidade civil de quem não era sócio, pelo menos no tocante a atos imputados à pessoa jurídica.

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3. A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADMINISTRADOR CONTEXTUALIZADA

3.1 As quatro situações mais freqüentes

1.ª) O administrador pratica ato regular de gestão:

Aqui é pacífico o entendimento de que a sociedade responde sozinha, sem direito de regresso contra o administrador, pois os prejuízos decorrentes dos atos regulares de gestão serão sempre imputados à pessoa jurídica administrada.

Assim já dispunha o art. 158 da Lei 6.404/76 (Lei das S.A.) e assim dispõe o art. 47 e o caput do art. 1.015 da Lei 10.406/2002 (Código Civil).

2.ª) O administrador pratica ato regular ou irregular de gestão, antes de averbado o ato de nomeação:

Quando nomeado por meio de outro documento que não o contrato social, o administrador tem a obrigação de providenciar, o quanto antes, a averbação do ato de nomeação no Registro de Empresas Mercantis se a sociedade for empresária, ou no Registro Civil das Pessoas Jurídicas se for uma sociedade simples. Enquanto não o fizer, o administrador responderá com os seus bens pessoais em solidariedade com a sociedade (art. 1.012). [8] Observe-se que aqui o Código fala em responsabilidade pessoal e solidária, descabendo a aplicação da regra de subsidiariedade de que trata o art. 1.024 [9]. Responsabilidade solidária e subsidiária não se confundem. A primeira só ocorre quando a lei ou o contrato social expressamente trouxerem previsão nesse sentido ("A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes" – art. 265 do CC).

3.ª) O administrador pratica ato de gestão além dos limites impostos pelo contrato:

A interpretação doutrinária antes vigente era a de que a sociedade também responderia pelos prejuízos causados, ainda que o administrador tivesse agido com excesso de poderes, em face da chamada "teoria da aparência". De acordo com essa teoria, a sociedade seria obrigada a responder, perante terceiros, pelos atos praticados por seu administrador, sobrando-lhe, apenas, o direito de agir regressivamente contra o administrador, para reaver as perdas e danos sofridos.

Dessa forma, a sociedade respondia por todos os seus atos, honrando os contratos assumidos com terceiros e, depois, reclamava eventuais prejuízos do administrador. Ainda que desvantajoso para a pessoa jurídica, privilegiava-se a boa-fé de quem com ela contratava. Essa regra continua válida para as sociedades anônimas e, possivelmente, para todas as sociedades limitadas em que o contrato social estabeleça a aplicação subsidiária da Lei de Sociedades Anônimas.

O novo Código Civil (art. 1.015, parágrafo único), entretanto, inovou substancialmente o direito anterior, no que se refere às sociedades simples e às sociedades limitadas, cujo contrato não preveja a aplicação subsidiária das regras da sociedade anônima, ao estabelecer que os atos praticados pelo administrador com excesso de poderes não serão assumidos ou suportados pela sociedade sempre que a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade (inciso I); for conhecida por terceiro (inciso II) ou se se tratar de ato estranho ao objeto social (inciso III). Essa orientação, inspirada na ultra vires doctrine [10], segundo Marlon Tomazette, se opõe "à tendência mundial de proteção dos terceiros de boa-fé e do favorecimento da celeridade nos negócios firmados pela sociedade. Diante de tal disciplina, será sempre necessário analisar o contrato da sociedade, para verificar a extensão dos poderes dos administradores. E mais, pode haver um grande prejuízo para a própria sociedade, na medida em que, como ocorreu no direito inglês, será extremamente discutido se o ato está ou não dentro do objeto social. Esse é mais um motivo, para tal tipo societário ficar relegado ao plano teórico. Entende-se hoje que as meras restrições contratuais aos poderes de gerência não são oponíveis perante terceiros de boa-fé, uma vez que não se pode obrigar que os terceiros toda vez que forem contratar com a sociedade examinem o contrato social da mesma, para verificar os exatos limites dos poderes de gerência. A dinâmica das relações contratuais, aliada à proteção da boa-fé, impõe a aplicação da teoria da aparência, para vincular a sociedade. (...) A modernidade e a massificação das relações nos impõe neste caso a aplicação da teoria da aparência, pela qual se o ato parece regular é dessa forma que ele deve ser tratado. A boa-fé dos terceiros que contratam com a sociedade em situação que acreditam perfeitamente regular deve ser prestigiada. A sociedade e os sócios que escolheram mal o gerente não podem se beneficiar em detrimento da boa-fé de terceiros". [11] É o caso, por exemplo, da prestação de aval e fiança em nome da sociedade. Casos estes que, até então, o Superior Tribunal de Justiça considerava válidos, para não prejudicar os terceiros contratantes de boa-fé (REsp 180.201- SP). E, agora, para responsabilizar a sociedade será exigida uma diligência razoável do terceiro, a fim de apurar os limites dos poderes do administrador.

Tomazette também critica a redação do inciso II do art. 1.015, afirmando ser "muito difícil definir o que se encontra ou não dentro do objeto da sociedade. Imagine-se a compra de um imóvel por uma fábrica de veículos, o ato não está dentro do objeto social, mas pode ser extremamente útil à própria sociedade. Com a mesma dificuldade, nos deparamos ao analisar uma padaria que compra tijolos? A compra pode ser destinar a construção de um forno ou a uma reforma urgente, que interessam à sociedade, apesar de não estarem previstas explicitamente dentro do objeto social. Tais problemas levaram a uma nova concepção da teoria dos atos ultra vires no direito norte-americano, reduzindo bastante seu âmbito de aplicação. No direito italiano, protege-se, sobretudo a boa-fé, não podendo a sociedade opor aos terceiros de boa-fé que o ato é estranho ao objeto social. Nesses casos, há um conflito entre o interesse da sociedade e dos terceiros devendo prevalecer estes últimos, protegendo-se o tráfico jurídico. A sociedade deveria estar vinculada perante terceiros de boa-fé pelos atos praticados pelo administrador proibidos pelo contrato social, ou mesmo estranhos a este. A sociedade responde perante terceiros, e posteriormente faz um acerto de contas com o administrador que extrapolou seus poderes. Apenas a má-fé do terceiro deveria excluir a responsabilidade da sociedade". [12]

4.ª) O administrador age com culpa ou dolo no desempenho de suas funções:

O Código Civil de 1916 previa apenas a obrigação de o sócio ressarcir a sociedade pelos prejuízos causados por atos praticados com culpa (art. 1.380), inexistindo regra que impusesse a solidariedade entre o sócio e a sociedade, salvo se o ato culposo do sócio tivesse sido praticado em proveito da sociedade (art. 1.398).

Pelo novo Código, todo administrador de sociedade, quer seja sócio ou não, passa a ser responsável pelos atos que praticar, podendo ser responsabilizado pessoalmente por todos os atos que causem danos à sociedade (art. 1.016) [13].

É presumida a culpa ou o dolo do administrador que:

  1. realizar operações, sabendo ou devendo saber que estava agindo em desacordo com a maioria (art. 1.013, § 2.º) [14];

  2. sem consentimento escrito dos sócios, aplicar créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros (art. 1.017, caput) [15];

  3. tendo em qualquer operação interesse contrário ao da sociedade, tome parte na correspondente deliberação (art. 1.017, parágrafo único) [16].

3.2 A responsabilidade civil do administrador pela distribuição de lucros ilícitos ou fictícios

Outra regra que passa a atingir diretamente o administrador não-sócio é a do art. 1.009, que assim dispõe:

"Art. 1.009. A distribuição de lucros ilícitos ou fictícios acarreta responsabilidade solidária dos administradores que a realizarem e dos sócios que os receberem, conhecendo ou devendo conhecer-lhes a ilegitimidade".

A sanção decorrente da obtenção ou distribuição de lucros ilícitos, consistente no pagamento à sociedade dos lucros distribuídos, e das perdas a ela causadas, já era objeto de disposição expressa do Código de 1916, porém restrita aos sócios, ao menos no tocante às sociedades limitadas e às antigas sociedades civis, senão vejamos:

"Art. 1.392. Havendo comunicação de lucros ilícitos, cada um dos sócios terá de repor o que recebeu do sócio delinqüente, se este for condenado à restituição.

Art. 1.393. O sócio que recebeu de outro lucros ilícitos, conhecendo ou devendo conhecerlhes a procedência, incorre em cumplicidade, e fica obrigado solidariamente a restituir".

Ou seja, pelo sistema do Código anterior, apenas os sócios estavam obrigados à restituição.

Agora, se a sociedade distribuir, entre os seus sócios, lucros ilícitos ou fictícios, vale dizer aqueles inexistentes, gerados por meio de artifícios contábeis, tais como superestimação de receitas ou ocultação de despesas, a responsabilidade será solidária e ilimitada entre os sócios beneficiários e os administradores não-sócios que autorizaram a distribuição.

O art. 1.009 do novo CC impõe ao administrador deveres severos de diligência na avaliação dos ativos e passivos da sociedade, assim como das receitas, despesas e custos. Não poderá sequer alegar boa-fé, se não tiver adotado todas as medidas preventivas. Como bem observa o Prof. Joaquim Manhães Moreira, "há situações em que o administrador precisa decidir de acordo com o aconselhamento dos seus auxiliares especializados, geralmente contabilistas, sobre a melhor avaliação de certas contas a serem expostas nas demonstrações financeiras. E essa decisão do administrador poderá gerar maior ou menor volume de lucros.

Para evitar que decisões tomadas em boa-fé possam gerar a responsabilidade pessoal aqui prevista, os administradores devem se valer, nas avaliações dos elementos patrimoniais e de resultados da sociedade:

  • dos métodos e critérios legais, quando específicos ou quando puderem ser aplicados por analogia, seguindo a seguinte ordem: primeiro os constantes das leis comerciais, depois os das leis civis e finalmente os das leis tributárias;

  • dos métodos e critérios constantes de regulamentos de órgãos encarregados do exercício da fiscalização dos mercados, como CVM e Banco Central;

  • dos métodos e critérios publicados pelas associações de profissionais técnicos nas matérias tratadas, como os institutos de contabilistas e de auditores, observado, entretanto, que em certas matérias as opiniões de advogados, engenheiros, médicos e outros profissionais precisam prevalecer sobre as dos contadores, sob pena de imprecisão;

  • dos métodos e critérios publicados por organizações internacionais dedicadas à matéria, como o Fasb (Financial Accounting Standards Board)". [17]

Em suma, é de todo conveniente que o administrador, antes de promover qualquer distribuição de lucros, obtenha o devido respaldo técnico, por meio de parecer específico dos serviços de contabilidade e auditoria, além de submeter a matéria ao Conselho Fiscal quando este existir.

O que em hipótese alguma deve o administrador fazer, diz Joaquim Manhães Moreira, "é adotar o critério mais favorável ao resultado, com ou sem anuência dos sócios, sem o devido respaldo técnico, pois, nesse caso incidirá na responsabilidade civil pessoal". [18]

3.3 A responsabilidade civil do administrador de sociedade limitada pelo uso da denominação social

No tocante aos administradores das limitadas, estabelece, ainda, o § 3.º do art. 1.158 do novo CC que a "omissão da palavra ‘limitada’ determina a responsabilidade solidária e ilimitada dos administradores que assim empregarem a firma ou a denominação da sociedade". Nos termos do art. 3.º do Decreto 3.708/1919, antiga lei das limitadas, essa responsabilidade era apenas dos sóciosgerentes.

A partir da entrada em vigor do novo Código, também os administradores não-sócios poderão ser responsabilizados pessoalmente.

A inclusão da palavra "limitada" é imprescindível para a segurança dos terceiros que contratam com a sociedade, os quais não podem ser iludidos e precisam saber que há, no caso, limitação de responsabilidades. Quem faz uso da firma ou da denominação sem incluir a palavra "limitada", estará induzindo os fornecedores a erro. Eis a razão de o Código impor esse dever aos administradores, sob pena de assumirem responsabilidade solidária e ilimitada.

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Sobre o autor
Mário Luiz Delgado

Advogado. Mestre (PUC-SP) e Doutor em Direito Civil (USP). Professor de Direito Civil na EPD - Escola Paulista de Direito e na FAAP - Fundação Armando Alvares Penteado. Diretor do Instituto dos Advogados de São Paulo - IASP e do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM. Membro da Academia Brasileira de Direito Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DELGADO, Mário Luiz. A responsabilidade civil do administrador não-sócio, segundo o novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1035, 2 mai. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8320. Acesso em: 19 abr. 2024.

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