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O fato notório, a notoriedade do fato e as máximas de experiência

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            É notório o fato cujo conhecimento faz parte da cultura normal própria de pessoas de um determinado grupo social, no tempo em que é proferida a decisão, e sobre o qual é dispensável a controvérsia sobre sua ocorrência [01].

            A notoriedade é a qualidade de certos fatos que os tornam reconhecidamente conhecidos e indiscutíveis, de maneira que produzir sua prova em nada aumentaria a convicção que o juiz e as partes têm quanto a sua veracidade.

            Todavia, o conhecimento e a verdade do fato independem de sua notoriedade. O juiz deve estar convencido da verdade do fato notório, como está  de qualquer outro fato. Não deve ser só em função da notoriedade, de que é revestido o fato, que o juiz irá  dispensá-lo da atividade de ser provado. Notoriedade e verdade nem sempre estão caminhando juntas.

            O juiz que se deixa influenciar pela notoriedade do fato, pode estar aplicando o conhecimento privado que esse fato reuniu em sua atividade mental. Assim fazendo tal juiz estará  acumulando em sua função de juiz, também a função de testemunha, dando lugar a uma incompatibilidade psicológica que seria a base do princípio que veda a utilização da ciência privada por parte do juiz [02]. Se a notoriedade autoriza o juiz a servir-se da ciência privada permanece tornando-se sem efeito aquela atividade de crítico e valorador que o juiz exerce sobre as testemunhas, eis que sendo ele a própria testemunha, o convencimento sobre a certeza e o conhecimento do fato já  se fazem por meios privados.A razão de ser desse princípio não está apenas na incompatibilidade entre a função de Juiz e a de testemunha, mas também na necessidade de tornar-se controlável às partes as decisões do juiz e, garantir-se, portanto, a imparcialidade dessas mesmas decisões [03].

            Deve-se fazer também uma comparação entre o fato notório e as regras da experiência (máximas de experiência). Em primeiro lugar, o fato notório é um fato, ou ainda, um acontecimento equívoco, enquanto que a máxima de experiência é um raciocínio, é um juízo.

            As máximas de experiência são resultantes de observações de um indivíduo sobre vários fatos que tiveram a mesma relação de causa e efeito, enquanto que o fato notório não é uma repetição de vários fatos, mas a observação de vários observadores, ou a certeza do acontecimento, em relação a um só fato. Portanto, na máxima de experiência, o que se repete são os fatos, observados por um indivíduo, enquanto que no notório, o que se repete são os observadores de um só fato. De tanto observar o desenvolvimento e a evolução física das pessoas no passar do tempo o observador sabe calcular aproximadamente a idade das pessoas. Isso se faz por regras da experiência. Não se pode dizer que é um fato notório o fato de tal pessoa ter 20 anos de idade. Também não se confunde fato notório, no sentido de notoria non egent probatione, a que se refere o artigo 334-I, do CPC, com fatos evidentes, públicos ou publicados, conhecíveis ou apuráveis e contínuos ou permanentes. Sao fatos evidentes, as verdades axiomáticas, matemáticas de fácil demonstração, mas sem relevância para o tema probatório. São fatos públicos aqueles a que se deu ampla propagação noticiosa, mas que podem até não ser verdadeiros, o fato notório contém a convicção de sua verdade. O fato conhecível apesar de que qualquer pessoa, mediante simples pesquisa pode dele tomar conhecimento, não pode ser lançado em juízo como fato notório, pois se o juiz vai dele tomar conhecimento, através de consulta, será a verdade do próprio fato que ele irá descobrir e não sua notoriedade. Portanto, se o juiz tiver de buscar e justificar seu convencimento, para ele tal fato não será um fato notório. Também não são fatos notórios, os fatos contínuos ou permanentes, de notoriedade duradoura, como nomes de rios, nomes históricos e geográficos, até porque são irrelevantes como temas probatórios ou incontroversos.

            Temos constatado em nossa jurisprudência decisões que não levam em consideração exatamente esses conceitos naquele sentido em que se diz notoria non egent probatione, enquanto outras, não obstante o sentido essencialmente relativo do enunciado, se harmonizam com os traços que a doutrina tem procurado fixar na conceituação dessa expressão.

            Miserabilidade [04] e menoridade [05] não se constituem em fatos notórios, mas sim, em máximas de experiência, mesmo se constatadas pelo próprio juiz. Não nos parece correto a decisão afirmar que o agente do estupro não poderia deixar de saber que a vítima era menor de idade, eis que isso é um fato notório, tanto que até o delegado e as testemunhas teriam perceberam isso. Havendo necessidade de constatação do fato diretamente por testemunhas ou para efeito de o juiz se convencer da miserabilidade ou da menoridade da parte, não pode esse fato ser entendido como fato notório no sentido que estamos aqui nos propondo a identificar.


Notas

            01 - O Fato Notório – Nelson Palaia – Editora Saraiva – 1997.

            Piero Calamandrei – Per la definizione del fatto notorio. Rivista di Diritto Processuale Civile, 1925.

            02 - Giuseppe Mazzarella - "Appunti sul fatto notorio" - pag. 70.

            03 - Giuseppe Mazzarella - "Appunti ... " pag. 71.

            04 - STF - HC-59.138 - Relator Ministro Moreira Alves - DJ 18-12-81, pag. 12937. (Fonte:Juis-Saraiva)

            05 - STJ -HC- 3.099-RJ - Relator Ministro Pedro Acioli, em 7-2-94. (Fonte:Juis-Saraiva)

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Sobre o autor
Nelson Renato Palaia Ribeiro de Campos

Advogado formado pela USP em 1970, Professor de Prática Forense na PUC/SP de 1977 a 2006, Mestre e Doutor em Processo Civil pela PUC/SP, Autor de quatro livros de Direito editados pela Editora Saraiva. Palestrante AASP. Frequentou cursos de Processo Civil e Direito Comparado em Paris, Coimbra, Roma e Dallas-USA, titular do escritório Nelson Palaia - Advogados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMPOS, Nelson Renato Palaia Ribeiro. O fato notório, a notoriedade do fato e as máximas de experiência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1076, 12 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8500. Acesso em: 23 abr. 2024.

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