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Litisconsórcio passivo necessário e concurso público.

A desnecessidade de sua formação nas demandas judiciais que atacam atos de presidentes de comissão do certame

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SUMÁRIO: INTRODUÇÃO 1) Litisconsórcio. 1.1) Litisconsórcio Passivo. 1.2) Litisconsórcio Necessário. 2) Atos Administrativos. 2.1) Concurso Público. 3) Litisconsórcio Passivo Necessário e Concurso Público. 3.1) Abordagem Temática. 3.1.1) Mera expectativa de direito. 3.1.2) Celeridade e economia processual. 3.1.3) Contribuição para o litígio. 3.1.4) Facilitação do acesso ao judiciário. 3.1.5 Súmula n.º 473 do Supremo Tribunal Federal. 3.2) Orientação Jurisprudencial. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


INTRODUÇÃO

            Entendimento que, há muito, vem sendo adotado pelos diversos pretórios pátrios, nas demandas que atacam atos dos presidentes das comissões de concursos públicos, é a necessidade de formação de litisconsórcio passivo composto pelo presidente das referidas comissões e de todos os candidatos que, tendo sido aprovados para as etapas seguintes do certame público à atacada pela demanda judicial, guardam expectativa de, com a aprovação definitiva, tomarem posse no cargo junto à Administração Pública.

            Este posicionamento jurisprudencial, sem embargos de dúvidas, é razão para o tormento daqueles que pretendem fazer valer, no mais das vezes, os Princípios da Legalidade e Moralidade, às vezes violados ao longo de concursos públicos para provimento de cargos públicos.

            Ao tentarem, por meio do Poder Judiciário, atacar atos do presidente do certame público, vêem-se impossibilitados para tanto, ao terem que citar todos os aprovados na fase antecedente do concurso público e dar continuidade a uma ação complexa.

            Analisar-se-ão, a seguir, a pertinência e utilidade desta imposição posta pelas autoridades judiciárias.


1 Litisconsórcio

            As demandas judiciais, no mais das vezes, representam uma disputa de direitos, onde uma das partes resiste à pretensão da outra.

            Dentro deste contexto, as querelas são formadas pela parte autora e pela parte ré, onde a primeira almeja a efetivação do direito requerido, enquanto que a segunda, geralmente, objetiva a frustração do direito perseguido.

            Ocorre que, na vida cidadã, os conflitos alcançam pretensões plúrimas que, nalgumas vezes, chegam a envolver o interesse de um grupo indeterminado de pessoas, atingindo direitos difusos e coletivos.

            Visando proporcionar a harmonia dos pronunciamentos jurisdicionais, o legislador, com o costumeiro acerto, introduziu ao sistema normativo brasileiro o instituto do litisconsórcio, tornando o processo, sob visão ampliada (conjunto de demandas judiciais conexas), mais econômico, na medida que evita a multiplicação de ações perante o Judiciário.

            De outra banda, o legislador abriu mão da simplicidade processual ao permitir a aglomeração de partes em um mesmo pólo da demanda (ou em ambos) – tornando este processo mais dispendioso, em troca da compatibilização das decisões emanadas do Poder Judiciário.

            Deveras, é imperioso compartilhar do entendimento de que a multiplicação de integrantes na demanda judicial implica a complexidade dos atos processuais com reflexos que alcançam desde o recolhimento das custas pertinentes até a dilação de prazos (artigos 188 e 191, ambos do Código de Processo Civil).

            Neste rumo, Dinamarco justifica a formação do litisconsórcio aduzindo que:

            A admissibilidade de conglomeração de dois ou mais sujeitos como demandantes ou como demandados tem por fundamento a existência de situações da vida envolvendo mais de duas pessoas, e não só duas; e, por objetivo, favorecer a harmonia de julgados e a economia processual. [01]

            Em seguida, o mesmo professor arremata que "é mais econômico realizar um processo só, ainda que possa ser mais complexo e durar mais, do que fazer dois processos, com duplicação dos atos e dos custos de cada um deles". [02]

            Não se olvide que o litisconsórcio não se confunde com a cumulação subjetiva de partes. De fato, como ressalva Marinoni,

            (...) ocorrerá a cumulação subjetiva no processo quando se tiver, em um dos pólos da relação processual, mais de um autor ou mais de um réu. Para que esta cumulação possa caracterizar-se como litisconsórcio, é preciso que tal multiplicidade de sujeitos vincule os sujeitos componentes do pólo de alguma forma através de certa afinidade entre eles. [03]

            O instituto do litisconsórcio, pois, sempre com o fito de tornar efetivas as decisões judiciais, sopesa a celeridade e a economia processual, evitando a multiplicação de ações, em contrapartida da simplicidade do processo.

            1.1 Litisconsórcio Passivo

            A tachação do litisconsórcio passivo advém da classificação do instituto quanto à cumulação de sujeitos no processo. Há litisconsórcio passivo quando a demanda é proposta em face de vários réus.

            Como bem coloca Wambier, está-se "diante do litisconsórcio passivo quando ocorre que um só autor propõe ação contra vários réus [04]".

            A aglomeração destes vários réus pode ser facultativa ou necessária.

            1.2 Litisconsórcio Necessário

            Dá-se o litisconsórcio necessário, que difere do facultativo, quando a lei assim o exigir, ou quando a decisão proferida acerca da questão posta em análise for uniforme entre as partes que compõem o mesmo pólo da demanda judicial.

            O caput do art. 47 do Código de Processo Civil disciplina que "há litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes".

            Dinamarco, quando enfrenta a matéria, pontifica que:

            A necessariedade do litisconsórcio é ditada no art. 47, caput, que indica as duas situações conducentes a ela. Na árdua tarefa de decifrar as palavras confusas deste dispositivo chega-se à conclusão de que o litisconsórcio será necessário quando for unitário e também quando a lei o determinar. Fora destas hipóteses, é facultativo. [05]

            Impende lembrar, por oportuno, que a unitariedade do litisconsórcio não se confunde com a necessariedade do mesmo. Com efeito, o primeiro cinge-se à uniformidade do conteúdo do pronunciamento jurisdicional, enquanto que o segundo apenas diz respeito à obrigatoriedade de cumulação de partes como condição de validade do processo. Não há neste último, necessariamente, homogeneidade no tratamento dispensado às partes.


2 Atos Administrativos

            2.1 Concurso Público

            Para preenchimento de cargos, empregos e funções públicas, dispõe a Administração de diversas formas de investidura. Regra geral, a grande massa do funcionalismo público ingressa na Administração, seja direta, seja indireta, por meio de um provimento inicial efetivo, próprio dos quadros permanentes dos entes públicos. Esta investidura originária, nos precisos termos do art. 37, II da Constituição Federal, dá-se por concurso de provas ou de provas e títulos (ou de "títulos e provas").

            Com efeito, o concurso público é o meio técnico de avaliação de que lança mão o Estado-Administração para sopesar o conhecimento dos candidatos, e, ao mesmo tempo, garantir igual oportunidade a todos os interessados ao preenchimento da vaga existente. Em última análise, é a forma imposta pela Administração para, ao tempo em que preenche seus quadros funcionais, atende à moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público.

            Os concursos públicos não seguem um roteiro próprio estabelecido em lei. Apesar de sua obrigatoriedade vir disciplinada na lei maior, não tem procedimento específico. Destarte, a Administração tem toda liberdade e discricionariedade para estabelecer as normas do concurso. Por meio do edital, é livre para determinar as bases do certame e os critérios de julgamento, desde que o faça em obediência aos princípios norteadores da atividade administrativa.

            Justamente por ser livre para fixar os termos do concurso, e ainda em vista da independência dos poderes, é vedado ao Judiciário imiscuir-se na análise do mérito administrativo, avaliando a conveniência e a oportunidade da Administração.

            Por outro lado, também porque nenhuma lesão ou ameaça a direito individual pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário (Constituição Federal, art. 5º, XXXV), cabe sempre a apreciação judicial do concurso, sob os aspectos da legalidade e dos critérios adotados para julgamento e classificação dos candidatos.

            Pois bem, feitas essas elucubrações iniciais, vem à tona a discussão principal deste trabalho, referente à necessidade, ou não, da formação do litisconsórcio passivo em demandas judiciais propostas em face de ato praticado por presidente de comissão de concurso público.


3 Litisconsórcio Passivo Necessário e Concurso Público

            3.1 Abordagem Temática

            3.1.1 Mera expectativa de direito

            Antes de perquirir sobre o nó górdio do tema, é preciso discorrer sobre um ponto essencial com ele relacionado e que, de fato, é uma das pilastras justificadoras do entendimento defendido neste trabalho.

            Como já apontado, a Administração é livre para estabelecer as regras sobre as quais se pautarão o concurso público. Em face destas regras editalícias é que terão de se curvar os interessados e a elas se submeterem sob todos os aspectos (ressalvada a estrita apreciação judicial).

            Ocorre que, mesmo fixada as regras e publicado o edital respectivo, os candidatos inscritos no certame não têm direito sequer à realização do concurso na época e condições estabelecidas inicialmente. Gozam apenas de mera expectativa de direito, podendo a Administração, caso entenda oportuno e conveniente, anular o concurso antes, durante ou após a sua realização.

            Observe-se que a expectativa de direito, sendo legítima, situa-se no campo metajurídico do direito. Não há nada a ser protegido ou que necessite de proteção, pois, ainda se encontra em constante transformação até alcançar a qualidade de direito subjetivo.

            Destarte, a expectativa de direito está fora do alcance de proteção da ordem jurídica, pela simples razão de que nada existe para ser protegido, como já dito anteriormente.

            Nesta esteira de raciocínio, como discorre o saudoso Meirelles,

            Os candidatos, mesmo que inscritos, não adquirem direito à realização do concurso na época e condições inicialmente estabelecidas; esses elementos podem ser modificados pelo Poder Público como pode ser cancelado ou invalidado o concurso (...) e assim é, porque os concorrentes têm apenas uma expectativa de direito que não obriga a Administração a realizar as provas prometidas. Ainda mesmo, a aprovação no concurso não gera direito absoluto à nomeação ou à admissão, pois que continua o aprovado com simples expectativa de direito à investidura no cargo ou emprego disputado. [06]

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            Por lógico, importa distinguir uma situação semelhante. Se se cobra taxa de inscrição do candidato, como geralmente ocorre, não pode a Administração, depois de já inscritos centenas de candidatos, deixar de ressarcir o prejuízo dos concorrentes, e anular o concurso público, sob a simples alegação de motivos de conveniência. Até porque, pensando o contrário, estar-se-ia criando uma perigosa fonte de receita do Estado e possibilitando o enriquecimento sem causa da Administração, comportamento que não se coaduna com a moralidade.

            De outra banda, ultrapassados todos os percalços e vencidas todas as etapas do concurso, o candidato aprovado não tem direito subjetivo (mas mera expectativa) à nomeação, aí sim, valendo-se a Administração da simples alegação de conveniência para anular o certame.

            Saliente-se que, em casos específicos, o Superior Tribunal de Justiça já impôs à Administração o dever de nomear candidato aprovado em concurso público. Mas, trata-se de situação isolada, que não reflete a orientação majoritária de que se cuida de mera expectativa de direito. Contraria, inclusive, o norte apontado pelo Supremo Tribunal Federal. A este respeito, têm-se os seguintes arestos daquele Excelso Pretório:

            MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. FISCAL DO TRABALHO. DECADÊNCIA. DIREITOS ASSEGURADOS AOS CONCORRENTES: NÃO-EXCLUSÃO E NÃO-PRETERIÇÃO. CONCURSO REALIZADO EM DUAS ETAPAS. PARTICIPAÇÃO NA SEGUNDA ETAPA (TREINAMENTO) ASSEGURADA POR MEDIDA PRECÁRIA. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO À NOMEAÇÃO. 1. O prazo decadencial para se impetrar mandado de segurança com o objetivo de obter nomeação de servidor público se inicia a partir do término do prazo de validade do concurso. 2. O que a aprovação em concurso assegura ao candidato é uma salvaguarda, uma expectativa de direito à não-exclusão, e à não-preterição por outro concorrente com classificação inferior à sua, ao longo do prazo de validade do certame. 3. A participação em segunda etapa de concurso público, assegurada por força de medida liminar em que não se demonstra concessão definitiva da segurança pleiteada, não é apta a caracterizar o direito líquido e certo. 4. Recurso improvido. (sem grifos no original) STF – RMS 24551 – DF – 2ª T. – Rel. Minª. Ellen Gracie – DJ 24.10.2003

            RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. DELEGADO DE POLÍCIA FEDERAL. REPROVAÇÃO EM EXAME PSICOTÉCNICO. LIMINAR CONCEDIDA. APROVAÇÃO NA SEGUNDA ETAPA. PRAZO DE VALIDADE EXPIRADO. FATO CONSUMADO: INEXISTÊNCIA. 1. Liminar concedida tão-somente para a participação na segunda etapa do certame. A aprovação no concurso não gera direito líquido e certo à nomeação e posse. 2. O prazo de validade do concurso a que se submeteram os impetrantes tinha expirado quando foram nomeados candidatos aprovados em concurso subseqüente. Hipótese em que não se dá a quebra da ordem de classificação vedada pela Súmula nº 15-STF. 3. Não há falar em fato consumado, se a aprovação na segunda etapa criou mera expectativa de direito sem se verificar situação consolidada pelo tempo. Recurso ordinário não provido. (sem grifos no original) STF – RMS 23813 – DF – 2ª T. – Rel. Min. Maurício Correa – DJ 09.11.2001

            CONSTITUCIONAL. CONCURSO PÚBLICO. CURSO DE FORMAÇÃO DE SOLDADOS DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE MINAS GERAIS. LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL Nº 50/98, QUE, APÓS A CONCLUSÃO DA PRIMEIRA ETAPA, PASSOU A EXIGIR ESCOLARIDADE DE NÍVEL SECUNDÁRIO. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 5º, INCISO XXXVI. DIREITO ADQUIRIDO INEXISTENTE. Em face do princípio da legalidade, pode a Administração Pública, enquanto não concluído e homologado o concurso público, alterar as condições do certame constantes do respectivo edital, para adaptá-las à nova legislação aplicável à espécie, visto que, antes do provimento do cargo, o candidato tem mera expectativa de direito à nomeação ou, se for o caso, à participação na segunda etapa do processo seletivo. (sem grifos no original) STF – RMS 290346 – MG – 1ª T. – Rel. Min. Ilmar Galvão – DJ 29.06.2001

            Aliás, o único direito subjetivo que realmente tem o candidato aprovado em concurso público é o de que não haja preterição ilegal na ordem de convocação dos candidatos aprovados. Este é, a propósito, o entendimento cristalizado pela Súmula n.º 15 do Supremo Tribunal Federal, a qual dispõe que, "dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação" (sem grifos no original).

            Mais uma vez, a lição do eminente Meirelles socorre o entendimento deitado, ao pontificar que

            (...) vencido o concurso, o primeiro colocado adquire o direito subjetivo à nomeação, com preferência sob qualquer outro, desde que a Administração se disponha a prover o cargo ou o emprego público, mas a conveniência e a oportunidade ficam à inteira discrição do Poder Público. [07]

            Não ousa discordar deste apontamento a insigne Di Pietro, ao lecionar que

            (...) durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas, ou de provas e títulos, será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir o cargo ou emprego na carreira. Essa norma significa que, enquanto houver candidatos aprovados em concurso e este estiver dentro do prazo de validade fixado no edital, eles terão prioridade para a nomeação. [08]

            Note-se que, somente depois de nomeado, é que o candidato tem direito à posse, não havendo que se falar em direitos antes da nomeação. É a orientação definida pela Súmula n.º 16 do Supremo Tribunal Federal: "O funcionário nomeado por concurso tem direito posse".

            Neste rumo, a ilação é que a aprovação em concurso público constitui mera expectativa de direito do candidato a ser nomeado a cargo junto à Administração. Por conseguinte, a mesma (expectativa de direito) está longe da alçada jurisdicional posto que não alcançou a categoria de direito subjetivo.

            Disto se conclui que, inexistindo direito subjetivo capaz de albergar proteção jurídica, írrita é a imposição da formação litisconsorcial passiva.

            3.1.2 Celeridade e economia processual

            Noutro viés, como referido alhures, a opção pela formação litisconsorcial se contrapõe à celeridade e à economia processual, dentro da mesma demanda (não se olvide que, dentro do contexto geral, a formação litisconsorcial proporciona economia e celeridade ao evitar a multiplicação de ações).

            Estes princípios, porém, regem o processo civil moderno, que, com o mínimo de dispêndio e o máximo de celeridade, almeja tornar efetivos os pronunciamentos do Poder Judiciário.

            Em sentido contrário a este, a formação de litisconsórcio, além de trazer reflexos de ampliação dos prazos peremptórios e dilatórios, culmina no maior dispêndio de numerário e esforço de atividade jurisdicional.

            Na verdade, o direito constitucional de acesso à justiça, albergado no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, decorre do princípio de que todos têm direito a uma resposta tempestiva da tutela jurisdicional.

            Chiovenda, traçando as linhas originárias do atual processo civil, pondera que

            (...) tendo em conta que a atividade do Estado, para operar a atuação da lei, exige tempo e despesa, urge impedir que aquele que se viu na necessidade de servir-se do processo para obter razão,tenha prejuízo do tempo e da despesa exigidos: a necessidade de servir-se do processo para obter razão não deve reverter em dano a quem tem razão. [09]

            Para o alcance deste objetivo, devem-se homenagear os princípios de regência, realizando a quantidade mínima possível de atos processuais, evitando-se a repetição dos já praticados (quando não seja indispensável para o desenvolvimento do processo) e a prática dos inúteis.

            No caso das demandas judiciais que atacam as decisões emanadas dos presidentes de comissão de concursos públicos, é indubitável que a necessidade de citação de todos os candidatos classificados, que, muitas das vezes, contam centenas, avilta por demais a efetivação processual.

            O que é pior, traz o descrédito do Judiciário, que, para a sociedade, apresenta-se como o conjunto de repartições públicas, enxertadas de funcionários que, entretanto, devido a sua atividade extremamente burocrática, não consegue alcançar o seu fim último – pacificação social.

            Dentro deste contexto é que surge a necessidade premente de afastar os formalismos inúteis, que em nada contribuem para a atividade judicial e, nem mesmo, para o alcance da verdade real capaz de promover a socialização das decisões.

            3.1.3 Contribuição para o litígio

            Seguindo esta ótica, impende registrar que a formação litisconsorcial passiva obrigatória, equivocadamente adotada pela maioria dos pretórios pátrios, não traz qualquer utilidade ao litígio posto ao conhecimento do Poder Judiciário.

            Deveras, é de bom alvitre ressaltar que todas as informações acerca do litígio formado podem ser trazidas pela pessoa (presidente de comissão de concurso público) que praticou o ato atacado pela demanda judicial.

            Sendo assim, a formação do litisconsórcio passivo necessário em nada contribui, a título de informação, para o deslinde da questão. Ao contrário, a imposição daquele instituto somente causa o tumulto processual, do qual o legislador guarda antipatia.

            Observe-se que o próprio legislador, nesta mesma esteira de raciocínio (afastar o tumulto processual), e buscando alinhar o processo aos seus consectários (deslinde efetivo), permite ao juiz a limitação do número de litisconsortes facultativos (litisconsórcio multitudinário – art. 46, parágrafo único).

            Não foge deste diapasão a limitação sugerida por este trabalho. Entende-se que, balizado sob os princípios que guarnecem a Administração Pública, o presidente da comissão do concurso pretensamente viciado, certamente trará todas as informações pertinentes ao debate da questão, sob pena de ser-lhe imputadas as cominações legais jungidas à espécie.

            3.1.4 Facilitação do acesso ao judiciário

            Por outro giro, a hostilizada formação litisconsorcial passiva necessária acaba por dificultar o acesso ao Poder Judiciário. Uma porque torna o processo em si mais dispendioso. Outra, porque algumas informações não alcançadas pela parte interessada (endereço e qualificação dos pretensos litisconsortes) podem frustrar o acesso almejado.

            Entenda-se que acesso ao Judiciário não está restrito ao direito de ação. Vai muito mais além disso. Consubstancia-se no alcance do fim proposto e destinado ao Judiciário pelo constituinte originário qual seja, a entrega da efetiva prestação jurisdicional capaz de resolver a pendenga posta a desate.

            Não sobreleva este norte a afirmação de que o acesso permanece livre com a possibilidade de citação por edital dos demais candidatos aprovados. Isto porque, tal providência, sem embargo de dúvida, retarda o processo que, em contrapartida, na maciça maioria das vezes, não obtém qualquer resposta dos supostos interessados no deslinde da demanda judicial. Mostra-se a providência, como dito outrora, inútil, devendo ser podada pelo aplicador do direito.

            3.1.5 Súmula n.º 473 do Supremo Tribunal Federal

            Evidenciando ainda mais a desnecessidade da referida formação litisconsorcial passiva, apresenta-se a Súmula n.º 473 do Excelso Supremo Tribunal Federal, que possibilita a anulação dos atos públicos pela própria Administração – independentemente de provocação de qualquer interessado. Eis o teor daquele enunciado:

            A Administração pode anular os seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

            Ora, se a própria Administração, quando verifica ilegalidade, pode anular seus atos mesmo sem a participação de outras pessoas, é forçoso compreender que a participação (ou não) destas não será obstáculo para o atendimento da pretensão esposada numa demanda judicial.

            Esta posição (adotada pelo Supremo Tribunal Federal no verbete citado) coloca a vontade administrativa (orientada pelos princípios reguladores) em patamar soberano, acima de qualquer resistência processual deflagrada por qualquer pessoa, respeitados os direitos adquiridos, diga-se oportunamente.

            Sendo assim, a participação dos costumeiros litisconsortes não revela utilidade posto que poderá ser relevada pelo posicionamento adotado pela Administração Pública.

            Em outras palavras tem-se que, se a formação do litisconsórcio passivo em demandas que atacam atos da administração é necessária, necessária seria a convocação de todas as pessoas que pudessem ser atingidas pelo reconhecimento de nulidade de um ato administrativo, nos moldes autorizadores da Súmula n.º 473 do Supremo Tribunal Federal. Não é o que ocorre, contudo.

            Portanto, se a Administração pode, inclusive, revogar um concurso por mera conveniência, sem a participação reunida de todos os candidatos, não é razoável exigir que o Judiciário, para anular o mesmo concurso (agora por um motivo mais forte – ilegalidade), exija do autor da demanda judicial a formação de litisconsórcio passivo.

            3.2 Orientação Jurisprudencial

            Pautando-se nessa direção, de que é dispensável a necessária formação do litisconsórcio passivo nas demandas judiciais em que se atacam atos do presidente da comissão do certame por se tratar de mera expectativa de direito, a Excelsa Corte de há muito sustenta este entendimento:

            Assistência. Mera expectativa de direito não gera condição de permissibilidade de litisconsórcio. Agravo não provido. Mandado de segurança. Assistência. Mera expectativa de direito não gera condição de permissibilidade de litisconsórcio. Agravo não provido. AI 26190 – Rel. Min. Pedro Chaves – DJ. 06.12.1962

            Em pronunciamentos mais recentes, a Corte Superior Infraconstitucional se manifesta em diversas ocasiões neste sentido. Claro que não é entendimento uníssono naquele Pretório. Todavia, representa orientação que se coaduna com a defendida neste trabalho.

            A propósito, leiam-se os julgados que seguem, transcrito na parte relacionada ao tema:

            Dispensável a citação de concursandos como litisconsortes necessários, eis que os candidatos, mesmo que aprovados, não titularizam direito líquido e certo à nomeação. ROMS 13381 – MG – Rel. Min. Hamilton Carvalhido – DJ 04.08.2003

            Não havendo entre o recorrente e os demais inscritos no concurso público em questão comunhão de interesses, apresenta-se desnecessária a citação destes para integrarem a lide como litisconsortes passivos. Precedentes. ROMS 14514 – MG – Rel. Min. Félix Fischer – DJ 23.06.2003

            Possuindo os eventuais aprovados no certame tão-somente expectativa de direito, os efeitos jurídicos da decisão proferida nos autos não incidirão sobre suas respectivas esferas jurídicas, o que elide o pretenso litisconsórcio passivo necessário aduzido pela impetrante. ROMS 13456 – MG – Rel. Min. Vicente Leal – DJ 28.10.2002

            Consoante já manifestou o Superior Tribunal de Justiça, não havendo comunhão de interesses entre o impetrante e os demais candidatos inscritos em concurso público, apresenta-se desnecessária a citação destes para integrarem a lide como litisconsortes passivos. AGA 501716 – SE – Rel. Min. Gilson Dipp – DJ 17.05.2004

            Possuindo os eventuais aprovados no certame tão-somente expectativa de direito, os efeitos jurídicos da decisão proferida nos autos não incidirão sobre suas respectivas esferas jurídicas, o que elide o pretenso litisconsórcio passivo necessário aduzido pela impetrante. ROMS 14269 – MG – Rel. Min. Vicente Leal – DJ 17.06.2002

            É desnecessária a citação dos litisconsortes passivos necessários, ante a ausência de comunhão de interesses entre o impetrante e os candidatos inscritos no certame, os quais detêm mera expectativa de direito à nomeação pela Administração, não incidindo sobre eles os efeitos jurídicos da decisão proferida no caso em tela. ROMS 13380 – MG – Rel. Min. Fernando Gonçalves – DJ 30.09.2002

            Do Tribunal de Justiça da Paraíba, encontra-se recente precedente da Quarta Câmara Cível que denota o mesmo entendimento acima esposado.Veja-se a ementa do aresto:

            PROCESSUAL CIVIL – Preliminar de nulidade – Mandado de segurança – Não formação de litisconsórcio passivo necessário – Concurso público – Aprovação – Mera expectativa de direito – Precedentes atuais do Superior Tribunal de Justiça – Rejeição.

            - A recente orientação do Superior Tribunal de Justiça é de que, possuindo os aprovados em concurso público mera expectativa de direito, a formação de litisconsórcio passivo, em demanda judicial, mostra-se desnecessária, ante o não alcance dos efeitos da decisão respectiva na esfera jurídica dos demais candidatos. RO e AC 2003.013090-7 – Rel. Juiz Convocado Carlos Eduardo Leite Lisboa – J. 03.06.2004

            Dessume-se dos excertos supracolacionados que se vem ganhando força a orientação da desnecessidade da formação do litisconsórcio passivo em casos de ataque a atos de comissão de concurso público. Embora ainda seja posição tímida, parece querer caminhar a passos mais largos, afigurando-se como rumo a predominar em futuro próximo.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Ao final deste breve estudo, que analisou a formação litisconsorcial passiva necessária nas demandas judiciais que atacam atos do presidente das comissões dos concursos públicos, chega-se às seguintes conclusões:

            O litisconsórcio, embora consiga harmonizar os pronunciamentos jurisdicionais, tornado-os mais econômicos ao evitar a multiplicação de ações, proporciona a complexidade da demanda judicial.

            A aprovação do candidato em concurso público constitui mera expectativa de direito para a integração dos quadros funcionais da Administração respectiva.

            A formação do litisconsórcio passivo necessário não guarda sustentáculo jurídico quando se almeja a defesa de mera expectativa de direito, pois a decisão judicial correspondente não tem o condão de interferir na esfera jurídica do expectador.

            Afastando-se a formação do litisconsórcio, a demanda judicial em si torna-se mais célere.

            A exigência de formação litisconsorcial passiva necessária, com a citação de todos os candidatos aprovados no certame (expectadores de direito) não traz contribuição útil para o desate da causa.

            A não formação do litisconsórcio facilita o acesso do candidato ao Judiciário.

            A possibilidade de a Administração revogar, por motivo de conveniência, os seus próprios atos justifica a não formação em Juízo do litisconsórcio passivo necessário, quando a demanda judicial ataca a ilegalidade do ato administrativo.

            O recente posicionamento jurisprudencial defende como desnecessária a formação litisconsorcial passiva necessária nas demandas que atacam atos emanados dos presidentes das comissões de concursos públicos.


NOTAS

01

Cândido Rangel Dinamarco. Instituições de Direito Processual Civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 334.

02

Op Cit. p. 334.

03

Luiz Guilherme Marinoni. Manual do Processo de Conhecimento. 2ª ed. São Paulo: RT, 2003, p. 189.

04

Luiz Rodrigues Wambier. Curso Avançado de Processo Civil. vol. 1. 6ª ed. São Paulo: RT, 2004, p. 251.

05

Op Cit. p. 352-353.

06

Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 405.

07

Op cit. p. 405.

08

Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 427.

09

Giuseppe Chiovenda. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1965, p. 199.

REFERÊNCIAS

            BRASIL. Código de Processo Civil. 5. ed. São Paulo: RT, 2003.

            BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 2003.

            CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1965.

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            DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000.

            MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 2. ed. São Paulo: RT, 2003.

            MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

            WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. vol. 1. 6ª ed. São Paulo: RT, 2004.

            RINALDO MOUZALAS DE SOUZA E SILVA, advogado em João pessoa (PB), bacharel em Direito pela Universidade Federal da Paraíba, especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Potiguar.

            FLÁVIO JOSÉ COSTA DE LACERDA, assessor especial do Presidente do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, bacharel em Direito pela UNIPÊ, pós-graduado pela Escola Superior da Magistratura da Paraíba, especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Potiguar.

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Sobre os autores
Rinaldo Mouzalas de Souza e Silva

Mestre em Processo e Cidadania pela Universidade Católica de Pernambuco. Especialista em Processo Civil pela Universidade Potiguar. Graduado em ciências jurídicas e sociais pela Universidade Federal da Paraíba. Membro da ANNEP – Associação Norte e Nordeste dos Professores de Processo. Advogado e consultor jurídico.

Flávio José Costa de Lacerda

Procurador do Estado da Paraíba, advogado,pós-graduado pela Escola Superior da Magistratura da Paraíba (ESMA/PB), especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Potiguar (UnP/RN)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Rinaldo Mouzalas Souza ; LACERDA, Flávio José Costa. Litisconsórcio passivo necessário e concurso público.: A desnecessidade de sua formação nas demandas judiciais que atacam atos de presidentes de comissão do certame. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1135, 10 ago. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8785. Acesso em: 18 abr. 2024.

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