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Formação da convicção e inversão do ônus da prova segundo as peculiaridades do caso concreto

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12/09/2006 às 00:00
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Na fase de convicção, e portanto antes de decidir, o juiz deve considerar não só a natureza dos fatos em discussão e a quem incumbe a sua prova, mas também a natureza da situação concreta a ele levada para julgamento.

Sumário: 1. A distribuição do ônus da prova e a formação da convicção; 2. Críticas às teses de que i) o juiz deve julgar sempre com base na verossimilhança que preponderar e de que ii) a falta de prova capaz de gerar convicção plena ou de verdade implica em uma sentença que não produz coisa julgada material; 3. O julgamento fundado em verossimilhança, a inversão do ônus da prova na audiência preliminar e a inversão do ônus da prova na sentença; 4. O tratamento diferenciado do ônus da prova diante das várias necessidades do direito material; 5. A inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor; 6. Convicção, decisão e motivação


1. A distribuição do ônus da prova e a formação da convicção

De acordo com o artigo 333 do CPC, o ônus da prova incumbe ao autor quanto ao fato constitutivo e ao réu em relação à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo. Essa regra, ao distribuir o ônus da prova, funda-se na lógica de que o autor deve provar os fatos que constituem o direito que afirma, mas não a não existência daqueles que impedem a sua constituição, determinam a sua modificação ou a sua extinção.

Não há racionalidade em exigir que alguém que afirma um direito deva ser obrigado a se referir a fatos que impedem o seu reconhecimento. Isso deve ser feito por aquele que pretende que o direito não seja declarado, isto é, pelo réu.

Na Alemanha, onde não há norma similar a do art. 333, a idéia de distribuição do ônus da prova segue a mesma lógica. Argumenta-se que a parte que pretende ser beneficiada pelos efeitos de uma norma deve provar os pressupostos fáticos para a sua aplicação. Se, para a aplicação de uma norma, são relevantes os fatos constitutivos, impeditivos, modificativos e extintivos, aquele que deseja a produção dos seus efeitos deve provar somente os fatos que são exigidos para a sua aplicação, e não os que impedem a sua aplicação, ou modificam ou extinguem o direito. Na ausência de regra expressa sobre a divisão do ônus da prova, a doutrina alemã, desenvolvendo a idéia de que a discussão em torno da aplicação de uma norma pode girar em torno dos fatos constitutivos, impeditivos, modificativos e extintivos, chegou à conclusão lógica de que o autor deve somente provar os fatos pressupostos para a aplicação da norma, e o réu os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos. Por isso, a teoria que expressou tal problemática ficou conhecida como Normentheorie.1

Afirma-se que a regra do ônus da prova se destina a iluminar o juiz que chega ao final do procedimento sem se convencer sobre como os fatos se passaram. Nesse sentido, a regra do ônus da prova é um indicativo para o juiz se livrar do estado de dúvida e, assim, definir o mérito. Tal dúvida deve ser paga pela parte que tem o ônus da prova. Se a dúvida paira sobre o fato constitutivo, essa deve ser suportada pelo autor, ocorrendo o contrário em relação aos demais fatos.

Quando a doutrina considera a regra do ônus da prova em relação ao juiz, supõe que a sua única função é a de viabilizar a decisão em caso de dúvida. Nessa linha, por exemplo, PATTI afirma que tal regra confere ao juiz a oportunidade de acolher ou rejeitar a demanda quando, não obstante a atividade probatória das partes – ou mesmo na sua ausência –, ele esteja em dúvida em relação à "verdade" dos fatos.2

Acontece que a idéia de que a regra do ônus da prova - quando dirigida ao juiz - importa apenas quando há dúvida, decorre da falta de constatação de que o juiz somente pode decidir após ter passado pela fase de convicção. Na fase de convicção, e portanto antes de decidir, o juiz deve considerar não só a natureza dos fatos em discussão e a quem incumbe a sua prova, mas também a natureza da situação concreta a ele levada para julgamento. Existem situações de direito substancial que exigem que o convencimento judicial possa se formar a partir da verossimilhança do direito sustentado pelo autor. Assim, por exemplo, nos casos das chamadas lesões pré-natais, quando não há racionalidade em exigir, para a procedência do pedido ressarcitório, uma convicção plena (ou de verdade) de que a doença do recém nascido deriva do acidente que a sua mãe sofreu quando em gestação.

Em um caso como esse, a ausência de convicção plena ou de verdade não leva o juiz a um estado de dúvida, que teria que ser dissipada através da aplicação da regra do ônus da prova como "regra de decisão", julgando-se improcedente o pedido pelo motivo de o autor não ter se desincumbido do ônus probatório. E isso por uma razão bastante simples: é que o juiz, nesses casos, não finaliza a fase de convencimento em estado de dúvida. Ora, estar convicto de que basta a verossimilhança não é o mesmo do que estar em dúvida.

Quando se fala que a regra do art. 333. importa para a formação do convencimento, deseja-se dizer que ela pode ser atenuada ou invertida diante de determinadas situações de direito substancial. Perceba-se que, ao se admitir que a regra do ônus da prova tem a ver com a formação do convencimento judicial, fica fácil explicar porque o juiz, ao considerar o direito material em litígio, pode atenuar ou inverter o ônus probatório na sentença ou mesmo invertê-lo na audiência preliminar.

Se o juiz, para decidir, deve passar por um contexto de descoberta, é necessário que ele saiba não apenas o objeto que deve descobrir, mas também se esse objeto pode ser totalmente descoberto e qual das partes está em reais condições de esclarecê-lo.

Apenas nesse sentido é que o convencimento, considerado como expressão do juiz, pode ser compreendido. Ou melhor, o convencimento judicial somente pode ser pensado a partir do módulo de convencimento próprio a uma específica situação de direito material, pois o juiz somente pode se dizer convencido quando sabe até onde o objeto do seu conhecimento pode ser esclarecido, assim como qual das partes pode elucidá- lo.

A exigência de convencimento varia conforme a situação de direito material e, por isso, não se pode exigir um convencimento judicial unitário para todas as situações concretas. Como o convencimento varia de acordo com o direito material, a regra do ônus da prova também não pode ser vista sempre do mesmo modo, sem considerar a dificuldade de convicção própria ao caso concreto.

Quando a regra do ônus da prova passa a considerar a convicção diante do caso concreto, ela passa a ser responsável pela formação da convicção, que pode ser de certeza ou de verossimilhança. Ou melhor, pode ser de verossimilhança sem ser de dúvida. Como o convencimento antecede a decisão, não há como aceitar a idéia de que a regra do ônus da prova somente tem importância para permitir a decisão em caso de dúvida, e não para a formação do convencimento. Ora, o juiz que decide com base em verossimilhança não está em dúvida; ao contrário, ele está convencido de que a verossimilhança basta diante das circunstâncias do caso concreto.


2. Críticas às teses de que i) o juiz deve julgar sempre com base na verossimilhança que preponderar e de que ii) a falta de prova capaz de gerar convicção plena ou de verdade implica em uma sentença que não produz coisa julgada material

Algumas doutrinas abandonaram a regra do ônus da prova como critério dirigente da decisão judicial em caso de dúvida. Isso porque, para elas, o julgamento pode fugir da regra do ônus da prova quando existir um grau mínimo de preponderância da prova.

Tais doutrinas aludem a verossimilhança preponderante – a Överviktsprincip na Suécia e a Überwiegensprinzip na Alemanha – para indicar que a convicção pode ser de verossimilhança preponderante3. A lógica dessa tese se funda na idéia de que a verossimilhança, ainda que mínima, permite um julgamento mais racional e mais justo do que aquele que se baseia na regra do ônus da prova.

A admissão de que o juiz está convencido quando a verossimilhança pende para um dos lados praticamente elimina a impossibilidade de convicção e, dessa maneira, o estado de dúvida, que exigiria a aplicação da regra do ônus da prova como método de decisão. Ou seja, se não existe dúvida, não há necessidade de adoção da regra do ônus da prova.

A lógica da verossimilhança preponderante se funda na premissa de que as partes sempre convencem o juiz, ainda que minimamente, o que é totalmente equivocado. O juiz não se convence quando é obrigado a se contentar com o que prepondera. Deixe-se claro que a teoria da verossimilhança preponderante não se confunde com a possibilidade de o juiz reduzir as exigências de prova ou as exigências de convicção a partir de uma particular situação de direito material. Nesse último caso, não se trata de julgar com base na verossimilhança que preponderar, mas sim de julgar com base na verossimilhança exigível à luz das circunstâncias do caso concreto, quando então o juiz se convence, ainda que da verossimilhança, por ser essa a convicção de verdade possível diante do caso concreto.

Uma outra teoria, ao lidar com a dúvida, em princípio não a esconde, mas a afirma. Essa teoria aceita a possibilidade de o juiz chegar ao final do procedimento sem se convencer, dizendo que o juiz, nesse caso, deve proferir uma sentença contrária à parte que tem o ônus da prova. Porém, essa teoria tenta se desfazer da dúvida ao firmar a idéia de que a sentença proferida pelo juiz que não se convenceu, e assim foi obrigado a julgar com base na regra do ônus da prova, não produz coisa julgada material (não se torna indiscutível e imutável).

Contudo, não há muita diferença em proibir que o juiz deixe de julgar (o chamado non liquet) e admitir que a sentença, na hipótese de insuficiência de provas, não produz coisa julgada material. Ora, se o juiz é obrigado a julgar, o seu julgamento deve ter autoridade e se tornar estável, impedindo a sua negação ou rediscussão.

Em resumo: i) não é correto obrigar o juiz a julgar com base na verossimilhança que preponderar, independentemente da situação concreta, como também ii) não se pode admitir que a sentença não produz coisa julgada material apenas por ser fundada em prova insuficiente para esclarecer os fatos. É que as partes devem convencer o juiz, e esse, para julgar, em regra deve estar convicto da verdade, com exceção de particulares situações de direito substancial em que se admite que a sua convicção possa se formar com base em verossimilhança. Por outro lado, não há qualquer racionalidade em admitir que a sentença, apenas porque baseada em provas insuficientes, não produz coisa julgada material, pois isso seria o mesmo que supor que os conflitos devem se eternizar até que as partes tenham meios para provar ou até que o juiz possa se convencer, o que apenas serve para negar a evidência da falibilidade dos meios de conhecimento, da prova, do processo, das partes e do juiz.


3. O julgamento fundado em verossimilhança, a inversão do ônus da prova na audiência preliminar e a inversão do ônus da prova na sentença

Como visto, se o juiz deve se convencer de algo que está no plano do direito material, não há como exigir uma convicção uniforme para todas as situações de direito substancial. Em alguns casos, como os de lesões pré- natais, de seguro e relativos a atividades perigosas, a redução das exigências de prova ou de convicção de certeza é decorrência da própria natureza dessas situações. Por isso, diante delas é admitida a convicção de verossimilhança. Tais situações têm particularidades es pecíficas, suficientes para demonstrar que a exigência de prova plena seria contrária ao desejo do direito material.

O objetivo deste item é deixar claro que existem três formas para adequadamente atender o direito material diante da fria regra do ônus da prova. A primeira é a de admitir, a partir de dada situação de direito material, o julgamento com base em verossimilhança, isto é, a redução das exigências de prova ou de convicção; a segunda é a da inversão do ônus da prova na audiência preliminar; e a terceira é a da inversão do ônus da prova na sentença, quando o juiz não chega sequer a uma convicção de verossimilhança, em face da inesclarecibilidade da situação fática.

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Como é óbvio, quando o direito material nada tem de particular, a dúvida implica no julgamento com base na regra do ônus da prova, e assim a verossimilhança aí não basta. Mas, existem situações de direito material que, embora não permitam a formação de convicção de verossimilhança, exigem a inversão do ônus da prova na audiência preliminar ou na sentença.

Em princípio, a inversão do ônus da prova somente é admissível como regra dirigida às partes, pois deve dar à parte que originariamente não possui o ônus da prova a oportunidade de produzi-la. Nessa lógica, quando se inverte o ônus é preciso supor que aquele que vai assumi- lo terá a possibilidade de cumpri- lo, pena de a inversão do ônus da prova significar a imposição de uma perda, e não apenas a transferência de um ônus. A inversão do ônus da prova, nessa linha, somente deve ocorrer quando o réu tem a possibilidade de demonstrar a não existência do fato constitutivo.

É evidente que o fato de o réu ter condições de provar a não existência do fato constitutivo não permite, por si só, a inversão do ônus da prova. Isso apenas pode acontecer quando as especificidades da situação de direito material, objeto do processo, demonstrarem que não é racional exigir a prova do fato constitutivo, mas sim exigir a prova de que o fato constitutivo não existe. Ou seja, a inversão do ônus da prova é imperativo de bom senso quando ao autor é impossível, ou muito difícil, provar o fato constitutivo, mas ao réu é viável, ou muito mais fácil, provar a sua inexistência.

Em outros casos, porém, a produção da prova é impossível às duas partes, e assim não há razão para inversão do ônus da prova na audiência preliminar. Contudo, diante da impossibilidade da produção de prova, o juiz não consegue formar sequer uma convicção de verossimilhança, mas, ainda assim, a inesclarecibilidade da situação de direito material não deve ser suportada pelo autor, como ocorre nos "casos comuns". 4

Pense-se no exemplo dado por Walter5, da vítima que foi nadar em clube de natação que deixou de informar, seguindo as regras legais, a profundidade das piscinas aptas àqueles que ainda estavam aprendendo a nadar. Ocorrida uma morte em piscina de grande profundidade, sem que essa estivesse definida como imprópria aos nadadores iniciantes, os familiares do falecido ingressaram com ação ressarcitória. Os autores afirmaram que a vítima morreu afogada, enquanto que o réu disse que a morte teria sido ocasionada por um colapso. Não havia como demonstrar uma coisa nem outra e, assim, existia uma situação de "inesclarecibilidade". Diante da impossibilidade de produção de prova, sequer indiciária, o juiz não teve condições de chegar nem mesmo a uma convicção de verossimilhança. Frise-se que, nesse caso, além de ter sido impossível a inversão do ônus da prova na audiência preliminar, o juiz não encontrou uma convicção de verossimilhança.

Mas seria justo que a sentença concluísse que os autores deveriam pagar pela não produção de prova? Ou a dúvida deveria ser arcada pelo réu? Partindo-se do pressuposto de que aquele que viola uma norma de prevenção ou de proteção aceita o risco de produzir dano, a aceitação desse risco implica, por conseqüência lógica, em assumir o risco relativo à dificuldade na elucidação da causalidade entre a violação e o dano, ou melhor, em assumir o ônus da prova capaz de esclarecê- la. Vale dizer que, quando há uma situação de inesclarecibilidade que pode ser imputada ao réu, a sentença deve inverter o ônus da prova. Nessa hipótese, como não há convicção de verossimilhança, a dúvida tem que ser paga por uma das partes. Mas não há racionalidade em imputá-la ao autor quando o risco da inesclarecibilidade do fato constitutivo é assumido pelo réu.

Resumindo: o juiz deve procurar uma convicção de verdade e, por isso, quando está em dúvida - isto é, quando o autor não lhe convencer da existência do fato constitutivo -, em regra deve julgar com base na regra do art. 333. Porém, algumas situações de direito material exigem que o juiz reduza as exigências de prova, contentando-se com uma convicção de verossimilhança. Ao lado disso, há situações em que ao autor é impossível, ou muito difícil, a produção da prova do fato constitutivo, mas ao réu é viável, ou mais fácil, a demonstração da sua inexistência, o que justifica a inversão do ônus da prova na audiência preliminar. Acontece que há casos em que a prova é impossível, ou muito difícil, para ambas as partes, quando então não há como inverter o ônus probatório na audiência preliminar e o juiz não chega sequer a uma convicção de verossimilhança ao final do procedimento. Nessas hipóteses, determinada circunstância de direito material pode permitir a conclusão de que a impossibilidade de esclarecimento da situação fática não deve ser paga pelo autor, quando a inversão do ônus da prova deve ocorrer na sentença.


4. O tratamento diferenciado do ônus da prova diante das várias necessidades do direito material

Há um grande equívoco em supor que o juiz apenas pode inverter ou atenuar o ônus da prova quando pode aplicar o CDC. O fato de o art. 6o, VIII, do CDC, afirmar expressamente que o consumidor tem direito a inversão do ônus da prova não significa que o juiz não possa assim proceder diante de outras situações de direito material.

Caso contrário teríamos que raciocinar com uma das seguintes hipóteses: i) ou admitiríamos que apenas as relações de consumo podem abrir margem ao tratamento diferenciado do ônus da prova; ii) ou teríamos que aceitar que outras situações de direito substancial, ainda que tão características quanto as pertinentes às relações de consumo, não admitem tal tratamento diferenciado apenas porque o juiz não esta autorizado pela lei.

A idéia de que somente as relações de consumo reclamam a inversão do ônus da prova não tem sustentação. Considerada a natureza das relações de consumo, é certo que ao consumidor não pode ser imputado o ônus de provar certos fatos – como a relação de causalidade entre o defeito do produto - ou do serviço - e os danos – nas ações de ressarcimento que podem ser propostas contra o fabricante, o produtor, o construtor, o importador de produtos e o fornecedor de serviços (arts. 12. e 14 do CDC).

Porém, isso não quer dizer que não existam outras situações de direito substancial que exijam a inversão do ônus da prova ou mesmo requeiram uma atenuação do rigor na aplicação da regra do ônus da prova, contentando-se com a verossimilhança.

Basta pensar nas chamadas atividades perigosas ou na responsabilidade pelo perigo e nos casos em que a responsabilidade se relaciona com a violação de deveres legais, quando o juiz não pode aplicar a regra do ônus da prova como se estivesse frente a um caso "comum", exigindo que o autor prove a causalidade entre a atividade e o dano e entre a violação do dever e o dano sofrido. Ou seja, não há razão para forçar uma interpretação capaz de concluir que o art. 6o, VIII do CDC pode ser aplicado, por exemplo, nos casos de dano ambiental, quando se tem a consciência de que a inversão do ônus da prova ou a redução das exigências de prova têm a ver com as necessidades do direito material e não com uma única situação específica ou com uma lei determinada.

Não existe motivo para supor que a inversão do ônus da prova somente é viável quando prevista em lei. Aliás, a própria norma contida no art. 333. não precisaria estar expressamente prevista, pois decorre do bom senso ou do interesse na aplicação da norma de direito material, que requer a presença de certos pressupostos de fato, alguns de interesse daquele que postula a sua atuação e outros daquele que não deseja vê-la efetivada. Recorde-se que o ordenamento alemão não contém norma similar a do art. 333, e exatamente por isso a doutrina alemã construiu a Normentheorie.6

Da mesma forma que a regra do ônus da prova decorre do direito material, algumas situações específicas exigem o seu tratamento diferenciado. Isso pela simples motivo de que as situações de direito material não são uniformes. A suposição de que a inversão do ônus da prova deve estar expressa na lei está presa à idéia de que qualquer incremento do poder do juiz deve estar definido na legislação, pois de outra forma estará aberta a possibilidade de o poder ser utilizado de maneira arbitrária.

Atualmente, contudo, não se deve pretender limitar o poder do juiz, mas sim controlá- lo, e isso não pode ser feito mediante uma previsão legal da conduta judicial, como se a lei pudesse dizer o que o juiz deve fazer para prestar a adequada tutela jurisdicional diante de todas as situações concretas. Como as situações de direito material são várias, deve-se procurar a justiça do caso concreto, o que repele as teses de que a lei poderia controlar o poder do juiz. Esse controle, atualmente, somente pode ser obtido mediante a imposição de uma rígida justificativa racional das decisões, que podem ser auxiliadas por regras como a da proporcionalidade e suas sub-regras.

Se não é possível ao legislador afirmar, como se estivesse tratando de situações uniformes, que o juiz deve sempre aplicar a regra do ônus da prova, também não lhe é possível dizer que apenas uma ou outra situação de direito material pode permitir a sua inversão. É claro que tal inversão pode ser prevista para determinadas situações – como acontece com as relações de consumo –, mas não é certo concluir que a ausência de expressa previsão legal possa excluir a atuação judicial em todas as outras.

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Sobre o autor
Luiz Guilherme Marinoni

professor titular de Direito Processual Civil dos cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado da UFPR, mestre e doutor em Direito pela PUC/SP, pós-doutor pela Universidade de Milão, advogado em Curitiba, ex-procurador da República

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINONI, Luiz Guilherme. Formação da convicção e inversão do ônus da prova segundo as peculiaridades do caso concreto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1168, 12 set. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8845. Acesso em: 22 nov. 2024.

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