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Norma geral antielisiva e sua regulamentação

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22/10/2006 às 00:00
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1. ELISÃO E EVASÃO FISCAL

1.1.Limites da elisão fiscal frente à evasão

Elisão fiscal e evasão fiscal são dois institutos do direito tributário antagônicos. O primeiro expressa uma não-incidência tributária legalmente admitida, também podendo significar uma tributação reduzida. Por sua vez o segundo se trata de uma ilicitude para escapar da tributação.

Diva Malerbi parte do sentido amplo do termo elisão para, então, separar as duas figuras, as quais servem para referendar as seguintes qualificações jurídicas: (a) abstenção de incidência pura e simples; (b) elisão em sentido estrito ou via jurídica lícita menos onerosa; (c) evasão em sentido estrito ou via jurídica, ilícita menos onerosa; (d) simulação ou ocultação do fato imponível por meio de forma aparente de legitimidade; (e) fraude ou ocultação pura e simples de fato imponível ocorrido. Não é outro o entendimento de Gilberto de Ulhôa Canto [01]. Nas palavras da Mestra antes referida, tem-se:

A elisão tributária refere-se a um certo tipo de situações citadas pelo contexto do direito tributário positivo que, por não estar compreendido dentro do catálogo legal das situações tributáveis existentes, pertence, assim, àquela área de proteção jurídica do particular (relacionada com sua liberdade negocial e, precipuamente, com a sua propriedade), constitucionalmente assegurada, na qual o Estado tributante não pode ingressar. [01]

A clássica distinção desses institutos é dada por Alberto Hensel, aliás o primeiro a formular o método diferenciador entre evasão e elisão fiscal, exposto na 1ª edição de seu "Steuerrecht", de 1924, do qual Gomes de Souza transcreve, devidamente traduzido por ele mesmo da versão italiana no seguinte trecho:

O que distingue a elisão da fraude fiscal é que, neste último caso, trata-se de um descumprimento ilícito de obrigação já validamente surgida com a ocorrência do fato gerador, ao passo que na elisão impede-se o surgimento da obrigação tributária evitando a ocorrência do fato gerador. [02]

Neste aspecto, muito embora nos atos, fatos ou situações possa identificar-se as características de cada instituto, situações de fato há que envolvem mais de uma figura, ou em que elas se confundem [03]. Assim, recomenda-se ter presente lições como a de Canto:

O legislador deve formular a norma de tal maneira que ela tenha o máximo de eficácia, abrangendo todas as situações econômicas de cada tipo. Entretanto, se ele não o faz, ao aplicador da norma falece poder para estender a sua incidência a hipóteses que, embora de conteúdo econômico parecido, não foram judicizadas por disposição legal. O imposto deve levar em conta a capacidade contributiva do sujeito passivo; mas, sendo sua exigibilidade a resultante necessária da lei, somente desta poderá emanar a obrigação tributária, já que o fato gerador é ato, negócio ou situação por ela definido, e não o resultado da respectiva dimensão econômica enquanto não tenha sido por ela encampado. [04]

Elidir é evitar, reduzir o montante ou retardar o pagamento do tributo por atos ou omissões lícitos do sujeito passivo anteriores à ocorrência do fato gerador.

Revela-se na tomada de condutas revestidas pela licitude por parte do contribuinte objetivando a economia fiscal. [05]

No entanto, a conceituação clássica que prevê os atos elisivos como anteriores ao fato gerador é contestada por Carvalho, que lembra que os benefícios fiscais podem ser obtidos até mesmo depois de configurado o fato gerador, colacionando como exemplos o parcelamento e a denúncia espontânea. [06]

Evadir é evitar o pagamento do tributo devido, reduzindo-lhe o montante ou postergar o momento em que se torna exigível, por atos ou omissões do sujeito passivo, posteriormente à ocorrência do fato gerador.

Configura-se no agir consciente e espontâneo do contribuinte, tendente a reduzir ou suprimir o tributo, valendo-se para tal de expedientes ilícitos, via-de-regra a fraude documental ou a deturpação de informações prestadas à Receita. [07] Bem de ver que o divisor de águas entre a elisão e evasão, será a licitude dos atos no intuito da promoção da economia fiscal.

1.2.Planejamento Tributário.

É na economia fiscal e no mais das vezes no planejamento tributário que a elisão fiscal se funda. Aliás, a conseqüência mais evidente do planejamento tributário bem sucedido é exatamente a economia fiscal. A par da conceituação acima descrita da elisão fiscal, bem se vê que quando o sujeito analisa a legislação que deve obedecer, com os olhos daquele que busca maneiras de, sem violá-la, encontrar comportamentos que culminarão em economia fiscal, temos então o planejamento tributário bem sucedido.

É relevante igualmente tratar aqui da distinção entre as figuras da ficção legal e da presunção. Presunção é a ilação que se tira de um fato conhecido para provar a existência de outro desconhecido.

É hipótese de ficção prevista em lei, porque considera ocorrido um fato gerador que na realidade inexistiu.

No planejamento tributário existe verdadeira arquitetura da vida negocial da pessoa física ou jurídica, de modo que antevendo os desdobramentos das relações jurídicas, seja possível reduzir-se o montante do tributo ou até mesmo isentar a operação.

No escólio de Malkowski busca-se a expressão engenharia para tentar desvendar os estratagemas engendrados por contadores e tributaristas:

"Planejamento tributário é a designação corrente para uma série de procedimentos tradicionalmente conhecidos como formas de economia de imposto. Aquela expressão tem, talvez, uma conotação mais sofisticada de engenharia tributária." [08]

Com efeito, o planejamento tributário circunda-se pelo exercício de atividades econômico-tributárias com o escopo de promover a gerencia dos tributos de modo a reduzir o montante recolhido aos cofres públicos, podendo ser tomadas medidas de natureza administrativa como o redirecionamento de atividades, reorganizando a rotina contábil ou reequalizando o quadro societário. [09]

Nesse sentido, pode-se afirmar que o planejamento tributário é atividade não-vedada pelo Sistema Constitucional Tributário, onde se permite ao contribuinte, dentro de um ordenamento infraconstitucional deveras amplo e muitas vezes omisso e contraditório, eleger a forma com que conduzirá suas relações negociais, bem como a forma que disporá seu patrimônio. Ocorrendo a "brecha" na lei ou mesmo incentivos fiscais promovidos pelo Estado, o contribuinte poderá deles se valer para pagar quantidade reduzida de tributos.

1.3.Inexigibilidade da conduta não prevista em lei: Tipicidade e Legalidade

Assim é que a tipicidade e legalidade são princípios que restringem a ação de ambas as partes: do sujeito passivo do tributo, quando busca a elisão fiscal, e do ente público, quando busca ou bloquear o comportamento elisivo ou identificar a figura da evasão e afastar a elisão, modo a punir o infrator.

A tipicidade limita esses comportamentos uma vez que exige que se trate apenas das hipóteses tipificadas. Veja-se que a mudança trazida pela LC 104 isso se tornou relativo (adiante se tratará melhor desse aspecto) e a tipicidade restou afrontada.

A legalidade, igualmente o faz, uma vez que exige que seja apenas e tão-somente a lei a diretriz do ente público na persecução dos seus objetivos fiscalizadores. Da mesma forma, mostra ao contribuinte quais os padrões mínimos (eticamente) que deverá obedecer, mesmo quando estiver propenso ao viés da elisão. E da mesma forma, a legalidade foi maculada no advento da LC 104/01 e da MP 66/02, opinião que comungamos de MARTINS:

O art. 116, portanto, vem ferir frontalmente o artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, que é cláusula pétrea [...] Com efeito, o referido dispositivo despoja o Congresso Nacional do poder de produzir a lei tributária e transforma o agente fiscal em verdadeiro legislador, para cada caso aplicando, não a lei parlamentar, mas aquela que escolher. Afetando, ainda, a separação dos poderes, pois autoriza o representante do Fisco a deixar de aplicar a lei do fato a que se destina, e a escolher, no arsenal de dispositivos legais, aquele que resulte mais oneroso, a partir de presunção de que o contribuinte pretendeu utilizar-se da lei para pagar menos tributos. [10]

Assim se percebe que por vezes as presunções e ficções poderão criar figuras inexistentes na legislação e punir aquele que tão-somente tentou a elisão, por meio do planejamento.

O direito tributário assemelha-se ao direito penal em seus princípios, sendo necessária a presença de "tipos" que encerram, com detalhes, conduta tendente a fazer incidir o tributo ou a pena. Não pode o Estado exigir determinada conduta do agente quando esta não resta configurada, previamente, em local algum. Além disso, somente a lei, certa e prévia, poderá determinar determinados tipos. [11]

1.4.Livre contratação

Com a edição da norma antielisiva, o que se pretende buscar, na verdade, é a supressão da livre contratação.

Essa é a coroação da afronta ao principio da livre iniciativa, que é corolário da livre contratação.

Nesse sentido, veja-se que do exame do inciso IV (2) do art. 1º da CF, o regime econômico adotado nacionalmente é o da livre iniciativa. Por sua vez dispõe o art. 170 da Constituição Federal de 1988. [12]

A livre concorrência aparece no inciso IV, constituindo-se na espinha dorsal do regime econômico adotado. O parágrafo único, do art. 170 assegura o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de prévia autorização dos órgãos públicos (ressalvados os casos previstos em lei).

Em que pese o princípio da livre iniciativa não ser absoluto, não se justifica a limitação oposta pela modificação levada a efeito pelo legislador.

É nesse sentido que Kiyoshi Harada assevera:

Pode-se dizer, sem margem de erro, que o conceito de livre iniciativa, que se extrai do exame do Texto Magno, pressupõe a prevalência da propriedade privada na qual se assentam a liberdade de empresa, a liberdade de contratação e a liberdade de lucro. Esses os marcos mínimos que dão embasamento ao regime econômico privado, ou seja, ao regime de produção capitalista, o qual sofre interferências do Estado, por meio de três instrumentos básicos: o poder normativo, o poder de polícia e a assunção direta da atividade econômica. [13]

É evidente que a limitação da destinação dos lucros das empresas não se insere no âmbito do poder de intervenção do Estado na economia, em especial nos instrumentos ofertados pelo art. 174 da Carta Magna.


2. NORMA ANTIELISÃO

2.1.Conceito.

A antielisão, em se tratando de inovação quanto à tipificação tributária incluída no Código Tributário Nacional pela LC 104/2001, em suma se trata de tributar por via ficcional o que antes não era tributado. Assim era o caput do art. 13 da MP nº 66/02 que tratava de praticamente reproduzir a dicção do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional e desse modo institui (provisoriamente) um novo fato gerador.

O caráter dado pela inovação do CTN choca e causa arrepios ao se pensar na forma com que será implementada, nos dizeres de Paulsen:

Há poucos assuntos tão delicados quanto este, que envolve a discutida e questionada interpretação econômica (...). Pelo disposto no parágrafo único do art. 116, ora em questão, resta o Fisco autorizado a desconsiderar atos jurídicos praticados justamente para iludi-lo. Pode, com isso, identificar a ocorrência de fato gerador do tributo e efetuar o respectivo lançamento. Note-se que o artigo exige que o ato tenha o efeito de ocultar a ocorrência do fato gerador ou a natureza dos elementos que configuram a hipótese de incidência e que ato tenha sido praticado com tal finalidade. [14]

Sua natureza não pode ser confundida com a da simulação. Nesse caso, a desconsideração efetuada decorre da nulidade do ato ou do negócio jurídico simulado, que ocultou um ato ou negócio jurídico real.

Nesse caso, desconsidera-se o simulado e tributa-se o real. É a aplicação prática do regime (e também do espírito) do Código Civil de 2002, com o fito de anular a falsidade não tipificada tributariamente e restaurar a realidade tipificada, com os seus consectários tributários próprios.

Por sua vez, na elisão, dado que inexiste negócio simulado, quando esse é desconsiderado não se desvela qualquer negócio real, tipificado e que era oculto. Resume-se ao expediente da "requalificação", criando um fato imponível não praticado ou mesmo intencionado.

Nessa senda, a cláusula antielisiva e o regramento que era previsto na MP 66/02, a par de trazer inovações materiais na esfera jurídica dos contribuintes, devia obedecer ao princípio da legalidade, com todas as limitações consectárias dessa incidência. Assim é que, nas palavras de James Marins [15], "a tipificação da antielisão não é somente regra de procedimento mas antes de tudo se apresenta como descrição de um fato jurídico para o qual se atribuem conseqüências materiais".

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Previsível, portanto, que toda regulação da elisão seguramente deverá conter a descrição hipotética de uma conduta de conteúdo econômico à qual se atrela uma conseqüência.

Com efeito, àquele que praticar negócios jurídicos, ou mesmo atos, com o fito de elidir o fato gerador, se torna passível de sofrer conseqüências fiscais, sendo esse o escopo do arcabouço legal trazido pela inovação de tipo tributário ora descrito.

É neste ponto que a regra da obrigatoriedade do negócio menos complexo acaba imiscuída em todo o regramento da norma antielisão. Isso porque se mostra evidente que quanto menos complexo for o negócio jurídico praticado – referindo-nos aqui àquela complexidade pouco necessária ao sinalagma do mesmo e sem a qual o negócio é da mesma forma implementável, sendo essa complexidade, portanto, descartável – menos dúvidas suscitará à autoridade tributária sobre qual o fito da complexidade.

Assim sendo, diante de maior transparência, dificilmente se terá a incidência da norma antielisiva, ou seja, sem conseqüências fiscais funestas às partes.

Do contrário, quanto mais complexo esse mesmo negócio for, mais chances as partes terão de sofrer as conseqüências fiscais da norma antielisão, exatamente porque essa complexidade poderá trazer suspeitas da autoridade tributária acerca da finalidade dessa, se elisiva ou não.

Com efeito, tem-se que a regra material contida no parágrafo único do art. 116 do CTN se mostra pouco proveitosa para servir como cláusula antielisão, dada a sua generalidade.

O mesmo não se dava com o art. 14 da MP nº 66/02, ao inserir conceitos como "falta de propósito negocial", "abuso de forma", "forma mais complexa ou mais onerosa" que não está tão-somente preenchendo o ventre do parágrafo único do art. 116 do CTN, mas colocando-lhe parâmetros exatamente para lhe aproveitar o conteúdo, mesmo que assim o fazendo invada a esfera de competência da lei complementar.

Nesse sentido, mostra-se evidente que a existência de uma norma geral antielisão (como é o art. 116, § único do CTN) é pouco eficiente à vista de sua generalidade e margem para interpretação. A elisão fiscal somente pode ser combatida através da fixação de tipos específicos, objetivos, completos, direcionados para uma determinada conduta, exatamente como realizado através da edição da MP 66/02.

A cláusula geral tem o propósito de que o sujeito passivo renuncie a adotar práticas elisivas, de modo a renunciar à escolha entre as práticas civis lícitas que se afigurem mais econômicas ao seu dia-a-dia comercial. Visa combater aquele planejamento tributário criado pelo contribuinte exatamente para tornar mais racional – e por conseguinte econômica – a sua vida fiscal.

A distinção se dará pelos critérios que se mostram no auxílio dessa hermenêutica: a licitude ou ilicitude do ato ou negócio jurídico praticado. As tipificações do dolo, da fraude e da simulação no regime do Código Civil encerram necessariamente práticas de ilícitos civis, e portanto a "dissimulação" do parágrafo único do art. 116 do CTN tem como elemento nuclear a ilicitude e a nulidade dos atos ou negócios praticados.

Por sua vez na elisão não há ilícito civil ou penal, não há sequer ilícito tributário, pois o CTN não prescreve qualquer espécie de penalidade para a prática da forma elisiva.

A par disso, é que a MP 66/02, ao contrário do que fez o CTN, inseriu conceitos concernentes ao abuso de direito, ao abuso de forma e portanto remete a outra ordem de raciocínio, especialmente se consideradas as disposições do Código Civil de 2002, que trata do abuso de forma como ato ilícito (arts. 187 e 188), embora não se afigure como ato nulo mas meramente gerador de responsabilidade civil. Se o regime do Código Civil de 2002 for aplicável a essas relações tributárias, então a elisão decorrente de abuso de direito será considerada ato ilícito ensejador de responsabilidade civil aquiliana.

Assim é que não será da transgressão que surgirá a tributação: ao menos essa é a intenção do legislador, a preservar a higidez do art. 3º do CTN. Ademais, a elisão, por não se constituir em causa de nulidade negocial, não corrompe ou macula o ato ou negócio jurídico em sua substância civil ou comercial, mas tão-somente enseja a desconsideração administrativa que é causa para a adoção de uma ficção jurídica que exala efeitos tributários. Mesmo que a elisão seja enquadrada no regime de abuso de forma do Código Civil de 2002, ainda assim não passa de mero ato ilícito gerador de responsabilidade civil, não gera nulidades jamais.

2.2.A norma antielisão e a sua interpretação

A compreensão da norma antielisão se dá concorde a dicção do parágrafo único do art. 116 do CTN e a par da análise da tentativa imposta pelos arts. 13 a 19 da MP 66/02. Dispõe o parágrafo único do 116 que "A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária".

Para a assimilação do novel comando legal em todos os desdobramentos acima propostos, é necessário proceder em estudo compartimentalizado do texto da lei, assim sugerido por James Marins [16]:

i) regra formal ou de estrutura (ou regra de competência administrativa): faculta-se à autoridade administrativa desconsiderar atos ou negócios jurídicos;

ii) regra material: o contribuinte que praticar atos ou negócios jurídicos com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária poderá sofrer a desconsideração desses atos;

iii) regra de aplicabilidade normativa (regra de instituição e regulamentação): somente com observância dos procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária poderá ser promovida a desconsideração pela autoridade administrativa dos atos ou negócios jurídicos praticados pelo contribuinte.

Assim é que a um só tempo se atribui competência formal para a autoridade administrativa, tipifica-se a conduta do contribuinte considerada elisiva e fixa-se requisitos de aplicabilidade normativa para seu próprio texto, exsurgindo que a norma contém, tendo-se em um único texto, três distintos tipos de regras: regra formal, regra material e regra de aplicabilidade normativa.

No espectro formal: claro está que o texto complementar amplia as prerrogativas de autotutela da Administração Tributária, pois à competência fiscalizatória e declaratória adiciona competência para desconsiderar atos e negócios praticados pelo contribuinte.

Pelo espectro material: descreve condutas ao prever novas hipóteses comportamentais às quais atribui conseqüências administrativas e materiais de natureza tributária.

Isso fica bem evidente observando-se a MP 66/02. Os arts. 13 e 14 cuidavam de regras materiais (dimensão estática); os arts. 15, 16, 17, e 18, caput, tratam de aspectos formais (dimensão dinâmica) e os §§ 1º e 2º do art. 18 e o art. 19, estes sim, indicam o regime processual tributário (dimensão crítica).

2.3.Interpretação econômica

Inarredavelmente, com a instituição da norma geral antielisiva, o Estado busca, antes da subsunção do ato negocial no tipo tributário, seu verdadeiro intento econômico.

A interpretação econômica ganha vulto com o julgamento do caso Gregory vs. Helvering, em 1935, onde a Suprema Corte Americana decidiu pela tributação tomando por base os fatos e não a transação comercial ocorrida. A reboque desse leading case, emerge desconsideração do negocio, vislumbrando-se a intenção negocial dos contribuintes, ou como ficou consignada nos EUA, business purpose. [17]

Ruy Barbosa Nogueira, destaca como aspecto importante a consideração econômica, especialmente no campo dos impostos, tendo-se em vista que esses instrumentos de captação de riqueza, que incidem quase sempre sobre fatos econômicos por meio de categorias jurídicas, podem estar sendo distorcidos ou mal utilizados como pretensões de reduzir ou elidir tributações legítimas. Assim, a consideração econômica poderá, em certos casos, demonstrar a finalidade autêntica de dispositivos e impedir abusos.

Nesse sentido, ressalta HUCK: Na busca de maior segurança para o contribuinte, protegendo-o contra as investidas fiscais do Estado, já não se prega, na atualidade, uma interpretação exclusivamente econômica da norma tributária. [18]

Noutra banda, discorda Amilcar de Araujo Falcão ao dizer que "o método da interpretação econômica é perfeitamente adequado ao princípio da legalidade em matéria de fato gerador". Aduz ainda, que:

Em Direito Tributário, autoriza-se o interprete, quando o contribuinte comete um abuso de forma jurídica, a desenvolver considerações econômicas para a interpretação da lei tributária e o enquadramento do caso concreto em face do comando resultante não só da realidade do texto legislativo, mas também do seu espírito da mens ou retio legis. [19]

Nessa senda, o XIII Simpósio Nacional de Direito Tributário, realizado em São Paulo em outubro de 1998, sob o tema "Elisão e evasão fiscal", resolveu:

A assim denominada interpretação econômica não é acolhida pelo Direito Tributário Brasileiro, em razão do princípio da tipicidade, corolário do princípio da reserva absoluta de lei.

Essa resolução do XIII Simpósio foi tomada antes da Lei Complementar nº 104, de 10-1-01, que acrescentou o parágrafo único ao art. 116 do CTN. [20]

No entendimento de Coelho, argumenta que o discurso de isonomia pregado pelo ente arrecadador, no sentido de contribuintes em igualdade de condições arcarem com igual parcela de tributo, na verdade, revela-se como falácia, visto que o mercado preocupa-se antes de tudo com custos. A redução de capital disponível gera desemprego, desigualdade, ao contrário dos argumentos travados pelo Estado. [21]

2.4 .Poder sancionador administrativo e judicial

À luz da norma antielisiva, o poder sancionador administrativo se desvela na hipótese da desconsideração do negócio jurídico visando eliminar a possibilidade de um comportamento elisivo da qualidade dos descritos acima.

Nesse sentido poderá ser o ato administrativo declaratório ou constitutivo. Declaratório quando reconhece e formaliza a existência de relações jurídicas anteriores. Constitutivo quando cria, extingue ou modifica relações jurídicas, isto é, cria relações novas (constitutividade positiva) ou extingue (constitutividade negativa ou descontitutividade) ou modifica relações preexistentes (decontitutividade parcial ou constitutividade parcial).

Segundo James Marins [22], três aspectos devem ser seriamente observados nessa senda: 1) "o pronunciamento de desconsideração desconstitui o ato ou negócio jurídico praticado pelo contribuinte"; 2) "o pronunciamento de desconsideração declara a obrigação tributária"; 3) " o pronunciamento de desconsideração constitui a obrigação tributária".

Ainda segundo o citado doutrinador, a primeira assertiva está correta, pois a desconsideração é inconciliável com a mera declaratividade. O ato administrativo de desconsideração promana eficácia desconstitutiva, embora para fins estritamente administrativos, do ato ou negócio jurídico praticado pelo contribuinte que se enquadre na previsão material contida no parágrafo único do art. 116 do CTN.

Tem, portanto, o pronunciamento de desconsideração eficácia constitutiva negativa total ou parcial (modificada) do ato ou negócio jurídico praticado pelo contribuinte e que contenha os elementos subjetivos previstos no parágrafo único do art. 116 do CTN.

A segunda e a terceira assertivas nos parece serem falsas. Em primeiro lugar porque a relação tributária material perseguida somente irrompe como efeito logicamente dependente da desconsideração. Não há aqui espaço para declaratividade, pois, em rigor, a obrigação tributária não chegou a nascer, em virtude da prática do ato ou negócio jurídico.

Somente a desconstituição encetada pela Administração Tributária, enquanto fenômeno estritamente endógeno, é que permite a constituição de nova relação jurídica, até então inexistente.

Não se pode falar com propriedade técnica em existência – antes da desconsideração – de relação tributária subjacente, pois para que se possa imaginar a necessidade jurídica de pronunciamento de desconsideração o ato ou o negócio jurídico praticado pelo contribuinte haverá de ter sido eficaz no sentido se empecer o nascimento da relação tributária. Se não foi eficaz e o enlace tributário caracterizado pela cópula deôntica entre o conceito da norma e o conceito do fato já se operou despicienda se torna a desconsideração.

Em segundo lugar porque na verdade o despacho de desconsideração não declara nem tampouco constitui obrigação tributária. A desconsideração, enquanto ato jurídico-administrativo desconstitutivo, não gera por si só o nascimento da obrigação tributária. O despacho de desconsideração não é "fato gerador" da obrigação tributária, mas mero antecedente lógico de outro ato administrativo que é o lançamento, agora sim, embora excepcionalmente da natureza constitutiva pois a chamada "requalificação" do fato é decorrente de uma ficção legal que reescreve a realidade de modo a fazer surtir de um fato não realizado aos mesmos efeitos jurídicos que decorreriam de sua realização. Requalifica, reescreve, mas não muda a realidade fática, nada acrescenta ao mundo real, mas meramente ao mundo jurídico e ainda assim exclusivamente no limitado campo tributário.

Assim se dá na exata medida em que somente a elisão eficaz pode, em determinadas situações, ensejar a desconsideração, e, portanto, se o ato ou o negócio com conseqüências elisivas foi eficaz o contribuinte jamais terá praticado o fato imponível da obrigação fiscal.

Por se tratar de fenômeno jurídico endógeno, a Administração Tributária ao reputar como inválida a operação realizada licitamente pelo contribuinte à luz dos sistemas jurídicos civis ou comerciais não faz desaparecer do mundo jurídico o contrato ou a operação societária realizada, mas tão-somente desconsidera sua existência para os limites da Administração Tributária e suas finalidades fiscais. Como o contribuinte – apesar do pronunciamento de desconsideração – permanecerá sem ter praticado o fato imponível da obrigação tributária, caberá, então, à autoridade administrativa, constituir a relação perseguida através do ato de lançamento. Essa é a síntese do poder administrativo sancionador.

Por sua vez o poder sancionador judicial vem escoltado pela possibilidade legal – como, in casu, a criação e inserção da norma antielisiva no ordenamento legal - e balizado pelas limitações constitucionais e, mais além, também legais.

É nesse aspecto que a distinção entre regre material, formal ou processual é determinante para o exame da competência para legislar uma vez que a fixação dessa prerrogativa tem sede constitucional e está diretamente relacionada com a matéria de ser legislada.

Pelo viés da Constituição Federal devem ser observados os art. 22 (competência privada da União), 24 (competência concorrente da União, dos Estados e dos Municípios), 24, §§ 1º e 2º (competência suplementar dos Estados), 25, § 1º (competência residual dos Estados), 30, incs. I e II (competência dos Municípios para legislar dos assuntos de interesse local e para legislar suplementarmente à legislação Federal e Estadual). A disciplina da competência tributária está disciplinada genericamente nos arts. 145 c/c o 150, I (estrita legalidade em matéria tributária), 146 (lei complementar em matéria tributária) e nos demais dispositivos que estão associados à competência legislativa dos entes tributantes enquanto cuidam da repartição da competência material tributária da União, Estados, Municípios e Distrito Federal.

Quanto ao parágrafo único do art. 116, a parte final diz que compete à lei ordinária a tarefa de disciplinar os procedimentos a serem observados pela autoridade administrativa quando da desconsideração de atos ou negócios jurídicos praticados pelo contribuinte. Não está, evidentemente, referindo-se a processo, pois não está cuidando de matéria pertinente à lide tributária, mas à fiscalização e lançamento.

A regra não visa a disciplina de possível conflito de interesses decorrente do despacho de desconsideração, mas aponta para momento logicamente antecedente, que é o campo do procedimento de lançamento.

Procedimento de lançamento e lide não se confundem. O procedimento é atividade de caráter inquisitório, investigativo, fiscalizatório, apuratório. É atividade preparatória da prática do ato de lançamento, o que significa dizer que fiscalizar, investigar e apurar não se representam pretensões em si mesmo consideradas, mas meros instrumentos para que se possa validamente alcançar através do lançamento a formalização da pretensão fiscal do Estado sobre a esfera jurídico-econômica do contribuinte.

Nesse sentido, consabido que são lavrados rotineiramente milhares de autos de infração federais, estaduais e municipais nos quais se apuram a existência de obrigações tributárias não cumpridas, se aplicam penalidades administrativas decorrente de seu descumprimento, e que se ensejam o recolhimento aos cofres públicos do resultado de suas apurações e penalizações sem que os obrigados promovam impugnações e disparem a litigiosidade. No desempenho desse mister muitas vezes os agentes administrativos lançam mão de presunções legais que têm o efeito de inverter o ônus da prova no procedimento, como as pautas fiscais e até mesmo os "fatos geradores presumidos" que chegaram a alcançar um status constitucional para que ganhassem valor jurídico (praesumptio iuris tantum e não mera praesumptio facti ou praesumptio hominis ou mesmo ficção legal). Mesmo esse modo do atuar administrativo, embora discutível, não altera a natureza procedimental.

Não obstante ao caráter procedimental o parágrafo único do art. 116 também soma-se o conteúdo substantivo, pois tipifica materialmente condutas do contribuinte das decorrerão conseqüências tributárias formais e materiais.

Da regra embutida no dispositivo em comento, extrai-se o seguinte sentido: se o contribuinte praticar atos ou convolar negócios jurídicos com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, estes atos ou negócios poderão ser formalmente desconsiderados e dessa desconsideração extrair-se-ão conseqüências fiscais substantivas, materiais. A materialidade do conteúdo normativo é clara: da prática de certos atos ou negócios decorre uma conseqüência tributárias formal e outra material, nessa ordem.

Desse modo, enquanto norma geral em matéria de legislação tributária, o parágrafo único do art. 116 ao tempo em que se abre portas para o advento das legislações especiais, fecha o espaço de sua atuação. O novo dispositivo ao remeter à lei ordinária a competência para estatuir "procedimentos", limita o campo legislativo infracomplementar às lindes meramente formais.

É dizer, autoriza unicamente à lei ordinária da União, Estados, Municípios ou Distrito Federal que disciplinem procedimentos e – a contrario sensu – proíbe iniciativas que criem novas regras materiais, isto é, desautoriza que novas hipóteses legais de condutas sejam legisladas para além daquela já esculpida no corpo do CTN.

O campo material esgota-se, a partir do texto do próprio dispositivo, na regra geral posta no CTN – prática pelo contribuinte de atos ou negócios jurídicos com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária – mas não desonera a União, Estados, Municípios e Distrito Federal de promover através de lei ordinária a instituição das hipóteses pelas vias legislativas locais (Congresso Nacional, Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais).

2.5.Desconsideração da personalidade jurídica

No Brasil, Antônio Roberto Sampaio Doria [23] o mérito de ter tratado pioneiramente do tema da diferenciação entre elisão e evasão fiscal, em 1970. Não obstante a existência das referidas figuras – elisão, evasão, simulação, negócio jurídico indireto, sonegação, conluio, fraude – tem-se ainda a figura da "desconsideração da personalidade jurídica", que se fundamenta no "abuso do direito". Por ela, desconsidera-se a pessoa jurídica, para o fim de atribuir o cumprimento da obrigação à pessoa física do administrador (sócio, diretor, titular), tendo em vista que o ato ou negócio realizado favorece não a pessoa jurídica (o que seria correto), mas a pessoa física do administrador que acabou se beneficiando do patrimônio ou da renda em questão.

Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio da finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o Juiz determinar que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigação que sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios de pessoa jurídica (Código Civil, Lei nº 10.406/02, art. 50)

É certo que o ato administrativo de desconsideração opera efeitos no âmbito da Administração Tributária, de modo que a desconstituição administrativa do ato ou negócio jurídico praticado pelo contribuinte somente produz modificações endógenas, endotributárias, no status jurídico do contribuinte, não alcançando relações exógenas.

Deve-se indagar, no entanto, o que deve ser considerado como "Administração Tributária" para fins da fixação dos limites administrativos dos efeitos do ato desconsideratório. Ao menos quatro critérios podem ser apresentados quanto a extensão de seus efeitos: 1) critério do tributo: unicamente com relação ao tributo objeto da fiscalização tributária; 2) critério orgânico limitativo: tão-somente com relação ao órgão fazendário ao qual se vincula a autoridade administrativa que a pronunciou; 3) critério orgânico ampliativo: com relação ao ente tributante e todos os seus órgãos fazendários; 4) critério unitário: com relação a Administração Tributária como um todo.

Para critério do tributo a desconsideração teria seus efeitos limitados exclusivamente ao tributo sob fiscalização.

Não está, porém, ao alvedrio do legislador a adoção de qualquer dos critérios acima noticiados. O critério a ser consagrado deve ser apto para conferir coerência ao sistema. Assim, por exemplo, se a desconsideração do ato ou do negócio jurídico implica a identificação de crédito tributário com relação a determinado tributo, mas em contrapartida gera redução ou direito a repetição de outro imposto, não é ilícito ao órgão fazendário sustentar, no âmbito de sua competência, que somente o resultado que lhe é conveniente deva ser considerado.

Também os terceiros juridicamente interessados nos atos ou negócios objetos da desconsideração administrativa devem sofrer os efeitos tributários da desconsideração estritamente no âmbito de sua própria esfera jurídica. Não poderão ser considerados responsáveis, a qualquer título, pelos tributos dos quais não sejam contribuintes. A desconsideração de negócios bilaterais não altera a titularidade passiva da dívida tributária, exceto quando o objetivo da desconsideração seja alcançar o verdadeiro responsável pela obrigação tributária.

A desconsideração – por ser endógena – também não altera documentos civis ou comerciais válidos, como estatutos, acordos de acionistas, contratos sociais, formalizações perante a Junta Comercial ou Registro Civil. Também não altera, per se, o valor dos documentos particulares entre os respectivos contraentes, como contratos de prestação de serviços ou de compra e venda de bens móveis, imóveis, aquisição de valores mobiliários, mútuos ou leasings.

Na hipótese de os contraentes pretenderem torná-lo inválidos devem lançar mão dos instrumentos consensuais (transações, distratos etc.) ou mesmo judiciais. Mas há diferenças se se tratar de desconsideração com base em simulação ou com base em abuso de forma. A simulação é causa civil da nulidade do ato e o abusa de forma não. Então, se o ato ou negócio jurídico foi simulado, poderá ser declarado nulo judicialmente, nulidade que pode ser pode ser invocada por quem tiver interesse jurídico nesse pedido (Código Civil de 2002, art. 167). Já a desconsideração por abuso de forma não enseja a nulidade, mas pode gerar pedido do eventual lesado (Código Civil de 2002, art. 167).

Vários problemas decorrerão do silêncio quanto ao tema vertido na MP nº 66/02 (que nesse tocante não foi convertida em lei) que deve conduzir a intermináveis disputas interpretativas.

Ainda que se argumente a fixação de critério unitário somente possa ser levada a efeito por lei complementar, de caráter nacional, caberia à lei ordinária federal (nesse caso a medida provisória) estabelecer ao menos o critério orgânico, se limitativo ou ampliativo.

Além disso, insista-se, como o parágrafo único do art. 13 da MP 66/02 excluía expressamente as hipóteses de dolo, fraude ou simulação, remanescerá sempre a questão da antinomia entre esse dispositivo e o parágrafo único do art. 116 do CTN que somente permite a desconsideração de atos dissimulatórios.

2.6.Crítica à inovação da LC 104 e à norma antielisiva

A MP 66/02, a toda evidência, no que se referia à norma antielisiva, representava criação de nova e genérica hipótese de incidência de tributos que têm por raiz a força excepcionalmente criadora da ficção jurídica, criatura que põe em xeque o princípio da legalidade, enfraquece a segurança da relação tributária, afronta os axiomas elementares do Direito Tributário, além de outras impropriedades.

Causa, por vezes, perplexidade, não só nos contribuintes, mas também nos operadores do Direito Tributário.

Por primeiro, diga-se que há problemas na compatibilização entre a norma do parágrafo único do art. 116 do CTN e sua tentativa de regulação federal pela MP 66/02. Pois o CTN ao cuidar de dissimulação restringiu seu plexo de incidência à conceituação material e à disciplina formal da simulação, simulação relativa, conhecida pela doutrina como dissimulação.

Em outro campo completamente distinto, a MP 66/02 disciplinava hipóteses de abuso de direito, utilizando-se de conceitos como abuso de formas e business purpose test. Nesse caso, registra-se insustentável relação antinômica entre o CTN e a medida provisória referida. Se realmente o propósito legislativo da Lei Complementar nº 104/01 ao inserir o parágrafo único do art. 116 do CTN foi o de criar uma "norma geral antielisão" pode-se, no mínimo, afirmar que se houve o legislador com grande infelicidade, confundiu antielisão com anti-simulação.

Parece ter havido um sério erro que se tentou corrigir através da MP 66/02, que igualmente é o meio equivocado para tanto.

Tecnicamente defeituosa, a cláusula do CTN para servir como regra geral antielisão corrobora-se indiscutivelmente pelo art. 167 do Código Civil de 2002, que merece destaque:

É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

Confunde-se novamente as figuras simulação e elisão. Dissimulação, portanto, é simulação e simulação não é elisão, logo o parágrafo único do CTN não cuida de elisão, mas de simulação. Esse é, portanto, um sério defeito dessa legislação, fomentado já na sua gênese.

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Sobre o autor
Maicon Guedes Hugo

advogado em Curitiba (PR), especialista em Direito do Estado (UFGRS), mestrando em Direito do Estado (UFPR), professor de Direito da PUC/PR e Faculdade Santa Cruz

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HUGO, Maicon Guedes. Norma geral antielisiva e sua regulamentação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1208, 22 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9071. Acesso em: 7 mai. 2024.

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