Artigo Destaque dos editores

Ensaio sobre as políticas públicas de segurança e saúde dos trabalhadores no Brasil e nos Estados Unidos

Leia nesta página:

Da comparação entre os planejamentos estratégicos do Brasil e dos EUA, pode-se concluir que no Brasil ainda há considerável espaço para melhoria na gestão pública de segurança e saúde no trabalho.

1. Introdução.

Nos últimos trinta anos, as sociedades experimentaram mudanças significativas, principalmente devido à evolução tecnológica. Verificou-se, no início desse processo, a existência de um grande descompasso entre a velocidade das mudanças e a capacidade do homem de absorvê-las e utilizá-las a seu favor.

Esse cenário levou tanto as empresas quanto o setor público a repensarem seus métodos de gestão. As empresas, mais rápidas no processo de mudança, esforçaram-se na redução das máquinas burocráticas e em iniciativas que visavam a aceleração das tomadas de decisões. Em seguida, o setor público percebeu que também deveria mudar para, principalmente, à luz do novo mercado e das novas relações que se estabeleciam, deixar de ser entrave ao crescimento da economia.

A necessidade de adequação às mudanças mostrou-se clara no setor público. Várias características que levavam o setor público à total ineficiência precisavam ser estudadas e eliminadas, como por exemplo: (i) tendência de geração de déficit público; (ii) falta de planejamento a longo prazo; e (iii) falta de funcionamento interdependente entre as organizações públicas.

Visando a adequação do setor público às mudanças ocorridas rapidamente na sociedade, buscaram-se novos conceitos para a gestão pública. Conceitos largamente utilizados no setor privado, como "foco em resultados", "orientação para ‘cliente’" e "geração de valor" agregaram-se à gestão pública.

A grande mudança do teor da gestão pública, contudo, foi o trânsito do foco no produto para o foco no resultado. A administração, anteriormente preocupada somente com os produtos da sua atividade, constatou a relevância de se medir os resultados que são atingidos com tais produtos.

Tendo em mente a necessidade de se efetivar essa medição ao longo do tempo, com horizontes de curto, médio e longo prazo, o gestor público passou a enfrentar esse grande desafio, procurando estabelecer relação de causa e efeito entre os projetos/produtos e os resultados obtidos. Nesse sentido, passa a ser crucial o desenvolvimento de indicadores de desempenho, a coleta de dados e a utilização desses indicadores para a melhoria da efetividade dos produtos fornecidos pela administração pública.

A busca pelo alto desempenho do setor público passa pela divisão da gestão pública em duas facetas: a tática e a estratégica. A tática, anteriormente mais aplicada, concentra decisões de caráter operacional que se destinam ao cumprimento dos objetivos. A estratégica, por outro lado, denota o esforço de definição dos objetivos e dos resultados que devem ser atingidos, sempre com perspectiva temporal de médio ou longo prazo. Ou seja, o planejamento estratégico passou a ser uma ferramenta crítica também para o alto desempenho das organizações públicas.

Assim, o alto desempenho das organizações públicas pode ser medido pelos resultados por elas atingidos, em linha com o planejamento estratégico anteriormente por elas definido. Em outras palavras, uma organização pública de alto desempenho é aquela que descentraliza suas decisões, dá autonomia às suas unidades/gestores e alarga o horizonte temporal das suas políticas públicas, com foco em resultados.


2. Objetivo.

Levando em consideração a tendência das unidades organizacionais públicas de busca de alto desempenho através do planejamento estratégico com foco em resultados, pretendemos, neste trabalho, analisar comparativamente as políticas nacionais de segurança e saúde do trabalhador do Brasil e dos Estados Unidos da América, identificando as principais características dos respectivos planejamentos estratégicos e os seus impactos nos setores produtivos.


3. Unidades organizacionais públicas responsáveis por segurança e saúde no trabalho.

No Brasil, a política pública relativa à Segurança e à Saúde do trabalhador fica, principalmente, a cargo do Ministério do Trabalho e Emprego. Na estrutura interna do referido Ministério, o Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho – DSST, ligado à Secretaria de Inspeção do Trabalho, é a unidade organizacional que tem o encargo de conduzir a referida política pública.

Nos Estados Unidos, a unidade organizacional que se assemelha à DSST é a "Occupational Safety & Health Administration - OSHA", subordinada ao "U.S. Department of Labor", que possui 2.300 empregados, dos quais 1.100 são Auditores-Fiscais.


4. O planejamento estratégico norte-americano em matéria de segurança e saúde no trabalho.

4.1 Missão, Visão, Valores, Ameaças e Diretrizes Estratégicas.

A OSHA tem como Missão "promover e assegurar a segurança e a saúde no trabalho e reduzir as fatalidades, ferimentos e doenças decorrentes do trabalho." Entende-se, nesse sentido, que cumprindo sua Missão, a OSHA salva vidas, aumenta a qualidade de vida do trabalhador e contribui para a vitalidade econômica do país.

A Visão da OSHA para o período objeto do seu planejamento estratégico assume relevante importância quando pretendemos identificar os valores que são levados em consideração por aquela Unidade Organizacional, em matéria de segurança e saúde no Trabalho. Entende a OSHA que "todos os empregados e empregadores nos Estados Unidos reconhecem que a segurança e a saúde no trabalho agregam valor aos negócios empresariais norte-americanos, aos ambientes de trabalho e às vidas dos trabalhadores".

Importante notar que, no "berço do capitalismo", segurança e saúde no trabalho deixam de ser encarados como obstáculos ao desenvolvimento econômico para serem alavancas de melhores resultados para os negócios.

O planejamento estratégico da OSHA atualmente em prática compreende o período de 2003 a 2008. Na definição desse planejamento, procurou-se inicialmente analisar os resultados até então atingidos pela Unidade em contrapartida ao investimento feito pelos contribuintes através dos impostos. Em seguida, procurou-se resumir numa pergunta o norte para a formatação do planejamento estratégico de 2003-2008: "Quais resultados a OSHA buscará nos próximos cinco anos e quais ajustes a OSHA devem fazer para conseguir atingi-los?"

Para tanto, procurou-se contextualizar o problema da segurança e da saúde no trabalho, com o intuito de mapear os desafios que deveriam ser enfrentados através do planejamento estratégico. O resultado dessa busca foram as seguintes constatações/ameaças:

- Necessidade de monitoramento e fiscalização de uma enorme massa de trabalhadores. (Constatou-se que, embora o trabalho da OSHA nos últimos anos tenha resultado em significativa redução nas fatalidades e incapacidades decorrentes do trabalho, os números ainda estavam por demais altos e mereciam combate.)

- Mudanças nas características demográficas na força de trabalho norte-americana e na natureza dos trabalhos criaram desafios ainda maiores em matéria de segurança e saúde no trabalho. (É cada vez maior o número de trabalhadores inseridos em pequenas empresas, trabalhos temporários ou na economia doméstica. A terceirização também é uma tendência muito relevante. Há, ainda, o desafio do trabalho dos imigrantes que muitas vezes sofrem em ambientes de trabalho perigosos ou insalubres.)

- Necessidade de preocupação com novas práticas na construção civil, transporte de empregados e violência no ambiente de trabalho. (O setor da construção civil é o que possui os piores índices de fatalidades no trabalho.)

- Ameaças emergentes em matéria de segurança e saúde no trabalho. (Asma, novos produtos químicos, asbestos, dificuldade de monitoramento de trabalhadores terceirizados que mudam de emprego com muita freqüência etc.)

- Regime de prontidão contra atos de terrorismo. (Recentemente, a OSHA teve destacada atuação em matéria de segurança e saúde nos atentados de 11.09.2001 e nos subseqüentes incidentes relativos a Antraz.)

- Constatação de que a Unidade Organizacional não possui um sistema inteligente de monitoramento de tendências, ameaças e desenvolvimento de estratégias em matéria de segurança e saúde no trabalho.

Em resposta a esses desafios e na busca da definição dos objetivos estratégicos, a OSHA alinhou sua direção estratégica em três principais premissas:

- Focar seus recursos nas áreas cujos resultados correspondem ao máximo retorno sobre o investimento feito. (Necessidade de identificação dos mais significativos riscos de segurança e saúde ocupacionais, mapeando suas causas e implementando os respectivos programas para combatê-los).

- Conseguir progresso, utilizando tanto a intervenção direta quanto reuniões participativas, na criação de uma consolidada cultura no sentido da valorização da segurança e da saúde no trabalho. (Nas empresas, quando a liderança está comprometida com a segurança e a saúde no trabalho, o reflexo extremamente positivo é verificado nos trabalhadores).

- Assegurar que a OSHA possui a expertise e a capacidade, agora e no futuro, para conduzir seu papel de liderança e responsabilidade em matéria de segurança e saúde no trabalho. (Importância de se preparar adequadamente a Unidade para cumprir a sua Missão).

Após essa análise, restou criado o ambiente propício para o esforço de definição dos objetivos estratégicos da OSHA no período 2003-2008. Claramente mapeadas as ameaças e as diretrizes estratégicas da Unidade Organizacional, foram definidos os três objetivos estratégicos que têm o condão de conduzir a OSHA para o cumprimento da sua Missão.

4.2 Objetivos Estratégicos.

4.2.1 Redução de Ocorrências em Matéria de Segurança e Saúde no Trabalho Através de Intervenção Direta.

Para cumprir sua Missão, a OSHA precisa ter muita interação com empregadores e trabalhadores. Diante disso, a Unidade procurará intensificar as fiscalizações nas empresas. O esforço de fiscalização, contudo, deverá ser focado nas áreas de piores índices de segurança e saúde no trabalho. Assim, o trabalho de mapeamento e identificação dos principais ramos de atividade a serem auditados é fator crítico de sucesso para a consecução desse objetivo estratégico.

As metas definidas para esse objetivo estratégico, portanto, podem ser resumidas da seguinte forma: (i) Melhorar a identificação dos ramos de atividade a serem fiscalizados com o intuito de maximizar o impacto da fiscalização; (ii) Reduzir as ocorrências em matéria de segurança e saúde no trabalho através das fiscalizações; e (iii) Melhorar a efetividade das fiscalizações, monitorando seus resultados no futuro.

4.2.2 Promover a cultura de Segurança e Saúde no Trabalho através de programas cooperativos e de compromisso da liderança no âmbito das empresas.

Mais uma vez, destaca-se a importância da criação de uma cultura positiva em matéria de segurança e saúde no trabalho. Apenas o Estado sozinho, fiscalizando e orientando, não tem a capacidade de zerar os índices de fatalidades no trabalho. É preciso engajar os empregadores e os empregados nesse sentido.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

A OSHA pretende atingir esse objetivo estratégico tomando as seguintes medidas: (i) Melhorar a sua capacidade de identificação oportunidades em programas cooperativos, intervenções propositivas e engajamento das lideranças podem maximizar os resultados em segurança e saúde no trabalho; (ii) Promover a cultura de segurança e saúde no trabalho nos ambientes de trabalho do país; e (iii) Analisar o resultado dos programas adotados, propondo melhorias para o futuro.

4.2.3 Maximizar a efetividade e a eficiência da OSHA através do incremento da suas competências e da sua infra-estrutura.

Esse terceiro objetivo estratégico não é voltado para nenhum dos stakeholders da OSHA. O foco é a própria Unidade Organizacional. Constatou-se que, para cumprir sua Missão, a OSHA deveria estar bem aparelhada, dispondo de todos os recursos necessários para vencer os diversos desafios em matéria de segurança e saúde no trabalho.

As ações que ajudarão a OSHA a atingir esse objetivo estratégico são voltadas para a sua própria estrutura e se prestam, em última análise, a suportar também os outros dois objetivos estratégicos. São elas: (i) Melhorar a inteligência da Unidade em matéria de pesquisa, análise de dados, identificação de oportunidades e avaliação de performance; (ii) Melhorar o gerenciamento estratégico de recursos humanos da OSHA; (iii) Assegurar que as ações e os padrões definidos para as empresas e trabalhadores reflitam com efeito o esforço de eliminação dos problemas mais significativos em matéria de segurança e saúde no trabalho e representem as melhores práticas nessa área; (iv) Melhorar os recursos tecnológicos utilizados pela Unidade; e (v) Melhorar a eficiência dos processos e das atividades da Unidade.


5. A proposta brasileira comparada ao planejamento estratégico norte-americano.

Em 13 de fevereiro de 2004, foi emitida a Portaria Interministerial nº 145/04, através da qual o Grupo de Trabalho Interministerial, composto pelos os Ministérios do Trabalho e Emprego, da Previdência Social e da Saúde, dentre outras providências, decidiu por elaborar a proposta de Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador, observando as interfaces existentes e ações comuns entre os diversos setores do governo.

O resultado desse trabalho foi uma proposta de Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador que se encontra publicada na home page do Ministério do Trabalho e Emprego. Segundo informações colhidas na DSST/MTE, o Grupo de Trabalho Interministerial estaria no momento trabalhando na formatação final da Política, depois de encerrada a consulta pública à qual ela teria sido submetida.

Passamos, abaixo, a destacar os principais pontos da proposta do Governo, representado pelo Grupo Interministerial acima mencionado que, para fins acadêmicos, será tratado como uma Unidade Organizacional autônoma neste ensaio.

5.1 Fundamentos da Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador.

Os principais objetivos da Política, que, a nosso ver, podem também ser entendidos como um esboço da Missão do Grupo Interministerial, são "garantir que o trabalho, base da organização social e direito humano fundamental, seja realizado em condições que contribuam para a melhoria da qualidade de vida, a realização pessoal e social dos trabalhadores, sem prejuízo para sua saúde, integridade física e mental" e promover "a melhoria da qualidade de vida e da saúde do trabalhador, mediante a articulação e integração, de forma contínua, das ações de Governo no campo das relações de produção-consumo, ambiente e saúde".

Nota-se, inicialmente, que não há uma definição clara e transparente do Grupo Interministerial a respeito da sua Missão e da sua Visão, o que acarreta perda de sinergia no esforço de definição dos objetivos estratégicos e no desdobramento das ações e metas necessárias para a consecução desses objetivos.

Ademais, também vale destacar que as autoridades brasileiras ainda não incorporaram a filosofia de que a segurança e saúde no trabalho devem ser encaradas como valores a serem agregados aos negócios das empresas e às vidas dos trabalhadores.

Entendemos que tal conceito – reconhecimento de segurança e saúde no trabalho como valores para empregadores e empregados – deveria estar contemplado na visão estratégica do Grupo Interministerial, já que com ele ficaria muito mais fácil a conscientização de todos os stakeholders para a eliminação dos riscos ocupacionais.

5.2 Contexto do mercado de trabalho brasileiro e principais ameaças na área de segurança e saúde no trabalho.

A principal ameaça identificada pelo Governo brasileiro, que supera os limites da segurança e da saúde no trabalho, é a grande massa de trabalhadores que não possuem cobertura da legislação trabalhista e previdenciária pois laboram na chamada informalidade.

De fato, o impacto desse contingente expressivo de empregados na informalidade na área de segurança e saúde no trabalho é muito grande, já que esses trabalhadores acabam sendo excluídos das ações que visam a melhoria nas condições de trabalho. Essa ameaça somada à grande diversidade de condições e ambientes de trabalho no país prejudicam o estabelecimento de prioridades e o desenvolvimento de programas de eliminação e de controle de riscos, incluindo a definição da forma de intervenção do Estado.

Neste ponto, identifica-se uma importante semelhança entre as ameaças identificadas nos Estados Unidos e no Brasil: a crescente dificuldade encontrada pelas Unidades Organizacionais para o mapeamento das áreas onde os resultados das políticas públicas podem ser maximizados. Com efeito, a dinâmica das relações de trabalho, seja em relação aos vários ambientes laborais ou à diversidade de formas de contratação, prejudica o diagnóstico do problema, ferramenta fundamental para o direcionamento do planejamento estratégico.

A avaliação do Grupo Interministerial aponta também para uma carência de mecanismos que "incentivem medidas de prevenção, responsabilizem os empregadores, propiciem o reconhecimento efetivo dos direitos do segurado, diminuam a existência de conflitos institucionais, tarifem de maneira mais adequada às empresas e possibilitem um melhor gerenciamento dos fatores de riscos ocupacionais".

Mais ume vez, verifica-se que o Grupo Interministerial, em vez de fomentar a participação de todos os stakeholders, aplica uma medida ultrapassada ao alçar o empregador com o único ente responsável pelo sucesso na redução dos riscos ocupacionais de trabalho. Nesse sentido, o Grupo Interministerial pugna pelo aumento da tarifação dos empregadores, sem qualquer embasamento estratégico que possa justificar tal medida. Não há menção a estudos ou pesquisas que reconheçam os resultados positivos auferidos por planejamentos estratégicos em matéria de segurança e saúde no trabalho que tenham se pautado pela simples responsabilização dos empregadores e no aumento da carga tributária a eles imposta.

Não é ocioso enfatizar que o simplório aumento da tarifação proposto, sem qualquer contrapartida real de resultados, pode não atingir o fim que se propõe (diminuição dos riscos ocupacionais) e ainda agravar a principal ameaça identificada pelo Grupo Interministerial: o grande contingente de trabalhadores na informalidade.

Decerto que mais oportuna seria uma visão que apontasse para a cooperação do setor produtivo com o Governo, seja através na facilitação para o diagnóstico do problema como, principalmente, na redução dos índices de fatalidades no ambiente de trabalho. Acreditamos, portanto, que o caminho não é o confronto mas sim a criação de cultura de segurança e saúde no trabalho como valores fundamentais para o negócio empresarial e para a vida dos trabalhadores.

A própria proposta de Política sob análise conclui sua exposição sobre o contexto atual mencionando que "o número de dias de trabalho perdidos em razão de acidentes aumenta o custo da mão-de-obra no Brasil, encarecendo a produção e reduzindo a competitividade do país no mercado externo". Indubitavelmente, esse entendimento não se coaduna com a intenção, acima comentada, de aumento da tributação das empresas como medida de redução de ocorrências. Numa avaliação otimista, podemos assumir que a preocupação com o custo da mão-de-obra brasileira e, principalmente, o reconhecimento de que segurança e saúde no trabalho também afetam diretamente o empregador, podem ser índicos de que, num futuro próximo, haja a acima defendida prevalência da cooperação sobre o aumento injustificado e indiscriminado da tarifação dos empregadores.

5.3 Objetivos Estratégicos.

5.3.1 Ampliação das ações de SST, visando a inclusão de todos os trabalhadores brasileiros no sistema de promoção e saúde.

É interessante a constatação de que esse objetivo estratégico, em que pesem as lacunas conceituais acima mencionadas, é muito semelhante o primeiro objetivo definido pela OSHA (tratado no item 4.2.1 acima). Embora partindo de premissas e conceitos distintos, ambas as Unidades Organizacionais alçam ao nível de objetivo estratégico a necessidade de aumento da intervenção nos ambientes de trabalho, visando abranger e proteger o maior número possível de trabalhadores.

Por outro lado, as ações determinadas para o alcance de tal objetivo estratégico são completamente diferentes. O Grupo Interministerial brasileiro propõe como principal ação "a aprovação de dispositivos legais que garantam a extensão dos direitos à segurança e saúde do trabalhador para aqueles segmentos atualmente excluídos". Por outro lado, a OSHA, como visto acima, procura otimizar os resultados auferidos com as suas fiscalizações.

Entendemos que, nesse particular aspecto, a proposta brasileira não acerta quando define uma ação que não dela depende exclusivamente, já que a alteração legislativa perseguida enseja a participação efetiva de outros stakeholders. Ou seja, não há como se auferir os resultados da ação ora proposta, com vistas ao alcance do determinado objetivo estratégico.

Corre-se o risco, diante disso, de se perder a oportunidade de desenvolver ações efetivas que visem à eliminação de ocorrências na área de segurança e saúde no trabalho. Obviamente, não se defende aqui uma desenfreada fiscalização com fins meramente estatísticos e de arrecadação. Vislumbra-se como alternativa mais pertinente o aumento da presença do Governo como líder no processo de criação de cultura de segurança e saúde no trabalho, através de fiscalizações que orientem e busquem a parceria dos empregadores, sem, obviamente, deixar de punir aqueles que, deliberadamente, não pretendem participar desse processo.

5.3.2 Harmonização das normas e articulação das ações de promoção, proteção e reparação da saúde do trabalhador.

As principais ações listadas na proposta brasileira como passos a serem seguidos para se atingir esse objetivo estratégico são: (i) Instituir um Plano de Segurança e Saúde do Trabalhador, envolvendo Governo e sociedade civil; (ii) Normatizar, através de Portarias Interministeriais, ações integradas no âmbito da segurança e da saúde no trabalho; (iii) Adotar regras comuns para todos os trabalhadores; (iv) Atuar nas negociações de reforma trabalhista; (v) Reorganizar os Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho – SESMT; e (vi) Articular e integrar as ações de interdição nos locais de trabalho.

Com exceção da ação "(vi)" que será objeto da análise separada abaixo, todas as demais representam ou podem representar efetivas melhorias nos ambientes de trabalho. Entretanto, têm conteúdo meramente programático, sem compromisso com resultados mensuráveis e previamente determinados. Ou seja, são ações que podem até ser inócuas, eis que não se pode auferir com exatidão os resultados que elas proporcionarão.

Vale aduzir que o ora comentado objetivo em si é questionável já que a harmonização de normas – reconhecidamente necessária – não deveria ter o status de objetivo estratégico mas sim de ação que, se bem sucedida, pode ensejar um resultado que tenha o condão de suportar um objetivo estratégico maior.

5.3.3. Precedência das ações de prevenção sobre as de reparação.

Ainda que somente em princípio, é louvável esse objetivo, já que, em matéria de segurança e saúde no trabalho, que envolve sobretudo a vida e o bem estar de seres humanos, deve-se sempre buscar a prevenção dos riscos.

Entretanto, nem todas as várias ações listadas como suportes ao referido objetivo se prestam efetivamente a garantir o seu alcance. Uma delas, por exemplo, é a adequação dos critérios de financiamento e concessão da aposentadoria especial que, certamente, não passa por qualquer ação de prevenção, eis que se remete especificamente ao problema de arrecadação X financiamento. Tal ação pode encontrar justificativa no estudo do custeio da Previdência Social mas não possui efetividade na precedência da prevenção sobre a reparação em matéria de segurança e saúde no trabalho.

Outras ações propostas podem ter maior chance de causar algum impacto positivo na sociedade. Bons exemplos são (i) o estabelecimento de política tributária que privilegie empresas com melhores índices de segurança e saúde no trabalho e (ii) a criação de linhas de financiamento subsidiado para a melhoria dos ambientes de trabalho de pequenas e médias empresas.

Essas ações denotam incentivos diretos e indiretos aos empregadores engajados, que já enxergaram as várias vantagens de se cuidar bem da segurança e da saúde dos seus trabalhadores. Esses atores do setor produtivo entenderam que as boas práticas de segurança e saúde no trabalho são alavancas de resultados e agregam valor ao negócio empresarial.

Por outro lado, há que se ter muita cautela com outras ações propostas, que impõem severas limitações ao setor produtivo, como a que prevê a instituição de requisitos de segurança e saúde no trabalho em processos de licitação com a Administração Pública. Isso porque o uso equivocado de tal restrição pode afetar o desenvolvimento da economia do país. De mais a mais, acreditamos que não há possibilidade de reversão na tendência de exclusão do mercado dos empregadores que não desenvolvam a cultura de segurança e saúde no trabalho.

5.3.4. Estruturação de rede integrada de informações em saúde do trabalhador.

Trata-se de objetivo estratégico que semelhante ao terceiro objetivo definido pela OSHA (tratado no item 4.2.3 acima) que se presta a incrementar a estrutura e as ferramentas de trabalho da Unidade Organizacional responsável pela segurança e pela saúde no trabalho no país. Além disso, constata-se que tal objetivo está alinhado com uma das ameaças identificadas pelo Grupo Interministerial, qual seja, a dificuldade no diagnóstico das oportunidades de melhoria no ambiente de trabalho.

Caso as ações propostas (dentre outras, padronização de conceitos e critérios em relação aos riscos ocupacionais, estímulo a estudos e pesquisas em matéria de segurança e saúde no trabalho e garantia de alocação de recursos públicos para financiamento dessas linhas de pesquisa) sejam bem sucedidas, concordamos que o objetivo estratégico em questão estará atendido.

Vale aduzir que as ações acima mencionadas, de todas as elencadas na proposta brasileira, são as que melhor permitem a mensuração dos respectivos resultados já que a estruturação da rede integrada de informações justamente é o caminho mais indicado para a nítida averiguação dos impactos das referidas ações.


6. Gestão, Acompanhamento e Financiamento da Política Nacional de Segurança e Saúde do trabalhador.

A proposta brasileira contém, ainda, regras sobre gestão, acompanhamento e financiamento das ações governamentais. A gestão da Política é entregue ao denominado Grupo Executivo Interministerial de Segurança e Saúde do Trabalhador – GEISAT, integrado por representantes dos Ministérios do Trabalho e Emprego, da Previdência Social e da Saúde. Caberá a esse Grupo a revisão periódica da Política e o estabelecimento de validação e controle social. A partir de suas deliberações (sendo a principal delas a criação do "Plano de Ação de Segurança e Saúde do Trabalhador"), serão constituídos outros grupos intersetoriais regionais de segurança e saúde no trabalho, que terão a responsabilidade de coordenar as ações governamentais em suas respectivas áreas de atuação.

Determina-se, por fim, que a área de segurança e saúde no trabalho deve ser contemplada no orçamento da União e que "aos recursos da União serão adicionados recursos originários da tributação específica, respeitado o princípio: ‘quem gera o risco deve ser responsável pelo seu controle e pela reparação dos danos causados’".

Não há, por outro lado, regras claras a respeito de como serão aplicados tais recursos com vistas a gerar resultados específicos e definidos, que suportem os objetivos estratégicos.


7. Comentários finais.

Da comparação entre os dois planejamentos estratégicos acima comentados, pode-se concluir que no Brasil ainda há considerável espaço para melhoria no que diz respeito à gestão pública em matéria de segurança e saúde no trabalho.

Identificamos a utilização em larga escala de conceitos ultrapassados que não correspondem às melhores práticas em gestão pública adotadas hoje em dia. Levando-se em consideração que vivemos numa sociedade cada vez mais globalizada, entendemos que a gestão pública deve seguir conceitos que se prestam unicamente a viabilizar a efetivação, com qualidade, das políticas públicas definidas pelos Governos.

Acreditamos que não há mais espaço, portanto, para gestão pública sem foco em resultados, com Missão, Visão e Valores indefinidos, que não têm o condão de iluminar o caminho para a elaboração de um sólido planejamento estratégico. A proposta brasileira, nitidamente, ainda privilegia os produtos das suas ações em vez de focar seus esforços nos resultados que eles proporcionam.

É importante que as verbas alocadas em ações decorrentes de planejamentos estratégicos sólidos sejam tratadas como investimentos feitos pelos contribuintes que devem ter o direito de avaliar os resultados atingidos por aqueles recursos. Os planejamentos estratégicos das Unidades Organizacionais, portanto, não devem ter espaço para ações de conteúdo meramente programático, inócuas, que não guardem estrita relação com os objetivos estratégicos e cujos resultados não podem ser claramente auferidos.

Especificamente no que tange à segurança e à saúde do trabalhador, acreditamos, sem a mínima pretensão de esgotar o assunto, que o melhor caminho a ser seguido passa pela criação de uma sólida cultura, defendida na Visão da OSHA acima estudada, entre os empregadores e os empregados. Cremos na maior efetividade da conscientização coletiva da segurança e da saúde dos trabalhadores como valores indispensáveis aos empregadores e aos empregados em detrimento da adoção da simples repressão consubstanciada em intervenções estatais (fiscalizações) sem compromissos com resultados estratégicos. Assim, devemos preferir ações integradas e cooperativas entre o Governo e os seus stakeholders do que intermináveis litígios nos tribunais.


FONTES

Home page do Ministério do Trabalho e Emprego: www.mte.gov.br. Proposta de Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador: http://www.mte.gov.br/empregador/segsau/conteudo/7307.pdf Verificado em agosto e em 28.11.2006

Occupational health & safety administrations (OSHA), 2003-2008 strategic management plan - Disponível na internet em: http://www.osha.gov/StratPlanPublic/oshastratplan1.html. Verificado em agosto e em 28.11.2006.

CUNHA, Armando e OTERO, Roberto Bevilacqua, Apostila "Gestão e Orçamento. MBA em Poder Judiciário. FGV-Direito. Rio de Janeiro, 2006.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Rodrigo Moreira de Souza Carvalho

advogado no Rio de Janeiro (RJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Rodrigo Moreira Souza. Ensaio sobre as políticas públicas de segurança e saúde dos trabalhadores no Brasil e nos Estados Unidos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1251, 4 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9236. Acesso em: 26 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos